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14/07/08
• NGN e Internet (1) - Mensagem de José Smolka
----- Original Message -----
From: J.R.Smolka
To: WirelessBR
Sent: Monday, July 14, 2008 2:50 AM
Subject: [wireless.br] NGN e Internet
Colegas do grupo,
Já tem algum tempo que eu prometo este post. E não queria terminar minhas
férias sem cumprir a promessa.
Meu tema de hoje tem a ver com a evolução das
redes de telecomunicações para o modelo NGN (essencial para a prestação de
serviços convergentes triple - ou quadruple-play), e se e como
esta evolução é compatível com a preponderância que a Internet já tem na
realidade quotidiana dos usuários - atuais e futuros - de acessos de banda
(cada vez mais) larga, fixa e móvel.
A gente não para de ver na blogosphere e na imprensa especializada (e
na não especializada também :-)) loas sendo tecidas ao nirvana que será o
ambiente de telecomunicações convergido, e que as redes NGN serão a base para
que tudo isto aconteça (para quem não tem familiaridade com o conceito de NGN,
sugiro uma olhada
neste post recente).
Só que estes bonitos papos tecnológicos escondem um
fato incômodo: o que está em jogo, na verdade, é a própria sobrevivência do
modelo de negócio que sustentou as operadoras de telecom até aqui.
Pare e pense. O que, exatamente, é o serviço que as operadoras de telecom
vendem aos seus assinantes?
Nas redes POTS (plain old telephony service)
é o aluguel temporário de um canal de comunicação entre o seu terminal
(aparelho telefônico) e o terminal de destino da chamada.
O canal (de
capacidade fixa) é inteiramente seu, e do seu interlocutor, por toda a duração
da chamada (é por isso que a tarifação é feita por tempo). Você informa à rede
(pelo teclado do seu terminal) o número do terminal de destino, e a rede
intermedia (via seus protocolos de sinalização) todo o processo do
estabelecimento do circuito de voz.
Você até pode usar este canal para a
transmissão de "outros sinais" (na terminologia regulatória brasileira), caso
você disponha de um equipamento (um modem, por exemplo) que formate o sinal a
transmitir dentro da faixa dinâmica permitida pelo canal de acesso (8 Khz para
acessos analógicos de par metálico).
O ponto básico é: sem a intermediação
ativa da rede para o call-setup, call-control (inclusive
bilhetagem do tempo de utilização) e call-teardown, não há maneira do
usuário cursar chamadas telefônicas na rede.
E esta visão de mundo, este weltanschauung, entrou no DNA das
operadoras de tal forma que elas não concebem uma rede de prestação de
serviços sem esta intermediação ativa.
Ajuda ainda o fato (especialmente nas
operadoras fixas) que o assinante, ao conectar o seu terminal à rede de uma
operadora, está "ancorado" nela de forma incontornável.
Estes dois poderes das
operadoras sobre os assinantes são vistos como normais. Alguém estranhou o
modo como o pessoal da Abrafix reagiu quando o assunto unbundling entrou na
mesa de discussão (mesmo que tenha sido apenas como "balão de ensaio")? Eu
não.
Tire das operadoras qualquer um destes poderes sobre o assinante (ou os
dois), e todo o modelo de negócio clássico de telecom vem abaixo. Portanto é
natural que elas esperneiem o quanto puderem contra o unbundling.
Mas a maior
ameaça presente é contra a intermediação obrigatória, e vem da Internet.
No modelo operacional da Internet o que o pessoal de telefonia chama de
serviço é apenas uma rede. o termo serviço, no jargão informatiquês típico da
Internet, atende pelo nome aplicação, e paira acima da rede.
E todas as
aplicações da Internet aderem a dois princípios básicos:
(a) o end-to-end
principle, que significa que todos os parâmetros de definição da sessão
entre as partes que se comunicam são negociados diretamente entre elas, sem
intermediação da rede, que é apenas a responsável por levar e trazer os bits
da melhor forma possível; e
(b) os elementos de software que compõem a
aplicação relacionam-se segundo o paradigma client-server (ou
peer-to-peer, mas este é apenas um caso particular, onde os papéis de
client e server são exercidos indistintamente pelos componentes de
software da aplicação).
Eu falei software, não foi? Hummm...
Sinal que os componentes que agregam
valor ao negócio saíram da rede e vieram cá para cima, na forma de programas
de computador.
Vamos fazer um esforço de memória. quais foram os últimos
rasgos de criatividade na esfera da telefonia fixa?
O que eles agrupam genericamente sob o título de Intelligent Network (IN), que basicamente
suportam serviços de atendimento com (prefixos 0800) ou sem (prefixos 4000)
tarifação reversa, e o redirecionamento de chamadas para plataformas de
voice mail quando o número discado está ocupado ou não atende? Tô me
contendo para não rolar de rir... LOL :-) .
Nas operadoras móveis a situação é
melhor. Não maravilhosa, mas melhor. Talvez porque aqui exista competição de
verdade. Mas, ainda assim, muita coisa ainda está ancorada em cima do SMS (short
message service) e do WAP (wireless application protocol). É pouco.
Boa parte da culpa por esta falta de inovação é da complexidade do ambiente de
telecom.
Interfaces difíceis, documentadas no estilo "escrito por computadores
para ser lido por máquinas de calcular", implementações disparatadas entre
fornecedores diferentes do mesmo produto, and so on.
No ambiente da Internet,
por outro lado, é muito mais fácil de fomentar a inovação.
É uma verdadeira
paráfrase do lema do Cinema Novo: "uma idéia na cabeça e uma câmara na mão".
Qualquer idéia nova pode ser posta em prática, literalmente, no quartinho dos
fundos ou na garagem da sua casa, com um PC velho rodando Linux, software
livre e alguns discos rígidos.
Se der certo, a idéia pode ser escalada com
facilidade para ambientes com maior capacidade para atendimento à demanda de
tráfego.
Se der muito certo você pode ganhar uma grana preta vendendo a sua
empresinha start-up para algum dos pesos-pesados da Internet.
E se der
errado, o que você perdeu? Tempo e algumas centenas de reais, mas sempre pode
começar de novo.
Agora, conjugando esta efervescência natural da Internet com a facilidade de
uso sem intermediação (um verdadeiro unbundling virtual), que papel resta aos
provedores da rede?
Eu já respondi isto antes, mas vou repetir: dumb pipes
ou, no máximo,
idiot-savant pipes.
E isto é o fim da picada (pra dizer pouco) para as
operadoras. Elas cairiam na vala comum dos provedores de commodities, onde não
há possibilidade de diferenciação ou agregação de valor, e a única maneira de
garantir margens de lucro é através de uma brutal administração de custos
operacionais.
Mas as telcos não ficaram paradas com um cartaz de kick me preso nas costas.
Elas foram à luta e pariram várias proposições para manter um papel de
destaque na ordem das coisas.
NGN é certamente a mais vistosa, mas o núcleo
duro desta luta pela sobrevivência está em dois elementos muito comentados e
pouco entendidos: o IMS (IP multimedia subsystem) e o SDP (service
delivery platform).
Mas, antes de analisar o que estes elementos agregam
ao cenário NGN, precisamos entender quais são as dificuldades para o
provimento de serviços sofisticados (ex.: IPTV) via Internet, e qual a janela
de oportunidade que esta situação cria.
Fala-se muito em QoS (quality of service) como um grande obstáculo para
o provimento consistente de serviços real-time na Internet.
Pois eu
tenho uma novidade pra lhes contar: não é!
O mecanismo de garantia de QoS em
um ambiente TCP/IP grande e com administração federativa (como é a Internet)
chama-se DiffServ (RFC 2475 e
RFC 3260), e funciona muito
bem, obrigado!
O "espantalho" do QoS costuma ser levantado periodicamente
pelos fornecedores tradicionais de equipamentos de telecom, mas o real
significado por trás dos alertas deles é: "eu ainda não sei como lidar direito
com isto".
A verdade é que, se a transição para NGN andar rápido demais, estas
empresas irão passar pelo mesmo processo de "desmanche e recriação" que a IBM
teve de passar na década de 90 do século passado.
Então elas tentam de toda
forma modular o andamento da introdução destas tecnologias na rede, até que
elas se sintam em condição de competir com novos entrantes. E o "espantalho"
só surte efeito porque a maioria da operadora não tem um "plano de batalha"
próprio.
Os planejadores das redes das operadoras, em sua maioria, apenas
consultam seus fornecedores tradicionais para ver qual é o roadmap
deles, e depois colocam estas features no seu próprio roteiro de
planejamento estratégico.
Eu acho isto uma burrice, que beira a
irresponsabilidade. Minha visão de planejamento é: eu, operadora X, pretendo
evoluir minha rede desta forma e neste prazo. O Sr, fornecedor X, se puder me
ajudar nisto com os seus produtos, seja bem-vindo ao barco.
Caso contrário,
saia da frente e dê lugar a quem possa fornecer o que eu preciso.
Até agora a
única grande operadora que eu vi fazer isto de forma consistente foi a British
Telecom, com o seu projeto 21CN.
Então, onde estão as verdadeiras dificuldades?
Na introdução de mecanismos de
autenticação forte e criptografia para gestão da user privacy e para
prevenir user identity spoofing, na introdução de mecanismos eficazes
(sem ser excessivamente pesados) para gestão de IPR (intellectual property
rights), e na gestão do call-control e billing para garantir
seamless roaming entre ambientes fixos e móveis (qualquer que seja a
tecnologia de acesso utilizada).
Nos dois primeiros as telcos não levam muita
vantagem sobre o pessoal da Internet, mas no último a expertise delas é muito
maior. E é principalmente aqui que se ancora o IMS.
Essencialmente o IMS é um hiper-mediador de sessões entre as partes client
e server de uma aplicação, fazendo o que se chama de session border
control.
Descrições gerais da arquitetura IMS podem ser vistas
aqui e
aqui.
Só que, ao contrário de um equipamento telecom tradicional, o IMS
não vai ser apenas uma coleção de placas montadas em um bastidor-padrão de
19", e que funciona em regime de "caixa preta". Ele vai ser uma coleção de
computadores (tá bom... eles até podem ser blades montados em racks
padrão), geograficamente distribuída, com Sistemas Operacionais e Bancos de
Dados off-the shelf, e as aplicações que compõem a arquitetura usam toda uma
"sopa de letrinhas" que não faz parte da terminologia típica de telecom.
Na
verdade, coisas como OSA (open service architecture), Parlay X, Web
Services e (tchan tchan tchan tchan!) SOA (service-oriented architecture)
estão muito mais no reino do pessoal de TI, e isto causa uma desorientação
brutal nos bellheads (veja explicação do termo
aqui ).
Nada instransponível, é claro (embora ensinar truque novo a
cachorro velho seja uma empreitada difícil :-) ).
Mas enquanto os prováveis
fornecedores (tradicionais ou não) de soluções IMS para as operadoras ficam
demonstrando o quanto suas aplicações são buzzword-compliant, o tempo
vai passando...
E o passar do tempo é crítico. Porque se o IMS for usado apenas para as
funções de controle do seamless roaming da sessões dos assinantes então
estamos no reino dos idiot-savant pipes (sem IMS é dumb pipes
mesmo).
Enquanto o tempo passa, o pessoal da Internet ganha mind share
dos usuários.
Se demorar demais, quando as telcos vierem com seu lindo IMS
completinho, os usuários não estarão interessados, porque já se acostumaram
com o serviço prestado ao modo Internet-like.
Se você prestar bem
atenção, dá pra ouvir o Google, a Microsoft, a Apple, a Oracle (e outras menos
votadas) cantando baixinho, em coro,
Time Is On My Side :-) .
O verdadeiro pulo-do-gato do IMS é permitir que as telcos ofereçam esta
plataforma como um front-end para aplicações desenvolvidas por
terceiros, desafogando os desenvolvedores destas aplicações de ter que incluir
nelas toda a parafernália de autenticação, segurança e billing - porque
isto pode ser terceirizado com as telcos através do IMS.
Ou seja, o que ser
quer é criar um "ecossistema" de suporte a aplicações que possa competir com o
pessoal da Internet em pé de igualdade (e até suplantá-los, quem sabe?).
O
problema é que o IMS cuida basicamente do dia-a-dia operacional do uso destas
aplicações. Ele não diz nada com relação a como estas third-party
applications vão conectar-se à rede da operadora.
Precisamos de um
conjunto coerente de interfaces publicadas, de tal forma que qualquer
desenvolvedor que queira plugar a sua aplicação no IMS possa fazê-lo sem maior
dificuldade. Ou seja: precisamos de APIs (application programming
interfaces) abertas para interoperar com a rede de telecomunicações.
Aqui entra o SDP.
A idéia do SDP envolve duas frentes: as APIs e os SDKs (software
development kits) para a interoperação das aplicações de terceiros com a
rede, e a visão de todos estes recursos (próprios e de terceiros) como
serviços SOA.
Um serviço SOA não tem nada a ver com o conceito tradicional de
serviço em telecom (ou em quase nenhuma outra área).
Este é um conceito
derivado e expandido das técnicas de desenvolvimento de aplicações OOP (object-oriented
programming).
No contexto OOP, um objeto é uma entidade lógica que
encapsula todos os procedimentos (algoritmos) e dados necessários para a
execução de uma função específica dentro de um programa.
De certa forma, um
objeto pode ser entendido como uma sub-rotina com esteróides.
Pois bem,
imagine agora que você crie uma entidade lógica que encapsula todo um processo
de negócio da organização.
Conseguiu? Beleza! Isto é um serviço SOA (um objeto
com esteróides).
Uma vez que todas as suas funções básicas de negócio (providas pela sua
própria rede ou providas por aplicações de terceiros) estejam mapeadas na
forma de um conjunto coerente de serviços SOA, definir um novo serviço (no
sentido tradicional da palavra) pode ser feito em modo lego-like,
alinhavando serviços SOA na seqüência necessária (muito parecido com as
aplicações de business process modeling).
E este novo serviço pode
depois ser descrito como um novo serviço SOA, que pode ser reaproveitado na
montagem de novos serviços, und so weiter... Esta á a camada de
service creation do SDP.
Mas o realmente complicado é que, uma vez definido o portfolio de serviços
suportados (na forma de coleções de serviços SOA interligados), toda esta
tranqueira tem de ser comunicada ao lado operacional da rede (controlado pelo
IMS) para que recursos de rede possam ser provisionados (embora,
provavelmente, muito mais de forma estatística que determinística) e os
usuários possam utilizá-los.
Esta é a camada de service orchestration
do SDP e, no meu entender, é a de maior complexidade de execução, porque tem
de lidar não só com a rede NGN. Tem que interoperar com a rede legacy também.
Isto envolve um reshape geral de toda a estrutura de OSS (operations
support systems) e BSS (business support systems) da operadora.
Quem acha que dá para implementar o service orchestration somente
"jogando um cobertor" de software por cima da estrutura atual, definindo uma
meia dúzia de APIs, está em rota de colisão com a realidade.
Se tudo isto funcionar como se espera, as operadoras de telecom podem cooptar
uma boa fatia do tráfego das aplicações mais "saborosas" da Internet, e
perpetuar seu modo de vida por muito tempo. Só que, para isto, além do
problema do time-to-market, elas tem de mudar de foco.
Hoje as telcos
são essencialmente empresas hardware-centric, e tem de tornar-se
software-centric em ritmo acelerado.
E esta idéia não é original minha.
Recomendo enfaticamente a leitura
deste artigo,
de 1° de maio deste ano.
Além do mais, repisando um tema que eu também já falei em outros posts, a
transformação da forma de prestar serviços de telecom vai causar
transformações em outras indústrias também, especialmente a indústria da
publicidade.
Em um ambiente onde os serviços podem ser prestados de forma hiper-customizada, e o assinante é parte ativa na definição de como, quando e
onde ele quer receber estes serviços, é ilusão achar que os modelos atuais de
publicidade estática, inserida compulsoriamente junto com o conteúdo, vão
sobreviver.
A publicidade vai ter que se adaptar para atender às exigências de
um consumidor muito mais sofisticado e volátil.
Nesta situação, a capacidade
de fazer data mining das informações de CRM (customer relationship
management), para identificar tendências e preferências de indivíduos ou
grupos, vai valer o seu peso em ouro.
E adivinhem quem estará de posse da
melhor fonte para montar as bases de dados de CRM?
As telcos, que mediam tudo
(ou, pelo menos, os serviços mais fashion) via IMS.
Também existe um lado meio sinistro neste cenário de cooptação significativa
dos serviços na Internet pelas operadoras de telecom.
Dado o histórico de
comportamento passado delas, em me preocuparia muito em ter órgãos reguladores
que efetivamente controlassem o mercado em favor do consumidor de serviços, em
vez de ficar cultivando bedfellowships com as operadoras.
Por outro lado, se as telcos perderem o bonde da história (meu palpite é que a
janela de oportunidade delas dure mais uns cinco anos), elas entrarão em lento
declínio (que pode levar até uns vinte anos para se completar) na direção de
tornarem-se apenas provedores de transporte de bits.
Mas, também, quem disse
que neste cenário não podem aparecer outros players com intenções
sinistras?
Novamente a bola volta para o campo de um sistema de regulação que
consiga adaptar-se às exigências do momento. O tempo dirá. Tempo é o fator
chave.
E, para finalizar, já que eu tenho que voltar ao batente amanhã (ops...
hoje) de manhã e já estou meio kaput de sono, uma citação anônima...
Every morning in Africa a gazelle wakes up. It knows that it must run
faster than the fastest lion, or it will be killed.
Every morning in Africa a lion wakes up. It knows that it must run faster than
the slowest gazelle, or it will starve to death.
So, when the sun goes up, it doesn't matter if you're a lion or a gazelle. You'd
better run like hell!
[ ]´s
J. R. Smolka[Procure "posts"
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