Comentário:
(Atualização: Fernando Botelho é
Magistrado de carreira do Estado de Minas Gerais e Desembargador do
Tribunal de Justiça/MG, da 13a. Câmara Cível)
From: Fernando Botelho
To: abdimg@yahoogrupos.com.br ; Celld-group@yahoogrupos.com.br ;
wirelessbr@yahoogrupos.com.br
Sent: Thursday, May 13, 2004 11:49 PM
Subject: [Celld-group] O unbundling brasileiro lançado !!
Prezados Colegas,
Atenção: uma notícia importante.
Por despacho cautelar, a ANATEL acaba de fixar regras objetivas para a
desagregação das redes fixas de telefonia - o unbundling -
tanto para o compartilhamento do par metálico (line sharing)
quanto para o de todo o enlace local (full unbundling).
Trata-se de uma decisão histórica, que inaugura no país o detalhamento
e a concretização do compartilhamento estrutural, abrindo caminho para
que ele se instaure efetivamente.
Noutros locais do mundo onde intentada esta mesma implantação, o
unbundling ensejou discussões e litígios, só equalizados após a
convocação (que passou a ser periódica) do terceiro ator - o Poder
Judiciário - para solução das disputas nascidas de sua prática.
Na minha opinião, mesmo que em nome da proteção da concorrência e da
garantia do consumo e dos consumidores - ou justamente por estas duas
razões - o unbundling, para produzir um "minus" da eficiência que se
espera dele, terá de estar aliado à estrita regulação e permanente
controle público de sua prática (que inclui a dinâmica regulamentação
de suas eventuais distorções).
Do contrário, isto é, a se deixar à sorte do interesse dinâmico e
sazonal dos próprios players - os novos, que virão; os antigos, que
agora se obrigam a compartilhar as redes com os vierem à concorrência
- a prática do unbundling pode se tornar incremento perigoso e
negativo para a estruturação (e reestruturação) do setor de
telecomunicações, pois a experiência estrangeira vem mostrando,
principalmente nos USA, que são os olhos atentos da autoridade
reguladora, e da própria autoridade judiciária (muitas vezes, aquela
sendo conduzida por esta !) que mantêm nos trilhos a prática.
Esta prática sintetiza, a rigor, o duelo mais sensível e mais complexo
entre a idéia de propriedade privada e a de sua "função social".
Se não se quis, no Brasil, o monopólio - toda forma de concentração de
propriedade, sem distribuição de riqueza, com prejuízo da concorrência
e do consumo, é condenável não se pode se pode permitir - e isto é
função precípua do Estado, que não pode abdicar de seu permanente
exercício - que a propriedade privada, valor significativo da vida
nacional, seja simplesmente conspurcada por selvageria de disputas
privadas.
Ou cuidemos, agora mais do que nunca, dos limites (e dos limitadores)
do unbundling que acaba de ser lançado, ou ele perecerá tão rápido
quanto a prática de implantação.
Num país de tantos conflitos em torno do tema da propriedade privada e
de sua função social, tantos "sem-teto", "sem-terra", não se pode
aceitar agora que o próprio Poder Público fomente e permita o
surgimento de mais uma modalidade de " invasão" - a das das redes de
telecomunicações - sem o devido e pronto equilíbrio, e razoável
compensação.
A "desagregação", que chega ao Brasil em meio a um cenário de
turbulências em torno da propriedade privada, e ao mesmo tempo de
necessidades concorrências vitais em telecomunicações, não pode
significar "expropriação", tanto quanto a propriedade em si não deve
significar concentração.
Particularmente, acho que fiscais todos nós acabaremos sendo dessa
nova realidade.
Não sei se concordam....
Assim que tiver o conteúdo do despacho cautelar de hoje, o
disponibilizarei aqui. Abraços, Fernando Botelho
Este texto trata do relacionamento entre empresas de telecom.
O palavrão "unbundling" foi traduzido nos textos
oficiais no Brasil como "desagregação", literalmente talvez seja
traduzido como "desempacotamento", significa o compartilhamento de
redes e infra-estrutura, neste caso, estrutura de telecomunicações,
mais especificamente o par de fios metálicos distribuídos e esticados
originalmente para fornecer o serviço de telefonia.
A Internetsul (e outras entidades) já "brigou" pela
regulamentação e efetivação deste compartilhamento de recursos. A
ANATEL informa que estaria disponível (desde maio/2004 - 7 anos após a
privatização), mas na prática as operadoras não responderam qualquer
correspondência ou solicitação sobre esta questão.
Num primeiro momento a reação dos pequenos operadores
de serviços de telecom e internet foi solicitar que o Governo
obrigasse as concessionárias de telecom a repartir sua estrutura
(herdada quando da privatização destas companhias, em 1997). Estas
ações tiveram o apoio das operadoras "espelho", que foram criadas a
partir do zero, sem estrutura, cabeamento, postes, centrais
telefônicas e sem clientes.
Logo adiante, foi entendido, como acontece em mercados
de livre competição, que existem oportunidades de negócio e fatias de
mercado paralelas. Se uma das empresas não quer "repartir" sua rede
(mesmo mediante o respectivo pagamento), as demais empresas podem
criar uma nova estrutura, já com tecnologia moderna e desenhada para
ser utilizada em conjunto ou condomínio (um exemplo são as torres já
compartilhadas e locadas entre operadoras de serviço móvel). Podem
também ser estabelecidos APLs (arranjo produtivo local) ou PPPs
(parceria público-privada). Isto é, existem mais possibilidades e
oportunidades fora do unbundling do que dentro dele, pois no
caso de utilizar estrutura de alguma "velha" operadora, ficaríamos
submissos a tecnologia e as regras da mesma.
Hoje, quase 10 anos após a privatização, estas
concessionárias que negaram o unbundling, sejam talvez as mais
ameaçadas, com o advento do VoIP, do WiMAX, da TVDigital e da
convergência digital. Temos como exemplo a atuação conjunta da
NET+Virtua+Embratel, todas empresas que originalmente não "herdaram"
nenhuma estrutura, e que ainda contam com a Claro (como sócia do
grupo) para uma eventual operação móvel de todos os demais serviços -
voz, dados e imagem (implementação do conceito Quadri-Play).
Já participei da "briga" pelo unbundling no
Brasil, mas verifica-se que isto é uma utopia, quase uma visão
comunista de utilização conjunta de algum recurso público "do povo".
O tempo passou, e acho que não precisamos mais solicitar o favor da
implantação de um unbundling obrigatório, mas buscar a livre
negociação entre as empresas, a livre competição de mercado. Isto já
existe no nosso País, inclusive contratos de compartilhamento de
diversos tipos de rede e níveis de recursos com as próprias
operadoras, mas de modo diferente do pensado pela ANATEL (alguns até
formando certos oligopólios, questão que deve ser avaliada
urgentemente).
O maior beneficiário é novamente o consumidor, com
melhores serviços e custos cada vez mais competitivos. Isto está
começando a aparecer no nosso País, a tendência é esta.
A atual reivindicação dos pequenos operadores de
telecom e internet não será mais o unbundling, mas sim que a
ANATEL garanta iguais condições de atuação e acesso a financiamentos,
subsídios e tratamento fiscal. Com isto teremos vários operadores, em
diversos segmentos e faixas de mercado, garantindo uma real e saudável
competição.
Moral da questão: quando não puder com o "inimigo",
junte-se a ele, ou faça como ele.