Fonte: Estadão
Carlos Alberto Di Franco,
diretor do Master em Jornalismo
(www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e
doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é
diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de
Mídia E-mail:
difranco@iics.org.br
Acabo de regressar da
Europa. Lá, como cá, os jornais investem pesado na
tentativa de conquistar e fidelizar leitores. A mídia
impressa perde leitores em todo o mundo. Aqui, felizmente,
a crise ainda não se instalou com a força de outros
mercados. Televisão e internet são, freqüentemente, os
bodes expiatórios. Os jovens estão "plugados" horas sem
fim. Já nascem de costas para a palavra impressa. Será? É
evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas não é
só a moçada que foge dos jornais. Os representantes das
classes A e B também têm aumentado a fileira dos
navegantes do espaço virtual. A perplexidade do setor é
gigantesca. Mas os equívocos estratégicos são ainda
maiores.
Os jornais, erradamente,
pensam que são meio de comunicação de massa. E não são.
Daí derivam providências fatais: a absurda imitação da
televisão, a incapacidade para dialogar com a geração dos
blogs e dos videogames e o alinhamento acrítico com os
modismos politicamente corretos. Esqueceram que os diários
de sucesso são aqueles que sabem que o seu público,
independentemente da faixa etária, é constituído por uma
elite numerosa, mas cada vez mais órfã de produtos de
qualidade.
Num momento de ênfase no
didatismo, na infografia e na prestação de serviços -
estratégias convenientes e necessárias -, defendo a
urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que
devemos conquistar não quer, como é lógico, o que pode
conseguir na TV ou na internet. Ele quer informação de
qualidade: a matéria aprofundada, a reportagem
interessante, a análise que o ajude, de fato, a tomar
decisões.
O noticiário de política,
por exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos
qualificados do leitorado, perdeu vigor. Está,
freqüentemente, dominado pela fofoca e pelo declaratório.
Não tem notícia, mas sobra suposição sem fundamento e
documentação. O marketing político avançou além da conta.
Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era
do declaratório e da inconsistência. Políticos e partidos
vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das
idéias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o
contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar
a embalagem e mostrar a realidade. Só nós, estou certo,
podemos minorar os efeitos perniciosos do espetáculo
audiovisual que, certamente, não contribui para o
fortalecimento de uma democracia sólida e amadurecida.
Por isso, uma cobertura de
qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É
preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e
assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel
é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar
suas carências e cobrar soluções dos governantes. Não se
pode permitir que políticos e suas assessorias de
comunicação definam a agenda das coberturas jornalísticas.
O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas
públicas, não mais o político, tampouco a própria
imprensa.
Outros riscos ameaçam a
qualidade da cobertura de política. Sobressai, entre eles,
o perigo da instrumentalização da imprensa. Os
protagonistas do teatro político não medem esforços para
fazer com que a mídia, à sua revelia, destile veneno nos
seus adversários. Por isso, é preciso revalorizar, e
muito, as clássicas perguntas que devem ser feitas a
qualquer repórter que cumpre pauta investigativa: checou?
Tem provas? A quem interessa essa informação?
O esforço de isenção, no
entanto, não se confunde com a omissão. O leitor espera
uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu
intransferível dever de denúncia. A sociedade quer um
quadro claro, talvez um bom infográfico, que lhe permita
formar um perfil dos homens públicos: seus antecedentes,
sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos atuais
e anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom levantamento
das promessas de campanha. É preciso mostrar os eventuais
descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no
fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço. A
imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, tem
o dever de desempenhar importante papel na recuperação da
ética na vida pública.
Só uma séria retomada na
qualidade informativa garantirá a fidelidade dos antigos
leitores e a conquista de novos. Precisamos mostrar que o
jornal continua sendo útil, importante, interessante.