Consulta pública retoma o
debate sobre a tecnologia, que ainda precisa vencer desafios
técnicos e mercadológicos.
A consulta pública aberta pela
Anatel trouxe aos holofotes o PLC, sigla para Power Line
Communications, tecnologia que permite a oferta de banda
larga pela rede elétrica. A tecnologia não é nova – só no
Brasil ela é testada há quase dez anos -, mas os avanços
registrados nos últimos anos dão esperança de que ela possa
se tornar realidade. A promessa do PLC é animadora:
transformar todas as tomadas em ponto de rede e levar banda
larga a todas as localidades sem necessidade de novos
cabeamentos, afinal a rede energia elétrica cobre
praticamente todo o Brasil. É o sonho da universalização do
acesso à internet.
Até lá, no entanto, falta
vencer os desafios técnicos e mercadológicos, afinal a
tecnologia ainda não se provou mais barata que o ADSL. No
Brasil, praticamente todas as concessionárias de energia
elétrica já testaram o PLC em maior ou menor grau. Agora,
com a proposta de regulamentação em curso, o interesse foi
redobrado, dada a perspectiva de disponibilidade de
equipamentos.
A consulta pública aberta pela
Anatel não visa regulamentar a tecnologia, mas sim
estabelecer as condições de uso e as características dos
equipamentos, que passarão a ser certificados pelo órgão
regulador. O regulamento também estabelece as freqüências
nas quais os sistemas podem operar. Apesar de o PLC
funcionar por cabo, há emissões indesejadas, que vazam pelo
fato de o cabo da rede elétrica não ser blindado. Com o
regulamento, a Anatel estabelece as condições para que estas
emissões não interfiram nos demais serviços e como devem ser
tratadas estas interferências. De maneira geral, as emissões
acontecem na faixa entre 1,7 MHz e 30 MHz. A consulta
pública vai até 29 de setembro e a expectativa é de que a
regulamentação esteja publicada até o final do ano.
O grande desafio da tecnologia
é justamente superar as interferências. “A rede elétrica,
por sua própria constituição, apresenta muito ruído, mas a
tecnologia já está bastante evoluída”, afirma o diretor do
Fórum PLC na Associação de Empresas Proprietárias de
Infra-Estrutura e de Sistemas Privados de Telecomunicações
(Aptel), Paulo Pimentel. Nos primeiros estágios do PLC, a
conexão era seriamente prejudicada pela interferência de
outros dispositivos elétricos. Ou seja, a rede caía cada vez
que se ligava o secador de cabelo ou o liquidificador. A
evolução da tecnologia já suporta oscilações como estas,
dada o isolamento conseguido nos equipamentos.
Na avaliação de Pimental, a
regulamentação deve alavancar o primeiro grande uso do PLC,
que são as aplicações de automação e medição de uso próprio
da concessionária de energia. Essas aplicações já são usadas
em baixa escala no Brasil e permitem a leitura remota dos
medidores de energia elétrica, sem que um técnico precise ir
ao local para realizar a tarefa. “A Itália tem 30 milhões de
medidores conectados com a tecnologia”, informa Pimentel.
Mas é na oferta de serviços de
banda larga que está a grande atratividade do PLC. Na
teoria, as concessionárias de energia podem se tornar
provedoras de serviços de telecomunicações, competindo com
as teles. Ou podem ser parceiras das teles, entrando com a
oferta de infra-estrutura para que elas ofereçam o serviço
ao consumidor final. O modelo de negócios do PLC ainda é uma
incógnita, já que a tecnologia é tão nova, mas os caminhos
seguidas pela Brasil Telecom e pela Copel, por exemplo,
mostram que as possibilidades são amplas.
Pioneirismo com o Videon
A BrT foi a primeira operadora
brasileira a utilizar comercialmente o PLC. A solução vem
sendo usada desde o início do ano na versão indoor, ou seja,
dentro da casa do assinante, para transmissão do Videon, o
serviço de IPTV da concessionária. Os testes começaram em
2006 e se mostraram satisfatórios, de acordo com o Sebastião
do Nascimento Neto, engenheiro consultor de telecom da BrT.
“Alcançamos taxas de transmissão de 200 megabits”, diz. Ele
destaca que o PLC vem se mostrando bastante apropriado para
fazer a conexão internamente, entre o modem, por onde chega
o sinal do ADSL, e o aparelho de televisão. “Na maioria das
vezes, a TV não está ao lado do computador e nem sempre é
possível levar o cabo do ADSL até a sala de visitas. O PLC
foi a solução”, explica.
Os planos da BrT para o PLC
não param por aí. A operadora parte agora para testes com a
solução outdoor, usando a rede de distribuição da
concessionária de energia. Para esta primeira experiência,
os trâmites foram acertados com a Celg, de Goiás, e os
primeiros pilotos começam ainda este ano. “Enxergamos o PLC
como complementar ao ADSL, para levar a banda larga onde a
minha rede não alcança”, explica Nascimento.
Segundo o consultor, é
vislumbrada uma série de serviços a serem oferecidos por
meio da tecnologia PLC. A BrT começa a testar, por exemplo,
uma espécie de PLC gateway, capaz de alimentar pequenos
prédios comerciais. O equipamento é plugado na caixa de
força do edifício e transforma todas as tomadas em ponto de
rede. O ADSL, que chega pela rede de cabos telefônicos da
concessionária de telefonia, é ligado no mesmo dispositivo,
levando a banda larga para todo o prédio. Dessa forma, é
eliminada a necessidade de modems em cada andar ou para cada
microcomputador. “É uma solução apropriada para pequenos
edifícios comerciais e muito atraente para hotéis e
pousadas, por exemplo”, diz Nascimento.
Ele destaca que nos países
europeus e no Japão já são comercializados gateways que
integram ADSL, Wi-Fi e a interface de voz. Assim, com um
único equipamento, a operadora oferece os três serviços, com
a vantagem de dispensar o cabeamento interno. “A maioria das
residências não tem cabeamento preparado para a variedade de
serviços que existe hoje. O PLC resolve o problema usando a
rede elétrica, que já está presente em todas as casas”, diz.
Nascimento assegura que a
evolução dos equipamentos permitiu minimizar as
interferências do uso da rede elétrica. “Os dispositivos
mais modernos são capazes de absorver as flutuações sem
derrubar a rede. A taxa de sucesso está em 80%”, informa.
Disputa com as teles
Enquanto a BrT vê a Celg como
parceira, o modelo da Copel, no Paraná, é de concorrer
diretamente com as teles na disputa pelo cliente final. “Com
o PLC, resolvemos o problema de acesso”, diz o consultor
para a área de telecom da Copel, Orlando César de Oliveira,
que prevê uma revolução no setor com o início das ofertas
comerciais de PLC. A própria Copel já testou a tecnologia em
2001 e 2002, sem que os resultados permitissem um lançamento
comercial. Agora, com a evolução dos sistemas, está mais
otimista. A empresa prepara um novo teste com PLC envolvendo
300 assinantes e um modelo inédito de negócio: a web sob
demanda, ou WoD. A idéia é oferecer, pela rede elétrica,
serviços de voz, banda larga, vigilância/segurança e vídeo
sob demanda. Segundo Oliveira, a tecnologia disponível hoje
permite o acesso a uma velocidade de 50 megabits por
segundo. “Entramos na era da wideband”, diz ele.
Para o teste, a Copel fechou
acordo com a BPL Global, que funcionará como integradora das
soluções da sueca Ilevo. Nesta primeira fase, o projeto
consumirá cerca de R$ 1 milhão, considerando apenas a compra
dos equipamentos. Segundo Oliveira, o objetivo é dar impulso
à tecnologia PLC e atrair investidores para o projeto. Em
uma segunda fase, a Copel quer usar o PLC para cobrir todo
um município, com a ambição de chegar a 3 milhões de
usuários na fase 3. “Mas, antes disso, o business plan terá
que mostrar a viabilidade econômica do projeto”, diz o
consultor.
A idéia da Copel é oferecer
ela própria os serviços de voz e acesso à internet,
constituindo-se em mais um player no mercado de
telecomunicações. “A Copel tem 3,5 milhões de consumidores,
dos quais já tem todos os dados e conhece os hábitos de
consumo”, destaca. A empresa já atua na oferta de
conectividade para o mercado corporativo por meio da Copel
Telecom, que também trabalha em parceria com as teles
vendendo capacidade de infra-estrutura. A rede da empresa
cobre 180 cidades, com mais de 180 quilômetros de fibra, e
atende 600 empresas. Para este público, a Copel está dando
mais um passo na oferta de serviços: a empresa entrou com
pedido de licença de STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado)
para oferta de voz. Com isso, ganhará um plano de numeração
e entra na disputa direta do cliente com as concessionárias
de telefonia.
Para oferecer o serviço de
telecom, seja ele em qualquer modelo de negócios,
praticamente todas as concessionárias de energia
constituíram subsidiárias para a área de telecomunicações,
já que a regulação do setor de energia elétrica veta a
oferta pela própria empresa. Uma das mais antigas é a
Infovias, braço da mineira Cemig, que realizou testes com o
PLC em 2002. “Desde então, problemas como interferências e
quedas foram minimizados”, explica o gerente de engenharia
de redes, Wanderley Maia Filho. Agora, com a regulamentação
dos sistemas, ele conta que a idéia é usar o PLC na última
milha, aquela que chega ao usuário final. “A tecnologia
deverá ser usada complementarmente à rede óptica”, explica.
Maia Filho faz uma ressalva: o PLC deverá ainda ser avaliado
do ponto de vista econômico, comparativamente a outras
tecnologias em estudo pela Infovias, como Wi-Fi, Wi-Mash e
WiMAX. O modelo de negócios, no entanto, não deverá ser
alterado. “Continuamos com foco no corporativo. Não temos a
intenção de chegar ao cliente residencial”, diz ele.
Outras empresas, sem a licença
para serviços de telecom, avaliam os sistemas somente para
uso próprio. É o caso da Celesc, de Santa Catarina, que
também testou o PLC há mais de cinco anos para conhecer a
performance da tecnologia. “A tecnologia não estava tão
madura, motivo pelo qual optamos por investir na
infra-estrutura óptica”, afirma o chefe da divisão de
manutenção e instalação de telecomunicações da
concessionária, Edson Luiz Souza. Segundo ele, a Celesc deve
aguardar para ver o que acontece com a tecnologia
pós-regulamentação, para decidir pela adoção ou não do PLC.
“Os preços dos equipamentos ainda não são competitivos”,
pondera Souza.
Não são apenas as
concessionárias de energia que estão de olho no potencial de
negócios com PLC. Os fabricantes de equipamentos também
estão atentos às possibilidades que se abrem com a nova
tecnologia. E ela deve por em cana nomes até então distantes
do mercado de telecomunicações, como é o caso da Panasonic,
mais conhecida pela fabricação de aparelhos de áudio e
vídeo. “A proposta da Panasonic é integrar a solução de PLC
aos equipamentos”, diz o consultor técnico da empresa,
Eduardo Kitayama. Ele conta que, no Japão, a Panasonic já
comercializa equipamentos como porteiro eletrônico e até TV
de plasma com conexão para PLC, além do próprio modem de
acesso. “A regulamentação deve favorecer a disseminação da
tecnologia”, diz ele. Enquanto isso, a Panasonic procura
parceiros no Brasil para demonstrar suas soluções baseadas
em PLC. Kitayama informa que a empresa está fechando uma
parceria com um fabricante de medidores de água e energia
elétrica para embutir a tecnologia nos equipamentos, o que
permitirá a leitura dos dados remotamente.
Outra aposta da Panasonic, e
de toda a comunidade envolvida com PLC no Brasil, são os
novos testes com a tecnologia que começam a ser feitos em
Barreirinhas, no Maranhão. A Aptel já havia realizado uma
experiência piloto de seis meses em 2004. Agora, parceria
com a iniciativa privada e governos, serão aportados mais de
R$ 5 milhões em dois anos de experiências, que envolvem
inclusive aplicações inovadoras, como o uso do PLC como
canal de retorno para a TV digital.
Essa aplicação, em particular,
conta com o apoio da Comunidade Européia, que está colocando
2 milhões de euros no projeto, além do suporte de
fabricantes europeus e japoneses. O interesse da Comunidade
Européia se justifica pelo fato de o PLC já estar em estágio
mais avançado na região, que deseja disseminar o padrão,
mais amplamente usado em aplicações outdoor, ao passo que o
padrão japonês tem se mostrado mais adequado a aplicações
indoor.
Outros fabricantes deverão
aportar mais R$ 1,5 milhão na experiência piloto, que
pretende mostrar a viabilidade do PLC para oferta da banda
larga. Em parceria com a Panasonic, será usado um link do
Gesac (Governo Eletrônico – Programa de Atendimento ao
Cidadão) para levar o acesso a uma biblioteca local,
transformando as tomadas em pontos de rede. Outro sistema,
desta vez outdoor, deve conectar outros 50 pontos em toda a
cidade e a idéia é estender a experiência para mais de 100
pontos até o final do ano. O presidente da Aptel, Pedro Luiz
Jatobá, acredita que a regulamentação do PLC deve favorecer
a vinda de outros fornecedores para o país, contribuindo
para disseminar o uso da tecnologia.
O interesse pela tecnologia
chega também ao meio acadêmico. A UniverCidade, instituição
privada de ensino do Rio de Janeiro, inseriu a matéria de
BPL (Broadband Power Line) no curso de graduação tecnológica
e no curso de pós-graduação em redes de computadores da
Escola de Ciências Exatas e Tecnologia. A iniciativa contou
com a parceria da AES Communications, prestadora de serviços
de telecomunicações no Estado do Rio de Janeiro que vem
realizando testes com a tecnologia há anos. A AES Com
equipou um laboratório com a tecnologia, além de treinar os
professores, que abordam a evolução da tecnologia,
requisitos para sua implementação, principais aplicações,
interação com outras tecnologias, topologias de rede e
configuração de equipamentos.