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Outubro 2011 Índice Geral do BLOCO
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• Mensagem de Flávia Lefèvre: "Quem responde pelos bens reversíveis das telecomunicações é o Papa" + Íntegra da manifestação do Procurador
de Flávia Lefèvre flavialefevre@yahoo.com.br
para Grupos
data 20 de outubro de 2011 10:48
assunto QUEM RESPONDE PELOS BENS REVERSÍVEIS DAS TELECOMUNICAÇÕES É O PAPA
Olá Grupos!
O Ministério Público se manifestou pela segunda vez na ação civil pública da
PROTESTE movida para garantir os bens das telecomunicações.
A manifestação do Procurador da República MARCUS MARCELUS GONZAGA GOULART foi
feita com base nas contestações apresentadas pela União Federal e ANATEL, que
alegaram uma série de empecilhos processuais para que a ação não seja admitida e
nem se discuta o mérito.
Entre as pérolas alegadas pela União e ANATEL, encontra-se que nenhuma das duas
instituições tem nada a ver com esse problema e, mais, que a PROTESTE também não
tem nada a ver com isso, pois o controle dos bens reversíveis não tem nada a ver
com o consumidor.
A postura da União e ANATEL no sentido de não assumirem responsabilidades que
lhes foram atribuídas de forma expressa na Constituição Federal e LGT, como
muito bem observado pelo R. Procurador, reforça a importância do debate que a
Ação Civil Pública da PROTESTE suscitou.
A postura do Procurador é responsável, corajosa e comprometida com a defesa do
patrimônio público, qualidade rara nos nossos dias. A leitura da sua brilhante
manifestação é imperdível.
Abraço a todos.
Flávia Lefèvre Guimarães
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Nota:
O documento está transcrito abaixo mas a recomendação é ler o original
aqui, com trechos grifados e ressaltados.
HR.
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Ação Civil Pública
Manifestação n.º 045/2011/MM/PRDF (NP)
Autos n.º 29346-30.2011.4.01.3400
Requerente: PRO TESTE ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Requerido: AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES ANATEL e UNIÃO
AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PROTESTE.
CONCESSÃO DO SERVIÇO TELEFÔNICO FIXO COMUTADO.
AUSÊNCIA DE INVENTÁRIO DOS BENS REVERSÍVEIS.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA E NEGLIGÊNCIA DA ANATEL NO CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DOS
BENS DA UNIÃO AFETADOS AO SERVIÇO PÚBLICO.
PREMENTE NECESSIDADE DE MEDIDA JUDICIAL PARA EVITAR A DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO
PÚBLICO PELAS CONCESSIONÁRIAS DE TELEFONIA FIXA.
PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA DAS PRELIMINARES SUSCITADAS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República subscritor, vem
perante Vossa Excelência, com fulcro no art. 5º § 1º da Lei 7.437/85 e em
atenção ao despacho de fl. 973, expor e manifestar o seguinte:
I – SÍNTESE DA AÇÃO:
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela PROTESTE - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE
DEFESA DO CONSUMIDOR em desfavor da AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES -
ANATEL e UNIÃO FEDERAL, objetivando, em antecipação de tutela parcial, seja
suspensa a edição do novo regulamento de bens reversíveis ou suspensa sua
eficácia, caso já tenha sido publicado até julgamento final desta ação; e ainda,
que sejam compelidas a UNIÃO FEDERAL e a ANATEL a apresentarem os inventários de
bens reversíveis de cada uma das concessionárias, correspondentes aos contratos
celebrados em junho de 1998 e dezembro de 2005, assim como o inventário de todos
os bens afetados aos serviços públicos de telecomunicações, cuja posse foi
transferida automaticamente à União por ocasião da extinção das subsidiárias da
Telebrás.
A associação autora ressalta que o acompanhamento da evolução e fiscalização dos
bens vinculados às concessões no STFC cabe à ANATEL, conforme reza a Lei Geral
de Telecomunicações - LGT e a cláusula 16 dos contratos de concessão pactuados
com as concessionárias. Afirma, contudo, que a ANATEL não tem atuado com isenção
para proceder ao devido controle sobre os bens reversíveis.
Registra, por outro lado, que em 2010 o Conselho Diretor da ANATEL aprovou
proposta técnica no sentido de alterar o Regulamento de Bens Reversíveis,
abandonando o padrão patrimonialista de controle dos ativos da União e
flexibilizando o processo de alienação e substituição desses bens pelas
concessionárias.
Nesse ponto, ressalta que, em dezembro de 2010, atendendo ao disposto no art. 42
da LGT, a ANATEL instalou a Consulta Pública 52, apresentando uma proposta de
regulamento que abranda de forma temerária o controle sobre os bens reversíveis,
contrariando dispositivos da LGT que tratam sobre o tema. Reforça a necessidade
da tutela buscada, uma vez que o comportamento da ANATEL vem contrariando o
interesse e a ordem pública. No caso, a autarquia federal tem defendido que,
embora reversíveis à União ao término da concessão, se utilizados para a
prestação do serviço de telefonia fixa, tais bens não pertenciam e não pertencem
à União. Assim, os bens que antes pertenciam às empresas do Grupo Telebras
Sociedade Anônima, atualmente pertenceriam às empresas que adquiriram o controle
acionário das empresas do Grupo Telebrás S/A.
Às fls. Fls. 399/403 este órgão do MPF aderiu integralmente ao requerimento de
concessão da tutela antecipada.
Na contestação de fls. 436/490 a União Federal sustentou sua ilegitimidade
passiva, a errônea conceituação dos bens reversíveis, a inexistência de
obrigação legal de elaboração de inventário de bens reversíveis, a existência de
controle pela ANATEL e o sigilo de tal lista de bens.
Por sua vez, na contestação da ANATEL (fls. 542/609) aduziu-se a ilegitimidade
ativa da PROTESTE, a ilegitimidade passiva da ANATEL, a carência de interesse de
agir, a impossibilidade jurídica do pedido, o enquadramento do bens reversíveis
no regime privado, a correta atuação do órgão regulador, a falta de necessidade
de inventário dos bens reversíveis e o sigilo das informações referentes a tais
bens.
Por meio do despacho de fl. 973 determinou-se a abertura de vista ao MPF para
análise das preliminares levantadas nas contestações.
É o relatório necessário.
II – CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELEVÂNCIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E SOBRE O PAVOR
DOS ENTES FEDERAIS EM ENFRENTAR O MÉRITO DO PROCESSO COLETIVOS:
Inicialmente, cumpre-se assinalar que neste momento processual apenas interessa
manifestar acerca das preliminares ao mérito suscitadas pelas rés (art. 301
CPC). Como se demonstrará a seguir, nenhuma delas merece ser acolhida. Antes,
porém, cabe registrar uma observação sobre a relevância do processo coletivo e
sobre o pavor da União e demais entidades federais em enfrentar o mérito de
ações coletivas.
Com efeito, em quase todas as suas contestações a União Federal busca evitar o
enfrentamento do mérito da questão posta, eis que sempre tece longas
preliminares criativas, como se tivesse receio de enfrentar o âmago do conflito
posto em juízo, buscando a todo custo postergar uma solução para o litígio.
Sabe-se que o excessivo e injustificado apego ao formalismo no processo judicial
cível contribui para a morosidade na prestação jurisdicional e, na maioria das
vezes, constitui a causa do perecimento do direito subjetivo assegurado pela
norma de direito material. Então, seguir nessa linha, é militar contra a
efetividade do processo e a própria realização do Direito, pois implica na
persistência do conflito e no recrudescimento do descrédito em relação ao
Judiciário.
Nesta toada, o processo que não leve a uma decisão capaz de assegurar os valores
justiça e utilidade social no seu desiderato será politicamente ilegítimo, em
que pese sua validade formal. E não existe processo de maior relevância do que
aquele que transcende um conflito meramente individual e traz a oportunidade de
o Judiciário dizer o direito para um grupo de pessoas.
É a ação civil pública, dessa forma, instrumento para se dar efetividade à
garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Ademais, a
ação civil pública leva ao desafogamento do Poder Judiciário e à diminuição da
morosidade geral da prestação jurisdicional. Outrossim, serve à conscientização
daqueles contumazes causadores de danos a interesses metaindividuais, ou seja,
pretensão cujo conteúdo é de interesse geral.
Enfim, a ação civil pública passa a ser interpretada de forma extensiva, o que é
perfeitamente lógico, pois qualquer restrição imposta a um instrumento de
efetivação de um direito leva, reflexamente, à restrição desse último. Nos
interesses individuais homogêneos “a soma é algo mais do que simplesmente o
conjunto das parcelas, exatamente porque o fenômeno assume, no contexto social,
um impacto de massa”.
Não é por outra razão que a doutrina mais atualizada em tema de processo civil
coletivo preconiza o princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do
mérito do processo coletivo. Nesse sentido leciona GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA:
(1)
(1) ASSAGRA DE ALMEIDA,
Gregório. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito
processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 571/2
“O Poder Judiciário no sistema constitucional atual exerce um papel
fundamental para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Deixou,
assim,
de ser órgão de resolução tão só de conflitos interindividuais e passou a
assumir uma nova e legítima função: a de Poder transformador da realidade
social. Ele assim o faz no exercício da jurisdição coletiva.
(…)
É por intermédio do direito processual coletivo comum que o Poder Judiciário
modernamente deve cumprir o seu verdadeiro papel: enfrentar e julgar as grandes
causas sociais, como as relativas ao meio ambiente, patrimônio público,
consumidor etc., a fim de transformar a realidade com justiça.
(…)
Assim, como guardião dos direitos e garantias sociais fundamentais, o Poder
Judiciário, no Estado Democrático de Direito, tem interesse em enfrentar o
mérito do
processo coletivo, de forma que possa cumprir o seu mais importante escopo: o de
pacificar com Justiça, na busca da efetivação dos valores democráticos. Com
efeito, o Poder Judiciário deve flexibilizar os requisitos de admissibilidade
processual, para enfrentar o mérito do processo coletivo e legitimar sua função
social.
Não mais é admissível que o Poder Judiciário fique preso em questões formais,
muitas delas colhidas em uma filosofia liberal individualista já superada e
incompatível com o Estado Democrático de Direito, deixando de enfrentar o
mérito, por exemplo, de uma ação coletiva cuja causa de pedir se fundamenta em
improbidade administrativa ou em dano ao meio ambiente.”
A preocupação com excesso de formalismo no processo civil e especialmente nas
ações coletivas também foi objeto de estudo por parte de NELSON NERY JÚNIOR, a
saber:
“O processo coletivo não tem sido compreendido pela doutrina e jurisprudência
com a importância que já merece no cenário nacional. Instrumento de indiscutível
utilidade para o exercício dos direitos garantidos pela Constituição Federal,
tem sido apequenado com interpretações e aplicações subalternas, que não
condizem com sua magnitude institucional.
Refiro-me àquela parcela da doutrina e jurisprudência que não vê distinção entre
o processo civil coletivo e o processo civil individual. Com efeito, as
interpretações e aplicações restritivas dos institutos do processo coletivo,
como se fossem do processo individual, mais desservem à sociedade do que
resolvem os problemas que deveriam ser resolvidos. O primeiro e mais importante
desses desvios é a importância, quase que magna, que se dá à legitimação ativa
de parte, querendo que aquele que se apresenta como autor da ação coletiva
demonstre cabalmente ser o titular do direito processual, sem o que a ação não
poderá prosseguir e o juiz extinguirá o processo sem conhecimento do mérito.
(…)
Fala-se muito em instrumentalidade do processo, mas o que se observa no foro é
que se pratica muito pouco essa instrumentalidade. Na ação individual deve haver
rigidez acentuada no exame da legitimidade ativa para a causa; no processo
coletivo a legitimação ativa para a causa deve ter sua interpretação mitigada,
pois o que importa é a discussão sobre direito material coletivo lato sensu. O
juiz do processo coletivo tem de preocupar-se não com quem está movendo a ação,
mas com o que está sendo discutido na ação.”
Assim, dada a instrumentalidade potencializada da ação civil pública,
verifica-se que as inúmeras preliminares levantadas pela UNIÃO e ANATEL só podem
ser interpretadas como obrigação imposta aos respectivos procuradores de
levantarem preliminares em toda e qualquer ação em que tais pessoas figurem como
rés. De fato, há no âmbito da AGU e da Procuradoria Federal instrução para que
os Advogados da União e Procuradores Federais levantem obstáculos ao
conhecimento do mérito de ações civis públicas. Se não o fizerem, podem até
mesmo responder funcionalmente.
As preliminares abaixo só podem ser interpretadas neste sentido.
III - DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL E DA ANATEL:
A UNIÃO alega não ter legitimidade passiva ad causam sob a alegação de que todas
as competências em matéria de serviço telefônico fixo comutado foram
transferidas à ANATEL. A ANATEL, por sua vez, diz-se ilegítima para compor o
polo passivo do presente feito, aduzindo que somente o BNDES pode informar quais
eram os bens reversíveis na época das privatizações do serviço em 1998.
A alegação da UNIÃO, além de partir de premissa errada (a de que a UNIÃO não tem
qualquer interesse sobre o tema serviço telefônico), não tem relação com o tema
da legitimação para a causa, mas com o próprio mérito da ação (isto é, efetiva a
responsabilidade da UNIÃO quanto ao inventário dos bens reversíveis).
Ora, a legitimidade ad causam nada mais é do que o exame da pertinência
subjetiva da ação, devendo ser aferida nos termos da teoria da asserção.
Assim, se o autor imputou o fato narrado na inicial ao réu, deve este participar
do processo (legitimidade para a causa), até para ter a oportunidade de alegar
que não é responsável pelo fato imputado. Por sua vez, a análise sobre essa
efetiva responsabilidade compreende o próprio mérito do processo. Vê-se, assim,
que a UNIÃO e a ANATEL pretendem discutir o mérito do processo sob a roupagem de
ilegitimidade passiva.
Ademais, da simples leitura do art. 20, XII da Constituição Federal se constata
o total interesse no tema, já que é da competência privativa da UNIÃO explorar
os serviços de telecomunicações. Os bens reversíveis são aqueles considerados
necessários para a operação do serviço de telefonia fixa e, portanto, deverão
ser devolvidos a UNIÃO após o fim do contrato de concessão com as teles. No
caso, o cerne da questão tratada nos presentes é a ausência de um inventário
completo dos bens da UNIÃO cedidos às concessionárias com a privatização do
setor em 1998, o que culmina em prejuízo ao patrimônio do ente federal que se
diz ilegítimo para o feito.
No caso, soa no mínimo estranho que o ente federal aduza falta de legitimidade
quando está em questão bens pertencem ao seu patrimônio. Dessarte, não há o
menor fundamento para o acolhimento da liminar em questão.
No que se refere à ANATEL, não bastasse a letra expressa da LGT em atribuir-lhe
a função de órgão regulador das telecomunicações, cumpre registrar que o objeto
da ação não é saber quais os bens reversíveis em 1998, mas sim responsabilizar a
Agência Reguladora pelo inventário completo desses bens com informações
fidedignas e atuais. Com efeito, cabe à ANATEL, entre outros: acompanhamento da
evolução e fiscalização dos bens vinculados às concessões no STFC; realização
das devidas mudanças no Regulamento de Controle de Bens Reversíveis; atuar para
proceder o devido controle sobre os bens reversíveis; divulgar os dados
contábeis apresentados pelas empresas concessionárias nos últimos anos; a
fiscalização proativa em relação aos referidos bens.
Aliás, a própria ANATEL
Se não bastasse, é objeto da ação a discussão sobre o novo regulamento dos bens
reversíveis, que é da competência exclusiva do Conselho Diretor da ANATEL.
Pergunta-se: quem deveria ser demandado para discutir eventual nulidade do
procedimento relativo ao novo regulamento dos bens reversíveis? O papa?
Em síntese, o titular dos serviços de telecomunicações (UNIÃO) e o ente (des)
regulador de tais serviços (ANATEL) se negam a discutir o controle e a
fiscalização sobre os bens reversíveis do serviço telefônico fixo comutado!
Para que não reste qualquer dúvida sobre a legitimidade da ANATEL para compor o
polo passivo da presente demanda, basta saber que, em julho
de 2011, a referida autarquia, que tinha determinado às empresas que
apresentassem um inventário completo dos bens reversíveis, reviu os prazos e deu
mais tempo para o cumprimento da tarefa. No lugar dos seis meses previsto em
atos publicados pela agência em janeiro, o período foi esticado para um ano, no
melhor dos casos, e em até 29 meses no mais distante. Tal adiamento em si
alimenta a negligência do órgão regulador no trato dos bens reversíveis. Afinal,
a legislação determina que as
concessionárias apresentem listas atualizadas desse patrimônio todos os anos.
Assim, a preliminar suscitada beira as raias do absurdo.
IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA DA PROTESTE:
A ANATEL sustenta que a associação autora não tem legitimidade para propor a
presente ação sob o argumento de que os pedidos deduzidos não tem relação com o
resguardo dos direitos dos consumidores. Aduz falta de pertinência temática
entre a finalidade institucional da associação autora (defesa do consumidor) com
o objeto discutido na presente demanda, já que os pedidos deduzidos abordariam
apenas a relação existente entre a ANATEL e as concessionárias, sem repercussão
para os consumidores (nesse ponto a ANATEL admite sua legitimidade passiva antes
negada).
Em síntese, a Agência tenta convencer este Juízo que o inventário dos bens
reversíveis e o aperfeiçoamento de seu controle não trazem prejuízo ou ganho aos
consumidores.
Nada mais improcedente!
Como se vê, a ANATEL tem uma visão extremamente míope em tema de defesa do
consumidor. Infelizmente, essa alegação da ANATEL corresponde à forma como atua
na regulação das telecomunicações, isto é, a ANATEL nunca enxerga o consumidor
nas relações jurídicas que busca regular. Para a Agência tudo se resume na
ligação entre o poder concedente e as concessionárias.
Contudo, a exigência constitucional de tutela do consumidor não pode ser vista
em tons tão simplistas! Como bem pontuado pela própria autora, a regulação dos
bens reversíveis da telefonia fixa tem impacto imediato nos consumidores. Com
efeito, talvez o maior interesse dos consumidores de telefonia seja a
CONTINUIDADE de tal serviço essencial, a qual só poderá ser alcançada através
dos bens indispensáveis à execução do serviço. Que bens são esses? É o querem
saber os
consumidores. A propósito, diz a cláusula 4.5 dos contratos de concessão do
STFC:
“A Concessionária se compromete a manter e conservar todos os bens,
equipamentos e instalações empregados no serviço em perfeitas condições de
funcionamento, conservando e reparando suas unidades e promovendo, nos momentos
oportunos, as substituições demandadas em função do desgaste ou superação
tecnológica, ou ainda promovendo os reparos ou modernizações necessárias à boa
execução do serviço e à preservação do serviço adequado, conforme determinado no
presente Contrato.”
Vê-se assim que a regulação referente aos bens reversíveis da telefonia fixa
funda-se precipuamente na continuidade do próprio serviço. De ver-se que não
apenas a LGT como a Lei 8987/95 frisam ser direito do consumidor a continuidade
do serviço público de telefonia. Neste sentido:
Lei 8987/95:
Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990,
são direitos e obrigações dos usuários:
I - receber serviço adequado;
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao
pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas
pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade,
continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua
prestação e modicidade das tarifas.
Lei 9472/97:
Art 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço de
telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e
continuidade a própria União comprometa-se a assegurar.
Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço
telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público em
geral.
Art 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade
atribuídas às prestadoras de serviço no regime público.
§2º Obrigações de continuidade são as que objetivam possibilitar aos usuários
dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas,
devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de
uso.
Ademais, os bens considerados indispensáveis para a prestação do serviço de
telefonia fixa foram financiados com recursos públicos na época do Sistema
Telebrás bem como por meio das tarifas pagas pelos consumidores. A receita do
serviço prestado em regime público não pode subsidiar os serviços prestados em
regime privado. Com essa distorção, existe um descumprimento da finalidade da
universalização, pois há uma barreira econômica que atinge diretamente os
consumidores, ou seja, como o preço das assinaturas não baixam, a população mais
pobre fica sem acesso à telefonia fixa. Assim, ao contrário do que pensa a
ANATEL, nunca se chega a um estado de modicidade tarifária (principio pelo qual
a tarifa da telefonia fixa deve ser a menor possível para garantir a
universalização).
Então, a regulação dos denominados bens reversíveis tem impacto direto em outro
direito essencial do consumidor: o de modicidade tarifária.(art. 6º, § 1º da Lei
8987/95). A respeito, cumpre ressaltar que a própria LGT, na letra expressa do
art. 108 §§ 2º e 3º, prevê que as receitas alternativas (v.g., venda de bens
reversíveis) e demais ganhos econômicos que não decorram diretamente da
eficiência empresarial devem ser compartilhados com os consumidores, a saber:
Art. 108. Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos
nos contratos de concessão, observando-se, no que couber, a legislação
específica.
§1º A redução ou o desconto de tarifas não ensejará revisão tarifária.
§2º Serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os
ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos
serviços, bem como de novas receitas alternativas.
§3º Serão transferidos integralmente aos usuários os ganhos econômicos que não
decorram diretamente da eficiência empresarial, em casos como os de diminuição
de tributos ou encargos legais e de novas regras sobre os serviços.
Em assim sendo, revela-se clara a legitimidade ativa da PROTESTE para a causa,
uma vez que a situação consubstanciada no sistema de telefonia fixa tem reflexo
não só no preço das assinaturas e tarifas pagas pelos usuários, mas também no
próprio direito à continuidade do serviço.
Por outro lado, a preliminar levantada é completamente inócua, já que, na
remotíssima hipótese de se considerar ilegítima a associação autora, este órgão
do MPF assumirá o pólo ativo da ação in totum. Aliás, como bem leciona NELSON
NERY JÚNIOR, “a lei escolhe alguém e/ou alguma instituição e os legitima a
defender, em juízo, esses direitos coletivos lato sensu. Importa menos saber
quem é o titular do direito posto em causa, pois o que avulta nessa ação
coletiva é o direito material cuja defesa se pretende fazer por intermédio da
ação coletiva”.
Tal qual exposto à fl. 403 verso, o MPF aderiu integralmente ao pedido tal qual
se o tivesse formulado de mão própria.
V - DA ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA:
Como instrumento da democracia participativa, a ação civil pública é a via
processual adequada para impedir a ocorrência ou reprimir danos aos bens
coletivos tutelados, podendo também servir como instrumento de reparação dos
ilícitos já consumados. A maior parte dos doutrinadores considera que o
fundamento primário da reparação está no erro da conduta do agente, no seu
procedimento contrário às normas. A ofensa a um bem jurídico também justifica
essa responsabilidade, existindo uma relação de causalidade entre a
antijuridicidade da ação e o dano causado. Assim, a Lei não 7.347/85 não
restringe o cabimento da ação civil a algum tipo de direito ou interesse
coletivo ou difuso. Diante desse cenário, corroborando com o entendimento da
associação autora, vê-se total consonância entre a defesa dos direitos que se
pretende ver respeitados e o ajuizamento presente ação. Então, adequada a via
eleita.
VI - DO INTERESSE DE AGIR:
Nesse ponto, aduz a Requerida que, restando patente que o escopo da autora é a
anulação de Consulta Pública, inexiste interesse de agir.
Ora, o interesse de agir não se confunde com o interesse primário ou substancial
de usufruir o bem da vida, sendo representado pela necessidade e utilidade do
provimento jurisdicional e a adequação do meio utilizado para a obtenção da
tutela. Como demonstrado na inicial, é patente a ilegalidade da conduta da
Administração, consistente na má fiscalização dos bens reversíveis. Assim,
buscar a remoção dessa ilicitude, fixando responsabilidade da administração
pública, a
fim de evitar mais prejuízos aos interesses públicos subjacentes, é o objeto
aqui buscado, cujo interesse de agir é veemente.
Nessa linha, resta patente a utilidade da presente ação, pois se trata de
instrumento que procura obrigar a ANATEL a fiscalizar periodicamente as empresas
para controle dos bens reversíveis, assegurando que as listas apresentadas pelas
concessionárias são, de fato, fidedignas e atuais, bem como torne públicas tais
listas. Trata-se, portanto, de tutela tendente a evitar a ocorrência do dano,
gerado por ato ilícito da administração.
Assim, induvidosamente, esta preliminar de falta de interesse de agir está,
também, equivocada e não merece acolhida.
VII - DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO:
A Requerida suscita eventual impossibilidade jurídica do pedido autoral, sob a
alegação de que é juridicamente impossível um pedido que visa suprimir
competência regulatória, isso em razão do princípio da separação dos poderes.
Nesse contexto, registre-se, desde já, que a possibilidade jurídica do pedido,
como condição processual da ação, não decorre da adequação do pedido frente ao
direito material vigente (mérito da demanda), mas da permissão, ou não, no
direito positivo, para que seja instaurada uma relação processual em torno da
pretensão deduzida na ação. Por outro lado, entende-se que a impossibilidade
jurídica do pedido é examinada por exclusão, ou seja, somente à vista de
proibição expressa no sistema jurídico é lícito ao Juiz acolher a referida
preliminar.
Nesse sentido, os ensinamentos do professor Vicente Greco Filho: “A terceira
condição da ação, a possibilidade jurídica do pedido, consiste na formulação de
pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que a
ordem jurídica brasileira preveja a providência pedida pelo interessado.”
Desse modo, na presente ação, o que se pede, entre outros, é a nulidade de
consulta pública, ou de resolução ou seu regulamento, caso já publicados. Tais
pedidos em nada ofendem o princípio da separação dos poderes, a não ser que a
ANATEL acredite que esteja acima do bem e do mau, não podendo seus atos serem
submetidos ao crivo da legalidade perante o judiciário.
Ademais, o próprio mérito administrativo, por si só, não está imune a eventual
correção por parte do Judiciário. É pacífico no direito administrativo que o
Poder Judiciário pode ingressar na análise do mérito administrativo, toda vez
que for constatado abuso de poder na atuação discricionária da administração. Já
é antiga a lição de que a discricionariedade não se confunde com a
arbitrariedade. Não se trata de substituir o administrador pelo juiz quanto à
conveniência e à oportunidade do ato administrativo, mas corrigir decisões que
escapam à razoabilidade (substancial due process), como sucede no
presente.
Não há, pois, que se falar em impossibilidade jurídica do pedido, eis que o
pleito é, ao menos em tese, amparado pela Constituição e passível de acolhimento
pelo Judiciário. Dessarte, não há o menor fundamento para o acolhimento da
liminar em questão.
VIII – CONCLUSÃO:
Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer seja reconhecida a
total improcedência das preliminares suscitadas ao tempo em que reitera o pedido
de antecipação de tutela de fls. 399/403.
Brasília, 11 de outubro de 2011.
MARCUS MARCELUS GONZAGA GOULART
Procurador da República
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