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13/02/10

• Telebrás, Eletronet e PNBL (171) - Análise de José Smolka: "Telebrás, PNBL e a abstração dos dados"

Nota:
José de Ribamar Smolka Ramos é engenheiro eletricista (UFBa 1982), com especialização em gestão da qualidade (CETEAD/UFBa 1994) e MBA executivo (FGV RJ/Grupo Telefonica 2001). Trabalha na área de Informática desde 1980, tendo atuado em empresas das áreas financeira, industrial e serviços, estando desde 1989 na área de telecomunicações. Área principal de interesse: projeto, implantação e gestão operacional da infra-estrutura e serviços de comunicação baseados na arquitetura TCP/IP. Atualmente é especialista técnico na Diretoria de Planejamento e Tecnologia da Vivo S/A.
Helio Rosa

de J. R. Smolka <smolka@terra.com.br>
para wirelessbr <wirelessbr@yahoogrupos.com.br>,
Celld-group <Celld-group@yahoogrupos.com.br>
data 13 de fevereiro de 2010 16:33
assunto [Celld-group] Telebrás, PNBL e a abstração dos dados

Pessoal,

Não vou me dar ao trabalho de debater aqui se o PNBL está bem estruturado ou não, ou se a Telebrás deve ou não ser ressuscitada dentro deste contexto. Até porque minhas opiniões sobre o tema são conhecidas: não considero o PNBL bem estruturado (por motivos que vocês verão adiante em mais detalhes), nem acho necessário ou conveniente trazer o esqueleto da Telebrás de volta à vida, neste ou em qualquer outro contexto. No nível da argumentação que vem sendo apresentada eu não vou ser convencido do contrário, e estou começando a crer que uma boa parte dos defensores destas teses são - qualquer que seja sua motivação, patriótica, ideológica, ou o que mais se possa inventar - essencialmente impermeáveis ao diálogo.

O que eu queria conversar com vocês é uma outra preocupação que tenho com relação à forma como "planos" deste tipo chegam até as esferas de decisão, sejam elas políticas ou empresariais. Mas primeiro é preciso que a gente entenda bem um fenômeno comum, mas pouco lembrado, em qualquer organização: a abstração dos dados.

Este tema é de conhecimento comum na comunidade daqueles que estudam a área da análise de sistemas, mas creio que não é muito comentado ou entendido fora dela. Resumindo o que ocorre é o seguinte: quando uma organização é pequena é viável que o seu corpo dirigente (muitas vezes formado por um pessoa só) tenha conhecimento direto da natureza e do estado de todos os fatores que influenciam o resultado das atividades daquela organização. Este fato já deu origem, inclusive, a ditados populares do tipo "o porco engorda é com o olho do dono".

Porém, à medida que a organização cresce em tamanho e complexidade, o corpo dirigente tem que, necessariamente, delegar o controle dos processos de negócio a outras pessoas, e contentar-se em tomar conhecimento do estado do negócio indiretamente, através dos dados que os responsáveis pela supervisão direta dos processos de negócio lhes enviam. Quanto mais complexa a organização mais agudo torna-se este fato, com vários níveis de autoridade delegada, e, consequentemente, também vários níveis de elaboração e reinterpretação dos dados até que estes cheguem, filtrados, prensados, selecionados e pasteurizados, ao corpo dirigente.

O primeiro risco neste processo é da perda de objetividade, uma vez que cada nível hierárquico pode selecionar arbitrariamente o modo de seleção e apresentação dos dados, filtrando-os de tal forma que o que chega até o topo só por sorte terá alguma semelhança com o que realmente ocorre no "chão da fábrica". E o segundo risco é que cada pessoa com autoridade na hierarquia de poder tenha sua própria agenda de interesses (a ambição é, afinal, uma característica humana), o que coloca mais uma camada de ruído na seleção de que dados propagar para cima na hierarquia, e de que forma fazê-lo. No final você tem uma boa parte do tempo das reuniões  executivas (que deveriam ser eminentemente foros de tomada de decisão) gastos na resolução dos conflitos causados por dados inconsistentes e incoerentes sobre os mesmos aspectos da organização.

O governo, em todas as suas esferas, mas particularmente aqui o governo federal, possui características de gestão que o tornam particularmente vulnerável aos dois vícios da abstração de dados. E sinto o cheiro disto no caso em pauta: o PNBL. Os "pais", "mães", "tios" ou o que sejam do programa selecionam cuidadosamente os dados a apresentar, de forma que a execução do programa, nos moldes propostos por eles, pareça coisa simples e rápida. Aspectos técnicos, políticos e orçamentários são minimizados, escamoteados, adulterados ou embelezados, tudo com o fim de "vender" o plano ao Presidente e seus Ministros. Por outro lado outras facções no governo, que tem interesses divergentes dos proponentes do plano (ex.: o pessoal da área econômica não quer nem ouvir falar em coisas que dificultem o atingimento de metas de inflação e superavit primário) vão trazer outros dados, tabelas e estatísticas que vão conflitar com os apresentados antes, e vão parecer tão confiáveis e sérios quanto eles. É natural, então, que o processo de síntese a partir do conflito entre tese e antítese seja mais demorado e complicado. Mais reuniões são necessárias, onde cada lado traz mais e mais dados detalhados que corroboram a sua visão e "enterram" a proposta adversária. Eventualmente tudo isto leva a soluções de compromisso (o foro deste caso, afinal, é político) que tentam satisfazer a todos, sem ser realmente nem o que um lado nem o que o outro pretendiam. Este processo também deu origem ao seu próprio ditado: "um camelo é um cavalo, só que foi projetado por um comitê".

Como não existe a possibilidade (ou mesmo esperança) que as partes envolvidas nesta discussão venham a trabalhar em conjunto sobre uma base de dados comum, eu sinto que nós (o povo) teremos no final um produto que não tem muita aderência com as realidades e possibilidades do mundo real, mas será tocado para a frente mesmo assim, e terá seus (previsíveis) pífios resultados alardeados como se fossem vitórias retumbantes.

Não sei de vocês, mas eu já cansei disto.

[ ]'s

J. R. Smolka
 


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