A Telefonia sobre o protocolo IP, usando a
tecnologia de VoIP, pelo seu amadurecimento e pelo crescimento da Banda
Larga no acesso local já iniciou um ciclo de expansão em escala mundial
que não tem retorno. Em poucos anos, todo o serviço de telefonia se
baseará nessa nova arquitetura e seu modelo de negócio sofrerá uma grande
transformação.
O mundo da telefonia TDM, que até agora,
ainda serve de infra-estrutura para o novo mundo da Internet tende a
desaparecer e se transformar neste que ajudou a criar. A disseminação da
banda larga em larga escala – wired e, cada vez, mais wireless – é o
catalizador que faltava para todo o sistema de comunicação de qualquer
tipo passar a trafegar digitalmente sobre uma nova arquitetura suportada
pelos protocolos TCP e IP e outros adicionais que formam as esperadas
redes NGN.
Neste contexto, dois ambientes
conceitualmente diferentes, o da telefonia TDM e o da Internet, começam a
se fundir e, como em todas as grandes mudanças tecnológicas, coexistem
durante esse processo de transformação. Uma das partes do modelo de
telefonia que já passa por transformações e que em cada pais está em
estágio diferente é a interconexão das redes das diversas operadoras.
Partindo do histórico do Peering Internet no
Brasil, este tutorial analisa o VoIP Peering, suas alternativas e alguns
dos diversos modelos existentes no mundo. Finalmente ele aborda a
necessidade de um novo modelo padrão de numeração e endereçamento dos
usuários, o ENUM, Eletronic Number.
VoIP Peering: Histórico
No Brasil em 1995, pela intervenção do então
Ministro Sérgio Mota, a Internet Comercial, escapou parcialmente do
monopólio, que estava sendo preparado pela Embratel. Conseqüentemente, o
mercado floresceu rapidamente através dos Provedores de Internet – ISPs –
que tiveram uma reserva de mercado, por vários anos, na oferta de acesso e
na captura dos clientes.
Porém, uma parte importante deste novo
mundo, ficou ainda sob o monopólio da Embratel, mesmo depois de sua
privatização: o backbone da Internet, nacional e internacional.
Todos os ISPs tinham que se conectar ao
backbone da Embratel para que o usuário de um ISP pudesse enviar e-mails
para o usuário de outro ou acessar algum conteúdo nacional ou
internacional. Por exemplo, considerando-se que ambos os usuários ou um
usuário e o conteúdo fossem da mesma cidade, pagava-se um pedágio para
conectar um ao outro pela Embratel, na maior parte das vezes sem nenhum
transporte, apenas tráfego dentro de um roteador.
Como não era – e não é até hoje –, um
serviço regulado, a Embratel podia estabelecer qualquer preço. No início,
como o conteúdo existente era, em sua grande totalidade, residente no
exterior, alguns provedores internacionais não sofriam muito com este
pedágio, contratando links de dados para acessar suas redes no exterior.
Nestes casos, um email entre dois usuários brasileiros viajava até os
Estados Unidos, ida e volta.
O grande fenômeno brasileiro de criação de
conteúdo em território e língua nacional, em pouco tempo, fez com que o
tráfego de quase 90% internacional e 10% nacional passasse a ser o
inverso, aumentando o poderio do monopólio. As concessionárias locais,
preocupadas em se organizar e, algumas, em antecipar suas metas, e também
sem muito conhecimento da Internet ficaram muitos anos sem criar
competição à Embratel nesse segmento.
Como a Internet nasceu no meio acadêmico e
levou algum tempo para se tornar um negócio comercial, as primeiras
iniciativas de interconexão do tráfego entre provedores (Peering), que
evitava que parte do tráfego passasse pela Embratel, nasceu de uma mescla
das redes acadêmicas com as redes comerciais, como já havia acontecido
anos antes nos Estados Unidos.
Nasceram assim os Pontos de Troca de Tráfego
(PTTs) a nível nacional com a RNP (Rede Nacional de Pesquisas). No estado
de São Paulo, principal região de crescimento da Internet, o PTT foi
terceirizado e abrigado pela Fapesp que também assumiu a administração dos
domínios (endereçamento na Internet).
Estes fatos geraram um dos grandes entraves
para o desenvolvimento de um sistema de Peering eficiente: o conceito
acadêmico do serviço grátis prevaleceu sobre o conceito comercial e, até
hoje, atrapalha a criação de um modelo de negócios eficiente e de
qualidade na Internet brasileira, diferentemente de outros países, não só
os mais desenvolvidos, mas também como exemplo, o existente na Argentina.
Naquele momento inicial, também os ISPs
estavam mais preocupados em conseguir linhas telefônicas para acesso por
parte de seus clientes com as novas concessionárias locais, outra
dificuldade no nascedouro deste grande mercado.
Com o crescimento da Internet, que apesar do
“estouro da bolha” não sofreu impacto no crescimento de seu tráfego,
várias outras iniciativas, pois o modelo acadêmico e grátis não atendia ao
aumento exponencial de capacidade e aos requisitos de qualidade exigidos
pelo mercado comercial. Em pouco tempo a Internet revelou-se um bom
negócio e um meio de comunicação essencial para todos, empresas e
consumidores.
Alguns modelos foram implantados pelo
mercado comercial como:
Interligação direta entre grandes
provedores;
Interligação dos Data Centers;
O PTT, inadequadamente chamado de NAP (Network Access Point), da Abranet
(Associação dos ISPs);
O PTT, também inadequadamente chamado NAP, da TelComp (Associação dos
Prestadores de Serviço de Telecomunicações, novos entrantes autorizados e
não concessionários).
As concessionárias de telefonia local, já com suas metas atendidas,
percebendo o grande mercado, iniciaram suas tentativas de conquistar uma
fatia do mercado da Embratel. Também algumas operadoras internacionais,
que iniciavam a operação de novos cabos submarinos de fibras ópticas,
demonstraram interesse no mercado.
O aparecimento dos Provedores de Acesso a
Internet grátis fez com que os ISPs iniciassem duas grandes batalhas junto
a Anatel. Primeiro, contra as concessionárias e autorizadas locais pelo
subsídio do acesso concedido a seus provedores grátis, o chamado sumidouro
de tráfego possibilitado pelas tarifas de interconexão de telefonia.
Segundo, contra o monopólio do backbone da
Embratel. Naquele momento, a Anatel não conhecia esse novo mundo da
Internet, as operadoras também não e os ISPs pouco entendiam da
regulamentação, pois não eram prestadores de serviços de telecomunicações
(apesar das autoridades tributárias iniciarem outra guerra contra os ISPs
para cobrar o ICMS, ignorando a LGT, algo até hoje não resolvido
totalmente).
Em outros países, uma mescla de modelos de
Peering privados e PTTs públicos com modelos adequados de negócio
conseguiram equacionar satisfatoriamente o problema. Mas, no Brasil,
nenhum dos modelos de Peering até hoje se estabeleceu de uma forma
satisfatória, apesar de todas essas iniciativas. Porém um grande objetivo
foi atingido: a redução dos preços dos backbones internet nacionais.
VoIP Peering: Modelo OSI para VoIP Peering
A telefonia sobre IP, mais conhecida por sua
tecnologia Voz sobre IP, desde o início da Internet, começou a se
desenvolver no mundo pela iniciativa de alguns visionários persistentes,
como Jeff Pulver.
Agora, com uma tecnologia totalmente
amadurecida, é uma realidade de negócios que cresce a passos muito
rápidos, inclusive no Brasil onde em menos de um ano passamos a ter mais
de 40 Provedores de VoIP, sem contar os fenômenos internacionais Vonage e
Skype que abalaram o mundo das telecomunicações.
O ponto é que a VoIP – serviço de telefonia
sobre o protocolo IP em redes privadas ou sobre a Internet pública – cada
vez mais se expande no mundo IP. Porém a imensa maioria dos usuários de
telefonia está conectada no mundo da telefonia tradicional de mais de 100
anos, o mundo das PSTNs sobre tecnologia TDM.
VoIP ainda é um conjunto de ilhas isoladas,
conectando-se às PSTNs com seus altos custos e no modelo secular, apesar
de todo os avanços tecnológicos. Essa situação permanecerá enquanto as
grandes operadoras dominarem o mundo da telefonia com suas redes TDM já
amortizadas.
Um dos caminhos para quebrar esta barreira é
o Peering de VoIP, ou seja, provedores de VoIP se interconectarem em um
modelo parecido com o Peering da Internet, conseguindo assim oferecer
comunicação entre usuários de diversas redes IP, com terminais PCs ou
telefones digitais ou analógicos, sem passar pelas redes PSTNs.
Ou seja, a telefonia para ter as vantagens
do mundo VoIP, terá que ter um modelo totalmente IP, de preferência via
Internet pública, hoje de alta qualidade.
Os VoiP Peering points que já começam a ser
implementados em várias partes do mundo irão substituir os grandes pontos
mundiais de interconexão da rede de telefonia TDM, como 60 Hudson Street,
NY, 1 Wilshire Blvd, LA e outros, porém em uma escala muito maior, locais,
regionais, nacionais e internacionais, usando a Internet.
Porém, como no Peering da Internet, 3
elementos precisam ser bem definidos para sua viabilidade:
- Modelo tecnológico;
- Adesão de um número significativo de participantes
- Modelo de negócios escolhido (o mais importante)
Para entendermos as possibilidades de
estabelecimento de Peering entre duas redes VoIP temos que entender como
fica o modelo OSI e suas várias camadas e protocolos. O VoIP Peering pode
ocorrer nas camadas 1, 2, 3, 5 e 7. Dependendo da situação, existem
modelos de interconexão de VoIP que combinam alguns dos vários níveis do
modelo.
Os dois principais componentes que
viabilizam a interconexão VoIP são ENUM e SIP, que, em conjunto, completam
o endereçamento e permitem o uso da internet ou da rede da PSTN.
O Peering de Internet atua apenas até o
nível intermediário de Rede e Transporte, e muitos que hoje são chamados
de VoIP Peering ainda se limitam ao mesmo, principalmente quando em uma ou
nas duas pontas usuárias está uma rede tradicional PSTN.
A maior complexidade ocorre destes níveis
para cima, sendo o mais complexo o nível de sessão, o do endereçamento,
que para o Peering de Internet, é o mais simples, quando trafegamos apenas
dentro do mundo IP.
Os componentes chave do VoIP Peering são:
Ethernet – conexão física que saiu dos seus
domínios das LANs para se tornar a melhor e mais barata solução de
transporte a nível metropolitano, de longa distância e de interconexão com
as Switches Gigabit Ethernet;
ENUM – Eletronic NUmber Mapping – novo padrão de numeração para o ambiente
VoIP em substituição ao padrão E.164 das redes TDM, essencial na
interconexão para prestação de serviço VoiP ao usuário final ou para o
Peering privado entre empresas ou entidades (já sendo muito utilizado no
exterior para bypass das PSTNs);
SIP (Session Initiation Protocol) – Protocolo já consagrado na camada de
aplicação VoIP, nível de interconexão para Peering entre operadoras ou
para conexão a PBXs corporativos.
O elemento essencial para uma transição
para a telefonia VoIP é o ENUM. Apesar de já existir um padrão definido
pelo IETF (RFC 3761) e defendido pela UIT, o ENUM, unindo o formato de
endereçamento dos dois mundos (Internet e Telefonia) até em seu formato
e164.arpa (padrão TDM e arpa, uma das primeiras redes da Internet) cria um
endereço relacionando um número telefônico tradicional a um endereço SIP
(que contém o domínio internet do provedor).
Trata-se de um banco de dados compartilhado
entre dois ou mais provedores, no modelo Internet dos DNS. Não existe
ainda um consenso a seu respeito na UIT, possivelmente pela falta de
interesse das grandes operadoras que não querem ainda incentivar o uso
intensivo da VoIP. No entanto, o padrão ENUM já foi adotado por agências
reguladoras de alguns países, como a Áustria, e iniciado nos Estados
Unidos, Austrália e outros países.
Outro embate existente é entre quem deve
administrar os novos domínios se a UIT, autoridade mundial das
telecomunicações, ou o ICANN, autoridade mundial da Internet.
Algumas bases de dados de ENUM são:
e164.org – ENUM livre – acesso via Internet;
e164info – ENUM lookup;
VPF (Voice Peering Fabric) – Peering Ethernet Switch + ENUM database –
Stealth Communications Inc.
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(*) Sobre os autores:
Álvaro Marques
Bacharel e Pós Graduado em Física pela Universidade de São Paulo é
atualmente:
Diretor Geral da AMTel – Tecnologia em Comunicação Ltda;
Sócio Diretor da SCAE Comunicação e Marketing;
Membro do Conselho da Itelogy Partners.
Tem mais de 30 anos de experiência em Informática e Telecomunicações tendo
atuado nos ultimos 12 anos como executivo em várias empresas do setor de
telecomunicações e Internet como: IBM (Network Services), MetroRED
Telecomunicações, RSLCom, Band-X e SAVVIS Communications, e tem atuado
como consultor em Telecomunicações e Internet nos últimos 2 anos pela
Itelogy e pela AMTEL.
De setembro de 2004 a Junho de 2005 representou a operadora internacional
BtNA, do Grupo PCCW de Hong Kong, como Business Developer para o Brazil no
desenvolvimento de acordos de troca de trafego e serviços de telefonia,
VPNs, Internet e Hosted PBX, todos de nova geração sobre a plataforma IP.
Nos ultimos 2 anos tem também se dedicado, através da SCAE Comunicação e
Marketing, a area de eventos, principalmente para o setor de tecnologia. A
SCAE é responsável por toda a organização e execução do Painel da
Telebrasil, já há dois anos, inclusive pelo desenvolvimento to tema e a
coordenacão técnica da conferência. Entre outros organizou eventos para a
TelComp, Cisco e o ISP Show e tem prestado assessoria a outras empresas
nessa area.
Tem participado ativamente desde 1997 das discussões sobre Regulamentação
de Telecomunicações, destacando-se na regulamentação de Internet via Cabo,
Regulamentação do SCM e do SCD.
Participou nos últimos anos das discussões sobre Peering Internet, com
participação ativa na experiência do NAP Abranet e no desenvolvimento do
NAP TelComp.
É também Sócio Honorário e Fundador da ABRANET – Associação dos Provedores
de Internet, e Membro Honorário e um dos fundadores da TelComp –
Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços Telecomunicações
Competitivas, tendo sido seu 1º. Presidente.
E-mail:
alvaro@scae.com.br
José Barbosa Mello
Mestre de Ciências (Stanford 1974)
Engenharia Mecânica (EPUC-RJ 1966)
José Barbosa Mello é sócio e diretor do Teleco, o mais visitado site de
informações e uma referência do mercado de telecomunicações do Brasil. É
ainda presidente do Conselho de Administração da Pointer Networks (Vex) e
conselheiro de outras empresas do setor de telecom.
É Presidente do Comitê de TIC - Tecnologia da Informação e Comunicação da
Amcham - SP, Câmara Americana de Comércio de São Paulo.
Barbosa iniciou o projeto (1998), foi presidente e posteriormente
vice-presidente de operações, parcerias e planejamento estratégico da
Pegasus Telecom. A empresa construiu uma rede urbana e interurbana de
6.500 km de fibras ópticas na região Centro-Sul e atualmente oferece
soluções de comunicação corporativa em mais de 20 cidades da região. Em
dezembro de 2002, desligou-se da Pegasus, após a venda da empresa.
Anteriormente, trabalhou na Odebrecht onde foi o responsável geral pelo
consórcio Avantel, concorrente da Banda B da telefonia celular, formado
também pela Airtouch (hoje Vodaphone), Camargo Corrêa, Unibanco e grupo
Folha da Manhã. Foi ainda Diretor Superintendente da empresa Soluções
Integradas Prolan, que atua no segmento de redes corporativas.
Sua experiência profissional anterior inclui vários cargos de direção na
área financeira e de engenharia, entre eles de fundador e diretor do Banco
Goldmine, diretor financeiro do Grupo Veplan-Residência e diretor
financeiro da EBE - Empresa Brasileira de Engenharia.
É formado em engenharia pela PUC-RJ e Mestre em Ciências pela Stanford
University, USA. Tem boa experiência como palestrante em seminários no
Brasil e nos Estados Unidos.