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21/04/10
• Telebrás, Eletronet e PNBL (248) - Ethevaldo Siqueira: "Carta a um defensor da estatização" + "Quandt é contrário à volta da Telebrás"
Olá, ComUnidade WirelessBRASIL!
01.
O jornalista Ethevaldo
Siqueira registrou em seu Blog o "post"
SPDV, sábio, profeta e dono da verdade.
Na esteira dos comentários, o prof. Marcos Dantas enviou um texto em
que defende o projeto do PNBL com a Telebrás. Ethevaldo elogiou e rebateu. :-)
Aqui estão as "manchetes" - com sugestão de leitura na fonte:
Fonte: Website de Ethevaldo
Siqueira
[19/04/10]
Carta a um defensor da estatização - por Ethevaldo Siqueira
O professor Marcos Dantas fez no dia 17-04-2010 um dos
comentários mais pertinentes e bem escritos que recebi a propósito do papel do
Estado nas telecomunicações e, em especial, na questão da universalização da
banda larga, referindo-se a meu artigo
SPDV, sábio, profeta e dono da verdade. Ele é um dos
idealistas que merecem meu respeito, aliás, como todo idealista, seja ele
defensor irrestrito do Estado ou da iniciativa privada. (...)
Fonte: Website de Ethevaldo
Siqueira
[17/04/10]
Íntegra do
comentário de Marcos Dantas
O projeto governamental para universalizar a banda
larga (PNBL) parece que pretende definir um novo modelo de atuação do estado
regulador, diferente e possivelmente mais eficaz que o experimentado até agora.
Pelo que se sabe, vazado no Twitter ou não, o possível renascimento da Telebrás,
à qual seriam adjudicados os troncos de fibras da Eletrobrás e suas subsidiárias
antes operados pela falida Eletronet, tem por objetivo dar ao Estado um
instrumento de regulação do mercado, não de sua substituição ou supressão. (...)
02.
Sobre a "Carta" acima citada, Ethevaldo recebeu um e-mail de Euclides
Quandt de Oliveira, ex-ministro das Comunicações e primeiro presidente da
Telebrás (1972-1974), hoje com 90 anos. O comentário do Ethevaldo está lá no
final deste "post":
Fonte: Blog do
Ethevaldo Siqueira
[21/04/10]
Quandt é contrário à
volta da Telebrás - por Ethevaldo Siqueira
Recorte:
“Meu caro Ethevaldo: Li seus comentários ao sr. Marcos
Dantas, sobre o assunto estatização da banda larga. Concordo, em princípio com
eles. Durante muito tempo defendi a política estatal vigente nas
telecomunicações, porém a partir de um certo momento abandonei essa posição,
devido à forte politização que estava sendo introduzida no setor. O pensamento
político no Brasil é completamente desfavoravel à prestação de serviços pelo
Estado.”
Essas palavras são do comandante Euclides Quandt de Oliveira, ex-ministro das
Comunicações e primeiro presidente da Telebrás (1972-1974), um dos profissionais
e líderes mais íntegros e mais respeitados do setor de telecomunicações no
Brasil, em e-mail que me dá ainda mais certeza em minhas convicções contra a
presença do Estado como operador de serviços de telecomunicações no Brasil. Só
os que conheceram de perto esse grande brasileiro podem avaliar a extensão
verdadeira de sua contribuição para o desenvolvimento das telecomunicações
brasileiras. (...)
Boa leitura!
Um abraço cordial
Helio
Rosa
---------------------------------
Fonte: Website de Ethevaldo
Siqueira
[1/04/10]
Íntegra do
comentário de Marcos Dantas
O projeto governamental para universalizar a banda larga (PNBL) parece que
pretende definir um novo modelo de atuação do estado regulador, diferente e
possivelmente mais eficaz que o experimentado até agora. Pelo que se sabe,
vazado no Twitter ou não, o possível renascimento da Telebrás, à qual seriam
adjudicados os troncos de fibras da Eletrobrás e suas subsidiárias antes
operados pela falida Eletronet, tem por objetivo dar ao Estado um instrumento de
regulação do mercado, não de sua substituição ou supressão.
A Telebrás a ser ressuscitada viria a atuar complementarmente às empresas
privadas já detentoras de concessões ou autorizações para prestar diferentes
serviços regulamentados, em regime público ou privado: STFC, SMP, SCM etc.
Incorporando os troncos hoje ociosos da Eletronet (o que não se confunde com
recuperar a Eletronet, beneficiando este ou aquele, conforme certa imprensa
udenista quer fazer crer), poderia levar a infraestrutura de redes de alta
velocidade a cerca de 4.200 municípios brasileiros, muito acima dos poucos mais
de 400 hoje servidos, de fato, pelas redes das concessionárias ou autorizatárias.
O governo acredita que a Telebrás seria capaz de prestar o serviço básico de
infraestrutura a um custo que permitiria, aos demais agentes privados ou
públicos, dela alugar capacidade de rede para revenda a outros usuários,
intermediários ou finais, a preços que seriam ainda competitivos ou módicos. Por
exemplo, conforme uma ideia apresentada a interlocutores, esses locatários
poderiam ser micros, pequenas ou médias empresas (provedores, lan houses, outros
empreendedores) situadas em municípios mais distantes dos centros de riqueza,
detentores de autorizações de SCM, ou mesmo suas autoridades municipais, cabendo
àquelas ou estas investir na capilarização final da rede, usando, inclusive,
tecnologias mais baratas sem-fio, como o WiFi, e recursos oriundos do FUST.
A Telebrás, assim, acabaria vindo a ser um instrumento de fomento da
concorrência e da multiplicação de agentes privados no mercado, não de
estatização, como costuma a ser percebida ou entendida. Diante dessa possível
pressão, as grandes operadoras (concessionárias ou autorizatárias) talvez
viessem também a se mover para capturar esse mercado a ser criado ou expandido.
Ao mesmo tempo em que pensa em reintroduzir, nas comunicações, um braço operador
do Estado, sabe-se que o governo também discute a possibilidade de vir a
elaborar e implementar esta política por meio de alguma “mesa de negociação” na
qual reuniria os principais atores interessados. As decisões não seriam mais
exclusivas de um organismo tecnocrático, pretensamente, mas só pretensamente,
protegido das pressões e contra-pressões sociais, como o são a Anatel e demais
agências criadas por FHC, mas emanariam de um conselho explicitamente político e
aberto.
A sociedade, nela incluída, obviamente, as representações das grandes empresas,
seria chamada a participar na formulação política e na busca de solução para os
problemas, ao estilo, talvez, de órgãos como o Comitê Gestor da Internet no
Brasil (CGI-Br) ou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNT-Bio). A
universalização da banda-larga, no Brasil, resultaria assim de decisões tomadas
com base na construção de consensos entre os diversos e, não raro, conflitantes
interesses econômicos e sociais.
Não podemos ignorar que, nos próximos 10 anos a 20 anos, banda larga, com ou sem
fio, será quase sinônimo de telecomunicações, assim como o foi, por mais de meio
século, a hoje em dia elementar e decadente telefonia fixa cabeada. Significa
dizer que, se o projeto do governo avançar e se consolidar, estaremos assistindo
à construção de um novo modelo político-institucional, nas telecomunicações,
distinto, em aspectos decisivos, daquele herdado do governo FHC.
O monopólio estatal deu lugar a monopólios privados, exceto onde se concentram
as cidades ou regiões sócio-econômicas mais ricas e dinâmicas. A propalada
universalização da mera telefonia fixa ainda não atingiu, nem parece prestes a
atingir, cerca de 40% dos lares brasileiros e pequenos negócios adjacentes. Na
telefonia celular, além de inexistir em quase mil municípios, propagou-se o
sistema “pré-pago” que, como todos sabemos, somente é usado pela metade (“só
recebe”). Tudo isso era previsível ainda quando se aprovou a atual LGT e se
optou pela privatização fatiada da Telebrás (e o autor dessas linhas está a
cavaleiro para sustentar o que afirma).
A refusão Oi-BrT, a tramitação da PL-29 (de cujo processo, o governo também
mantém-se, ao menos formalmente, à margem), a introdução da TV digital, as novas
regras para a licitação do 3G impondo às autorizatárias compromissos que seriam
mais próprios ao regime público (ponto para a Anatel!), o permanente impasse do
FUST, o enorme déficit da balança comercial eletroeletrônica, são alguns dos
macros problemas vivenciados nos últimos oito anos que, nos casos efetivamente
enfrentados, a exemplo da Oi-BrT, impuseram soluções práticas que, sem sofismas,
estavam redefinindo o modelo.
Tudo isso que vivenciamos e discutimos reduz-se a duas palavras: convergência
dos meios. O Brasil precisa adotar um modelo político-institucional para
desenvolver as suas comunicações que se apoie na realidade político-econômica da
convergência dos negócios mediáticos com base nas novas tecnologias digitais de
informação e comunicação (NTICs).
A banda larga não será apenas um setor a mais e distinto das telecomunicações.
Será as telecomunicações. Sobre ela se apoiarão, cada vez mais nas próximas
décadas, todos os serviços, de telefonia de voz à internet ou televisão digital
interativa. Será a infraestrutura necessária ao tráfego dos conteúdos sociais ou
econômicos que agenciarão os comportamentos cotidianos ou movimentarão os lucros
na sociedade e na economia do século XXI.
Aliás, também aqui, o governo demonstra estar consciente das dimensões do
problema que decidiu encarar, pois sua política, conforme já antecipado a
diversos interlocutores, também deverá contemplar incentivo e fomento à produção
de conteúdos nacionais, bem como desenvolvimento industrial-tecnológico.
Será uma política abrangente, estratégica. No entanto, até por isto mesmo, o
presidente Lula deverá estar alertado de que, no máximo, poderá tomar um
conjunto de decisões políticas a serem implementadas pelo seu sucessor ou
sucessora.
Hoje, o governo está amarrado por um cenário sócio-econômico, legal e
empresarial que pode pôr a perder todas as suas boas intenções. Além dos
interesses mesquinhos de sempre que já se manifestaram ao inventar esse “affair”
Dirceu-Eletronet assim tentando desviar o foco do debate, há um amplo conjunto
de questões reais, de natureza jurídica ou econômica, que não podem ser
ignoradas.
Chega a ser curioso perceber como o governo – este governo –, ou parte dele,
parece ter aderido ao discurso neo-liberal que vê a concorrência como solução
para universalização. O problema da universalização está relacionado à renda da
população, não à ausência de empresas competidoras no mercado. Onde o monopólio
sobrevive (e sobrevive na maior parte do País), tal se deve à ausência de
mercado real, isto é, ao baixo poder aquisitivo da população, não gerando
demanda quantitativa e qualitativa por serviços capazes de atrair os
investidores competitivos.
Os monopólios não são responsáveis por nossa tão desigual distribuição da renda,
mesmo que disso tirem algum proveito. Para enfrentar essa realidade, a Telebrás
teria que lograr, nas periferias urbanas e nas grandes regiões pobres do País,
operar a custos baixíssimos e, não raro, oferecer serviços quase de graça. Há
lan houses por aí que cobram exatamente 1 real por 30 minutos de conexão a passo
de cágado. Ora, a Telebrás não vai escapar de arcar com custos similares aos das
operadoras privadas, mesmo que venha a operar uma infraestrutura já quase
amortizada que, no entanto, terá de estar sempre sendo mantida, atualizada,
renovada e expandida.
Além do mais, ao contrário das operadoras privadas que podem auferir altas
receitas nos mercados capitalizados, assim praticando subsídios cruzados
explícitos ou implícitos, a Telebrás dificilmente entrará nesses mercados,
talvez seja mesmo impedida de fazê-lo por normas legais que venham a ser criadas
por pressão de agentes interessados, ou, ao contrário, se desimpedida, neles se
apresentará como mais um agressivo competidor, assim como a Petrobras na
distribuição de gasolina, ou o Banco do Brasil no crédito.
É fácil imaginar a poderosa oposição política, inclusive na imprensa (já
iniciada, aliás), que essa possibilidade despertará. Com o tempo, a oposição
poderá, quem sabe?, ser superada mas, em ano eleitoral, o tempo urge… E o preço
é alto. Portanto, como não existe almoço grátis, com certeza uma pergunta não
pode deixar de estar sendo colocada nas mesas de reuniões do governo: quem paga
a conta? Aliás, de quanto é essa conta? Quando se ouve, de vozes oficiais,
valores que variam entre 3 milhões de reais a 15 milhões de reais por ano, só se
pode concluir que, até agora, ninguém fez, para valer, esse cálculo.
Para dificultar ou retardar ainda mais as decisões, o governo não poderá deixar
de obedecer ao atual marco legal – ou se dispor abertamente a reformá-lo. Num
caso ou noutro, haverá que se conformar aos tempos exigidos pelos rituais
democráticos. Apesar de a Constituição permitir a operação direta de
telecomunicações pelo Estado, a LGT foi genialmente, reconheça-se, elaborada
para vedar essa hipótese.
A Telebrás ressuscitada terá que se enquadrar em algum dos serviços
regulamentados pela Anatel, mais provavelmente como autorizatária de SCM. Será
uma ironia, a “tele” estatal operar em regime privado – e não podendo, sob o
argumento de ser controlada pelo Estado, deixar de atuar como qualquer outra
operadora em regime privado, sob pena de fazer a alegria dos escritórios de
advocacia.
Um programa estratégico, de amplo alcance econômico e cultural, que deve
envolver até políticas de conteúdo e industrial-tecnológicas, precisará ser
implementado em regime público. De fato, estranha-se que um governo dito de
esquerda, ou setores dele, continuem ignorando a crucial diferença entre o
regime público e o privado, mantido na própria LGT. Na lei, é verdade, teve-se
que admitir o regime público apenas para permitir a necessária sobrevivência,
ainda por algum tempo, do STFC.
Todos os demais serviços existentes ou por existir, inclusive o hoje essencial
“celular”, seriam oferecidos, nos termos da LGT, em regime privado. Seria de se
esperar que esta lógica viesse a ser modificada, e novos serviços em regime
público fossem instituídos, durante o governo Lula. A lei, tal como está, embora
podendo e devendo ser aperfeiçoada, não nega esse poder ao Executivo. A política
de universalização da banda larga será a sua maior oportunidade para expandir
estruturalmente os serviços prestados em regime público.
A operadora em regime público, mesmo se empresa privada, presta um serviço por
delegação do Estado, na condição de concessionária. Está submetida a metas
contratuais de universalização, qualidade, controle tarifário, ainda outras de
interesse da sociedade e da Nação (política industrial, por exemplo).
No caso das telecomunicações, seus bens são reversíveis à União, ao fim do
contrato. Sob o marco legal atual, seria possível, mas polêmico, ampliar os
contratos das três concessionárias para universalizar a banda larga: bastaria
redefinir-se o STFC com uma simples mudança no seu regulamento. Seria possível,
também, estatuir, por decreto, um novo serviço específico para a banda larga,
estabelecendo-se novo plano de outorgas, de universalização etc., seguido por
licitação para contratar nova ou novas concessionárias.
Nada impede, também, que o marco legal seja modificado, por emenda à LGT ou por
nova lei, definindo-se explicitamente a empresa Telebrás, sob controle da União,
como operadora nacional da infraestrutura pública de banda larga, oferecendo no
atacado serviços de rede, neutros em relação à concorrência, para o varejo dos
fornecedores finais a empresas e famílias. Seria um caminho para, na expansão
nacional da banda larga, o governo introduzir o princípio da separação
estrutural de redes e serviços, adotado em alguns outros países, a exemplo do
Reino Unido.
Em qualquer situação, o governo está, diga-o ou não, redesenhando o modelo,
convencido que estamos todos, de que o mercado não resolverá o problema social
da universalização das comunicações digitais, no Brasil. Mas não adianta ter
pressa. Quaisquer que sejam as soluções, terão que ser muito bem estudadas e
melhor discutidas com os muitos interesses estabelecidos. O governo já terá
feito muito se, pelo menos, deixar politicamente fechados os acordos financeiros
e normativos para… 2011.
Um grande abraço
Marcos Dantas
--------------------------------
Fonte: Website de Ethevaldo
Siqueira
[19/04/10]
Carta a um defensor da estatização - por Ethevaldo Siqueira
O professor Marcos Dantas fez no dia 17-04-2010 um dos comentários mais
pertinentes e bem escritos que recebi a propósito do papel do Estado nas
telecomunicações e, em especial, na questão da universalização da banda larga,
referindo-se a meu artigo
SPDV, sábio, profeta e dono da verdade. Ele é um dos idealistas que merecem
meu respeito, aliás, como todo idealista, seja ele defensor irrestrito do Estado
ou da iniciativa privada.
Conheço Marcos Dantas há mais de 30 anos, como estudioso das políticas de
Comunicações do País. Tenho razões para crer, sinceramente, que ele deseja o
melhor para o Brasil e para sua população. Não lhe dedicaria tanto espaço se
assim não fosse.
Como este é o ambiente mais democrático da internet brasileira, gostaria, de
discutir de forma respeitosa e serena alguns pontos de seu comentário. Logo de
início, com a precisão de linguagem do cientista, Marcos Dantas diz que o
projeto governamental “parece querer definir novo modelo para universalizar a
banda larga (PNBL) e de atuação do Estado, diferente e possivelmente mais eficaz
que o experimentado até agora.”
Ele não diz que o governo quer, mas que “parece querer definir esse modelo”. As
aparências, talvez, enganem nesse caso. E o que me preocupa é não dispor sequer
de um esboço desse projeto, de um texto básico como ponto de partida para
debatê-lo.
Creio, Marcos Dantas, que é um direito meu, pessoal, de cidadão que estuda e
vive o problema das Comunicações, há mais de 40 anos, tomar conhecimento da
elaboração de um plano nacional de banda larga, por sua importância para o
futuro deste País. E creio que, como eu, todo cidadão também deveria ter esse
direito, independentemente de seu conhecimento mais ou menos profundo da
questão.
E mais, segundo suas próprias palavras, “pelo que se sabe, vazado no Twitter ou
não, o possível renascimento da Telebrás, à qual seriam adjudicados os troncos
de fibras da Eletrobrás e suas subsidiárias antes operados pela falida Eletronet,
tem por objetivo dar ao Estado um instrumento de regulação do mercado, não de
sua substituição ou supressão.”
Projeto secreto
Imagine, meu querido Marcos Dantas, se você, um dos raros especialistas de
renome de confiança deste governo e próximo dele, não dispõe das informações
oficiais básicas sobre o projeto de universalização da banda larga e tem que se
informar apenas e tão somente com “o que tem vazado no Twitter ou não” para
inferir que o governo “parece querer definir” determinado modelo, que será do
resto de nós? Por que não abrir o debate? E olha que eu tenho cobrado essa
abertura desde 2003.
Seu comentário é feito com base nas suas hipóteses de jornalista e professor bem
informado. Não lhe parece lógico e plausível que você e todos nós deveríamos ter
acesso ao projeto, a todas as suas sugestões, emendas e propostas? Isso
enfraquece os que divergem da tese estatal, que são alijados do debate e da
possiblidade de contribuir para a elaboração do plano. E, desse modo, tudo que
você sabe não decorre do acesso a um projeto e a uma política transparente,
anunciada e explicitada pelos governantes. Nem, muito menos, do conhecimento de
políticas públicas. Logo, tenho que me ater à discussão de suas idéias e suas
hipóteses e não de um projeto realmente conhecido e em debate.
O fato concreto que me preocupa, Marcos Dantas, é que tudo que sabemos seja
resultado de vazamentos, de balões de ensaio, de declarações de interessados
diretos na reativação da Telebrás. Aliás, eu diria a você com toda convicção que
a Telebrás é uma questão menor no bojo de um projeto dessa magnitude, em que o
Estado tem papel estratégico, de equidistância e de independência em relação às
forças de mercado, de um lado, bem como dos interesses e pressões da coalização
político-partidária que sustenta o atual governo.
Papel estratégico do Estado
Note que eu afirmo não apenas ser relevante, mas estratégico o papel do Estado
na definição de uma política de universalização da banda larga. Contudo,
reafirmo, essa definição deveria ser concretizada mediante discussão ampla com
todos os segmentos interessados na elaboração de um Plano Nacional de Banda
Larga (PNBL).
Diferentemente de você, professor Dantas, não advogo a participação do Estado
como operador dos serviços. Apenas isso. Reconheço e proclamo que cabe ao Estado
zelar por tudo que acontece ou pode acontecer nessa área.
E declaro enfaticamente com todas as letras: nunca me considerei um defensor do
Estado mínimo, até porque o mundo moderno sepultou essa ideia de debilidade do
Estado, da mesma forma que rejeita a ideia do Estado hipertrofiado. O grande
consenso está no Estado forte, sim, mas enxuto, ético, ágil, eficiente, sem
desperdício, sem gorduras flácidas e o mais eficiente possível.
Não tenho dúvida de que você, Marcos Dantas, concordaria comigo que o verdadeiro
papel do Estado — muito mais nobre e relevante do que investir pesadamente (num
país carente de recursos) e assumir o lugar das empresas privadas na operação
dos serviços de telecomunicações — é regular, fixar normas, elaborar programas,
formular políticas públicas, estabelecer metas e objetivos, fiscalizar,
supervisionar e agir proativamente no tocante à confiabilidade e à qualidade dos
serviços, utilizar intensamente as novas tecnologias e a infra-estrutura
existente visando à implementação do governo eletrônico, estimular as empresas
privadas a inovar e a investir permanentemente em pesquisa e desenvolvimento,
negociar e conduzir parcerias público-privadas, com a participação de todas as
empresas operadoras.
É exatamente esse papel nobre e relevante do Estado que o governo Lula parece
ignorar. Onde estão as políticas públicas sérias e respeitáveis após quase 8
anos de gestão? Não lhe parece estranho que a banda larga não tenha metas de
universalização nem sequer seja considerada serviço regulamentado em regime
público? Assim sendo, como exigir que as concessionárias atendam a todo o
mercado, a todo o País? O grande omisso tem sido o governo – que, sabemos, é o
gestor do Estado.
A você que defende até o monopólio estatal e combate o que chama de “tese
neoliberal da competição” – é bom lembrar que o monopólio estatal da Telebrás
nos deu a pior distribuição de telefones, ou seja, a maior distorção na
distribuição do serviço entre a população brasileira. Algo totalmente elitista,
pois só as classes A e B tinham possibilidade de adquirir uma linha no plano de
expansão de US$ 1.000 da velha estatal. Mais de 80% dos assinantes estavam
nessas duas classes. Em 1998, o País dispunha de apenas 14 telefones por 100
habitantes, depois de 25 anos de monopólio Telebrás, de facto.
A verdade dos números
Seria ridículo supor que este governo ou o próximo queiram reestatizar as
telecomunicações. Os fatos e os resultados objetivos da privatização – sem
qualquer rejeição ideológica do termo – são acachapantes. Graças a investimentos
privados da ordem de R$ 180 bilhões, feitos ao longo de 11 anos e 8 meses, o
Brasil saltou de uma densidade franciscana de 14 para os atuais 114 telefones
por 100 habitantes. De um total de celulares em serviço de apenas 5,2 milhões em
julho de 1998 a quase 180 milhões em março de 2010. E, ao longo deste ano,
quebrará a barreira dos 200 milhões.
Só uma mente delirante seria capaz de subestimar esses números. Muitos analistas
de ficção, dizem: “a Telebrás teria sido capaz de fazer o mesmo…” Temos então o
confronto da hipótese contra o fato concreto. De onde iria o governo, endividado
e perdulário, retirar R$ 180 bilhões, se até hoje não dispõe de recursos mínimos
para investir em infraestrutura. E pior: tem sido, ao contrário, um confiscador
sistemático dos recursos setoriais de telecomunicações, metendo a mão até em
fundos como o FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) e
o excedente do FISTEL (Fundo de Fiscalização dos Serviços de Telecomunicações).
Do FUST já foram para o ralo quase R$ 10 bilhões. Do FISTEL, mais de R$ 12
bilhões. Já pensaram se o plano de universalização da banda larga pudesse
contar, aqui e agora, com a soma desses dois fundos surrupiados de nossos
bolsos, no valor total de R$ 22 bilhões?
As telecomunicações brasileiras de hoje equivalem a praticamente 10 vezes o que
era Telebrás de 1998. Repito: 10 vezes ou quase 1.000% de expansão do sistema
existente há 11 anos.
Maus serviços
Tudo maravilha? Absolutamente, não. Os bons resultados da expansão física das
telecomunicações não querem dizer ausência de problemas nem de queixas em
profusão contra os padrões de serviço e de atendimento das operadoras privadas.
Mas, sejamos honestos: nosso descontentamento em nada se compara aos piores
tempos da antiga Telerj – lembra-se Marcos Dantas, você que sempre morou no Rio
de Janeiro? A verdade é que ainda falta muito ao País para alcançar o patamar
dos mais desenvolvidos do mundo em telecomunicações, especialmente quanto à
qualidade do atendimento e à oferta de banda larga.
Falemos primeiro do mau atendimento das operadoras privadas. A quem cabe
fiscalizar e punir esse mau atendimento? Você, como estudioso, sabe que cabe ao
governo fiscalizar e punir da forma mais rigorosa, nos termos da lei, as
operadoras que não prestam bons serviços, conforme os padrões estabelecidos em
seus contratos de concessão.
Mas, por culpa de nossos governos, o Estado brasileiro tem sido omisso, frouxo e
conivente com os maus serviços. Façamos uma analogia com outras áreas. Todos
concordamos que cabe ao Estado combater o crime – dotando a polícia de todos os
recursos e formulando políticas públicas setoriais adequadas — e jamais colocar
a culpa nos bandidos ou numa conspiração internacional do crime organizado. Da
mesma forma, cabe-lhe fiscalizar e punir os maus serviços de telecomunicações.
O problema mais grave é que os governos populistas não têm moral para cumprir
seu verdadeiro papel e preferem esvaziar politicamente as agências reguladoras,
com o claro propósito de deixar as coisas se deteriorarem – até para provar que
o modelo privatizado não funciona.
Além disso, com que cara irá o governo cobrar bons serviços das operadoras de
telecomunicações se as escolas públicas são o que são, se nossas estradas
federais são o fim da picada, se nossos hospitais públicos são centros de
tortura, se nossa previdência, com déficit anual de R$ 45 bilhões, é um saco sem
fundo, se nossa segurança pública não resiste à menor análise de sua eficácia.
Nossa divergência, professor Dantas, está na solução proposta para corrigir
esses dois problemas: o mau atendimento das operadoras privadas (que só não é
pior que os o padrão de serviços da velha Telebrás em seus últimos tempos) e a
questão da banda larga.
Você sabe que o Estado só existe em função de um arcabouço jurídico. Na prática,
será a atuação dos governos que irá dar vida a esse arcabouço. Para que tudo dê
certo, então, precisamos de um excelente arcabouço jurídico e de governos
sérios. E vale reconhecer que, por melhor que seja o modelo de Estado que
tenhamos, quem vai determinar sua verdadeira atuação e eficiência, em última
instância, serão os governantes, os partidos, a conjuntura de interesses – dos
mais nobres aos mais sórdidos.
Você e eu, Marcos Dantas, acompanhamos os 25 anos de vida da Telebrás. Sabemos,
portanto, que a empresa teve dois períodos distintos. O primeiro, de excelentes
realizações, que vai de sua criação em 1972 até 1985, sob a direção e liderança
de duas figuras extraordinárias de profissionais e administradores: o comandante
Euclides Quandt de Oliveira e o general José Antonio de Alencastro e Silva. O
segundo período, de 1985 a 1995, uma década de retrocesso, de atraso setorial,
de politicagem, de desprofissionalização, de aviltamento tarifário acelerado, de
confisco de recursos de investimento, de interferências político-partidárias na
gestão das operadoras do Sistema Telebrás e de corrupção. Um terceiro período,
de 1995 a 1998, foi de transição para o novo modelo.
Aparelhamento
Imagine o risco potencial de vermos novamente o PT, o PMDB e o clã dos Sarneys
definindo a diretoria e aparelhando a nova Telebrás, como o fazem na Anatel de
hoje, no Ministério das Comunicações e tentaram fazer até numa empresa de
pesquisa do padrão da Embrapa. E se esse risco for de aparelhamento tucano ou de
qualquer outro partido, conte comigo para denunciá-lo e combatê-lo. Mas esse é o
risco de toda estatal, meu caro. Essa é a regra no Brasil.
Você, Marcos Dantas, que tem mais canais de comunicação com o Poder e muito
maior proximidade do governo, bem poderia contribuir para a correção de algumas
distorções profundas, ainda nestes últimos meses de governo Lula.
Uma delas seria a correção de um problema que você conhece há décadas: de um
lado, o confisco dos fundos setoriais (que já levaram mais de R$ 22 bilhões para
a vala comum do Tesouro e do superávit fiscal); e, de outro lado, a super
tributação dos serviços de telecomunicações (da ordem de 43% em média),
inclusive sobre o preço da banda larga.
No final de cada ano, Estados, Municípios e União arrecadam um total de R$ 43
bilhões de ICMS e outros tributos sobre serviços de telecomunicações. Isso
equivale a 10 vezes (repito, 10 vezes), o lucro líquido das operadoras de
telefonia fixa e móvel do País.
Que moral tem um governo que assim procede para falar em inclusão digital? Daí,
professor Dantas, a minha dúvida sobre as boas intenções do governo Lula na
gestação secreta do PNBL.
A rede estatal
Concordo totalmente com você e com outros especialistas quando falam da
necessidade de utilização da infraestrutura de cabos ópticos do governo – os
quase 30 mil quilômetros de redes de fibras ópticas da Eletronet, Petrobrás,
Serpro e outras – mas para isso não há necessidade de uma estatal. Vá à Coreia
do Sul e veja como se administra da infraestrutura do país que tem a melhor
banda larga do mundo. A estatal deles é a própria agência reguladora, a Korean
Communications Commission (KCC), que recebe inclusive dotação de 24 bilhões de
dólares para investimento nessa rede, para que ela dê o salto para a velocidade
de 1 Gigabit/segundo, até 2012, e para reduzir os custos de operação dos
serviços e, desse modo, transferir a redução aos usuários. Esse é o Estado que
todos devemos imitar e respeitar.
É claro que uma estatal desperta apetites de todos os tipos e é difícil para um
governo suportar, especialmente estando em final de mandato e em ano eleitoral.
Surgem vozes patriotas de todos os cantos, meu caro. Mas cada cidadão tem não
apenas o direito, mas também o dever, de debater os modelos de soluções
estatais, de saber o que vão fazer com o seu dinheiro, com seus impostos. Porque
a conta será paga por todos nós.
Inclusive por você, professor Marcos Dantas.
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Fonte: Blog do Ethevaldo
Siqueira
[21/04/10]
Quandt é contrário à
volta da Telebrás - por Ethevaldo Siqueira
“Meu caro Ethevaldo: Li seus comentários ao sr. Marcos Dantas, sobre o assunto
estatização da banda larga. Concordo, em princípio com eles. Durante muito tempo
defendi a política estatal vigente nas telecomunicações, porém a partir de um
certo momento abandonei essa posição, devido à forte politização que estava
sendo introduzida no setor. O pensamento político no Brasil é completamente
desfavoravel à prestação de serviços pelo Estado.”
Essas palavras são do comandante Euclides Quandt de Oliveira, ex-ministro das
Comunicações e primeiro presidente da Telebrás (1972-1974), um dos profissionais
e líderes mais íntegros e mais respeitados do setor de telecomunicações no
Brasil, em e-mail que me dá ainda mais certeza em minhas convicções contra a
presença do Estado como operador de serviços de telecomunicações no Brasil. Só
os que conheceram de perto esse grande brasileiro podem avaliar a extensão
verdadeira de sua contribuição para o desenvolvimento das telecomunicações
brasileiras.
Ofereço o primeiro parágrafo deste texto à reflexão de todos os idealistas que
defendem a reativação da Telebrás. Se há alguém que deveria ter saudade daquela
Telebrás – competente e ética – é Quandt de Oliveira. Aos 90 anos, ele vive hoje
em Petrópolis. Aderiu à internet recentemente e diz estar se atualizando com o
setor que dirigiu (com tanta competição e ética). Quanto ao uso da web, ele diz
com sua modéstia: “Agora estou aprendendo algo. Mas minha intenção neste
comentário é cumprimentá-lo pelos termos de seu artigo, também recordando-me bem
de fatos do passado. Abraços do Quandt.”
Como jornalista especializado, no Estadão desde 1967, acompanhei o dia-a-dia da
passagem de Quandt tanto pela presidência da Telebrás quanto pelo Ministério das
Comunicações. Também me recordo muito bem dos fatos daquele passado de
construção dos alicerces do sistema brasileiro de telecomunicações.
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