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23/12/12

• UIT/Dubai (15) - Editorial do Estadão: "Guerra fria digital" + Tele.Síntese: "WCIT-12: os bonzinhos da internet são mesmo do bem?"

Olá, WirelessBR e Celld-group!

Para formação de opinião, transcrevo estas duas matérias:

Leia na Fonte: O Estado de S.Paulo
[23/12/12]  Guerra fria digital
Recorte:
(...) "Não se discute que os governos devem agir para garantir a segurança, a proteção de dados e o respeito à propriedade intelectual na internet. No mais, a atuação deve ser indireta, tal como no sistema adotado pelo Brasil, em que o Comitê Gestor da internet, do qual o governo é apenas uma parte, serve como órgão consultivo sobre a web, sem ter qualquer poder executivo sobre ela. Além disso, desde 1995 a internet está formalmente fora da Lei Geral de Telecomunicações, sendo considerada apenas um "serviço de valor adicionado". É justamente a ausência de controles oficiais que torna a internet dinâmica, capaz de inovar continuamente, e o modelo brasileiro está entre os melhores do mundo para mantê-la assim.

Contudo, a título de tirar dos Estados Unidos o suposto controle político da internet, países com tradição autoritária tentam legitimar internacionalmente um controle do tráfego de informações na web. O resultado é que a própria UIT, entidade que interfere em questões básicas das telecomunicações, como a coordenação de recursos de telefonia e do uso do espectro de radiofrequência, sairá enfraquecida desse confronto, algo que não aconteceu nem durante a guerra fria propriamente dita. E o governo brasileiro, movido por seu eterno objetivo ideológico de se contrapor aos Estados Unidos, assinou o tratado e aprovou a resolução sobre a internet sem reservas, legitimando esse atentado."

Leia na Fonte: Tele.Síntese
[21/12/12]  WCIT-12: os bonzinhos da internet são mesmo do bem? - por Lia Ribeiro Dias (*)
(*) Na fonte, o texto foi publicado com a foto de Lia Ribeiro mas com sendo de autoria de Marina Pita. Creio que a matéria é da Lia Ribeiro mas fica a observação.HR

Recorte
(...) O que está por trás dessa postura parece óbvio. Sob a bandeira da defesa da liberdade, que mobiliza a sociedade civil e que é importante ser empunhada por todos que querem que os princípios basilares da internet sejam garantidos, os países ricos querem a manutenção no status quo no controle econômico da internet. Hoje, 80% do tráfego da internet, segundo estimativas, passam pelos PTTs nos Estados Unidos, e os provedores de conteúdo norte-americanos são hegemônicos na internet (porque entenderam o novo negócio no timing adequado, investiram em inovação e foram ousados). E a governança da internet não é multilateral na prática. Ela tem como figura central na sua administração a ICANN, entidade norte-americana sem fins lucrativos, mas umbilicalmente ligada ao Departamento de Estado daquele país.

A efetiva governança multilateral é defendida pelo Brasil, como deixou claro o ministro Paulo Bernardo, ao se colocar contra o monopólio da ICANN. E a delegação brasileira foi um dos pivôs da redação da Resolução 3, que trata da internet. O que esta Resolução tem de importante, do ponto de vista político, é a defesa de uma governança da internet multilateral, onde os países tenham igual peso. Essa posição incomoda os Estados Unidos e seus aliados, os mesmos que torceram o nariz para a descentralização dos PTTs. Afinal, ninguém gosta de perder a hegemonia e o poder econômico dela decorrente."

Boa leitura!
Um abraço cordial
Helio Rosa
Portal WirelessBRASIL

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Leia na Fonte: O Estado de S.Paulo
[23/12/12]  Guerra fria digital

Uma "cortina de ferro" pode estar sendo baixada para dividir a internet em duas - a aberta e a fechada. Essa perspectiva sombria, que lembra o cenário da guerra fria, inclusive com os mesmos protagonistas, surgiu como resultado da recém-encerrada conferência da União Internacional de Telecomunicações (UIT), órgão da ONU, realizada em Dubai.

Dos 144 países com direito a voto, 89 aprovaram um novo tratado sobre os ITRs, como são chamados, na sigla em inglês, os regulamentos internacionais de telecomunicação. Os Estados Unidos, seguidos de todos os países da Europa, além de Canadá e Japão, recusaram-se a assinar o documento, sob a alegação de que ele confere aos governos o poder de interferir no livre fluxo de informações na internet. Do lado dos que firmaram o texto estão Rússia e China, além do Irã e de países árabes, todos interessados em impor alguma limitação à web.

O Brasil alinhou-se a esse grupo, com a justificativa, segundo o ministro Paulo Bernardo (Comunicações), de que o novo acordo é uma forma de combater o "monopólio" dos Estados Unidos em relação à governança da internet.

É uma referência ao fato de que o governo americano integra as instâncias decisórias na Icann (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números), entidade privada sediada na Califórnia cuja função básica, desde 1998, é administrar os domínios da rede no mundo todo, algo essencial a seu funcionamento, mas que não exerce controle nenhum sobre o tráfego de dados na internet.

Já os acordos resultantes da conferência de Dubai, ao abrigarem uma resolução que cita a internet, na prática abrem caminho para que a UIT, uma organização intergovernamental, tenha condições de regulamentar a web.

Trata-se de uma distorção, porque a UIT é responsável por normatizar os serviços de telecomunicações, e a internet não é se não apenas um cliente desses serviços. Um exemplo desse problema é a parte da resolução que aborda o chamado "spam", isto é, a mensagem eletrônica não solicitada, enviada em massa. Para os opositores do acordo, a definição do que é um spam, se deixada aos governos, será sempre arbitrária e muito possivelmente contrária à liberdade de expressão. Além disso, uma UIT com mais poder sobre a internet seria muito útil para as grandes empresas de telecomunicações interessadas em participar das novas formas de ganhos com a web. Por outro lado, uma vez que deixem de ser apenas meio de transmissão e passem a ter influência sobre o tráfego de dados, essas empresas poderão romper a neutralidade da rede, impondo tarifas diferenciadas para cada tipo de serviço. Tais pedágios contrariam os princípios de igualdade da internet.

Não se discute que os governos devem agir para garantir a segurança, a proteção de dados e o respeito à propriedade intelectual na internet. No mais, a atuação deve ser indireta, tal como no sistema adotado pelo Brasil, em que o Comitê Gestor da internet, do qual o governo é apenas uma parte, serve como órgão consultivo sobre a web, sem ter qualquer poder executivo sobre ela. Além disso, desde 1995 a internet está formalmente fora da Lei Geral de Telecomunicações, sendo considerada apenas um "serviço de valor adicionado". É justamente a ausência de controles oficiais que torna a internet dinâmica, capaz de inovar continuamente, e o modelo brasileiro está entre os melhores do mundo para mantê-la assim.

Contudo, a título de tirar dos Estados Unidos o suposto controle político da internet, países com tradição autoritária tentam legitimar internacionalmente um controle do tráfego de informações na web. O resultado é que a própria UIT, entidade que interfere em questões básicas das telecomunicações, como a coordenação de recursos de telefonia e do uso do espectro de radiofrequência, sairá enfraquecida desse confronto, algo que não aconteceu nem durante a guerra fria propriamente dita. E o governo brasileiro, movido por seu eterno objetivo ideológico de se contrapor aos Estados Unidos, assinou o tratado e aprovou a resolução sobre a internet sem reservas, legitimando esse atentado.

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Leia na Fonte: Tele.Síntese
[21/12/12]  WCIT-12: os bonzinhos da internet são mesmo do bem? - por Lia Ribeiro Dias (foto)

A autora, Lia Ribeiro Dias, é diretora editorial da Momento Editorial. Seu nome, trabalho e opiniões são referências no mercado editorial especializado e, principalmente, nos segmentos de informática e telecomunicações, nos quais desenvolve, há 28 anos, a sua atuação como jornalista.

Depois de acompanhar o noticiário internacional com a cobertura da Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais (WCIT, na sigla em inglês) e a análise dos resultados, quem ler a íntegra de sua resolução vai se surpreender. Não há nada ali que trate do que seria a grande polêmica da conferência: uma eventual alteração no modelo de negócios da internet, provocada por pressão das operadoras de telecomunicações, que poderia afetar a neutralidade. Aliás, a neutralidade nem entrou na pauta.

O documento final do congresso da UIT trata lateralmente da internet nos artigos 5A, onde diz que os estados-membros devem fazer esforços para garantir a segurança e a robustez das redes de telecomunicações para evitar prejuízos técnicos, e 5B, onde prega a necessidade de adoção de medidas para prevenir a propagação de spams e minimizar seu impacto nos serviços internacionais de telecomunicações. A preocupação dos responsáveis pela redação do artigo 5B em não dar margem a qualquer interpretação equivocada sobre o objeto deste artigo foi tanta que no lugar de spam, um termos exclusivo do ambiente da rede mundial de computadores, foi usado o termo “comunicações eletrônicas em grande volume não solicitadas”. Ainda, nos princípios da resolução final do WCIT, está expresso, para não restar dúvida, que o escopo do documento excluir aspectos relacionados ao conteúdo das telecomunicações.

Em realidade, o único texto que trata diretamente da internet não faz parte da resolução final da WCIT-12, realizada em Dubai, nos Emirados Árabes, entre os dias 5 e 13 de dezembro deste ano. A Resolução número 3 - depois de reconhecer a internet como elemento central da Sociedade da Informação, a banda larga como essencial para provimento de uma ampla gama de serviços, e que os governos têm de ter um papel equivalente e responsabilidade na governança internacional da internet, na sua segurança e desenvolvimento futuro - recomenda aos estados-membros participar das formulações e debates relativos às questões técnicas, de desenvolvimento e de políticas públicas da internet, em todas as comissões técnicas e fóruns pertinentes da UIT e dentro do mandato estabelecido para a UIT no que toca à internet de acordo com as recomendações de Genebra (2003) e Túnis (2006) da Sociedade da Informação.

Divisão na UIT

Com formulação tão óbvia e tão genérica, como cabe a documentos multilaterais, por que a resolução final de Dubai dividiu os estados-membro da UIT, de tal forma que foi assinada por apenas 89 países, entre os quais o Brasil acompanhado de muitas nações em desenvolvimento, enquanto 55 ficaram de fora?.

Ora, não assinaram o documento os Estados Unidos, os integrantes da Comunidade Europeia e os demais países ricos. Aliás, provavelmente à exceção de México, que abandonou a linha de alinhamento com os Estados Unidos, há uma quase total coincidência entre os integrantes da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) e os estados-membros que não aderiram à resolução da WCIT, como observaram integrantes da delegação brasileira, chefiada pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, e integrada por representantes do ministério, da Anatel e do Itamaraty.

Nos demais pontos, o documento traz recomendações para o desenvolvimento das redes para garantir o provimento de serviços de telecomunicações de qualidade; defende a necessidade de se caminhar para o estabelecimento de um número único de emergência, com prioridade de tráfego; estabelece as regras de prestação de serviços e remuneração entre as redes internacionais, sempre respeitando as legislações nacionais; recomenda empenho aos estados-membros para que o roaming internacional tenha uma remuneração justa. Ou seja, nada que fuja ao cardápio dos temas com presença obrigatória em uma conferência da UIT.

Rebelião sem causa?

Assim, aparentemente não haveria motivo para tal rebelião, já que o WICT não tratou do controle da internet, questão que preocupa a sociedade civil, nem acolheu o debate sobre neutralidade da rede, levantado pelas operadoras de telecomunicações, a partir das companhias europeias. Sua proposição chegou a ter alguma acolhida em organismos setoriais da Comunidade Europeia, mas depois que os Estados Unidos deixaram claro que não aceitavam nenhum debate relativo à internet no fórum da UIT, o Parlamento Europeu endossou sua posição. As companhias telefônicas ficaram falando sozinhas, após terem visto no secretário-geral da UIT, Hamadoun Touré, um aliado. Touré chegou a declarar, na fase preparatória da conferência, ser necessário rever o modelo econômico de financiamento da internet, cuja infraestrutura é bancada pelas teles, para garantir a sua contínua expansão.

Mesmo com a neutralidade fora do debate – de acordo com a avaliação de integrantes da delegação brasileira, este tema só está em debate nos Estados Unidos, na Europa e no Brasil –, a delegação norte-americana trabalhou todo o tempo para criar problemas. A cada dissenso solucionado, ela colocava novo tema polêmica. “Minha impressão é que a delegação já foi para Dubai com o mandato político de não aprovar nada”, conta um membro da delegação brasileira, que participou da negociação dos artigos 5A e 5B e da Resolução 3 sobre a internet. O artigo 5B, sobre a necessidade de compromissos com os esforços para reduzir o spam e seus efeitos, teve que ir a voto. Os Estados Unidos e seus parceiros – os principais protagonistas foram, como sempre, Canadá, Japão e Austrália, além dos fieis escudeiros da Europa – colocaram-se contra sob o argumento de que qualquer medida nessa direção representa censura à liberdade de expressão na rede e possibilidade de controle da internet.

Direitos humanos na pauta

Na sua política de neutralizar os países que exercem controle sobre conteúdo na internet (China, Irã, Jordania, entre outros), os Estados Unidos exigiram que fosse introduzida na abertura da resolução final uma referência ao respeito aos direitos humanos. A proposta foi aprovada mas, mesmo assim, se colocaram contra o texto referente à garantia de acesso de todos os países-membros da UIT aos serviços internacionais de telecomunicações.

E também criaram inúmeras restrições ao desejo dos países em desenvolvimento de apoio ao movimento de desconcentração da internet, com a implantação de novos pontos de troca de tráfego (PTTs) regionais para melhorar a qualidade do serviço e reduzir os preços. Mas, apesar dessa postura restritiva ao direito de terceiros, o tempo todo, como demonstra o noticiário internacional de cobertura dos debates, os integrantes da delegação norte-americana e seus apoiadores se colocavam como os defensores da internet livre e sem nenhum tipo de controle. Da delegação norte-americana, segundo o site WCIT Leaks, faziam parte quatro executivos do Google. A empresa fez uma ação em defesa de suas teses de total liberdade na rede, com o envio de cartas aos delegados. Os integrantes da delegação brasileira receberam a correspondência.

Interesses econômicos

O que está por trás dessa postura parece óbvio. Sob a bandeira da defesa da liberdade, que mobiliza a sociedade civil e que é importante ser empunhada por todos que querem que os princípios basilares da internet sejam garantidos, os países ricos querem a manutenção no status quo no controle econômico da internet. Hoje, 80% do tráfego da internet, segundo estimativas, passam pelos PTTs nos Estados Unidos, e os provedores de conteúdo norte-americanos são hegemônicos na internet (porque entenderam o novo negócio no timing adequado, investiram em inovação e foram ousados). E a governança da internet não é multilateral na prática. Ela tem como figura central na sua administração a ICANN, entidade norte-americana sem fins lucrativos, mas umbilicalmente ligada ao Departamento de Estado daquele país.

A efetiva governança multilateral é defendida pelo Brasil, como deixou claro o ministro Paulo Bernardo, ao se colocar contra o monopólio da ICANN. E a delegação brasileira foi um dos pivôs da redação da Resolução 3, que trata da internet. O que esta Resolução tem de importante, do ponto de vista político, é a defesa de uma governança da internet multilateral, onde os países tenham igual peso. Essa posição incomoda os Estados Unidos e seus aliados, os mesmos que torceram o nariz para a descentralização dos PTTs. Afinal, ninguém gosta de perder a hegemonia e o poder econômico dela decorrente.