Fonte: Estadão - Veja também no "Arquivo" do
WirelessBR
[22/07/01]
ENUM - a integração de
acesso a serviços em redes por
Michael Stanton, Diretor de Inovação da Rede
Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP)
Com a explosão do uso de máquinas de
facsímile (fax) no início dos anos 90, o que coincidiu no EUA com o início
da Internet comercial, não tardou para alguém descobrir a possibilidade de
economizar telefonemas de longa distância, combinando o uso de correio
eletrônico para envio de fax. A idéia seria de enviar a mensagem via
correio até um servidor de fax, de onde seria reenviada via chamada
telefônica local à máquina fax do destinatário. Isto foi descrito primeiro
por Carl Malamud e Marshall Rose em 1993, e pode ser encontrado, por
exemplo em RFC 1529. Estes dois montaram uma cooperativa de entidades e
pessoas dispostas a operar servidores fax para suas localidades, que
passou a oferecer um serviço público e gratuito de fax (v.
www.tpc.int).
Desde 1995, o serviço é administrado por Darren Nickerson, e hoje atinge
mais de 30 países. No Brasil, servidores operam apenas nas cidades de Rio
de Janeiro, Campinas e Manaus, possivelmente por desconhecimento da
existência deste serviço de outras entidades que pudessem participar da
cooperativa.
Ao que eu saiba, foi esta a primeira aplicação que usava a Internet junto
com a rede de telefonia para implementar um serviço. Mais recentemente
surgiu a telefonia IP, que estendeu para a Internet alguns padrões de
comunicação usadas em telefonia convencional, e que possibilita que duas
(ou mais) pessoas conversarem usando transmissão via a Internet, quando
pelo menos uma delas está usando um telefone convencional. A tendência é
que a comunicação entre as pessoas passe a ter sempre mais opções de se
realizar, e já podemos citar correio eletrônico, fax, pager, mensagens
instantâneas, telefone IP, telefone celular e telefone fixo. A lista
continua crescendo, e envolvendo diferentes redes e sistemas de entrega.
Em conseqüência, criou-se um problema sério, o de gerir as informações
sobre estas alternativas de acesso. Afinal, um cartão de visitas pode-se
tornar pequeno para caber todas as alternativas, e ainda mais não resolve
o problema de manter atualizadas as informações.
Uma solução muito interessante apareceu há
menos de um ano com a proposta de uma modificação do
Domain Name System (DNS), o diretório global de nomes usados na
Internet, para incluir nele a capacidade de tradução de nomes DNS para
outros nomes, e não apenas para endereços de computadores. O novo objeto
guardado em repositórios DNS se chama um NAPTR (Naming Authority Pointer),
e ele inclui uma fórmula (algoritmo) usada para fazer esta tradução (v.
RFC 2915). Para um dado nome de consulta, poderá haver várias objetos
NAPTR, que gerariam diferentes opções para fazer acesso ao recurso remoto,
e estas alternativas poderiam incluir serviços alternativos, como
telefonia, fax e correio eletrônico. Através deste mecanismo poderíamos
associar todas estas diversas formas de acesso a um único nome de
referência, desde que este pudesse ser bem definido.
Uma solução possível para este nome de
referência é o número de telefone do interessado, que muito bem poderia
identificá-lo unicamente. Para permitir criar um nome DNS a partir de um
número telefônico, o RFC 2916 propõe a seguinte correspondência: a partir
do número internacional do telefone, no formato
+55 21 2717 0970,
por exemplo, forma-se o nome DNS 0.7.9.0.7.1.7.2.1.2.5.5.e164.arpa. Nesta
transformação invertemos a ordem dos dígitos e separamos estes por pontos,
acrescentando o sufixo e164.arpa. (E.164 é a recomendação da União
Internacional de Telecomunicações (ITU) que define o plano de numeração
dos telefones.) Este esquema foi batizado de ENUM, de número
eletrônico. A combinação do ENUM com o uso de registros NAPTR permitiria
então indicar as diferentes formas de contatar uma pessoa, por exemplo,
através de telefonia Internet, correio eletrônico, telefone convencional
ou fax, em ordem de preferência, e o sistema de quem deseja realizar a
ligação poderá escolher a forma mais apropriada na hora. Em função disto
seria necessário anunciar, portanto, apenas um número de contato, o número
de telefone, para cada pessoa, e o DNS proveria todas as demais
informações.
Este esquema caiu no gosto de muitos, por
causa da escala da operação necessária para montar a base de dados do DNS
correspondendo ao domínio e164.arpa. Isto já provocou um cabo de guerra
entre duas empresas potentes da era moderna, por um lado, a Network
Solutions Inc. (NSI), que agora pertence à Verisign Inc, a gigante da
certificação digital, e administra os nomes DNS dos domínios .com, .net e
.org, e, por outro, a NeuStar Inc., que supervisiona a lista de números
telefônicas para América do Norte.
Mais significativo, talvez, seja o súbito
interesse da própria ITU pela Internet. Durante muitos anos, a ITU, órgão
da ONU que representa os interesses da comunidade de empresas de
telecomunicações até recentemente monopólios estatais na maioria de
países, defendia fortemente uma alternativa à tecnologia Internet chamada
OSI (Open Systems Interconnection). Em muitos países, inclusive no Brasil,
a tecnologia OSI chegou a ser decretada como a única solução admissível
legalmente para montar redes de computadores, sob o controle do monopólio
estatal de telecomunicações. Esta camisa de força acabou sendo rompida
pelas vantagens técnicas, administrativas e econômicas da alternativa
Internet, que subverteu o esquema OSI, inicialmente na comunidade
acadêmica internacional e nas redes corporativas das grandes empresas. A
OSI ruiu nos anos 90 com a explosão da Internet comercial. Mais
recentemente os interesses tradicionais da ITU têm sido ainda mais
pressionados pelo aparecimento da telefonia IP, que poderá transitar na
Internet, esculhambando todo o esquema cuidadosamente montado pela ITU
para manter controle da telefonia internacional nas mãos das empresas
tradicionais de telecomunicações.
A proposta da criação do domínio e164.arpa
objetiva estender o DNS para o terreno da ITU, que administra a numeração
E.164. Seria, portanto, algo natural que a ITU assumisse a
responsabilidade por administrar o novo domínio. Ainda não se sabe
exatamente o que isto significa, mas o pessoal da ITU já saiu em campo em
defesa deste novo projeto (www.itu.int/infocom/enum).
E é um projeto vultoso, porque é de se esperar que o tráfego de consultas
a este domínio seja pelo menos tão intenso quanto o tráfego atual do DNS,
que passa pelos 12 servidores do domínio raiz. A principal preocupação da
ITU é com os níveis mais altos da hierarquia da numeração E.164, que
dependerá de servidores continentais, e depois nacionais. Aliás, é
explícito que haveria uma administração nacional em cada país para seu
quinhão do domínio e164.arpa, e é mais do que claro que esta deveria ser
exercida por empresas de telecomunicações. Resta ver quais as
conseqüências disto em termos de custo ao consumidor, quando hoje em dia
vemos que o Registro.br cobra R$40 por ano para cadastrar um nome DNS
convencional. Devemos lembrar também que, enquanto cadastrar um domínio
DNS convencional dá o direito de criar outros subdomínios, isto não seria
uma alternativa para o cliente final do domínio e164.arpa, por este
domínio não ser organizado hierarquicamente para usuários finais (exceto
para aquelas organizações que utilizem DDR - discagem direta ao ramal). Dá
para entender porque poderia interessar a muitos a existência deste
mercado, e seria de esperar que pudesse ser encontrada uma forma de
descentralizar seu atendimento e promover concorrência em ofertar o
serviço para beneficiar os usuários.
Como cada país terá que resolver este
problema individualmente, este será mais um que futuramente cairá no colo
tanto do Comitê Gestor Internet, como da Anatel.
Michael Stanton (michael@ic.uff.br),
que é professor titular de redes do Instituto de Computação da
Universidade Federal Fluminense, escreve neste espaço todas as semanas
sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a
sociedade. Os textos das colunas anteriores também estão disponíveis para
consulta.