Aqui entra a primeira polêmica - afinal, quem são estas empresas
para definir o que o usuário deseja ou precisa usar ou que tipo de
pacote de dados é mais importante que outro? O que para uns pode não
ser significante, para outros pode ser assunto da maior importância.
Acabamos, aqui, entrando numa discussão sem pé nem cabeça que na
maioria das vezes não tem um final feliz. No final das contas, o
usuário sempre termina xingando a operadora e esta, quando não tira
o corpo fora, acaba insistindo no argumento da necessidade do
controle para que os “gulosos por downloads”, por exemplo, não
prejudiquem o acesso de todo mundo.
Um segundo pessoal usa a existência do Traffic Shaping para discutir
questões de privacidade e neutralidade na internet. Segundo estas
pessoas, na maioria das vezes ligadas a movimentos de defesa da
liberdade no ciberespaço, há um comportamento nefasto por parte das
operadoras quando se fala em controle de tráfego.
Em coluna publicada no caderno Info etc, do Globo, meu colega André
Machado, colunista também daqui do Fórum PCs, citou o alerta de
Carlos Afonso, diretor de planejamento da ONG Rits e considerado um
dos pais da internet brasileira. Segundo Carlos Afonso, que também é
uma fonte minha das antigas, deve-se ficar de olho nessa prática,
por conta do uso dos “famigerados analisadores de datagramas,
capazes de identificar e filtrar pacotes de dados e, assim, escolher
os mais bem-vindos entre eles”. Na opinião de Carlos Afonso, isso
representa um dos maiores riscos em relação à neutralidade da
internet.
André continuou falando sobre o Traffic Shaping e como ele se dá na
prática: “geralmente colocados na ponta das redes, os traffic
shapers (programas que fazem o controle do tráfego, controlados por
mãos humanas) têm como principal função atrasar a entrega de pacotes
de dados".
As principais vítimas da prática, dizia ainda o artigo, “seriam os
sites de compartilhamento peer-to-peer de arquivos, especialmente os
de arquivos mais pesados, como o BitTorrent. A conseqüência imediata
disso seria uma taxa de download ridícula, às vezes mais lenta que a
de uma conexão discada”.
É exatamente neste ponto que se concentrou a maior parte das
mensagens que recebi depois que escrevi uma matéria sobre limite de
tráfego. Os usuários reclamam de lerdeza no acesso a serviços como o
programa Kazaa e o Bit Torrent. Alguns chegam a falar em lerdeza, em
algumas horas do dia, principalmente as de pico na rede, no acesso
até mesmo ao YouTube. Segundo o leitor André Fildler, que é analista
de sistemas, há tempos ele vem observando que, na madrugada, sua
conexão para P2P é mais rápida que durante o dia.
— Dificilmente minha velocidade passa dos 50kbps durante o dia e, à
noite, passa dos 200kbps - diz André.
Neste caso, ou a operadora está fazendo o tal traffic shaping em
determinadas horas do dia ou o excesso de usuários “pendurados” na
rede está fazendo todo mundo navegar de forma mais lenta. Seja como
for, é visível que a infra-estrutura montada pelas telecom não está
dando conta do recado.
Mas será que o Traffic Shaping é condenado pelas entidades de defesa
do consumidor? Procurei outra fonte ligada à área, o Rogério
Gonçalves, diretor de Pesquisa de Regulamentação da Abusar
(Associação Brasileira dos Usuários de Acesso Rápido), para falar
sobre o Traffic Shaping. Ele topou dar sua opinião pessoal sobre o
assunto, deixando claro que não se tratava de uma posição da Abusar.
Segundo ele, o traffic shaping (modelagem de tráfego), também
conhecido como QoS (Quality of Service), “consiste apenas em
atribuir, via programas instalados nos roteadores (firmwares),
determinadas larguras de banda e prioridade de tráfego em função dos
protocolos utilizados na criação dos pacotes. Assim, em função das
regras estabelecidas pelos administradores de redes, quando o
roteador identifica um pacote POP3 (email), atribui para ele uma
prioridade x. Quando identifica um pacote HTTP (página web) atribui
para ele uma prioridade y e quando identifica um pacote SIP
(multimídia) atribui para ele uma prioridade z e por aí vai...”
Ainda sobre o assunto, Rogério explica: “dependendo de quem estiver
operando a rede IP, o ‘shaping’ pode ser do bem ou do mal. Por
exemplo: se for empregado por empresas especializadas em comunicação
de dados, o recurso serve para dar prioridade e largura de banda
adequadas para a telefonia IP (VoIP), viabilizando a utilização do
serviço (shaping do bem). Porém, se o recurso for empregado por
concessionárias de telefonia fixa, obviamente, para preservarem seus
negócios, elas farão tudo para inviabilizar a utilização do VoIP (‘shaping’
do mal).”
E dá para contornar o problema? Segundo Rogério, dependendo do tipo
de roteador e da configuração do firmware, o traffic shaping pode
ser facilmente contornado com o uso de criptografia (VPNs).
— Porém, a coisa fica mais complicada quando as limitações de
tráfego são estabelecidas em regras de firewall (iptables), nas
quais é possível não só identificar programas P2P (Skype, Kazaa,
Emule, Torrent etc), como também estabelecer limites de velocidade
em função de números IP ou endereços de placas (mac address). Aí o
bicho pega...
Para Rogério, militante em tempo integral dos direitos dos usuários
de serviços de telecomunicações, o traffic shaping, sozinho,
configurado de forma idônea e sem regras ainda mais restritivas
impostas via firewall, não deveria trazer grandes problemas para os
usuários.
— Porém, devido à fraude cometida pela Anatel em 1998, que entregou
o backbone IP público para a Embratel explorá-lo em regime privado
e, também, pelas manobras ilícitas praticadas pela agência para
permitir que as concessionárias do STFC assumissem posição dominante
na exploração de serviços de redes IP a usuários finais, resultou
nesse quadro caótico, no qual poucas prestadoras mantêm capacidades
de tráfego de backbone ridículas, de forma a lucrarem o máximo
oferecendo um serviço porco aos seus usuários, com velocidades de
300k a 8 megas, enquanto em vários países do mundo essas velocidades
podem chegar a 100 megas/s.
E aqui Rogério passa uma informação importante que, infelizmente,
ainda vejo muito pouca gente discutindo:
— Nada disso estaria acontecendo se a Embratel, cumprindo o que
determina expressamente o art. 207 da LGT (Lei Geral das
Telecomunicações), celebrasse o contrato de concessão do serviço de
troncos, tornando-se fornecedora de infra-estrutura de backbone IP,
em condições isonômicas e reguladas por tarifas públicas, para todas
as prestadoras de serviços de comunicação de dados de nosso país, de
forma a permitir a existência da livre concorrência na oferta de
conexões de computadores à rede internet.
A moral da história? O Traffic Shaping pode ser do bem ou do mal,
mas dificilmente, até mesmo por motivos políticos, vai deixar de
existir. Mesmo porque, para isso acontecer, uma grande mudança no
cenário atual de infra-estrutura seria necessária.
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