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Artigo contra o projeto de lei que combate os cybercrimes no Brasil
TENDÊNCIAS/DEBATES
O projeto sobre crimes na internet coloca em risco a liberdade na rede?
SIM
Uma ameaça aos direitos civis
OONA CASTRO, PABLO ORTELLADO e SÉRGIO AMADEU
DA SILVEIRA
NA MADRUGADA de 9 de julho, o Senado aprovou o
substitutivo do senador Eduardo Azeredo ao projeto de lei 89/03, que
tipifica os crimes digitais. Preocupado em punir atividades ilegais na
internet, o projeto possui artigos dúbios e se mostrou incapaz de dar
soluções técnicas que impeçam o abuso na sua aplicação, a invasão de
privacidade e a violação de direitos civis.
Especialistas apresentaram várias críticas ao
projeto, mas as soluções propostas não resolveram os problemas. Um deles é
o fato de o projeto ser "over-inclusive", ou seja, cria-se um filtro muito
mais rigoroso do que o necessário, criminalizando práticas legítimas.
Outro problema são as definições de conceitos -algumas ambíguas, outras
amplas demais e outras simplesmente inexistentes-, dando espaço para
aplicações arbitrárias da lei, mesmo que essa não seja a intenção do
legislador.
Em alguns casos, dá-se a combinação desses
dois problemas.
O artigo 2º, por exemplo, ao alterar o Código Penal, transforma em crime
todo acesso não autorizado a redes de computadores, sistemas
informatizados e dispositivos de comunicação protegidos por expressa
restrição de acesso, seja a restrição legal ou não.
Dessa forma, quem destravar o celular (que se encaixa na definição do
projeto de "dispositivo de comunicação") para utilizá-lo por outra
operadora estará sujeito a pena de um a três anos de prisão. A mesma
penalidade sofrerá quem, fazendo uso do direito de acesso a conteúdos em
domínio público, destravar um CD ou DVD.
Empresas poderão limitar acessos permitidos
pela Lei de Direitos Autorais ou pelo Código de Defesa do Consumidor,
transformando travas tecnológicas em instrumentos acima da legislação.
Trata-se da criminalização de ações triviais dos usuários.
Já o artigo 22 cria para os provedores de
acesso à internet a obrigação de repassar sigilosamente para as
autoridades denúncias que tenham recebido que contenham indícios da
prática de crime. Obriga também o registro e o arquivamento de todos os
acessos dos usuários por três anos.
Iniciativas de inclusão digital, receosas por
serem responsabilizadas por crimes, podem passar a restringir o acesso de
usuários ou até banir redes sem fio.
Mesmo condicionando o fornecimento das informações ao poder público a
decisão judicial, o projeto ignora a precariedade da proteção aos dados e
o fato de o Brasil ter baixa tradição de respeito à privacidade, com
estimados 400 mil grampos telefônicos e venda de dados sigilosos da
Receita Federal por camelôs.
Sem conseguir impedir que verdadeiros
criminosos se furtem aos controles propostos com medidas simples, como
servidores no exterior, o projeto abre a possibilidade de vazamentos de
dados de usuários comuns.
O substitutivo atende fundamentalmente a
interesses de bancos que têm sofrido prejuízos com fraudes pela internet e
a reivindicações da indústria de direito autoral dos Estados Unidos, que
exige a criminalização da quebra de travas tecnológicas.
Publicamente, a justificativa mais usada pelos
defensores do projeto foi o combate à pedofilia - de fato, um problema
seriíssimo.
Porém, na mesma madrugada em que o PLC 89 foi votado, os senadores
aprovaram outro projeto, proposto pela CPI da Pedofilia, com apoio de
entidades da sociedade civil, que trata dessa questão.
Ao legislar sobre os crimes de internet,
nossos senadores perderam a oportunidade de enfatizar o interesse público.
Poderiam ter proibido o cruzamento de bancos de dados e a troca de
informações privadas de usuários por empresas (como fez a União Européia)
ou impedido a constituição de travas que bloqueiam o acesso legal a
conteúdos. Na contramão, desencorajam políticas desejáveis e legitimam a
violação da privacidade e o cerceamento de direitos.
Com o retorno do projeto à Câmara dos
Deputados, nossos representantes terão a oportunidade de rejeitá-lo
integralmente ou, ao menos, suprimir os artigos que atacam frontalmente os
direitos dos cidadãos.
OONA CASTRO, 28, é integrante do Intervozes -
Coletivo Brasil de Comunicação Social.
PABLO ORTELLADO, 34, é professor do curso de
gestão de políticas públicas da USP.
SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA, 46, é professor do
mestrado da Faculdade de Comunicação Cásper Líbero.
Os artigos publicados com assinatura não
traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de
estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as
diversas tendências do pensamento contemporâneo.
debates@uol.com.br
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Artigo explicativo a favor do projeto de lei que
combate os cybercrimes no Brasil
TENDÊNCIAS/DEBATES
O projeto sobre crimes na internet coloca em risco a liberdade na rede?
NÃO
Uma lei apenas para criminosos
EDUARDO AZEREDO
O SENADO aprovou em julho a proposta que
tipifica e determina punições para os crimes cometidos com o uso de
tecnologia da informação. São delitos que crescem tão ou mais rapidamente
que a própria tecnologia. O texto modifica cinco leis brasileiras e tipifica
13 delitos, entre eles, difusão de vírus, guarda de material com pornografia
infantil, roubo de senhas, estelionato eletrônico, clonagens de cartões e
celulares e racismo, quando praticado pela internet. A proposta seguiu para
a Câmara dos Deputados para revisão final.
O projeto de lei segue as diretrizes da Convenção contra o Cibercrime,
tratado internacional promovido pelo Conselho da Europa. Entretanto, na
incompreensão de que uma lei dessa natureza seja necessária para o país,
algumas informações distorcidas têm sido divulgadas.
Fala-se em cerceamento da liberdade de expressão e censura. Nada disso é
verdade! A proposta fala exclusivamente da punição de criminosos, do direito
penal aplicado às novas tecnologias. Não há "criminalização generalizada" de
usuários, como dizem as interpretações apelativas de fácil convencimento.
O projeto de lei não trata de pirataria de som e vídeo nem da quebra de
direitos de autor, que, no Brasil, são matérias já tratadas por leis
específicas. Não serão atingidos pela proposta aqueles que usam as
tecnologias para baixar músicas ou outros tipos de dado ou informação que
não estejam sob restrição de acesso. A lei punirá, sim, quem tem acesso a
dados protegidos, usando de subterfúgios como o "phishing", por exemplo, que
permite o roubo de senhas bancárias.
O que acontece por negligência, imperícia ou imprudência só será crime se
estiver expressamente tipificado como "culposo" na lei (parágrafo único do
artigo 18 do Código Penal).
Na proposta de Lei de Crimes de Informática, não há a tipificação de crime
"culposo". Portanto, não existem "milhões de pessoas atingidas pela
proposta", apenas algumas centenas de delinqüentes que usam a informática
para praticar seus delitos. No projeto, são considerados crimes apenas os
"dolosos", praticados por quem quis aquele resultado.
Além disso, o Código Penal trata da exceção -ou seja, o crime. No seu artigo
23, existe a "exclusão da ilicitude", que diz que não há crime quando a
pessoa age no exercício regular de direito (entrar na sua casa, usar seu
celular, usar seu computador...).
Tudo correrá em um processo legal, que chegará às mãos de um juiz conhecedor
de direito penal.
A proposta determina que os provedores guardem só dados de conexão -data e
hora do início e endereço eletrônico- e que os repassem à autoridade
investigatória mediante requisição judicial. E, ainda, que eles repassem
para a autoridade competente apenas as denúncias que tenham recebido (de
usuários lesados). O provedor não é um "dedo-duro", mas um colaborador das
investigações, o que é hoje prática transnacional.
A proposta em questão tramita há mais de uma década. Foi aprovada pela
Câmara em 2003 e seguiu para o Senado como PLC 89/03, onde foi apensado a
outros dois projetos. Após cinco anos, o texto -relatado por mim nas
comissões de Educação, Ciência e Tecnologia e Constituição e Justiça e pelo
senador Aloizio Mercadante na Comissão de Assuntos Econômicos, onde recebeu
emendas- foi aprovado como substitutivo.
Da discussão, participaram juristas, como o desembargador Fernando Botelho,
membros de associações de classe, advogados especializados, o Ministério da
Justiça, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República,
as Forças Armadas, o Ministério Público, juízes, policiais, analistas de
sistemas e consultores legislativos. Foram várias palestras e seminários no
Brasil e no exterior, além de reuniões e audiências públicas no Senado e na
Câmara.
O projeto foi, portanto, amplamente debatido. Todos os que quiseram
participar foram ouvidos e várias sugestões foram incorporadas, outras não
convenceram os senadores.
Quem usar a tecnologia para o bem estará protegido; quem a usar para o mal
finalmente será punido. O bom usuário pode e deve ficar tranqüilo.
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EDUARDO AZEREDO, engenheiro, é senador da República pelo PSDB-MG. Foi
prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas Gerais, além de analista de
sistemas da IBM, presidente do Serpro, da Prodemge, da Prodabel e da BMS -
Belgo Mineira Sistemas.
Os artigos publicados com assinatura não
traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de
estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as
diversas tendências do pensamento contemporâneo.
debates@uol.com.br
Autor: Senador Eduardo Azeredo - PSDB MG
Fonte: Jornal Folha de São Paulo / UOL, em 02/08/2008 - Brasil - Tendencias
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