Sobre "democratização dos
meios de comunicação".
O assunto é vasto e permite diversos enfoques. Posso aqui dar um viés da
questão.
O que temos presenciado
ultimamente no Brasil é uma falta de controle público sobre os meios de
comunicação, sejam eles físicos ou de conteúdo.
As Agências não vêm se
mostrando aparelhadas para enfrentar as demandas apresentadas : primeiro
normalizar de acordo com o interesse público e depois fiscalizar o seu
cumprimento.
Adicione-se a isso a falta de políticas públicas devidamente discutidas e de
interesse social.
O recente episódio da mudança do PGO, para permitir a compra da BrT pela Oi,
mostra o quão frágil são as nossas regras no Setor.
Em algumas áreas, na telefonia
fixa e no acesso fixo à banda larga, por exemplo, a competição não se
efetivou, ficando o controle na mão de poucas empresas regionalizadas.
Portanto, a democratização aqui pretendida é a de se instituir uma Lei
clara, sólida e transparente que permita uma maior competição no Setor (com
a consequência óbvia de diluição de poder), com mecanismos de participação
efetiva da sociedade, e uma melhor fiscalização de todos os atores, sejam
eles empresas operadoras de telecomunicações, geradores e provedores de
conteúdo, provedores de acesso e até mesmo usuários.
Nos mecanismos de concessões e
autorizações que estamos presenciando nas comunicações em nosso país, há que
existir uma entidade forte que normatize, estabeleça metas e fiscalize seu
cumprimento.
Não seria o caso de Agências independentes, sem conotações políticas?
Agências com representação plural e autoridade para fixar diretrizes e
buscar suas adoções?
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Eugênio Bucci é jornalista e professor da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP);foi
presidente da Radiobrás durante o Governo Lula; é autor de "Em
Brasília, 19 Horas" (Editora Record)
Pela democratização dos meios de comunicação.
Apesar da rima em "ão", passei a juventude defendendo o bordão. Não só a
juventude: eu já tinha mais de 40 quando, no final de 2002, aceitei o
convite para presidir a Radiobrás pensando exatamente em democratizar os
meios, pelo menos os públicos. Foi uma experiência instrutiva. Quando alguém
do governo aparecia repetindo para mim a velha palavra de ordem, eu
respondia correndo: "Ótimo, estou de acordo. Vamos começar pelos meios do
Estado." Causei muito estranhamento. Para a maioria dos meus interlocutores
federais, as emissoras do Estado deveriam difundir a versão dos governantes.
Deveriam, em suma, ser parciais, embora não fosse assim, com essa palavra,
que os adeptos oficiais do meu bordão de juventude formulassem suas
pretensões. Para eles, que viam na "mídia privada" um partido "de oposição",
a "mídia pública" tinha de fazer o contrapeso, mostrando "o nosso lado",
como um advogado de defesa. Acreditavam que a verdade emergiria como média
aritmética entre as duas distorções, a "deles" e a "nossa". Quanto mais
puxássemos o relato dos fatos para o "nosso" lado, mais a verdade resultante
se aproximaria do "nosso" pensamento.
Não precisei de muito tempo para perceber que
a estratégia comunicacional da verdade como média aritmética não incluía a
democracia nos meios públicos, pois não incluía o apartidarismo, a
objetividade e o respeito ao direito à informação. Dentro daquela
estratégia, o termo "democratização" era um biombo para esconder o
aparelhamento puro e simples. Entre batalhas perdidas e batalhas ganhas,
tentei me opor a isso. Interesses de governo, eu dizia, não podem ter lugar
na definição da pauta de veículos jornalísticos, principalmente dos veículos
estatais. Às vezes, meus interlocutores contraíam o corpo: "Mas como? O
governo teve milhões de votos e tem legitimidade para participar da condução
das emissoras públicas!" Eu contra-argumentava: quem governa recebe mandato
para gerir o governo, não para mediar o debate público; por mais votos que
receba um candidato, ele não tem mandato para direcionar o modo como os
cidadãos discutem a política, a economia, a cultura, a ciência, a religião,
o que for. Acho que não convenci quase ninguém.
Saí da Radiobrás já faz dois anos e meio e,
hoje, noto que não houve mudanças substantivas na área. As pressões
governamentais continuam gigantescas nas emissoras públicas, tanto nas
estaduais como nas federais. Elas estão longe da sociedade - e próximas, em
demasia, do Executivo. O Brasil não democratizou suas emissoras públicas.
Agora, observo os preparativos da 1ª
Conferência Nacional da Comunicação, convocada pelo governo federal, que vai
ocorrer no final do ano, depois de várias conferências regionais. É claro
que a comunicação social deve ser discutida pela sociedade. Esse debate
melhora a democracia. Por isso, a depender do curso que adote, a conferência
poderá ser uma boa notícia.
Mas vamos precisar as coisas. A expressão
"comunicação social" é genérica demais. O ponto que interessa é o da
radiodifusão. Nesse setor, ainda convivemos com oligopólios privados que
remontam à prática do coronelismo. Em algumas regiões do País há verdadeiros
conglomerados de estações de rádio e TV que trabalham abertamente pela
manutenção de oligarquias, manipulando noticiários locais de forma acintosa.
O quadro agravou-se de uns tempos para cá, quando recrudesceram as
associações indevidas entre igrejas, partidos políticos e redes de TV, o que
não é positivo em nenhuma democracia. Como concessão pública que é, a
radiodifusão só se vai modernizar entre nós quando tivermos uma
regulamentação e uma regulação que limitem a propriedade cruzada dos meios,
a concentração do mercado anunciante numa só empresa e a promiscuidade entre
política, máquinas religiosas e emissoras. Sem isso não haverá ambiente
saudável de concorrência comercial e não haverá, também, diversidade no
espaço público. No mais, a palavra-chave é liberdade. O governo não pode
interferir em conteúdos. Ponto. Mas... e quanto aos meios públicos ou
estatais, que padecem de problemas análogos? Nada se vai falar contra eles?
A conferência poderá inovar - e "avançar",
como alguns gostam de dizer - se souber criticar os governos com
independência, exigindo a legislação adequada para o setor. É uma legislação
que não tem mistérios, que já foi adotada, com variantes, nas maiores
democracias do mundo. As soluções já são conhecidas há tempos, tanto que
Sérgio Motta, quando ministro das Comunicações no período FHC, tentou
elaborar um projeto de lei para a radiodifusão, mas a ideia não prosperou.
Desde então, o governo não tomou mais nenhuma iniciativa.
Por que essa paralisia? Em parte, porque o
status quo da radiodifusão comercial resiste a qualquer mudança (quanto a
isso, é constrangedor verificar o silêncio dos telejornais sobre o assunto).
De outra parte, porque as emissoras ligadas ao Estado também se recusam a se
redefinir e seguem incólumes. Os movimentos que apoiam a conferência não
primam por atacar com a devida intransigência o aparelhamento dos meios
públicos, numa atitude que parece um reflexo, com sinal invertido, do
silêncio das emissoras privadas. Nisto repousa o maior risco da conferência:
se ela se deixar capturar pelos estrategistas oficiais da média aritmética,
pode virar apenas um palanque para os que não querem mudar nada, só querem
acuar as redes comerciais em ano eleitoral.
Pela democratização dos meios de comunicação.
Com o perdão da rima em "ão", ainda prezo o espírito do velho bordão, mas
desconfio das autoridades que o repetem à exaustão. No pé em que as coisas
estão, isso ainda vai demorar um tempão.