Prezado Helio
Achei pertinente transcrever trecho de matéria publicada domingo, 15 de
junho, na página J3, do caderno Aliás - no Estadão, com o título "
Amigos,
compadres e negócios, ilustrada com uma bela foto onde vemos os donos
da VarigLog, Roberto Teixeira e Lula no gabinete da Presidência da
República, após a operação de compra da Varig.
Acredito que a dinâmica das negociações da Varig têm muito a ver com a
dinâmica que envolve as negociações do PGMU, PGO e aquisição da Brasil
Telecom pela OI:
'Escreve Palmer [representante do fundo Matlin Patterson] para Lap Chan,
11 dias depois de a Varig ter sido arrematada pela Log, em 2006: "Como
você diz, bem-vindo ao mundo em tempo real dos mercados emergentes, onde
inteligência e rapidez se sobrepõem às leis e normas na definição dos
negócios".'
Qual ou quais serão os compadres no segmento das telecomunicações?
Abraço a todos.
Flávia Lefèvre Guimarães
Como diz o operador Lap Chan, bem-vindos ao mundo onde inteligência e
rapidez se sobrepõem às leis
Francisco Foot Hardman* - O Estado de S.Paulo
*Francisco Foot Hardman é professor titular do Instituto de Estudos da
Linguagem da Unicamp
SÃO PAULO - Sejamos justos: a permeabilidade entre corporações sindicais
ou empresariais e meganegócios conduzidos a partir do poder de Estado não
é criação do governo Lula, tampouco apanágio exclusivo de sociedades
periféricas como a brasileira.
Tome-se, por exemplo, a Itália de todo o período democrata-cristão e, mais
ainda, a da tenebrosa era Berlusconi: os casos de flagrante atentado à lei
e à Constituição em nome de interesses privatistas escusos, ora mais ora
menos mafiosos, mais ou menos clandestinos, repetem-se à exaustão. Com o
avanço da globalização, o termo "máfia" migrou com maior velocidade, em
tempo vírtuo-real, do que na fase anterior de gangsterismo afeito a
territórios limitados e chefes identificáveis. Na Rússia pós-URSS
encontrou, entre outros lugares, terreno fértil para prosperar, antes e
com Putin, como sopa no mel. Nos EUA da era Bush, nunca se vira antes
tamanha interconexão entre política belicista e altos negócios do complexo
industrial-militar geridos a partir de interesses financeiros
compartilhados pelos próprios integrantes, familiares e agregados da
presidência e vice-presidência. Se a era Clinton aprofundara a prática de
lobbies financistas junto às altas esferas do poder, com Bush o que há de
mais sinistro é que essa teia de meganegócios tem na produção e
manipulação da guerra, vale dizer, do genocídio administrado, seu
principal esteio.
Na América Latina, processos similares repetem-se, muitas vezes renovando
métodos e ampliando campos de atuação. A Argentina do peronismo
persistente na manutenção corporativista de um Estado sindical corrupto e
o México, que ainda preserva a herança de um Estado-Partido em que
política institucional, corrupção do aparato repressivo e acumulação
capitalista circunscrevem-se a uma elite dirigente com traços de
camarilha, são apenas dois dos exemplos mais candentes.
Sejamos justos: o PT não inventou esse círculo estreito de corporativismo
partidário-sindical em que se sobressaem grandes golpes de assalto a
fundos de pensões, cooperativas e outros estoques de capital. Se o caso
antigo da Bancoop (Cooperativa Habitacional dos Bancários, do sindicato
dessa categoria em São Paulo, Osasco e região), que tem entre seus membros
mais sorridentes Berzoini e Lula, vem agora à baila, com retoques
sombrios, pode tratar-se aqui de tudo, menos de práticas originais. O PTB
da era Vargas já tinha inaugurado entre nós a síndrome do sindicalismo de
Estado, inclusive no quesito sinistro. E o PDT do Paulinho da Força fez
sempre jus a essa herança voraz dos senhores proprietários do sacrossanto
imposto sindical, cláusula pétrea de nossos entulho parafascista mais
renitente, hoje a serviço da democracia à la CUT e do capitalismo
financeiro à la ornitorrinco, para lembrar a análise sempre lúcida dessa
mecânica por Francisco de Oliveira. Tudo, claro, sob pressão do governo e
conivência reiterada do Congresso Nacional.
Sejamos justos, repito. Roberto Teixeira não é o primeiro
primeiro-compadre da história do Brasil, nem esse suporte decisivo que seu
escritório deu aos negócios suspeitíssimos da VarigLog foi o primeiro
aporte aos interesses do progresso da Nação e de sua aviação comercial, em
particular. Já havia antes a Transbrasil, e o primeiro-compadre parece ter
vocação meritória para socorrer empresas aéreas em queda vertical e para
ajudar a converter pó em milhões de dólares num piscar de olhos. Como
também não se poderá atribuir, jamais, ao smart sócio de fundos e operador
Lap Chan o epíteto de primeiro testa-de-ferro da aviação brasileira.
Jamais. Pois havia Audi, Haftel e Gallo atrás (ou na frente?) dele.
Lap Chan tem os pés no chão, os anos de Escola Britânica, em São Paulo,
assim o formaram. É um homem-dispositivo dos mais bem acabados de nosso
tempo. Por isso, permitam-me, em sua homenagem, transcrever essa pérola do
real thinking, num e-mail que trocou com o advogado Palmer, representante
do fundo Matlin Patterson, que foi quem papou afinal a VarigLog e a venda
milionária da Varig à Gol, deixando para trás, com a cumplicidade de
parlamentares, juristas e juízes, o passivo da empresa de R$ 7 bilhões,
parte disso em dívidas trabalhistas e previdenciárias com centenas de
funcionários da companhia. Escreve Palmer para Lap Chan, 11 dias depois de
a Varig ter sido arrematada pela Log, em 2006: "Como você diz, bem-vindo
ao mundo em tempo real dos mercados emergentes, onde inteligência e
rapidez se sobrepõem às leis e normas na definição dos negócios!"
Sejamos justos, pois, amigos. A profissão de testa-de-ferro não foi
inventada agora. Será mais recente que a de prostituta, certamente, mas
ainda assim muito antiga. Testa-de-ferro de capitais estrangeiros como
forma de burlar a lei, então, nem se diga. No século 19 já tínhamos
exemplos copiosos. Lap Chan não parece ser imprudente, não pisaria em
terreno minado ou pantanoso, por ainda informe. Tradição em tempo real.
Fraudes em atas e faxes com inteligência e rapidez. Eis a fórmula certa,
que combina know-how com boa dose de voluntarismo. E escolha dos parceiros
certos, dos sócios precisos para cada empreitada. Com bons advogados, de
livre-pensamento e trânsito, então, a coisa decola. O que parece não ter
decolado, aqui, foi a solidariedade dos laranjas tupiniquins. Isso
acontece, Freud explica.
Aliás, quando Lula comentou, nessa quinta-feira, a propósito do depoimento
no Senado da ex-diretora da Anac, que "só Freud explica as mentiras", o
presidente estava, mais uma vez, coberto de razão. Razão de Estado ou de
compadrio, quem poderia saber? Mas, afinal, é possível separar esses dois
entes, para saber algo de fato? Não, não saberemos a que razão ou a que
verdade se referia o presidente. Não é culpa sua, sejamos justos, que não
possamos afinal saber. A tragédia brasileira moderna e global tem esse
nome e esse ponto-limite, que é o da interrogação: Freud, para quem?
Bem-vindos ao maravilhoso mundo da mentira democrática em tempo real. Como
queria Sade, antes de Freud: tempo dos virtuosos no crime e criminosos na
virtude.