Fonte: Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação
Observatório do Direito à Comunicação
No dia 7 de abril foi publicado no Diário
Oficial da União o Decreto Presidencial 6424 que determina uma mudança
nos contratos de concessão com as operadoras do Serviço Telefônico
Fixo Comutado (STFC): Telefonica, Oi e Brasil Telecom.
Os contratos, assinados em 2005, obrigavam
que as empresas instalassem Postos de Serviço Telefônico (PSTs) em
cada cidade brasileira. Menos de três anos depois, chegou-se à
conclusão que aquelas obrigações estavam erradas e o próprio governo
sugeriu a mudança, sem contudo, assumir publicamente o equívoco
cometido em 2005.
Pelas novas regras, acordadas com as
operadoras, estas deixam de estar obrigadas a instalar os PSTs
(exceto no caso de cooperativas rurais), mas passam a ter que colocar
seus backhauls em todas as sedes municipais brasileiras.
Se a banda larga pudesse ser comparada com
árvores, os backbones que as operadoras possuem seriam os troncos, o
backhaul os galhos e cada cidade brasileira uma folha. Sem o backhaul,
não é possível levar a seiva que vem do tronco para cada folha. Ou
seja, o backhaul interliga o backbone da operadora às cidades. No
Brasil, mais de 2000 municípios não têm backhaul e, portanto, não
podem se conectar à banda larga.
A proposta do governo é digna de mérito,
porque, no século XXI, é muito mais importante garantir a
universalização da banda larga do que do telefone fixo. Contudo, este
adendo aos contratos de 2005 ainda apresenta problemas. São pelo menos
dois.
As velocidades mínimas exigidas para cada
backhaul são muito baixas. Por exemplo, uma imaginária cidade com
70.000 habitantes teria, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), em torno de 20.000 residências, mas contaria com
um backhaul de apenas 64 Mbps. Ou seja, se apenas 1.000 casas tiverem
dinheiro para contratar o serviço de banda larga oferecido pela tele,
ainda haveriam 19.000 excluídas e a velocidade máxima disponível para
cada residência conectada à suposta banda larga seria de apenas 64
Kbps, ou igual àquela obtida por uma linha telefônica comum.
E não há a obrigação para que a operadora
faça unbundling em seu backhaul. Por detrás desse palavrório técnico,
tal obrigação significa que a operadora teria que vender parte da
capacidade instalada do seu backhaul a qualquer provedor interessado
em competir com a própria tele. E a preços não discriminatórios,
regulados pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Essa
seria a única forma de estimular a concorrência. Do jeito como ficou,
o Decreto permite que os backhauls sejam usados exclusivamente pelos
próprios serviços de banda larga das operadoras (BrTurbo, Velox e
Speedy), matando qualquer possibilidade de concorrência local.
Mas, principalmente, a falta do unbundling
dificulta em muito o surgimento de experiências de redes comunitárias,
organizadas pelas prefeituras e/ou pela sociedade civil, usando
tecnologias sem fio, e que levam a Internet gratuíta à prédios
públicos (como bibliotecas e telecentros), mas também às próprias
casas, o que já fazem Sud Minucci (SP) e Duas Barras (RJ).
Em resumo, ainda que amplie o alcance da
banda larga, o Decreto Presidencial 6424 está longe de garantir a tão
sonhada inclusão digital de nossa população e tem como efeito
colateral o aprofundamento do monopólio regional exercido por cada
tele em sua área de concessão.
O acordo subterrâneo
A mudança dos contratos de concessão teve
que contar com a concordância das teles. Caso contrário, ficaria
valendo a obrigação inicial dos PSTs. Para convencer as teles, um
estudo da Anatel comprovou que o custo de instalação dos backhauls nos
municípios que ainda não o possuem seria o mesmo da instalação dos
PSTs. Seria trocar seis por meia dúzia, sem onerar o caixa destas
empresas. E é óbvio que as teles perceberam, também, que a futura
prestação de serviços de banda larga lhes trará muito mais receita do
que a administração de postos telefônicos.
Tudo certo, eis que surge um novo
elemento. Além da troca dos PSTs pelos backhauls, o governo negociou
um segundo acordo com as teles, que prevê a instalação de conexão de 1
Mbps em cada uma das 56 mil escolas públicas urbanas brasileiras, sem
custos para os governos (federal, estaduais e municipais) pelo menos
até 2025 (quando vencem os atuais contratos de concessão). Até 2010
todas essas escolas deverão estar com a conexão funcionando.
Se as teles brigaram tanto para ter
certeza que a obrigação dos backhauls não lhes custaria nada a mais do
que a antiga obrigação dos PSTs, se não queriam desembolsar nada além
do que fora previsto inicialmente, por que aceitaram tão prontamente
este novo acordo, que foi anunciado no dia 8 de abril pelo presidente
Lula? Nada as obrigava a este novo acordo. Por que concordaram? Puro
patriotismo?
Coincidência ou não, ao mesmo tempo em que
começaram as negociações em torno deste segundo acordo, saía de cena o
debate no interior do governo sobre o “backbone estatal”.
Essa proposta consistia em dois
movimentos.
Primeiro, unificar a gestão dos cerca de
40 mil Km de fibra óptica que o governo federal já possui, seja
através das estatais ou da massa falida da Eletronet.
Em segundo lugar, construir sua própria
rede de backhaul, levando a conexão deste backbone estatal a cada
município brasileiro.
Com isso, o governo estaria em condições
de ofertar às cidades (prefeituras e/ou sociedade civil) a
possibilidade de construirem redes locais que posteriormente seriam
conectadas à infra-estrutura do governo federal.
Sem fins lucrativos, este backbone estatal
poderia cobrar das cidades apenas o necessário para se manter e
crescer (o que é bem menos do que cobram atualmente as teles).
De inicío, já seria possível prever que as
prefeituras e governos estaduais poderiam usar os serviços de
telefonia por IP desta rede, deixando de ser usuárias das operadoras
privadas. Uma economia de muitos milhões para os cofres públicos.
Mas, também seria possível construir redes
comunitárias, que levassem Internet banda larga, telefonia por IP,
webrádio, IPTV e muito mais para todas as comunidades hoje excluídas
das estratégias de mercado das teles. Uma ligação local, feita de um
telefone conectado a esta rede comunitária para outro igualmente
conectado, teria preço igual a zero!
Mas, o acordo subterrâneo com as teles foi
além. Não bastava apenas garantir que o governo abriria mão de usar
sua própria infra-estrutura para fazer inclusão digital. As teles
também ganharam o direito de explorar sozinhas a rede que irão
construir para chegarem até as escolas. Essa rede passará na porta de
milhares de residência e obviamente as teles a usarão para vender seus
serviços de banda larga. A proposta do governo não obriga a que as
teles tenham que partilhar essa rede com os provedores locais (o tal
unbundling).
Com backhauls e redes de “última milha”
para uso exclusivo, as teles acabaram de ganhar o monopólio da banda
larga em todo o país.
Se tudo isso for mais do que uma simples
coincidência, quando o presidente da República inaugurar a primeira
escola conectada em banda larga através deste segundo acordo com as
operadoras, o que pouca gente saberá é que esse evento festivo também
será o funeral de uma idéia muito mais inclusiva.
Por esta linha de raciocínio, o governo
negociou a instalação da banda larga nas escolas em troca do abandono
da idéia de um backbone estatal e da morte dos pequenos provedores
locais.
Para as teles, as 56 mil escolas
conectadas até que saíram barato...