Tele.Síntese – Algum exemplo dessa legislação regulamentadora?
Leite – A Lei de TV a Cabo, para mim, é um exemplo desse problema, pois, ao
longo dos anos ela só prejudicou o segmento de TV por assinatura.
Tele.Síntese – De que maneira?
Leite – Essa lei ficou desatualizada rapidamente, estabeleceu restrições de
capital que não são precisas, trazendo interpretações diversas. Do jeito que
está escrita a lei, o capital brasileiro nas concessionárias de TV a cabo
pode ser quase zero, ao invés de 51% como se apregoa.
Tele.Síntese – O sr. quer dizer o capital total, não é? Mas o controle (ou
51% das ações) têm que estar em mãos de brasileiros, não?
Leite – Não é isso que diz a lei e não é assim que muitas concessionárias de
TV a cabo estão constituídas. A Lei de TV a Cabo diz que 51% das ações de
uma concessionária de TV a cabo têm que estar em mãos de pessoas físicas
brasileiras. Mas essa mesma lei diz, também, que essa mesma concessionária
pode ser controlada por outra pessoa jurídica que também tenha 51% nas mãos
de brasileiros, e mais outra e mais outra. Dependendo da cadeia de controle,
o controle de brasileiros sobre a operadora de TV a cabo se reduz a quase
zero.
E há esses exemplores no mercado brasileiro. Há concessionárias de TV a cabo
no Brasil que têm nove empresas controladoras sobre a sua estrutura. Nesse
caso específico, se fizermos uma conta simples, para sabermos quanto de
capital nacional efetivamente existe na operadora, basta que elevemos os 51%
à oitava potência, o que significa que, na concessionária, a representação
do capital nacional é menor do que 0,05% (meio por cento). Então, o capital
nacional da Lei do Cabo é uma balela.
Uma balela, mas que atrapalhou muito o setor, porque, ao definir o capital
em 51%, isso espantou os investidores estrangeiros. No boom das
telecomunicações, a Anatel vendeu várias outorgas de TV a cabo que não foram
em frente, porque faltou investimento. Os investidores estrangeiros ficaram
assustados quando alguém dizia que a concessionária “só pode ser de
brasileiro”. Mas, na realidade, não é isso o que acontece, já que, no final,
uma concessionária terá meio por cento de capital brasileiro e 99,5 de
capital estrangeiro.
Tele.Síntese – Esse é o caso da Telmex na Net, por exemplo?
Leite – É. Mas há outros exemplos. E quando me refiro a essa cadeia, estou
falando apenas das ações nominativas, já que as preferenciais, que são 2/3
das nominativas, não têm restrição alguma.
Tele.Síntese – O sr. não acha que essa cadeia de controle que diminui a
participação do capital estrangeiro desvirtua o princípio da Lei do Cabo?
Leite – Não, porque, justamente, a Lei do Cabo não fala que a
concessionária, a operadora de cabo, é que deve ser controlada por
brasileiro. A lei diz que a concessionária deve ter sede no Brasil e pelo
menos 51% da propriedade das ações (e não o controle) nas mãos de pessoa
física ou de pessoa jurídica brasileira. E quando fala em pessoa jurídica,
aí sim fala que essa pessoa jurídica é que deve ser controlada por
brasileiro. Ou seja, a concessionária deve ter 51% de capital ou pessoa
física brasileira ou pessoa jurídica brasileira. Só.
Tele.Síntese – Mas a 101 não “amarra” essa cadeia de controle?
Leite – A 101 só pode ser aplicada nos limites da Lei. E a Lei do Cabo fala
que o controle de 51% deve estar na pessoa jurídica que controla a
concessionária. A 101 única e exclusivamente define o que é controle. E a
primeira pergunta que ela busca responder é: quem é que deve ser controlado?
E, no caso da Lei do Cabo, é a holding, e não a concessionária. Então, a 101
vai obrigar que a pessoa física que está na última empresa da cadeia de
controle seja controladora da holding, mas pára aí. Ela não pode chegar à
concessionária.
Tele.Síntese – Mas, se se controla o controlador, não está-se controlando a
operadora?
Leite – Depende do controlador. Ele pode estabelecer no acordo de acionistas
que quer ter representantes dele no conselho de administração da
concessionária. Ou, simplesmente, pode querer agir como investidor e não ter
qualquer representação.
Tele.Síntese – Quais foram os principais erros e acertos desses dez anos?
Leite – Vamos primeiro aos orgulhos. É indubitável que um deles é a expansão
da telefonia móvel no Brasil. O serviço móvel, não resta dúvida, foi sucesso
no mundo todo, mas no Brasil, em particular, ele recebeu uma ajuda muito
grande do regulador, quando tomou a decisão da destinação da freqüência de
1.8 GHz para a segunda geração e a de 1.9 GHz para a terceira geração,
trazendo para cá sistema de grande escala mundial, além de garantir uma
disponibilidade de espectro muito grande. Essa foi uma contribuição muito
importante do regulador para o desenvolvimento da telefonia móvel, além da
criação do serviço pré-pago.
Tele.Síntese – O sr. acha que, se a Anatel tivesse tomado outra decisão
naquela época, não haveria a expansão do celular tal como ocorre hoje?
Leite – O crescimento do celular ocorreria de qualquer maneira, porque é
assim no mundo todo. Mas o que se nota é que houve uma expansão maior nos
países mais pobres, quando se adotou a tecnologia GSM, de escala mundial.
Nos Estados Unidos, onde a tecnologia era outra, houve também a expansão,
mas lá a renda per capita é muito diferente e, mesmo com a tecnologia mais
cara, eles vivem com isso, sem problemas. Nos países mais pobres, que
precisavam de tecnologia mais barata, o GSM, sem dúvida, ajudou muito.
Tele.Síntese – Outros acertos?
Leite – Outra contribuição, embora muita gente critique a decisão, foi a
implementação do Código de Seleção de Prestadora (CSP). Acho até que está na
hora de rever a decisão, mas, à época, foi uma contribuição grande para a
competição. A escolha, chamada a chamada, de prestadora de longa distância,
fez com que o Brasil saísse de um sistema em que só tinha uma empresa
oferecendo o serviço – que era a Embratel – e dividisse esse mercado com as
outras empresas. Se não fosse isso, dificilmente teríamos a competição tão
rápida como aconteceu nas ligações de longa distância. O incômodo de ficar
digitando mais números foi o preço que a sociedade teve que pagar para que a
competição vingasse.
A pergunta, agora, é se continua a valer a pena essa medida. Acho que, após
dez anos, vale a pena reavaliar. Ela já cumpriu seu papel. Acredito que o
sistema de pré-seleção já poderia ser tentado, principalmente na longa
distância originada no serviço móvel.
Tele.Síntese – Outro registro positivo?
Leite – Os direitos dos usuários. Esses direitos foram bem ampliados ao
longo do tempo, tanto nos regulamentos do serviço móvel pessoal, no do
serviço telefônico fixo comutado, e no de TV por assinatura. Foi um
progresso muito grande.
Tele.Síntese – Por que a Anatel demorou tanto para estabelecer os direitos
dos usuários de TV por assinatura?
Leite – Acho que foi uma questão de prioridade, já que a TV por assinatura
tinha poucos usuários. A tendência normal é a de se inserir os direitos dos
usuários em serviços que tenham quantidade grande de clientes pessoas
físicas. O Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), por exemplo, é
corporativo, por isso acho que deve-se esperar um pouco para criar direitos
de usuários, pois, com eles, vêm muitas obrigações. Acho, contudo, que no
acesso à internet banda larga, já se deveria começar a pensar em fazer um
regulamento estabelecendo esses direitos.
Tele.Síntese – E a competição? Como o sr. avalia?
Leite – A competição também está na lista de sucessos. Sem dúvida nenhuma,
ela ocorre na telefonia móvel, uma competição muito grande.
Tele.Síntese – E por que ainda uma tarifa de celular tão acima dos padrões
internacionais? Pelo estudo da Merril Lynch, o minuto móvel do Brasil é um
dos mais caros do mundo.
Leite – Esse preço vai cair. O preço só começa a cair quando o mercado se
estabiliza. Enquanto há uma demanda muito grande – e no Brasil ela ainda
existe, pois a densidade está na ordem de 50% –, não há muita disputa de
preço. Quando o mercado se estabiliza, as empresas passam a competir mais
agressivamente na qualidade e no preço.
Tele.Síntese – E os fracassos?
Leite – O maior fracasso foi a não utilização dos recursos do Fust (Fundo de
Universalização das Telecomunicações). A falta de sua utilização distorceu
muito o modelo. O modelo previa que, nos locais onde não houvesse interesse
de as empresas investirem, e nas camadas sociais que não tivessem poder
aquisitivo adequado, o Fust seria usado. Como ele não foi gasto, pressionou
os outros atores a resolverem o problema. Esse foi o maior problema dos dez
anos, pois se restringiu muito o acesso banda larga no Brasil. É um problema
e uma frustação, porque nunca houve vontade política para resolvê-lo.
Tele.Síntese – Outros erros?
Leite – Tenho também algumas outras pequenas frustrações. Entre elas, a do
relacionamento com os usuários. Falta à Anatel se posicionar na questão da
proteção dos direitos dos usuários.
São duas as questões: uma é o usuário ter o direito, e quem dá esse direito
é a regulamentação. Outra, é a fiscalização para certificar se esse direito
está sendo obedecido pelas empresas. E é nesse ponto que acho que está a
fragilidade da Anatel. De início, a agência assumiu que faria essa
fiscalização para assegurar a proteção dos direitos dos usuários. E ela,
objetivamente, não tem capacidade para isso. Por outro lado, existe um
sistema enraizado na sociedade - os Procons, e Ministério Público. Acho que
Anatel deve deixar que, principalmente, os Procons façam essa fiscalização.
Notei, ao longo desses anos, que a Anatel não consegue fazer isso bem, e, se
fosse fazê-lo bem, deixaria de cumprir com suas outras atribuições
principais. Que são regular e ser um agente de equilíbrio entre os
investidores, o Poder Público e o próprio consumidor.
A agência, ao desempenhar o papel de ser o ponto de equilíbrio entre esses
agentes, e a sociedade, no que diz respeito ao consumidor, não tem
conseguido desempenhar bem esse papel. Se não existesse uma organização como
o Procon, a Anatel teria que se aparelhar para isso. Mas, como existe, acho
que merece uma reestruturação nesse sentido.
Tele.Síntese – Quanto à regulação, algum problema?
Leite – Do ponto de vista da organização da regulação, acho que a Anatel
precisa resolver a questão das outorgas.
Tele.Síntese – Caminhar para a licença única?
Leite – Entendo que não dá para caminhar para a licença única, mas a Anatel
deveria reduzir o número de licenças e criar outorgas de classes de
serviços, para poder ficar com o mínimo de outorgas possíveis e evitar que a
outorga seja um empecilho à convergência tecnológica. Está totalmente
antiquada a existência de 34 outorgas de serviços, e muitos deles nem são
mais utilizados.
Trabalhar nessa direção significa também dar mobilidade plena a todos os
serviços que utilizem radiofreqüência, pois não tem sentido se poder fazer
tecnicamente uma coisa e acabar sendo impedido por empecilhos regulatórios.
Tele.Síntese – Outros desejos?
Leite – Acho também que a Anatel precisa resolver melhor a questão da
arbitragem. A Anatel não tem conseguido fazer a arbitragem entre as grandes
empresas, nem entre as pequenas. E para melhorar esse desempenho, a agência
poderia incentivar o aparecimento de câmaras de arbitragem fora de sua
estrutura. As questões que vão parar em arbitratem dizem respeito apenas a
algumas empresas, por que, então, elas teriam que vir à Anatel? Elas
poderiam ir a uma Câmara de Arbitragem e poderiam conseguir uma solução
muito mais rápida para as divergências.
Tele.Síntese – O sr. não acha que se deveria estimular outros mecanismos de
competição para a banda larga, ou seja, evitar que as incumbents locais
também controlem esse mercado?
Leite – Os efeitos da convergência são todos positivos, portanto, aumenta
também a competição. No caso no Brasil, a convergência não traz maiores
riscos do que os que já existem, pois, como não há qualquer restrição para
as incumbents, a não ser no caso da TV a cabo em suas áreas de concessão,
não há nenhuma complicação para elas terem outras licenças. Por sinal, todos
os grandes grupos no Brasil já têm. Ter vários papéis ou ter um papel só, dá
no mesmo.
Se há algum problema de concentração por causa de licença de outorga, ele
independe da convergência tecnológica, pois não existe qualquer vedação para
as empresas terem as diversas outorgas. A convergência traz, mesmo, a
competição, isso sim.
Mas acho que a Anatel deveria continuar a trabalhar no Poder de Mercado
Significativo. Ou seja, procurar definir os mercados relevantes. A Europa
definiu os 18 mercados que considera mais importantes. O Brasil poderia
também pensar na mesma coisa.
Tele.Síntese – Esse papel deveria ser da Anatel ou do Cade?
Leite – Da Anatel, porque é ela quem conhece bem as aplicações de
telecomunicações e, portanto, pode também definir os mercados relevantes.
Tele.Síntese – E quanto à empresa nacional? Qual a sua opinião?
Leite – A empesa nacional já existe e existe uma outra quase nacional.
Tele.Síntese – E a fusão das duas?
Leite – Na verdade, tenho receios de que uma empresa puramente nacional
acabe significando um tiro no pé. Pode haver uma empresa preponderamente
brasileira, mas não se deveria descartar os investidores estrangeiros. Por
exemplo, a Telecom Italia, agora, continua com mais de 50% nas mãos do
capital italiano, mas autorizou o ingresso de um investidor estrangeiro, no
caso a Telefónica.
Tele.Síntese – Já de fora, para o sr. qual será o maior desafio da Anatel
para o próximo ano?
Leite – O modelo de custos, para que efetivamente ele possa atender às
necessidades do consumidor. Se o regulador não estiver muito preparado para
o modelo de custos, ele vai perder para as empresas, que estarão muito mais
bem preparadas só que elas terão, a partir de então, uma justificativa
regulatória para cobrar a tarifa. Não podemos correr o risco de repetir a
Holanda. Lá, depois de implantado o modelo de custos, a tarifa aumentou.
Tele.Síntese – Depois da quarentena, o sr. pretende continuar na área?
Leite – Não poderia virar dentista de uma hora para outra.
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