Fonte: Observatório do
Direito à Comunicação
[24/06/09]
Governo silencia sobre reativação da Telebrás e
recebe críticas de empresários
Há algumas semanas, ganhou espaço no
noticiário especializado a notícia de que o governo federel estaria
preparando a reativação da Telebrás visando transformá-la em uma prestadora
de serviços. Antiga holding que reunia a quase totalidade das prestadoras e
atividades na área de telefonia, a Telebrás foi esvaziada após a
privatização do complexo relacionado a ela realizada pelo governo Fernando
Henrique Cardoso, no ano de 1998.
Após a revelação das intenções do governo, o
assunto virou assunto proibido na Esplanada dos Ministérios. Mas despertou o
interesse de agentes do setor e do parlamento. Para esclarecer a questão, a
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da
Câmara dos Deputados promoveu ontem (23) audiência pública. Contudo, as
expectativas dos parlamenteres foram frustradas pela ausência dos
representantes dos ministérios do Planejamento e das Comunicações.
Entre os órgãos estatais convidados para o
encontro, apenas a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) se fez
presente na pessoa do conselheiro Antônio Bedran. Ele remeteu a
responsabilidade ao governo e afirmou que a agência não recebeu qualquer
comunicado sobre o projeto.
“A Anatel apenas implementa políticas públicas
definidas pelo Executivo. Quanto ao tema das empresas estatais [leia-se
Telebrás] prestarem serviços de telecom, é uma questão de governo. E se por
qualquer motivo ou outro quiserem que ela preste serviço de
telecomunicações, terá que pedir licença à Anatel. Mas quaisquer outras
questões, neste contexto atual, foge ao âmbito de deliberação da Anatel. Não
há nada de oficial que tenha sido dirigido à Agência”, disse.
O proponente da audiência, deputado Paulo
Bornhausen (DEM-SC), criticou a ausência dos membros do governo. “Lamento
que governo não se faz presente nesta reunião. O governo, com ausênica,
continua lançando a dúvida perante a sociedade. Não diz que sim, não diz que
não e não diz nada”, reclamou. O deputado retrucou o argumento de que as
explicações dos membros do Executivo não se fariam necessárias pelo fato do
assunto ainda não ter sido tornado público. “Mesmo não sendo fato concreto,
ele é um fato público e notório e que se reveste de muita importância para
nós”, pontuou.
Empresas criticam
Sem os representantes do governo, o foco da
audiência migrou para as posições críticas das prestadoras de serviços de
telecomunicações. Representantes da Associação Brasileira de Prestadoras do
Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix), da Associação Nacional de
Operadoras Celulares (Acel) e da Associação Brasileira de Prestadoras das
Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivos (Telcomp) se
posicionaram fortemente contrários à reativação da Telebrás.
José Fernandes Pauletti, da Abrafix, defendeu
a restrição do Estado apenas ao papel de regulador, e não de prestador de
serviços, e alegou, em tom ameaçador, que a iniciativa pode gerar
consequências negativas ao setor. “Se vier a acontecer [a reativação], é
legal, mas certamente causará redução de investimentos do setor privado
porque isso é quebra dos princípios acordados [na privatização]. Depois de
todo um investimento, o governo incorrer no erro certamente é um problema”,
comentou.
Luiz Cuza, da Telcomp, alegou que a criação de
uma prestadora de serviços pelo Estado afetaria a capacidade do setor de
captar recursos junto a grandes investidores. “A possível mudança das regras
do jogo, como a abertura da possibilidade de prestação de serviços pelo
Estado, pode gerar inseguranças sistêmicas relativas ao investimento de
capital estrangeiro”, opinou.
Segundo José Fernandes Pauletti, outro suposto
prejuízo seria a redução das receitas oriundas dos impostos pagos pelas
operadoras de telefonia. "Se empresas governamentais vierem a ter redes na
qual façam prestação direta de serviços, pode haver perda da arrecadação de
impostos. Vai pesar insegurança jurídica e regulatória. Isso para quê? Para
economia dos serviços? Para controle ou segurança sobre uma rede?”, indagou.
O representante da Abrafix subiu o tom e, ao
mirar na proposta de reativação da Telebrás, deslegitimou novas ações por
parte do governo para o setor por considerá-lo menos importante do que
outras demandas da sociedade brasileira. “Será que governo já investiu tudo
o que tinha de investir em edução, em segurança, em saúde? Não tem nada o
que fazer com os recursos do FUST? Não sabe o que fazer com o dinheiro e
resolveu investir em telecom”, afirmou.
Luís de Mello Jr., da Acel, também apontou
problemas na proposta. “A recriação da empresa estatal que se propõe a
prestar serviços de infra-estrutura e banda larga, para ter segunraça e
controle sobre a rede de serviços estatais, pode gerar um clima de
instabilidade regulatória do mercado com inevitáveis consequências
economicas que advirão deste clima. Isso contradiz o modelo do setor”,
argumentou.
Medo de mais um competidor
Na fala dos representantes empresariais
transpareceu que o motivo real das críticas às intenções do governo de
constituir uma operadora própria de serviços de telecomunicações é o receio
da entrada de mais um competidor em áreas importantes do mercado. As
notícias não-oficiais sobre o assunto alegam que a proposta envolveria uma
infra-estrutura de fibra ótica abrangendo as cidades de São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte e Brasília.
José Fernandes Pauletti deus sinais de que o
centro da crítica está relacionado a isso ao defender a restrição da
prestação de serviços ficasse apenas aos órgãos de governo e àqueles locais
e populações que o mercado não consegue atender. “Se o governo tem plano de
fornecer infra-estrutura de telecomunicações gratuitamente para toda a
sociedade e para todas as empresas que quiserem usufruir disso, aí é ele
mesmo que tem de fazer. Haverá um prejuízo muito grande para a sociedade,
pois serão direcionados recursos que deveriam estar sendo investidos onde a
iniciativa pivada não se dispõe a investir”, sublinhou.
O representante da Abrafix deixou mais claro o
receio da concorrência com a Telebrás ao pedir “igualdade de condições”
entre a Telebrás e os demais operadores no caso da concretização do projeto.
Provedores e trabalhadores defendem
Os dois setores que têm defendido a proposta
curiosamente não foram convidados para dar suas contribuições na audiência
pública promovida pela CCTCI. A Abramulti, que representa os provedores de
Internet, considera que a proposta pode ser uma importante alternativa aos
pequenos prestadores de Serviços de Comunicação Multimídia (SCM) para uso de
infra-estrutura que não as dos concessionários de telefonia fixa.
A associação prevê que estes operadores, de
menor porte e não associados às concessionárias, poderá ser a melhor opção
caso a Telebrás queira utilizar suas redes para prestar serviços diretamente
aos cidadãos.
Para Brígido Roland Ramos, presidente da
Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel), a
reativação da Telebrás como operadora seria muito benéfico ao setor.
“Significaria uma economia de custos por parte do governo e poderia
impulsionar um novo espaço para produção de conhecimento em pesquisa e
desenvolvimento já que esta área foi prejudicada fortemente após a
privatização”, avalia.
Pedido de informações
Insatisfeitos com o silêncio do governo
federal, os deputados Paulo Bornhausen (DEM-SC) e Júlio Semeguini (PSDB-SP)
se comprometeram, ao final da audiência, em elaborar um pedido de
informações ao Executivo Federal sobre os planos em relação à Telebrás. “E
se não responder nós vamos convocar os dois ministros para discutir o
assunto. Não podemos levar na brincadeira este tema”, adiantou.
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A audiência pública realizada nesta
terça-feira, 23, na Câmara dos Deputados, para discutir a reativação da
Telebrás acabou virando um palanque para os opositores ao projeto. Os
representantes do governo convidados pelos parlamentares não compareceram ao
encontro e praticamente todas as apresentações criticaram o projeto e
aproveitaram a ocasião para elogiar a privatização das telecomunicações. Os
elogios foram tantos que o deputado Paulo Bornhausen (DEM/SC) chegou a
comparar a privatização com o Bolsa Família, programa de distribuição de
renda do governo federal. "O maior programa social do país não é o Bolsa
Família. É a privatização das telecomunicações", afirmou.
Bornhausen, no entanto, não estava sozinho da
defesa contundente do modelo privado das telecomunicações. "Sou fã número um
de todo o sistema de privatização", declarou o deputado Júlio Semeghini
(PSDB/SP), que disse concordar "100%" com os comentários de Bornhausen sobre
o impacto social das privatizações. O presidente da Abrafix, José Fernandes
Pauletti, também afirmou que o processo de privatização foi muito bem
sucedido no Brasil e apresentou números para reforçar a declaração. Segundo
a associação, o setor investiu R$ 165 bilhões no modelo privado e é um dos
grandes empregadores do país. "O que a gente pode dizer é que foi um sucesso
a política adotada. É inegável."
Convocação
A ausência dos representantes do governo foi
duramente criticada pelos parlamentares. Era esperada a presença de três
instâncias do governo envolvidas com o projeto de reativação da Telebrás. O
mais aguardado era Rogério Santanna, secretário de Tecnologia da Informação
do Ministério do Planejamento. Mas o secretário está em viagem internacional
e não mandou representante.
Já o Ministério das Comunicações declarou à
comissão que o "objeto" da audiência não existia uma vez que não havia uma
decisão do governo com relação à reativação da Telebrás e, por isso, não
mandou representante. A Telebrás, por sua vez, também não compareceu
alegando "constrangimento" com o fato de seu órgão superior, o Minicom, não
participar do debate.
As ausências foram entendidas pelos deputados
como uma tentativa de esvaziamento da audiência e uma espécie de "confissão"
de que o projeto está em andamento de fato. "É uma prova inequívoca de que
este assunto está sendo tratado a portas fechadas pelo governo. De que o
projeto está mais vivo do que nunca", avaliou Bornhausen, que se disse
"frustrado" com a atitude do governo.
Bornhausen e Semeghini decidiram preparar um
requerimento solicitando formalmente informações ao governo sobre a
Telebrás. O documento ainda precisa ser aprovado pela Comissão de Ciência e
Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e os órgãos têm 180 dias para
responder. Em princípio, a solicitação de informações será feita ao Minicom,
ao Ministério do Planejamento e à Casa Civil.
Além disso, os deputados cogitam a
possibilidade de convocar os representantes do governo para um novo debate.
Caso aprovem uma convocação, os membros do Executivo não poderia se negar a
comparecer na audiência. Mas, por outro lado, não há um prazo para que eles
respondam à convocação, ficando o agendamento do debate à mercê da agenda
das autoridades.
Nada oficial
Único agente público a comparecer no debate de
hoje, o conselheiro da Anatel Antônio Bedran conseguiu manter-se fora do
conflito. A Anatel estaria envolvida no projeto por conta de deter o maior
número de funcionários da Telebrás em atividade. O governo já pediu que a
agência reguladora devolva 50 funcionários, sendo 15 engenheiros, à estatal
para sua reativação, mas Bedran negou que exista qualquer movimento
"oficial" neste sentido. "Em nenhum momento a Anatel recebeu oficialmente um
comunicado a este respeito", disse o conselheiro.
Bedran, que tem formação em direito e já foi
procurador da Anatel, disse não ser capaz de avaliar se é legalmente
possível reativar a estatal apesar de a Lei Geral de Telecomunicações (LGT)
prever sua extinção. "É muito difícil responder a esta questão", disse aos
parlamentares. Mais tarde, ao sair da audiência, o conselheiro afirmou aos
jornalistas que "não sabe" se a lei permite ou não a reativação da Telebrás.
Temores
Empresas fixas e móveis concordam com os
riscos que um projeto de reativação da Telebrás pode trazer para a economia
do país. "Uma possível mudança nas regras do jogo com a possibilidade de
prestação dos serviços de telecom pelo Estado pode gerar inseguranças
sistêmicas e reflexos negativos na entrada de capital estrangeiro", analisou
o presidente da Telcomp, Luiz Cuza. Para a Abrafix também há uma preocupação
com a perda de receita, provocada pela substituição das concessionárias pela
Telebrás na oferta de serviços ao governo. O impacto dessa troca seria em
torno de 20% a 30% da receita das empresas, segundo Pauletti.
Já a Acel teme que, uma vez iniciado, o
projeto se expanda e atinja também a telefonia móvel. Por ora, os
comentários são de que a Telebrás funcionaria apenas para a oferta de
telecomunicações do governo e expansão dos serviços de banda larga. Mas,
para o assessor parlamentar da associação das operadoras móveis, Luis de
Mello Júnior, nada impede que, no futuro, o governo decida ampliar o escopo
da estatal e concorrer em todos os mercados. "Nós acreditamos que isso
(reativar a Telebrás) pode gerar uma instabilidade regulatória", afirmou o
assessor.