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Maio 2010               Índice Geral do BLOCO

O conteúdo do BLOCO tem forte vinculação com os debates nos Grupos de Discussão  Celld-group e WirelessBR. Participe!


08/05/10

• "Crimes Digitais" e "Marco Regulatório da Internet" (105) - Artigo do desembargador Fernando Neto Botelho: "A Internet brasileira e seus marcos regulatórios"

Olá, ComUnidade WirelessBRASIL!

01.
Em mensagem enviada aos nossos fóruns, o Dr. Fernando Botelho escreveu:
"Prezado Hélio,
Depois de participar, semana passada, da audiência pública na Câmara Federal (Comissão de Ciência e Tecnologia), elaborei, sobre o assunto que vc menciona, artigo-resumo de nossa modesta visão, apresentada na audiência.
Foi enviado à publicação no
portal ALICE RAMOS e deve ser disponibilizado hoje na coluna TELE PONTO COM.
Abordo nele pontos que você destaca: aspectos repetitivos (de leis já existentes) na proposta de Marco Civil (comento texto proposto, segundo a redação levada ao debate na audiência - que, agora, passada uma semana, recebe superficiais modificações) e aponto a sua incongruência com a questão criminal.
Fraternal abraço, Fernando Botelho"

Como sempre, a sugestão é ler na fonte, mas está transcrito mais abaixo:
Fonte: AliceRamos.com
[06/05/10]   A Internet brasileira e seus marcos regulatórios - por Fernando Neto Botelho

Parabéns, Dr. Fernando, pelo engajamento e pelo excelente artigo!
Obrigado por compartilhar em nossos fóruns!

Parabéns à combativa jornalista Alice Ramos, nossa participante, por publicar este importante artigo em seu Portal!

03.
Vale conferir também a excelente apresentação do nosso participante, Dr. Fernando Botelho na Câmara.
Sugiro visitar os links abaixo e abrir na tela do computador o painel .ppt com o resumo da palestra e o vídeo correspondente.
Com as duas janelas abertas - ou alternando entre elas - é possível acompanhar toda a riqueza de detalhes da exposição:
Apresentação - painéis PPT
Vídeo


03.
Aqui está o último "post" sobre o assunto, acrescido da minuta modificada:
05/05/10
"Crimes Digitais" e "Marco Regulatório da Internet" (104) - Sob pressão da sociedade, Ministério da Justiça modifica texto do anteprojeto em consulta + Íntegra do novo texto

04.
É preciso participar!
São novos tempos!
A sociedade pode e deve participar do processo de confeccionar novas leis, como no caso do Projeto Ficha Limpa, ainda em tramitação.
A ação individual faz diferença!
O prazo desta Consulta termina no dia 22.
Você pode saber mais sobre o projeto aqui.
Pode ter acesso à primeira fase do Marco Civil
aqui.
E pode começar a participar
aqui, no debate da segunda fase.


Boa leitura!
Um abraço cordial
Helio Rosa

---------------------------------

Fonte: AliceRamos.com
[06/05/10]   A Internet brasileira e seus marcos regulatórios - por Fernando Neto Botelho (*)

Controvérsias à parte quanto ao momento de sua consolidação como a grande rede comunicativa nacional e internacional, a Internet brasileira pode-se considerar nascida, no País, em 1989; naquele virar da década de 80, surge, no território nacional, a inédita concentração de tecnologia que absorveu a nova feição da rede universal, já então sob disseminação mundial; surge, ali, a “nossa rede”, a via telecomunicativa do País, a vinculação do nosso universo ao universo/web e a seu formato atual-clássico.

Como megaestrutura formada por impensável unificação de redes menores, por meio de um mesmo protocolo gerenciador de sinais eletrônicos, a “web brasileira” – o nosso “.br” – nasce ao lado de outro cravo histórico: o surgimento da RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa.

Ano de marcos! Ano de mudanças: a do ensino e pesquisa unificados, a de novo pensamento científico consorciado, e a da tecnologia comunicativa não-hierárquica. Era o princípio do fim da clausura acadêmica, da comunicação ponto-a-ponto e da comutação por circuitos como hegemonia relacional-tecnológica.

Fim, antes, da telecomunicação como fator de segurança nacional!

Eram os ares da real abertura do novo ambiente nacional chegando. Ares novos da tecnologia, do novo pensamento, da nova visão conceptiva (a multiconexão aliada à estrutura não-hierárquica da nova rede comunicativa).

Ares, todos, que se adicionaram dos da nova Constituição e do novo Estado desenhado: o do bem-estar social. Ares de um novo debate nacional: o das garantias fundamentais do povo, dos direitos e deveres não-hierarquizados, que deveriam produzir sociedade mais justa. Ares, finalmente, da isonomia, da igualdade material e dos direitos e deveres não-superpostos.

Que biênio (1988/1989)! Da verticalização quase absoluta à horizontalização quase radical! Da comutação hierárquica (por circuitos) à troca de pacotes de bits-informação entre pontos remotos! Igualdade eletrônica aliada à igualdade cívica: a proposta – radical (no virar de uma única década)!

Redes assim, universais, generalizantes e rompedoras – as da tecnologia comunicativa, da estrutura do Estado e dos direitos e deveres da população – não deviam, por prudência, disse alguém comedido (ou conservador), ser implantadas em um só fôlego. Doses de “horizontalização” deveriam ser observadas.

Sou dos que discordam. Permito-me cerrar fileiras bem mais amplas, de vanguarda. O Brasil precisava mesmo daquele “choque de gestão”. Era hora de uma mudança ampla, geral, irrestrita – em sua acepção mais universalizante possível (da cidadania à tecnologia da informação e comunicação).

Mas, discussões à parte quanto ao método, o fato é que o Brasil ingressou, de uma só vez e naquele mesmo biênio, no nível máximo das mudanças contemporâneas: a decisão de adotar a um só tempo nova Constituição, nova estrutura de direitos de seu povo, novas propostas estruturantes do Estado, nova visão de sua academia e de seu pensamento científico, e nova rede de comunicação tecnológica-universalizante.

Não é por outra razão e sim, por toda essa coincidência de fatores que a Internet do Brasil celebra o seu 20º nascimento de par com a especial comemoração do (re)surgimento de um Brasil (verdadeiramente) redemocratizado.

Não se sabe ao certo se pela avidez dos anos de abstenção – de democracia, cidadania, e tecnologia comunicativa – ou se por atavismo mesmo, da prática do tão conhecido “tudo à brasileira”, que transforma dificuldades em facilidades inéditas e pratica alegria com sofrimento, juntando tudo, de tudo, a um só tempo, o fato é que a Internet brasileira veio ao mundo acompanhada desse acervo todo de inovações. Parece até que sua sina era ter mesmo surgido acompanhada de um “algo a mais”, que lhe conferisse “plus” de sabor: o dos trópicos; sabor da “Internet dos trópicos”. A Internet brasileira nasceu tropical: em atípico momento da vida nacional e quando profunda a mudança estrutural e cívica do País.

Pois é a partir da observância de todo esse cenário, conjuminado de nascimento, que se torna indispensável cotejamento de fatos que com ela surgiram; não apenas os da nova vida tecnológica que produziu, mas os da vida cívica, jurídica, que acabaram consolidando um acervo de atipicidades que pontuam a sua recém-completada maioridade. A Internet, ao lado da Constituição e da nova vida nacional, completa os seus primeiros 20 anos!

Que cuidem, todas essas realidades co-irmãs, do futuro! Cuidem, especialmente, dos (também atípicos) riscos brasileiros com os quais conviveram: a criminalidade, a sobrevivência (ainda selvagem), a educação (ainda difícil), a família (um tanto mudada) e os costumes (mal-difundidos).

Em suma, à jovem “Internet do Brasil” se pode dizer (e aconselhar) um pouco (aliás, um tanto) de prudência que o ritmo da vida nacional nova, que acompanha desde o nascimento, sugere. Pode-se recomendar-lhe, por exemplo, medidas de especial cautela com certos efeitos do rápido crescimento que colheu (algo em torno de meia centena de milhões de adeptos-usuários, recolhidos de seus 20 anos de atuação, sem nenhum fomento de programas universalizantes, como o do FUST – Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações, que apesar de 10 anos de vigência e arrecadação tributária-finalística, não empenhou recursos na expansão da grande rede).

Pode-se ponderar-lhe mais, como a necessidade de organizar e planejar melhor sua iniciante “vida adulta”; vida de pós-crescimento – com previsão de aumento na absorção de novos usuários e novos usos multimídia convergentes. Pode-se, finalmente, alertar-lhe os riscos palpáveis, da “vida eletrônica”, como os que experimentou, ou criou, e com cuja realidade já convive. Pode-se, então, e aí mais especificamente, dizer-lhe algo concreto e objetivo sobre crimes e vícios; preparar-lhe, com isso, condições para uma vida mais segura, mais benéfica e mais utilitária para todos. Afinal, a Internet brasileira, que mudou o Brasil, que projetou-o para o mundo, que trouxe o mundo para o seio do convívio nacional, precisa amadurecer, estruturar-se, autossustentar-se e, principalmente, sobreviver, apesar de sua recém-maturidade. É a primeira mensagem para a nova vida madura.

A segunda é a de que haverão de ingressar, neste seu novo caminho, novas disciplinas, que deverão compatibilizá-la com a vida moderna cívica, econômica e social do País.

Surge, exatamente aí, um problema que não pode se converter em titubeio. Trata-se da escolha do melhor caminho a trilhar frente a tudo isso para lidar com fatos ocorridos no seu passado recente. Podem ser mencionados alguns, interno-nacionais e externos:

• Apenas no ano de 2004, US$ 105 bilhões foram empregados, no mundo, com combate a fraudes eletrônicas, espionagem corporativa, pedofilia, extorsão virtual, pirataria e outros ilícitos eletrônicos. (Valeri McNiven, Conselheira do Tesouro dos EUA).

• Apenas no biênio 2004 e 2005, fraudes bancárias e financeiras por meio eletrônico saltaram de 5% para 40% do total dos incidentes eletrônicos registrados no período em todo o Brasil.

• Tentativas de fraudes pela rede mundial de computadores cresceram, naquele ano (2005), 579% (Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil – www.cert.br) e, desde então, mantêm índices de aumento geométrico.

* Armadilhas eletrônicas – a ”pescaria” de incautos (o “phishing scam”, por exemplo), os “hoax” (piadas de má-intenção voltadas para obtenção de vantagem ilícita-patrimonial), a pichação pejorativa e desonrosa – cunharam uma nova aplicação: a “engenharia do mal”, ou “engenharia social” – o engodo, indução ao erro de inabilitadas pessoas comuns e a maioria das corporações. Tudo isso cresceu 53% em 2006 (página 14, volume 12, da Ver. “Risk Management Review).

• Compras de softwares de defesa corporativa (“firewalls” etc.) aumentaram 10,7% em 2007 (saltando os investimentos nesse ponto de US$ 8,2 bilhões para US$ 9,1 bilhões, sendo que 53,8% foram de compra de programas antivírus – só eles responderam em 2007 por US$ 4,9 bilhões. No Brasil, apenas em 2006, US$ 144 milhões foram gastos com proteção eletrônica – mais que o dobro do ano anterior (página 22, volume 11 da Ver. “Security Review”). É o retrato do encargo, ou do custo financeiro, da defesa, ou da contra-ação, eletrônica à insegurança crescente das redes telecomunicativas.

• Fraudes corporativas aumentaram estupendamente: funcionários X corporações (meio eletrônico).

Além disso, usuários foram submetidos a tentativas de disseminação de vírus pela Internet brasileira, e se somam esses eventos a números assustadores de fraudes eletrônicas, que vão do vazamento de informações sensíveis, depositadas em bancos de dados de corporações públicas e privadas à apropriação de dados financeiros de usuários incautos que navegam por sites inidôneos e, mesmo, à difusão de afirmações falsas ou ofensivas em ambientes de provimento de conteúdos eletrônicos.

O acesso remoto indevido, a divulgação e comercialização de senhas eletrônicas, as tentativas de invasões a sistemas internos e públicos de corporações (o mais destacável dos últimos dias foi a pichação eletrônica do site do PT com propaganda eleitoral de cunho supostamente adversário) ganham corpo diário no noticiário brasileiro da Internet.

Há ainda dados de sabotagem eletrônica, espionagem e, intensamente, de pirataria eletrônica que aniquilam os mais superficiais direitos de autor (mesmo aqueles concebidos para o meio eletrônico sob licenciamento “soft”, como o do “creative commons”). Nem se fale, em tudo isso, nas práticas de pedofilia eletrônica, que povoam o noticiário. São fatos, todos, da outra face da agora amadurecida vida nacional eletrônica, que ganham corpo em seriedade e volume.

Pois a (jovem) Internet brasileira, por produzi-los como custo operacional de seus fantásticos benefícios, não se desobriga deles, no seu aniversário de duas décadas. É por eles, aliás, que o Estado brasileiro, renovado na Constituição, chamou para si a decisão, de processar norma (penal) específica deste cenário.

A exemplo de quase 50 outros países signatários da Convenção Européia de Cibercrimes (Budapeste –2001), que também se ocupam do assunto, o Brasil deu início, no Congresso Nacional, em 1989, a especial desenho de nova lei repressiva de crimes eletrônicos (valendo o destaque de que hoje até a Argentina, além da rivalidade conosco no futebol, implantou a sua própria lei anticibercrimes).

Refiro-me ao projeto de lei de número 84/1999. Surgido na Câmara Federal, o projeto visa disciplinar fatos criminosos eletrônicos como os narrados, tratando-os não como veleidades ou infrações releváveis, mas como o que são efetivamente: crimes e distúrbios da paz comunitária do país; prevendo, para isso, penas (ainda que mínimas e substituíveis por sanções alternativas, não-privativas da liberdade). O projeto tramitou na Câmara e no Senado da República, depois de se submeter à discussão pública, que aglutinou audiências nas duas Casas. Mais recentemente, viu-se aprovado no Senado, por unânime deliberação plenária (de todos os partidos, inclusive os da base de sustentação do Governo, que em seguida o devolveram à Câmara para término da tramitação legislativa).

O projeto de lei (o PL 84), por sua já longa história, acabou se transformando no primeiro marco legal de discussão dos crimes praticados nas redes brasileiras, inclusive os da Internet. Nele, se estruturou ainda mecanismo especial de investigação policial (de cibercrimes) e de acionamento criminal-judicial equivalente. Trata-se, portanto, de projeto especializado em fatos anormais da Internet, que integra o Brasil a estruturas estrangeiras modernas de mesma índole.

Pois, no curso de sua discussão parlamentar – mais especificamente quando retornara, exatamente, à Câmara (onde regimentalmente não mais é permitida adição de novos textos ou de fórmulas modificativas de sua estrutura de origem, porque resultado, ali, de final e conjunta redação e deliberação dos próprios deputados, que dele conheceram e nele atuaram, e dos Senadores, que o revisaram) – surge impasse inesperado e atípico. Enquanto se aguardava parecer final de sua relatoria na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara (relator, o Deputado Júlio Semeghini), o projeto passou a concorrer com intrigante decisão do Governo, do Executivo Federal, que antes, por meio de seus partidos de sustentação, o havia aprovado no Senado.

O Ministério da Justiça repentinamente iniciou e pôs ao público discussão – convertendo-a em formal consulta pública – sobre “Marco Civil da Internet”.

Equivale a dizer que, antes de concluído o processo legislativo iniciado há 10 anos para edição de específica lei de repressão a crimes cibernéticos (que definirá indispensável marco criminal, ou o dos crimes nas redes brasileiras) e antes de entregá-la a “test-drive” oficial de interpretação (que cabe ao Poder Judiciário realizar), o Executivo Federal resolveu inaugurar ponto novo de debate público: o de marco puramente civil das irregularidades da grande rede brasileira.

O que isso significa? Significa que, em vez de instrumento legal de repressão (mínima) aos crimes eletrônicos, sobre cuja ocorrência poucos divergem, o Estado resolveu debater outra proposta: mais branda resposta às ilegalidades referidas.

O autodenominado “Marco Civil da Internet” constitui, portanto, título dado à nova proposta, do Ministério da Justiça, de resposta meramente civil-responsabilizante para esses fatos. Pela proposta, não se obterá, dos crimes mencionados, mais que reparação civil-patrimonial de danos dos infratores da grande rede.

A iniciativa passou da proposição dialética. Virou minuta de texto de anteprojeto de lei. Afirma-se nele que, após determinado tempo (45 dias) de discussão eletrônica, se converterá em texto definitivo e será enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional.

Por isso, a (mesma) Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, responsável no momento pela tramitação final do PL 84, resolveu antecipar-se ao anunciado envio do novo anteprojeto (de marco civil), afetando, desde logo, ao plenário da Comissão, através de específica audiência pública (a tanto convocada por valoroso requerimento da Deputada Luíza Erundina), discussão do novo assunto.

Registre-se, aliás, o encômio à cuidadosa composição daquele colegiado que, diante do ineditismo da iniciativa executiva e da própria disciplina regimental que impõe à Câmara não suprimir, mas discutir com prioridade projeto duplamente votado em ambas as Casas Legislativas, resolveu convocar a discussão para logo e, assim, evitar que o tema surgido contamine a marcha procedimental-legislativa já começada.

A audiência pública (do “Marco Civil da Internet”) realizou-se no último dia 27/abril. A ela comparecemos, juntamente com sete outros especialistas renomados, a convite da Presidência da Comissão – anteriormente, havíamos também integrado mesa de debates dos crimes eletrônicos, nas audiências públicas que instruíram, na Câmara e no Senado, a tramitação do PL 84. Trazemos aqui, com fidelidade, os pontos que levamos à audiência e à apreciação dos parlamentares da Comissão, pois nos pareceram vulnerar a razoabilidade e, com todo o respeito, a própria utilidade jurídica e prática do texto proposto como “Marco Civil da Internet” (esclarecendo que o texto se compõe de 34 artigos em que se dividem cinco capítulos e suas respectivas seções).

Os pontos críticos estão desenvolvidos nos tópicos a seguir – quanto aos quais salientamos, desde logo, a dificuldade de adaptação da moderna visão sobre elaboração legislativa de tecnologias da informação (que propugna aberturas conceituais que assegurem inovação tecnológica) a normas que estabeleçam responsabilidades penais ou civis, bem como sua inserção no corpo positivo brasileiro, onde a linha-mestra prossegue sob a visão de um Direito posto, escrito, vocabular, delineador de condutas e ações que, por isso, requerem precisão gramatical e semântica – objetivo, entretanto, que encontra entraves na alta especialização tecnológica, como a das redes telemáticas e seus elementos, cujo conhecimento não se encontra sob usual ou corriqueiro domínio do intérprete destinatário da norma (os magistrados e profissionais do Direito).

O Art. 1º (do texto proposto pelo Ministério da Justiça):

“Esta lei estabelece direitos e deveres relativos ao uso da Internet no Brasil e determina as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria”

Para nós, esta disposição e, como de resto, todo o texto proposto mostram densa tendência para mera proposição, isto é, editam norma sem sanção, o que faz aproximar o texto mais de uma propugnação ideária que de que um instrumento imperativo. A ausência de repercussões penalizadoras concretas, ou sanções, destitui a proposta de cogência, fazendo com que sua aplicabilidade impositiva fique mais sujeita à integração por outras leis já vigorantes ou deixe, simplesmente, de ser feita. A moderna tendência normativa não se identifica com propósitos tais, especialmente em realidades como a brasileira e particularmente da Internet nacional, cujas ocorrências e anormalidades ou ilicitudes, já citados, recomendam o contrário: mínima resposta inibitória, o que, face ao princípio da legalidade, exige lei impositiva, que preconize sanções a infratores. O efeito educativo generalizante da norma, seu fito preventivo, só será alcançado se a população conhecer, por ela, regras e sanções, como repercussões específicas de descumprimento.

O Art. 2º (do texto proposto pelo Ministério da Justiça):

“A disciplina do uso da Internet no Brasil tem como fundamentos o reconhecimento da escala mundial da rede, o exercício da cidadania em meios digitais, a pluralidade, a diversidade, a abertura, a livre iniciativa, a livre concorrência e a colaboração, e observará os seguintes princípios:

I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento;

II – proteção da privacidade;”

Neste dispositivo, o texto, ao fixar princípios como expressão de direitos e deveres na Internet brasileira (o I, do art. 2º), se limita a repetir direitos fundamentais (autoaplicáveis e, como tais, independes de disciplina infraconstitucional legal), ou seja, já inseridos, como dogmas, na própria Constituição Federal, que os dispensa de qualquer lei para aplicação.
Exemplo:
I – garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento (garantia, respectivamente, assegurada, já no inciso IX do art. 5º/ CF);
II – proteção da privacidade (garantia prevista no inciso X, do mesmo art. 5º/CF);

O Art. 3º (do texto proposto pelo Ministério da Justiça):

“A disciplina do uso da Internet no Brasil tem os seguintes objetivos:

I – garantir a todos o acesso à Internet;

II – promover o acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural;

III – fortalecer a livre iniciativa e livre concorrência;

IV – promover a inovação e fomentar a ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso; e

V – promover a padronização, a acessibilidade e a interoperabilidade, a partir do uso de padrões abertos;

Aqui, a norma fixa objetivos já inseridos, como princípios, não só na Constituição Federal, mas também em comando normativo legal infraconstitucional da maior significância para as telecomunicações. Trata-se da Lei do Fust, editada há 10 anos (Lei 9.998/2000), que estabelece (em correspondência com os dispositivos citados no texto):

“ Art. 5º Os recursos do Fust serão aplicados em programas, projetos e atividades que estejam em consonância com plano geral de metas para universalização de serviço de telecomunicações ou suas ampliações que contemplarão, entre outros, os seguintes objetivos:
...........
V – implantação de acessos para utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso público, inclusive da Internet, em condições favorecidas, a instituições de saúde;
VI – implantação de acessos para utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso público, inclusive da Internet, em condições favorecidas, a estabelecimentos de ensino e bibliotecas, incluindo os equipamentos terminais para operação pelos usuários;
VII – redução das contas de serviços de telecomunicações de estabelecimentos de ensino e bibliotecas referentes à utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso do público, inclusive da Internet, de forma a beneficiar em percentuais maiores os estabelecimentos freqüentados por população carente, de acordo com a regulamentação do Poder Executivo;
VIII – instalação de redes de alta velocidade, destinadas ao intercâmbio de sinais e à implantação de serviços de teleconferência entre estabelecimentos de ensino e bibliotecas;
............
XII – fornecimento de acessos individuais e equipamentos de interface a instituições de assistência a deficientes;
XIII – fornecimento de acessos individuais e equipamentos de interface a deficientes carentes;

O propósito de fortalecer a livre iniciativa e a livre concorrência – inciso III da norma sugerida – é, por sua vez, o mesmo dos incisos II, art. 1º, e IV do art. 170/CF, disciplinados também por lei especial, através da repressão aos abusos concorrenciais lesivos à livre concorrência – Lei Federal 8.884/94, norma antitruste.

Por sua vez, o inciso IV do artigo proposto – promover a inovação e fomentar a ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso – reitera e se sobrepõe à Lei do Funttel (Fundo Nacional de Desenvolvimento das Telecomunicações), lei 10.052/2000, que estabelece em seu art. 1º:

“Art. 1o É instituído o Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações – Funttel, de natureza contábil, com o objetivo de estimular o processo de inovação tecnológica, incentivar a capacitação de recursos humanos, fomentar a geração de empregos e promover o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de capital, de modo a ampliar a competitividade da indústria brasileira de telecomunicações, nos termos do art. 77 da Lei no 9.472, de 16 de julho de 1997.

.................

Art. 6o Os recursos do Fundo serão aplicados exclusivamente no interesse do setor de telecomunicações.”

Ou, ainda, à lei 11.540/2007 – que (re)institui o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento de Ciência e Tecnologia). Esta preconiza:

Art. 1o O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT, instituído pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969, e restabelecido pela Lei no 8.172, de 18 de janeiro de 1991, é de natureza contábil e tem o objetivo de financiar a inovação e o desenvolvimento científico e tecnológico com vistas em promover o desenvolvimento econômico e social do País.

São, portanto, apenas quanto à proposta deste dispositivo, três fundos públicos, todos já instituídos e há muitos disciplinados por três antigas leis, dois dos quais são diretamente onerosos para as empresas de telecomunicações – que contribuem, respectivamente, com CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) mensal de 1% do faturamento bruto de cada conta de telefone e dados/Internet, para o FUST, e de 0,5% para o FUNTTEL, o primeiro não tendo podido, insista-se, aplicar qualquer centavo de suas bilionárias receitas no cumprimento de suas metas legais.

Pois todos estes três fundos públicos estão destinados ao atendimento das mesmas metas/objetivos agora transformadas em proposta de uma quarta lei. Foge à razoabilidade instituição de idênticos objetivos legais de fundos públicos setorial e sucessivamente criados no passado.

O que se deve debater, parece-nos, é o contrário: razão do não-cumprimento (ou do descumprimento) de objetivos daqueles fundos criados por aquelas leis e, não, instituir-se novas normas que nada farão senão reiterar mesma disciplina anterior descumprida; descumprimento que afeta, por exemplo, interesses nacionais, como o de universalização da Internet brasileira (que constitui escopo específico do FUST).

O Art. 4º (do texto proposto pelo Ministério da Justiça):

“Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I – Internet: o conjunto de meios de transmissão, comutação e roteamento de dados, estruturados em escala mundial, bem como os protocolos necessários à comunicação entre terminais, incluídos ainda os programas de comutador específicos para esse fim;

II – terminal: computador ou dispositivo análogo que se conecte à Internet;

III – administrador de sistema autônomo: pessoa jurídica, devidamente cadastrada junto ao Registro de Endereçamento da Internet para América Latina e Caribe (LACNIC), responsável por blocos específicos de número IO (Internet Protocol) e por um conjunto de roteadores, redes 3e linhas de comunicação pela Internet que formem uma infraestrutura delimitada por protocolos e métricas comuns;

IV – conexão à Internet: autenticação de um terminal para envio e recebimento de pacotes de dados pela Intenet, mediante a atribuição de um número IP;

V – registro de conexão: o conjunto de informações referentes à data e hora de início de uma conexão à Internet, sua duração e o número IP utilizado pelo terminal para o recebimento de pacotes de dados;

VI – serviços de Internet: conjunto de serviços diversos que podem ser acessados por meio de um terminal conectado à Internet, como, por exemplo, navegação, comunicação instantânea, envio e recebimento de correspondência eletrônica, publicação de obras textuais ou audiovisuais em formato digital, entre outros;

VII – registros de acesso a serviços de Internet: o conjunto de informações referentes à data e hora de uso de um determinado serviço de Internet a partir de um determinado número IP.”


Como vemos, aqui o texto arrisca-se à inédita incursão: conceituação de Internet. A matéria – definição vocabular-normativa da rede mundial – passou ao largo da preocupação do legislador brasileiro que acertadamente, no art. 60 da LGT (Lei Geral de Telecomunicações, lei 9.472/97), optou, dentro do modelo de telecomunicações inaugurado com o marco constitucional anterior (a Emenda Constitucional número 08/95, que desestatizou o Sistema Público Telebrás e permitiu redesenho do modelo brasileiro de telecomunicações, com a criação de uma autarquia regulatória de atividades executivas privadas), por prever, generalizadamente, SVA (Serviços de Valor Adicionado). Estes seriam, como são de fato, agregadores de valores e serviços às redes telecomunicativas, com as quais não se confundem. E a lei não os especifica como, de fato, não deveria fazê-lo.

O modelo, assim definido pela Lei Geral das Telecomunicações, permitiu que, na sua interpretação, tanto o órgão regulador, quanto os Tribunais viessem a considerar o serviço/Internet no Brasil como “specie” de SVA; como amanhã poderão fazê-lo quanto à modalidade prestacional que se insira naquela tipicidade, e o farão face ao caráter aberto da definição legal respectiva.

Pois agora, em que uma nova proposta normativa se lança a conceituar a Internet e o faz a partir da inserção de elementos que aparentam ser os mesmos que integram a própria rede, conflita-se a intenção com disciplina-mor e com o espírito que gerenciou a instalação do modelo eleito em 1987 para o novo cenário das telecomunicações brasileiras; e ainda, com a definição que a própria Lei Geral de Telecomunicações faz de redes, à luz da qual delega, à ANATEL, poder de definição de elementos técnicos integrantes.

A matéria assim proposta está, em suma, em confronto com o art. 60 da LGT e, no que concerne à definição de elementos de redes, atendida pela disposição dos arts. 145 e segs da Lei 9.472/97:

DAS REDES DE TELECOMUNICAÇÕES

Art. 145. A implantação e o funcionamento de redes de telecomunicações destinadas a dar suporte à prestação de serviços de interesse coletivo, no regime público ou privado, observarão o disposto neste Título.

Parágrafo único. As redes de telecomunicações destinadas à prestação de serviço em regime privado poderão ser dispensadas do disposto no caput, no todo ou em parte, na forma da regulamentação expedida pela Agência.

Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos termos seguintes:

I - é obrigatória a interconexão entre as redes, na forma da regulamentação;

II - deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional...”).

Arrisca-se, pois, conflito de leis no tempo e por tema, na medida em que presente dubiedade conceitual sobre elementos de redes, os quais, em vez de integrarem a infraestrutura dos SVAs, acham-se afetados pela própria legislação à delegação (concessional, permissional, ou autorizatária) e assim sujeitos ao dever de reversão ao patrimônio público, o que não ocorre, nem se prevê, para elementos físicos da infraestrutura do mero provimento de serviços/Internet (sejam de acesso e/ou de conteúdo).

O Art. 6º (do texto proposto pelo Ministério da Justiça):

“ O acesso à Internet é direito do cidadão, fundamental ao exercício da cidadania, às liberdades de manifestação do pensamento e de expressão e à garantia do acesso à informação.”

Conforme já dito, não cabe à lei infraconstitucional propugnar definições intrínsecas ao exercício de direito fundamental autoaplicável disciplinado, como tal, na Constituição. Neste sentido, o texto proposto no presente art. 6º preconiza o óbvio: que a Internet assegure direito (de índole constitucional) à informação e à liberdade do pensamento, tornando-se, por isso, superfetação normativa de dogma constitucional amplo e autoaplicável, a independer de lei. Parece-nos dispensável, por esta razão.

O Art. 7º (do texto proposto pelo Ministério da Justiça):

“ O usuário de Internet tem direito:

I – à inviolabilidade e ao sigilo de suas comunicações, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

II – à não suspensção ou degradação da qualidade contratada da conexão à Internet, nos termos do art. 12, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização;

III – a informações claras e completas constantes dos contratos de prestação de serviços, estabelecendo o regime d eproteção aos seus dados pessoais, registros de acesso a serviços de Internet, bem como sobre práticas de gerenciamentos da rede que possam afetar a qualidade do serviço oferecido; e

IV – à não divulgação ou uso de seus registros de conexão e registros de acesso a serviços de Internet, salvo mediante seu consentimento expresso ou em decorrência de determinação judicial..”

O inciso “I” acima preconiza inviolabilidade e sigilo de comunicações, condicionando sua ruptura à expedição de ordem judicial. Essa mesma matéria, entretanto, além de textual previsão (do direito fundamental ao sigilo comunicativo) já inserida no próprio art. 5o, inciso XII da CF, está disciplinada eficazmente na Lei 9.296/96 que, por sua vez, prevê possibilidade excepcional da ruptura do sigilo para atendimento de investigação criminal – tema, como se vê, estranho à lei que se proponha a fixar marco puramente civil (não criminal). Confira-se o texto da Lei 9.296/96:

“Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática

Em suma, não há razão para que, além da disciplina já existente na Lei 9.296/96, o assunto mereça renovação em texto de lei civil nova, uma vez que, seja ou não a comunicação telemática advinda da rede mundial, não há dúvida de que amparada por sigilo constitucionalmente protegido, rompível por ordem judicial também legalmente disciplinada.

Por outro lado, o inciso II deste artigo proposto preconiza continuidade da conexão Internet, salvo ocorrência de débito, matéria que nos parece também abrangida pelo art. 5º da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9472/87) que estabelece textualmente:

“Art. 5º Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.

Desse modo, se a continuidade dos serviços públicos – princípio maior inserido textualmente na Lei Geral de Telecomunicações – abrange a dos serviços adicionados (previstos no art. 60, da LGT), pois que estes últimos, por óbvio, não poderão, como agregados lógicos e estruturais das redes telecomunicativas, ver-se segmentados em prol de uma irrazoável possibilidade de descontinuação do tráfego telemático no âmbito dos provedores de SVAs (cuja atividade se faz, em todas as pontas, provida exatamente por serviços de redes, como os SRTTs – Serviços de Transporte de Tráfego de Telecomunicações), faz-se totalmente dispensável a proclamação renovada da mesma continuidade, em nova lei.

Já o inciso III do artigo repete proclamação de necessidade de informações claras em contratos de prestação de serviços/Internet, matéria amplamente normatizada já pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) que estabelece:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

..............

III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”

Não há razão em se reproclamar agora, em nova lei, o que o CDC estatui já por 10 anos; o que está sujeito a ampla e consolidada jurisprudência dos Tribunais que o interpretaram (a exigência de clareza dos contratos sobre produtos e serviços, como direito elementar do consumidor, ainda que consumidor de serviços/Internet).

Por último, o inciso “IV” do presente artigo repete mesma vedação (de divulgação de registros de conexão) que consideramos abrangida pela garantia constitucional ao sigilo de dados e pela disciplina infraconstitucional de resguardo do procedimento de sua ruptura (Lei 9.296/96). Dispensável, portanto, a matéria proposta como nova.


O Art. 8º (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet.”

Também o presente art. 8º repete propugnação de garantia constitucional autoaplicável – a garantia à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações como condição para o exercício do acesso à Internet – como se a lei necessitasse dizê-lo para conferir abrangência, à Internet, do direito fundamental (à privacidade e à liberdade de pensamento por meio de comunicação). Para nós, dispensável o disciplinamento repetitivo.

Os Arts. 9º e 10º (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“A provisão de conexão à Internet impõe a obrigação de guardar apenas os registros de conexão, nos termos da Subseção I da Seção III deste Capítulo, ficando vedada a guarda de registros de acesso a serviços de Internet pelo provedor.

Parágrafo único – O provedor de conexão a Internet fica impedido de monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados, salvo para administração de tráfego, nos termos do art. 12.””

“ A provisão de serviços de Internet, onerosa ou gratuita, não impõe ao provedor a obrigação de monitorar, filtrar, analisar ou fiscalizar o conteúdo dos pacotes de dados, tampouco de guardar os registros de acesso a serviços de Internet, salvo, em qualquer dos casos, por ordem judicial específica, observado o disposto no art. 18.”

Como se vê dos dois dispositivos acima, o texto proposto pelo Ministério da Justiça insiste na proibição de violação do conteúdo dos pacotes de dados, como se não houvesse garantia constitucional maior, já mencionada, ao sigilo comunicativo. Não se conhece interpretação de Tribunal brasileiro, jurisprudência brasileira, que exclua a Internet da proteção à inviolabilidade ou que permita violação de pacotes de dados sem prévia ordem judicial, a fazer com que o tema tenha que ser agora repetido/superafetado em nova lei.

Este mesmo defeito é repetido no art. 10º acima, o que torna ambas as proposições desnecessárias.

Os Arts. 11, 19 e 20 (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“A responsabilização do provedor de serviços de Internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros fica condicionada ao descumprimento dos procedimentos previstos na Seção IV deste Capítulo”

“ O provedor de conexão à Internet não será responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros.”

“O provedor de serviço de Internet somente poderá ser responsabilizado por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se for notificado pelo ofendido e não tomar as providências para, no âmbito do seu serviço e dentro de prazo razoável, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente”

Como se vê dos três dispositivos, o texto propõe algo inconciliável com o direito civil brasileiro: restrição, condicionamento e eliminação da responsabilidade civil do provedor de serviços Internet por conteúdos gerados por terceiros. Pois a jurisprudência dos Tribunais brasileiros que já se pronunciaram sobre o assunto caminha em sentido amplamente contrário: o da responsabilização plena civil ressarcitiva – por culpa in vigilando ou, inclusive, por responsabilidade civil mesmo sem culpa chamada objetiva, por mero lançamento de atividade de risco no meio empresarial (art. 927 do Novo Código Civil) – daqueles que provêem conteúdos e oportunizam a terceiros, geração de conteúdos próprios pessoais (blogs, páginas hospedadas, comentários em noticiários etc.).

Neste sentido exato, são os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

“APELAÇÃO CÍVEL – SITE DE RELACIONAMENTOS NA INTERNET ("ORKUT") – CRIAÇÃO DE "PERFIL" DE CONTEÚDO PEJORATIVO E DIFAMATÓRIO – DANOS MORAIS CONFIGURADOS – NÃO-IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO – RESPONSABIILDADE DAS EMPRESAS PROPRIETÁRIAS DO SÍTIO ELETRÔNICO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE – TERMO INICIAL DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA – DATA DA DECISÃO QUE FIXOU O MONTANTE INDENIZATÓRIO – JUROS DE MORA – INCIDÊNCIA A PARTIR DO EVENTO DANOSO (SÚMULA 54, DO STJ) – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – VALOR ADEQUADO – DESNECESSIDADE DE MAJORAÇÃO. Não se dispondo as proprietárias do site de relacionamentos a desenvolver uma ferramenta de controle verdadeiramente pronto e eficaz contra a prática de abusos, tampouco procedendo à identificação precisa do usuário que posta mensagem de conteúdo claro e patentemente ofensivo à honra e imagem de outrem, entendo que elas assumem, integralmente, o ônus pela má-utilização dos serviços que disponibilizam (...)”. (Processo no. 1.0512.07.045.727-4/001. Relator desembargador Eduardo Marine da Cunha. Publicação em 28/4/2009).

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO INDENIZATÓRIA – DANO MORAL – OFENSAS ATRAVÉS DE SITE DE RELACIONAMENTO – ORKUT – PRELIMINAR – ILEGITIMIDADE PASSIVA – REJEIÇÃO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA – DEVER DE INDENIZAR – RECONHECIMENTO. QUANTUM INDENIZATÓRIO – FIXAÇÃO – PRUDÊNCIA E MODERAÇÃO – OBSERVÂNCIA NECESSÁRIA – MAJORAÇÃO INDEVIDA. Restando demonstrado nos autos que a apelante (Google Brasil) atua como representante da Google Inc., no Brasil, fazendo parte do conglomerado empresarial responsável pelo site de relacionamento denominado “Orkut”, compete-lhe diligenciar no sentido de evitar que mensagens anônimas e ofensivas sejam disponibilizadas ao acesso público, pois, abstendo-se de fazê-lo, responderá por eventuais danos à honra e dignidade dos usuários decorrentes da má utilização dos serviços disponibilizados. Desinfluente, no caso, a alegação de que o perfil difamatório teria sido criado por terceiro, pois a empresa ré, efetivamente, não conseguiu identificá-lo, informando, apenas, um endereço de e-mail, também supostamente falso, restando inafastável a sua responsabilidade nos fatos narrados nestes autos e o reconhecimento de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da lide. Aplica-se à espécie o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, que adota a teoria da responsabilidade civil objetiva, estabelecendo que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. No arbitramento do valor da indenização por dano moral devem ser levados em consideração a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano impingido, de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, cuidando-se para que ele não propicie o enriquecimento imotivado do recebedor, bem como não seja irrisório a ponto de se afastar do caráter pedagógico inerente à medida” (Processo no. 1.0024.08.041.302-4. Relator desembargador Luciano Pinto. Publicação em 6/3/2009).

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PUBLICAÇÃO DE MATERIAL OFENSIVO NA INTERNET SEM IDENTIFICAÇÃO DO USUÁRIO. RESPONSABILIDADE DA PROVEDORA DE CONTEÚDO. DANO MORAL. ARBITRAMENTO. À medida que a Provedora de Conteúdo disponibiliza na Internet um serviço sem dispositivos de segurança e controle mínimos e, ainda, permite a publicação de material de conteúdo livre, sem sequer identificar o usuário, deve responsabilizar-se pelo risco oriundo do seu empreendimento. Em casos tais, a incidência da responsabilidade objetiva decorre da natureza da atividade, bem como do disposto no art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Não tendo o réu apresentado prova suficiente da excludente de sua responsabilidade, exsurge o dever de indenizar pelos danos morais ocasionados. O arbitramento do dano moral deve ser realizado com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes. Ademais, não se pode olvidar, consoante parcela da jurisprudência pátria, acolhedora da tese punitiva acerca da responsabilidade civil, da necessidade de desestimular o ofensor a repetir o ato” (Processo no. 1.0439.08.085.208-0/001. Relatora desembargadora Cláudia Maia. Publicação em 16/3/2009). “

O contrário disso, isto é, restrição à responsabilização do serviço de provimento Internet (seja de acesso e/ou de conteúdo) por conteúdos inseridos na rede por terceiros configura flagrante exposição a riscos da honorabilidade alheia e de valores individuais intangíveis, que permanecerão expostos a aventuras ofensivas e lesivas totalmente descompromissadas, partidas de anônimos usuários de máscaras de IP que se utilizem de conexões puramente temporárias e virtuais – como as disponibilizadas em lan houses, por exemplo, ou de ambientes corporativos – para depósitos, em sites corporativos, de material ofensivo-lesivo. Fatos, como tais, são freqüentes na rede mundial, a impor exatamente o contrário: fixação de responsabilidade, por ato de usuário de seus serviços, daquele que se disponha à atividade (de risco) do provimento da rede.

Além disso, ao criar restrição responsabilizante-indenizatória apenas para determinado segmento de prestadores de serviços quando, para outros, ela é ampla e irrestrita quanto a atos de terceiros (prepostos, empregados, agentes sob comando hierárquico etc.), a norma propõem conflito com a igualdade material, preconizada pelo art. 5º da CF e, por isso, enfrentará debate certo de constitucionalidade.

Afinal, não se pode eleger, na lei infraconstitucional, castas de salvaguardas, ainda que a provedores de serviços ou conteúdos da Internet, de modo a livrá-los, e apenas a eles, da responsabilização e sua modalidade que a todos afeta.

O provimento de serviços na rede mundial é algo valioso, reconhece-se, para a sociedade brasileira, mas não poderá ir ao ponto de torná-lo imune diferenciadamente aos níveis de responsabilização corporativa-empresarial preconizados para o restante universo da prestação de serviços; assim o é em prol da segurança jurídica coletiva que se vê exposta a efeitos da atuação exatamente de terceiros.

Por isso, inaceitável que a responsabilidade do provedor de conteúdos gerados por terceiro fique mesmo condicionada a procedimentos notificatórios, quando igual “iter” não se assegure, em lei, a outras inúmeras modalidades prestacionais que assumem responsabilidade direta “ex factum”.

A lei, lembre-se, é igual para todos no Brasil – art. 5º, “caput”, da Constituição – e não pode, por isso, editar diferencial setorial ou preferências econômicas e empresariais. Parecem-nos, portanto, inconstitucionais, materialmente, os arts. 11, 19 e 20 do texto proposto pelo Ministério da Justiça.

De se dizer, ademais, que o condicionador da responsabilização (a prévia notificação do ofendido) contraria também sistemática da lei civil brasileira, pois que a notificação, no Brasil, destina-se, nos termos da lei civil (o novo e o antigo Código Civil), à fixação da mora e conseqüentes encargos da inadimplência e, não propriamente, à configuração ou caracterização, em si, do ato infracional – especialmente quando possa haver descumprimentos que se positivem diretamente do fato e independam de notificação (“mora ex re”).

Somos, por tudo, contrários à exclusão e ao condicionamento de responsabilidade do provimento de serviços por atos de terceiros, na forma em que preconizados pelo texto do Ministério da Justiça.

O Art. 12 (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“O responsável pela transmissão, comutação ou roteamento tem o dever de tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, conteúdo, serviço, terminal ou aplicativo, sendo vedado estabelecer qualquer discriminação ou degradação do tráfego que não decorra de requisitos técnicos destinados a preservar a qualidade contratual do serviço.”

Aqui, ao determinar tratamento isonômico de pacotes de dados pelo responsável pela transmissão, comutação, ou roteamento, o texto proposto ingressa novamente em tema da LGT (que disciplina deveres de implementação e execução das redes telemáticas, de modo equânime), além de uma vez mais superafetar o princípio da isonomia que, de origem constitucional autoaplicável, faz-se insuscetível de disciplina, ampliativa ou restritiva, por lei infraconstitucional.

Normas assim, que repetem comandos normativos outros, superiores e específicos, arriscam, “permissa venia”, confundir e, não, auxiliar a interpretação – pela imbricação com princípios autoaplicáveis e com institutos de direito infraconstitucional disciplinados noutras leis específicas. Aponta-se, portanto, dispensabilidade também deste dispositivo proposto.

Os Arts. 13, 14 e 15 (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“A guarda e a disponibilização dos registros de conexão a que esta lei faz referência devem atender à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas..”

“A provisão de conexão à Internet impõe ao administrador do sistema autônomo respectivo o dever d emanter os registros de conexão sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo máximo de 6 (seis) meses, nos termos do regulamento.”

“ Na guarda de registros de conexão:

I – os registros de conexão somente poderão ser fornecidos a terceiros mediante ordem judicial ou por autorização prévia e expressa do respectivo usuário;

II - .......”

Os arts. 13, 14 15 da proposta, ao preverem guarda de registros de conexão, abrangem matéria integralmente tratada no já mencionado PL 84/99 – que, repetimos, está sob votação terminativa na Câmara dos Deputados, perante a Comissão de Tecnologia que realizou a audiência pública referenciada. Confira-se o art. 22 do PL 84/99 sobre este assunto:

“ Art. 22. O responsável pelo provimento de acesso a rede de computadores mundial, comercial ou do setor público é obrigado a:

I – manter em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 3 (três) anos, com o objetivo de provimento de investigação pública formalizada, os dados de endereçamento eletrônico da origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de computadores e fornecê-los exclusivamente à autoridade investigatória mediante prévia requisição judicial;

II – preservar imediatamente, após requisição judicial, outras informações requisitadas em curso de investigação, respondendo civil e penalmente pela sua absoluta confidencialidade e inviolabilidade;

III – informar, de maneira sigilosa, à autoridade competente, denúncia que tenha recebido e que contenha indícios da prática de crime sujeito a acionamento penal público incondicionado, cuja perpetração haja ocorrido no âmbito da rede de computadores sob sua responsabilidade.

§ 1º Os dados de que cuida o inciso I deste artigo, as condições de segurança de sua guarda, a auditoria à qual serão submetidos e a autoridade competente responsável pela auditoria, serão definidos nos termos de regulamento.

§ 2º O responsável citado no caput deste artigo, independentemente do ressarcimento por perdas e danos ao lesado, estará sujeito ao pagamento de multa variável de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada requisição, aplicada em dobro em caso de reincidência, que será imposta pela autoridade judicial desatendida, considerando-se a natureza, a gravidade e o prejuízo resultante da infração, assegurada a oportunidade de ampla defesa e contraditório.

§ 3º Os recursos financeiros resultantes do recolhimento das multas estabelecidas neste artigo serão destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública, de que trata a Lei nº 10.201, de 14 de fevereiro de 2001

Desse modo, o PL 84/99 já contém matéria de ordem processual (com vistas à lógica da preservação dos vestígios de práticas criminosas nas redes, que também define. Preservação de registros de conexão só encontrará lógica, frente ao princípio constitucional do sigilo, diante de prática criminosa – o corpo de delito, previsto no Código de Processo Penal.

Por isso, o texto do “Marco Civil Internet”, por não referenciar matéria criminal, abarca, inexplicavelmente, “thema” que lhe é de todo estranho e alheio e que, diga-se uma vez mais, acha-se inserido no projeto de lei específico-criminal exatamente por constituir elemento de resguardo de vestígios físicos de crime (eletrônico) e de obtenção dos mesmos mediante ordem judicial prévia, portanto, de atuação, judicialmente controlada, do trabalho de polícia judiciária-investigatória.

O assunto é por inteiro estranho a um “Marco Civil” e destitui-se, sua previsão em lei civil, de sentido prático e teleológico.

O Art. 18 (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“Os procedimentos de interceptação, escuta ou disponibilização de conteúdo das comunicações pela Internet somente poderão ocorrer para fins de persecução penal e serão regulados pela lei que trata da interceptação de comunicação telefônica e dados telemáticos”.”

Neste artigo 18, o texto proposto se lança novamente à (re)disciplina da interceptação de comunicações telemáticas (pela Internet) – vinculando-a, inclusive, à persecução criminal (aspecto uma vez mais alheio a uma norma de propósitos civis) – o que está atendido pela Lei 9.296/96, já anteriormente transcrita. Integralmente dispensável, portanto, a disposição.

Os Arts. 26 e 27 (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“A parte interessada poderá, para o exclusivo propósito de formar conjunto probatório em processo judicial, requerer ao juiz a expedição de requisição solicitando, ao responsável pela guarda, o fornecimento de registros de conexão ou de acesso a serviço de Internet.”

“ A requisição judicial de fornecimento de registros obedecerá aos ritos processuais cabíveis, observado o que se segue:....”

Nestes arts., o texto preconiza necessidade de prévia ordem judicial para requisição de dados (registros de conexão), como direito processual da parte interessada, matéria pacífica e disciplinada, há muito, no Código de Processo Civil brasileiro, no que concerne às diligências instrutórias, por requisição documental. Dispensável também a disposição para o fito propugnado.

O Art. 30 (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“O cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da educação, em todos os níveis de ensino, abarca a capacitação para o uso daInternet como ferramenta de exercício de cidadania, promoção de cultura e desenvolvimento tecnológica.

Parágrafo 1º - Sem prejuízo das atribuições do poder público, o Estado fomentará iniciativas privadas que promovam a Internet como ferramenta educacional.

Parágrafo 2º - A capacitação para o uso da Internet deve ocorrer integrada a outras práticas educacionais.”

O art. 30 prevê emprego da Internet como instrumento de fomento de política público-estatal (à educação), tema flagrantemente estruturado pelo FUST e sua lei especial (Lei 9.998/2000), especificamente constante daquilo de que já cuida o inciso VI do art. 5º desta lei especial, a saber:

“Art. 5o Os recursos do Fust serão aplicados em programas, projetos e atividades que estejam em consonância com plano geral de metas para universalização de serviço de telecomunicações ou suas ampliações que contemplarão, entre outros, os seguintes objetivos:
..................
VI – implantação de acessos para utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso público, inclusive da Internet, em condições favorecidas, a estabelecimentos de ensino e bibliotecas, incluindo os equipamentos terminais para operação pelos usuários;”

A proposta, neste ponto, uma vez mais repete previsão legal anterior e específica (a aplicação do FUST no incremento da Internet em educação).

O Art. 31 (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“As iniciativas públicas de fomento à cultura digital e de promoção da Internet como ferramenta social devem:

I – buscar minimizar as desigualdades, sobretudo as regionais, no acesso à informação; e

II – promover a inclusão digital de toda a população, especialmente a de baixa renda”

Idêntica superfetação da Lei do FUST ocorre com este art. 31, que prevê emprego da Internet como instrumento de redução das desigualdades sociais regionais e beneficiamento de populações de baixa renda. Também a matéria já está disciplinada na Lei do Fust (Lei 9.998/2000) que, em seu art. 5º, prevê:

“Art. 5o Os recursos do Fust serão aplicados em programas, projetos e atividades que estejam em consonância com plano geral de metas para universalização de serviço de telecomunicações ou suas ampliações que contemplarão, entre outros, os seguintes objetivos:
................
III – complementação de metas estabelecidas no Plano Geral de Metas de Universalização para atendimento de comunidades de baixo poder aquisitivo;
....................
VI – implantação de acessos para utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso público, inclusive da Internet, em condições favorecidas, a estabelecimentos de ensino e bibliotecas, incluindo os equipamentos terminais para operação pelos usuários;

VII – redução das contas de serviços de telecomunicações de estabelecimentos de ensino e bibliotecas referentes à utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso do público, inclusive da Internet, de forma a beneficiar em percentuais maiores os estabelecimentos freqüentados por população carente, de acordo com a regulamentação do Poder Executivo;
...................
XIII – fornecimento de acessos individuais e equipamentos de interface a deficientes carentes;”


O Art. 33 (do texto proposto pelo Ministério da Justiça)

“A defesa dos interesses e direitos dos usuários da Internet poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo, na forma do disposto nos artigos 81 e 82 da Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990”

O art. 33 do texto repete expressas e vigorantes disposições de lei especial – os arts. 81 e 82 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) – relativamente à legitimação ativa para propositura de ações individuais e coletivas (“class actions”) em defesa dos chamados direitos transindividuais (coletivos homogêneos ou difusos), sendo que a matéria está garantida há 20 anos no próprio CDC e não se conhece jurisprudência que haja impedido, nos Tribunais, ação individual ou coletiva para defesa de direitos pessoais ou coletivos, ainda que ligados a uso de redes públicas ou privadas ou à Internet. Integralmente despicienda, pois, a renovação da mesma matéria no texto.

CONCLUSÃO:

O que se depreende facilmente, portanto, da análise da proposta do “Marco Civil da Internet” é que o texto não aponta fenomenologia social não normatizada até agora que determine o surgimento de mais uma lei temática no Brasil, ou, pelo menos, que recomende tramitação, sequer, do texto proposto pelo Ministério da Justiça, pois todos os seus disciplinamentos já estão garantidos e normatizados por leis especiais editadas e por comandos constitucionais autoaplicáveis.

O que se aguarda, no Brasil, é tão-somente o suporte normativo para mínima repressão criminal de fatos graves eletrônicos como os narrados – dos quais permito-me reiterar a intensa difusão de vírus, o estelionato eletrônico, o raqueamento de sistemas e sinais eletrônicos, a destruição de bases de dados eletrônicos por ações intencionais e a forma de preservação legal dos indícios desses crimes – pois estes, sim, afetam, hoje, a comunidade brasileira e produzem francos riscos de não-incriminação, por falta de lei penal específica, face ao princípio da legalidade (em matéria penal).

A Internet brasileira será tanto melhor nos seus próximos aniversários e na discussão de seus futuros marcos (que certamente virão) quanto seu uso puder ser resguardado por normas legais verdadeiramente úteis e faticamente compatíveis com a importância dos fatos que produziu até agora na vida nacional.

Oxalá possa o Congresso Nacional concluir a norma que aguarda há dez anos por solução, para que o uso das redes no Brasil receba tratamento equivalente àquele que países mais desenvolvidos lhe conferem.

E-mail do colunista: fernandobotelho@terra.com.br

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(*) Sobre Fernando Neto Botelho:

Magistrado de carreira do Estado de Minas Gerais e Desembargador do Tribunal de Justiça/MG, da 8a. Câmara Cível, foi Juiz de Direito Titular da 4a. Vara de Feitos Tributários do Estado de Minas Gerais em Belo Horizonte, possui MBA em Gestão de Telecomunicações, pela Ohio University/FGV - USA (2001/2002), foi Membro do Comitê de Defesa dos Usuários de Telecomunicações da ANATEL (mandato 2002/2003), é autor do livro "As Telecomunicações e o FUST" (ed. Del Rey - 2001) e também Membro da ABDI - Associação Brasileira de Direito de Informática e Telecomunicações. Foi Diretor de TI da AMAGIS - Associação dos Magistrados de MG e é autor de artigos, palestras, e trabalhos doutrinários sobre regulação de telecomunicações. Membro da Comissão de TI do TJM - Tribunal de Justiça de MG e Coordenador da Comissão do Processo Eletrônico do TRE-MG, é co-autor dos Livros "Direito Tributário das Telecomunicações" (ed. Thomson IOB-ABETEL, 2.004) e "Direito das Telecomunicações e Tributação" (ed. Quartier Latin-ABETEL, 2.006). Uma webpage mantida pela ComUnidade WirelessBRASIL registra seus trabalhos e suas participações em Grupos de Debates.
 


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