Fonte: O Globo
O governo federal encaminhou ao Congresso a
Medida Provisória nº 398, de 10 de outubro de 2007, que trata dos
princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados
pelo Poder Executivo, autorizando o Poder Executivo a constituir a
Empresa Brasil de Comunicação (EBC), promovendo a extinção da Radiobrás
com a incorporação de seu respectivo patrimônio.
Um dos primeiros aspectos a ser analisado
consiste na existência dos pressupostos constitucionais que autorizam a
edição de uma medida provisória sobre a referida matéria. A Constituição
exige a presença da relevância e da urgência do assunto de interesse
público enquanto fatores ensejadores da expedição da medida provisória.
Sem dúvida alguma, a organização do serviço
de radiodifusão "pública" é relevante, razão pela qual atende o primeiro
requisito constitucional. Contudo, não é possível afirmar que a matéria
seja urgente a ponto de justificar a expedição do referido ato
normativo. Pelo contrário, a organização do serviço de radiodifusão
"público" pode perfeitamente aguardar sua disciplina normativa, mediante
a discussão e aprovação na forma de projeto de lei.
Portanto, é inconstitucional a MP nº 398 por
não preencher o requisito da urgência estabelecido no caput do art. 62
da Constituição do Brasil. Cuida destacar que o STF mudou seu
entendimento tradicional e passou a verificar com mais rigor o
atendimento dos requisitos para a expedição de medidas provisórias. Daí
a plena possibilidade de decretação da inconstitucionalidade do aludido
ato normativo por um vício formal.
Por outro lado, um outro aspecto a ser
analisado consiste no próprio objeto da MP que consiste na denominada
organização dos serviços de radiodifusão "pública". Entendo que não se
trata propriamente de serviços de radiodifusão "pública", mas sim de
serviços de radiodifusão estatal. É que a Constituição adota o princípio
da complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e
estatal. Penso que o setor de radiodifusão estatal, cujos serviços
decorrem tanto do dever de comunicação institucional que incumbe ao
Estado quanto do direito à informação dos cidadãos brasileiros, não se
confunde com o setor público não-estatal.
Com efeito, o setor público não-estatal ou
sistema público de televisão (que não se confunde com a idéia
convencional de televisão pública) identifica-se com a esfera da
sociedade civil, para a qual deve ser reservada parcela do uso do
espectro eletromagnético, para fins de oferecimento do serviço de
televisão por radiodifusão.
Trata-se de um corolário do princípio da
complementaridade dos sistemas de radiodifusão privado, público e
estatal, estabelecido no art. 223, caput, da CF, ou seja, um setor
reservado pela Constituição à garantia da expressão, informação e
comunicação social aos cidadãos brasileiros que são, freqüentemente,
submetidos ao silêncio no debate público. Vale dizer, consiste em uma
garantia de acesso da cidadania aos meios de radiodifusão. Todavia, o
modelo legal de radiodifusão ainda em vigor (Lei n.o 4.117/62) não
apresenta as ferramentas institucionais adequadas para a formatação de
um sistema público de comunicação social no campo da radiodifusão.
O sistema de radiodifusão público requer a
plena participação da sociedade civil na organização da programação da
TV Pública. Ou seja, uma emissora de televisão, cujo controle pertença
de direito e de fato à sociedade civil, e não ao governo, nem às
emissoras privadas. A verdadeira TV pública é aquela independente do
poder econômico (não visa ao lucro) e do poder político (não beneficia
nem prejudica o governo, candidatos ou partidos políticos). É a
modalidade de televisão voltada para a realização das legítimas
expectativas sociais em torno da concretização de uma comunicação
democrática. Conseqüentemente, as emissoras de televisão públicas têm
uma significação muito especial (a fim de não serem confundidas com o
entendimento tradicional atribuído à TV Pública que a identifica à
figura do Estado), qual seja, não são nem entidades estatais, nem
entidades privadas com o objetivo de lucro, mas são, isto sim,
organizações da sociedade civil sem fins lucrativos.
Apesar dessas considerações, defendo a plena
possibilidade de ser organizado um sistema de radiodifusão estatal, isto
é, o Estado Federativo do Brasil (União, Estados e Municípios e os
Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário), no exercício de suas
competências constitucionais, organizar e prestar serviços de televisão
na modalidade radiodifusão.
A televisão estatal por radiodifusão
constitui uma modalidade de serviço público privativo do Estado, sendo
que uma de suas finalidades é assegurar a comunicação social de caráter
institucional, nos termos do art. 37, §1º da CF, a respeito dos atos e
(ou) fatos relacionados ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao
Poder Judiciário.
Ademais, o poder público tem deveres a
cumprir no que tange à educação e à cultura. Em razão disso, a televisão
estatal não se reduz à realização da comunicação institucional. Nesse
sentido, é possível que um canal de televisão integrante do sistema
estatal veicule tanto conteúdos relacionados à informação institucional
quanto à educação e à cultura.
Por outro lado, a conceituação da televisão
estatal deve estar vinculada à titularidade exclusiva e o controle do
Estado sobre a programação. Com efeito, o núcleo de sua definição
corresponde às idéias de competência estatal quanto à organização e
prestação do serviço de televisão por radiodifusão. Daí a
incompatibilidade entre a livre iniciativa e o sistema estatal. É
verdade que isso não impede a participação social no controle da gestão
e da programação dos canais estatais de televisão.
Enfim, apóio a idéia de organização do
sistema de radiodifusão estatal, desde que, mediante a forma jurídica
correta, qual seja, o encaminhamento por intermédio de projeto de lei, e
desde que ele seja totalmente desvinculado do sistema de radiodifusão
público, desenvolvendo-se igualmente uma verdadeira TV Pública de
qualidade, independente do governo, inclusive com a reserva no espaço
eletromagnético para a existências de emissoras de televisão
comunitárias no campo da radiodifusão.
Ericson Meister Scorsim é advogado e doutor
em Direito pela USP
-------------------------------------------------------------------------
Fonte: A Tarde Online
O partido Democratas (DEM) anunciou hoje que vai questionar no Supremo
Tribunal Federal (STF) a criação da TV Pública por meio de Medida
Provisória (MP). O partido vai ingressar com uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (Adin) usando três argumentos. Na avaliação do
partido, a criação da tevê não atende aos princípios da urgência e
relevância exigidos para que o governo use a MP.
Em nota, o partido diz que "o Estado dispõe
do sistema Radiobrás que integra emissoras de rádio e tevê em
funcionamento, logo não há urgência e muito menos relevância que
justifique a criação de sistema complementar ao sistema privado de
serviços de radiodifusão por meio de MP."
No texto, o DEM lembra que a economia de
mercado admite a intervenção do Estado em caso de interesse público
relevante ou interesse nacional. "Pode intervir, mas quando não está em
causa um domínio que seja suficientemente realizado pela livre
iniciativa." Por fim, diz a sigla em nota distribuída ontem que a MP
repactua "de forma unilateral e inconstitucional, contrato do governo
com a Fundação Roquete Pinto". E adverte: "Lei posterior não pode
atingir contrato em perfeitas condições legais." [Agencia Estado]