Fonte: Caros Ouvintes
[21/12/08]
E o rádio digital? Uma análise responsável
por Hélio Costa, jornalista, senador da República, ministro das
Comunicações
O rádio digital, mesmo nos países de origem, tem ainda muitos problemas,
que precisam ser solucionados antes de tomarmos uma decisão que terá um
impacto direto nas comunicações.
O artigo de Nair Prata (3/12) sobre o projeto
de rádio digital, em estudos no Ministério das Comunicações (Minicom),
merece reparos em virtude dos inúmeros equívocos cometidos pela autora. O
primeiro é não ver que a TV digital está com o seu cronograma de instalação
adiantado em 18 meses e que, em apenas um ano, desde seu lançamento, em 2 de
dezembro de 2007, cerca de 46% da população brasileira, inclusive a de Belo
Horizonte e região, já tem cobertura de TV digital. Os Estados Unidos
levaram 10 anos para chegar a esse índice em um país que tem aproximadamente
a mesma extensão territorial do Brasil. Diferentemente da TV, o rádio
digital continua enfrentando sérios problemas nos seus países de origem. Em
retrospecto, quando chegamos ao Ministério das Comunicações, há três anos,
algumas das principais emissoras brasileiras já estavam testando, sem
observação de normas técnicas, o sistema norte-americano IBOC de rádio
digital. O grupo de trabalho que criamos para supervisionar as decisões
sobre o rádio digital sugeriu a realização de testes oficiais e rigorosos
com o IBOC e também com os padrões europeus. O nosso objetivo é encontrar as
ferramentas básicas de um sistema que transmita em ondas médias (OM) e
freqüência modulada (FM), de modo a que o receptor do rádio digital possa
captar as transmissões no sistema analógico atual, em OM e FM, e passar
automaticamente para o digital onde a tecnologia estiver disponível. Caso
contrário, precisaríamos de três receptores diferentes: um para o rádio
analógico que você tem em sua casa ou no carro, um para captar a transmissão
em FM digital e outro para captar a transmissão em ondas médias ou OM
digital.
Os padrões norte-americano e europeu de rádio
digital têm diferenças fundamentais. Enquanto o IBOC transmite no mesmo
canal, sem utilização de um novo espaço no espectro eletromagnético, tanto
em OM quanto em FM, o europeu DAB (digital audio broadcasting) , precisa de
freqüências diferentes para a transmissão em ondas médias e não faz
transmissões em FM, ou freqüência modulada. O DRM, por sua vez, também só
transmite em OM e precisa de novos canais, impossibilitando a sua utilização
nas principais cidades brasileiras. Só recentemente o padrão europeu DRM
informou que está estudando um sistema de freqüência modulada, transmitido
no mesmo canal, no sistema digital. A empresa IBiquity, detentora da patente
do IBOC, ou Radio HD, se prontificou a trazer os equipamentos para os testes
que estão sendo conduzidos no Brasil pela Universidade Mackenzie,
supervisionados pelo Ministério das Comunicações, Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel) e Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão (Abert). Os europeus, entretanto, até agora, não viabilizaram a
aparelhagem necessária às medições de campo, fundamentais para uma avaliação
científica e correta dos seus padrões. Outra questão
que os três sistemas precisam resolver é a transmissão em baixa potência,
que ainda não está definida, para que o rádio digital, no Brasil, não exclua
as rádios comunitárias autorizadas, principais instrumentos de interação dos
bairros e pequenas comunidades. Na verdade, esperamos que os EUA e a Europa
resolveram os problemas que encontraram na implantação do rádio digital e
que impediram, até agora, a sua popularização.
Vejam os exemplos: a edição do Wall Street
Journal de 4 de novembro trouxe um artigo assinado pela editora de
tecnologia Sarah McBride, no qual diz que “apesar dos milhões de dólares
gastos no desenvolvimento e divulgação do Rádio Digital HD, os consumidores,
até agora, não têm informações suficientes e ainda não demonstram qualquer
entusiasmo pela nova tecnologia”. A revista Radio World, editada por
engenheiros de rádio, em artigo de Paul J. McLane, diz que apenas 0,0015%
dos norte-americanos ouvem o rádio digital, que está sendo testado
comercialmente por 1,8 mil rádios de um total de 13 mil emissoras existentes
no país. A FCC, a agência reguladora norte-americana, informa que o Radio HD
cobre, atualmente, só 1,5% do território norte-americano e que tem apenas
450 mil usuários em uma população de 300 milhões de pessoas. A revista Radio
World critica, também, o preço do receptor de rádio digital nos EUA: US$ 80
(R$ 170), o mais barato. Imagine a que preço esse rádio chegaria ao Brasil.
Na Europa, a implantação do rádio digital também está com enormes problemas.
A conceituada publicação Observatório do Direito à Comunicação, em 22 de
fevereiro deste ano, fez uma análise crítica da questão sob o título “A
transição para o rádio digital ainda está em xeque na Europa”. O artigo
relata o “relativo fracasso do rádio digital, em ondas médias, reafirmando
que os testes demonstraram que a qualidade do áudio do sistema DAB ou
transmissão de rádio digital é pior do que o áudio da transmissão FM
analógica”. O jornal inglês The Guardian, por sua vez, foi ainda mais
incisivo na observação técnica que fez, e reproduziu assim o pensamento dos
radiodifusores europeus: “Nós temos medo de dizer isso publicamente, mas, se
pudéssemos, todos nós (dirigentes de rádios digitais) devolveríamos nossas
licenças de DAB amanhã”. O analista de mídia do Dresdner Kleinwort, Richard
Menzies-Gow, completou: “Os custos são altos e o formato não gera lucro”.
Como se vê, claramente,
nem mesmo nos Estados Unidos e na Europa o rádio digital está aprovado. O
Brasil está atento a tudo isso e só tomará uma decisão quando ela for
tecnicamente correta e atender o interesse público. A demora não é nossa. O
rádio digital, mesmo nos países de origem, tem ainda muitos problemas que
precisam ser solucionados antes de tomarmos uma decisão que terá um impacto
direto nas comunicações, na indústria eletroeletrônica e principalmente nas
políticas públicas de inclusão digital. Por outro lado, como fez na
decisão da TV Digital, o Governo Brasileiro não escolherá “um sistema de
rádio digital até o fim de 2008″, como diz equivocadamente a articulista.
Vamos indicar as ferramentas que devem compor a arquitetura do rádio
digital. Na verdade, entre outras exigências, já amplamente divulgadas, o
sistema terá de contemplar a transmissão em FM e OM, no mesmo canal, cobrir
todas as zonas de sombras do rádio analógico, dar à indústria brasileira
acesso aos detalhes técnicos do padrão, promover a transferência de
tecnologia e não ter custo para o rádio-ouvinte.
Assim, ao contrário do que diz um e-mail
divulgado pelo Núcleo de Pesquisa de Rádio e Mídia, e citado pela articulisa
Nair Prata no Estados de Minas, o Minicom não propôs qualquer parceria com a
empresa americana IBiquity. O que sugeriu foi que as indústrias brasileiras
de eletroeletrônicos procurem os detentores das patentes dos sistemas
norte-americano e europeus para discutir a transferência de tecnologia e os
direitos de uso, especialmente do IBOC estadunidense, um sistema
proprietário e com várias ferramentas exclusivas que demandam pagamento de
royalties. Os mais recentes testes do rádio digital,
realizados na cidade de São Paulo pela Universidade Mackenzie, concluíram,
em julho último, que o IBOC, em ondas médias, apresenta sérios problemas de
propagação, com áreas de sombra maiores do que as que são observadas no
sistema analógico. O sistema europeu, DRM, por sua vez, só agora anuncia que
está trabalhando com a possibilidade de transmissão em FM, no mesmo canal.
Ainda ao contrário do que diz a articulista, o Ministério das Comunicações
não defendeu, e nem defende, a adoção de qualquer dos sistemas estudados
enquanto os técnicos do Minicom e da Anatel não estiverem satisfeitos com os
testes que estão sendo realizados no Brasil e forem criteriosamente
avaliadas as experiências com o rádio digital nos EUA e na Europa.
Certamente, precisamos modernizar o rádio, mas só podemos fazer isso quando
os sistemas estiverem funcionando a contento, seguindo as normas técnicas
exigidas no exterior e no Brasil.
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Fonte: Caros Ouvintes
[05/12/08]
E o rádio digital?
por Nair Prata, Jornalista, doutora em lingüística aplicada (UFMG),
professora do Centro Universitário UNI-BH
A implantação da TV digital no Brasil completa um ano, alcançando a marca
de 470 mil aparelhos vendidos com o conversor embutido, atingindo cerca de
910 mil brasileiros, ou 0,5% da população do país, de 183 milhões. (*)
Mas e o rádio digital? Quando será,
finalmente, que os brasileiros conhecerão essa nova modalidade de
radiofonia? A data para o início das transmissões do rádio digital no
Brasil era, inicialmente, 14 de setembro de 2007. Mas um amplo movimento
dos pesquisadores de rádio e mídia sonora de todo o país questionou o
Ministério das Comunicações acerca da tecnologia e dos métodos que
poderiam ser utilizados na implantação da modalidade digital. O movimento
culminou com um encontro em Brasília, em 13 de dezembro, entre uma
comissão de três professores e o próprio ministro Hélio Costa.
Na reunião, o ministro informou que o
governo queria ser parceiro da empresa norte-americana i-Biquity,
detentora da tecnologia HD Radio, no desenvolvimento de um sistema de
transmissão e recepção de rádio digital adaptado às particularidades
brasileiras. Hélio Costa afirmou também, à época, que o interesse do
governo era ser como um sócio da empresa para, inclusive, fabricar
equipamentos no Brasil e, no futuro, exportar transmissores e receptores
para outros países da América Latina. O ministro condicionou esta
aproximação à abertura da tecnologia, hoje sob controle total da empresa.
Com a medida, os radiodifusores passariam a ter direito de uso e de
adaptação do HD Radio às características do sistema de radiodifusão sonora
brasileiro.
O tempo passou e, findo o primeiro semestre
deste ano, a população foi brindada com a informação do Ministério das
Comunicações de que até o fim de 2008 o Brasil teria o rádio digital.
Dezembro começa e a promessa não se concretiza. A digitalização das
transmissões radiofônicas no Brasil deve proporcionar mudanças tanto no
aspecto técnico, quanto no conteúdo. No campo técnico, a principal
transformação é o som de primeira qualidade, isto é, o AM com som de FM e
o FM com som de CD. Mas também devem chegar, possivelmente, novidades no
campo da linguagem, com novas possibilidades interativas, novos canais de
transmissão e, certamente, um novo jornalismo.
Em Minas Gerais, apenas duas emissoras, das
350 existentes, têm dado passos concretos rumo à implantação do rádio
digital: a Rádio Globo AM, que iniciou os testes em 2005, e a Rádio
Itatiaia FM, que se prepara para as experimentações. Como nos casos das
outras emissoras brasileiras autorizadas pela Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), as experiências em Minas são com o Iboc
(In-Band O Channel). Em entrevista para um estudo apresentado há duas
semanas no Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo, em São Paulo,
a Associação Mineira das Emissoras de Rádio e televisão (Amirt) informou
que o digital em Minas não vai chegar no prazo previsto. Segundo o diretor
Luiz Carlos Gomes, em 2007, os trabalhos não avançaram e isso certamente
vai impedir que o rádio digital se torne uma realidade em Belo Horizonte
nos próximos cinco anos.
Na pesquisa apresentada no congresso, Gomes
observa que a evolução do processo tem sido impedida em todo o Brasil pelo
atraso na escolha do sistema de transmissão e pela limitação de recursos,
principalmente por parte das pequenas e médias emissoras. O diretor da
Amirt explica que, apesar de o investimento médio mínimo ser de cerca de
R$ 300 mil para uma emissora que já conta com base física bem estruturada,
há aquelas que já investiram mais de R$ 1 milhão só neste período de
testes ainda sem saber oficialmente se o modelo que o Brasil vai adotar
será mesmo o Iboc. Gomes diz que para os radiodifusores está difícil até
calcular os custos da empreitada. Segundo ele, a Amirt fez uma tentativa,
frustrada, de consultar nas indústrias brasileira e norte-americana os
custos para a implantação de transmissores digitais.
“Observamos que investir no rádio digital
envolve muito dinheiro e apostas no escuro em um projeto cercado de
informações imprecisas. Todos os preços passados pelos fornecedores eram
hipotéticos, impossibilitando as emissoras de terem, previamente, uma
noção do quanto precisariam dispor para a implantação do sistema digital.”
Quando o país comemora o primeiro aniversário da implantação da TV
digital, pergunta-se: quando o rádio digital chegará ao Brasil?
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