Fonte: Estadão
A medida provisória que cria a TV pública
confirma os temores de quem acreditava que o governo Lula, a pretexto de
criar uma rede de comunicação que apoiasse as manifestações culturais
regionais e estimulasse a produção nacional de programas educativos,
informativos e culturais - no sentido amplo da expressão -, na verdade
montasse um esquema chapa branca de promoção dos interesses do governo.
Da maneira como está sendo constituída, essa não será uma TV pública -
por definição alheia aos interesses do governo e infensa à influência e
à propaganda dos governantes de turno -, mas uma TV governamental.
A primeira evidência de que o governo
federal está mais preocupado em montar uma rede de comunicação para
divulgar as suas realizações e sua propaganda - e não uma TV com
finalidades educativas e culturais - é o instrumento escolhido para sua
instituição: a medida provisória. Isso mostra que o governo quer evitar
o debate em profundidade - que haveria se a matéria fosse tratada em
projeto de lei -, primeiro, sobre a necessidade da criação de tal rede
e, depois, sobre os mecanismos que a preservariam da indesejada
influência governamental. Fosse o Congresso Nacional mais cioso de suas
prerrogativas, devolveria ao Planalto essa medida provisória - mais uma
- que não preenche os requisitos indispensáveis de relevância e urgência
que a Constituição exige para a edição desse tipo de ato. A previsão de
que em dezembro devem se iniciar, no País, as transmissões da televisão
digital - um processo que se estenderá por uma década - não caracteriza
urgência. E não há relevância na criação de um “sistema complementar ao
sistema privado de serviços de radiodifusão”, quando se sabe que há
décadas funciona, com essa mesma finalidade, a rede Radiobrás, cujo
patrimônio, de resto, constituirá o patrimônio da tal TV pública.
A TV pública - ou Empresa Brasil de
Comunicação (EBC) - terá, diz a medida provisória, “autonomia em relação
ao governo federal para definir produção, programação e distribuição de
conteúdo no sistema público de radiodifusão”. Essa seria, de fato, a
prerrogativa de uma empresa pública de comunicação. Mas não se pode
esperar tamanha isenção e imparcialidade de um organismo cujos diretores
são, direta ou indiretamente, escolhidos pelo presidente da República.
Começa que o estatuto da EBC será definido
por decreto presidencial. O Conselho de Administração será constituído
por um presidente, indicado pelo ministro da Comunicação Social, pelo
presidente da Diretoria Executiva (nomeado pelo presidente da
República), por dois conselheiros indicados pelos ministros do
Planejamento e das Comunicações e por um conselheiro indicado conforme o
Estatuto (feito pelo presidente da República).
O Conselho Curador, que deveria zelar pela
independência da TV pública, será constituído por quatro ministros de
Estado e um representante dos funcionários, bem como por 15
“representantes da sociedade civil” indicados na forma do Estatuto
(aquele, feito pelo presidente da República). Ou seja, o governo indica
os componentes dos órgãos de direção da TV que deveria ser pública e,
quando não o faz diretamente, obedece a regras cozidas no Palácio do
Planalto.
Para o ministro da Comunicação Social,
Franklin Martins, não poderia ser diferente. “Se não for o presidente,
quem vai indicar? Na Inglaterra, é a rainha.” De fato. Mas, na
Inglaterra, a rainha não governa, reina. Ela não é filiada a partido
político nem está sujeita às injunções das disputas eleitorais. Além
disso, quando a BBC roça a linha que separa o interesse público do
interesse governamental, o Parlamento dispõe de meios para fazê-la
voltar aos trilhos. Aqui, o ministro da Comunicação Social tem outra
fórmula: “A sociedade vai fiscalizar. Se não for independente, (a TV
pública) não vai dar certo.”
A “sociedade” não tem como fiscalizar a TV
pública. Poderá apenas dar-lhe ou negar-lhe audiência - que é o que tem
ocorrido com as televisões públicas em funcionamento. Mas não terá como
impedir que essa rede seja um instrumento de proselitismo eleitoral e de
propaganda ideológica. Cabe ao Congresso rejeitar essa medida provisória
para que a Nação não lamente, mais tarde, restrições maiores à liberdade
de opinião e expressão.
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[O pensador, autor e militante político
Augusto de Franco é um ex-petista, que ficou 14 anos da direção do
partido, dele se afastando em 1994]
Qual o objetivo da TV governamental –
falsamente chamada de TV Pública – que Lula, abusivamente, criou por
Medida Provisória?
Antes de qualquer coisa é preciso ver que a
TV de Lula não será pública, nem sequer estatal, e sim governamental
mesmo, controlada pelo governo petista. E não será pública, inclusive,
porque não terá público. Parece um jogo de palavras. Mas é mais do que
isso!
O objetivo, imaginado pelos agentes
petistas, para a TV governamental, é quebrar o monopólio dos grandes
meios de comunicação que estão nas mãos dos conservadores, das elites,
da direita, abrindo espaço para os que não têm voz nem vez nesses órgãos
reacionários e anti-populares. Essa é a raiz, vamos dizer assim,
chavista, do projeto.
Mas Lula, que não é burro como alguns de
seus ideologizados seguidores, sabe que no Brasil isso não vai
funcionar. Com 3% de audiência, essa nova TV não vai conseguir disputar
com as grandes redes que não estão sob seu controle, nem mesmo com
aquelas com as quais ele está fazendo alianças e negócios espúrios.
Lula é mais pragmático. Os objetivos
realísticos da sua TV governamental são dois: neutralizar jornalistas e
coagir meios de comunicação.
Neutralizar jornalistas como? É simples.
Quem for pego fazendo muita matéria contra o governo vai para a lista
dos que não serão contratados por Franklin e Cruvinel. Como os
jornalistas nunca têm segurança de que não serão despedidos amanhã das
grandes empresas em que estão trabalhando hoje, vão ficar quietinhos
para não queimar essa alternativa de emprego, que pode ser providencial
para pagar suas contas em futuro próximo. Não todos, por certo. Mas boa
parte. Querem uma prova? Basta ver como vários jornalistas, sobretudo em
Brasília, estão desconversando quando o assunto é a chamada "TV
Pública".
E quanto a coagir os meios de comunicação?
Bem, aqui a TV governamental se insere numa estratégia mais ampla,
aquela mesma estratégia chamada de "democratização dos meios de
comunicação", verbete que defini assim no meu antigo Glossário da ‘Era
Lula’: "Eufemismo utilizado pelo PT para tentar legitimar o controle
partidário ou corporativo-estatal sobre os meios de comunicação e a
atividade jornalística e áudio-visual em geral. A ‘democratização dos
meios de comunicação’ está a serviço da estratégia do PT no governo de
criar condições para a instalação de uma hegemonia de longa duração no
país. Segundo essa visão, como os grandes meios de comunicação estariam,
supostamente, a serviço das ‘elites’, eles não seriam democráticos
(entendendo-se aqui por democrático aquilo que está a serviço da maioria
do povo) e, assim, precisariam ser "democratizados" ou submetidos ao
controle social, quer dizer, ao controle da maioria do povo. Tal
controle, entretanto, só pode ser viabilizado por instituições que
representem o povo, como um governo popular e as organizações
corporativas e classistas a ele alinhadas: e. g. conselhos populares –
como o Conselho Federal de Jornalismo, proposto pela Federação Nacional
dos Jornalistas (FENAJ) e endossado pelo governo Lula; e agências
formalmente independentes, como a proposta Agência Nacional do Cinema e
do Audiovisual (ANCINAV), porém, na prática, controladas igualmente pelo
governo". Isso foi escrito há algum tempo. O CFJ e a ANCINAV goraram,
diante da resistência democrática da opinião pública. Mas eles não
desistiram.
A associação de Lula com o Bispo Edir
Macedo, com suas TVs e com seu partido (onde Lula não teve vergonha de
alocar, inclusive, o vice-presidente da República) – processo que
começou com a defenestração de Boris Casoy – faz parte dessa mesma
estratégia, que compreende ainda ameaças veladas de não renovar
concessões, pressão mafiosa sobre anunciantes, novos projetos de lei que
coíbam ou constranjam de alguma forma a atividade jornalística
independente et coetera.
O partido da Igreja Universal foi o que mais
se beneficiou da infidelidade partidária, "roubando" parlamentares dos
partidos de oposição. Analogamente, mais uma TV – e com bastante
dinheiro – também será uma maneira de capturar quadros importantes dos
grandes meios de comunicação.
São novas formas, indiretas e ampliadas, de
mensalão. São maneiras criativas, urdidas pelo lulopetismo, para fazer
alguém (segundo o Casseta & Planeta, agindo como prostituta, "sem
intenção de ofender" essa importante categoria profissional), "aceitar
dinheiro para mudar de posição".
Para o governo Lula, a liberdade dos meios
de comunicação é o alvo principal. Toda a estratégia de conquista de
hegemonia do lulopetismo está montada sobre uma "lógica" que pressupõe a
não-divulgação dos crimes e outros atentados à democracia e ao Estado de
direito cometidos pelo grupo privado ora no poder e que quer se
eternizar no poder.
Como já diagnostiquei em artigo na Folha de
São Paulo no final de setembro, "usar a alta popularidade de um líder
populista para mudar "democraticamente" as regras do jogo seria
exeqüível se não obrigasse, antes, a violar as regras do jogo (fazendo
coisas como o mensalão ou caixa três). Ora, num país de imprensa livre,
tal violação não pode passar despercebida. Logo, para isso dar certo,
seria preciso restringir essa liberdade (como fez Chávez). Mas, se aqui
não há condições de fazê-lo, então, mais cedo ou mais tarde, a operação
toda desmorona".
Isso não significa que a operação lulista
vai desmoronar. Há um "se" na última frase transcrita acima. Ou seja, a
estratégia petista vai dar certo na medida em que o governo conseguir
ganhar, neutralizar, coagir ou constranger os profissionais de imprensa
e os órgãos de comunicação.
Se existisse oposição democrática no Brasil,
essa deveria ser a sua principal preocupação. Pelo visto, infelizmente,
não existe.
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Fonte: Câmara dos Deputados
[23/10/07]
MP da TV Pública recebe 132 emendas
por J. Batista
Flávio Dino quer garantir a participação do líder da Minoria no Conselho
Curador da nova TV.
Deputados e senadores apresentaram 132 emendas à Medida Provisória
398/07, que cria a Empresa Brasil de Comunicação. As sugestões vão de
aperfeiçoamentos na redação até a mudança na sede da TV Pública,
prevista para a cidade do Rio de Janeiro.
O deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) foi quem
mais apresentou emendas (17). Ele está preocupado com a representação da
sociedade nas decisões do novo canal. Uma de suas propostas é para que
um deputado federal indicado pelo líder da Minoria na Câmara dos
Deputados participe do Conselho Curador, órgão de natureza consultiva e
deliberativa da nova empresa. A MP prevê que o conselho será integrado
por 20 integrantes, designados pelo presidente da República.
"Assim como haverá integrantes do Conselho
Curador indicados pelo governo, a oposição, representada pelo líder da
Minoria, estará presente no conselho como uma espécie de fiscal, para
evitar que em um momento futuro qualquer haja um indevido aparelhamento
da TV Pública, desviando-a do seu propósito de instrumento de difusão de
informações do modo mais democrático e plural possível."
O deputado Paulo Renato (PSDB-SP) é autor de
sete emendas à MP que cria a TV Pública. Uma delas proíbe a publicidade
que, direta ou indiretamente, caracterize promoção pessoal de autoridade
ou de servidor público. "Uma TV Pública tem que ter esse cuidado.
Conhecendo as pessoas que estão dirigindo a televisão, eu não tenho
dúvida de que essa é uma emenda com a qual eles concordarão."