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11/11/12
• "Marco Civil da Internet" e a "Neutralidade da Rede" (8) - Artigos de
Guilherme Varella, advogado do Idec: "Marco Civil da Internet: entre o lobby e a
liberdade" e "Marco Civil na marca do pênalti"
Olá, WirelessBR e Celld-group!
Prossigo na coleta de material para formação de opinião sobre o Marco Civil da
Internet.
Transcrevo estas duas matérias:
Leia na Fonte: Última Instância
[09/11/12]
Marco Civil da Internet: entre o lobby e a liberdade - por Guilherme Varella
Leia na Fonte: Última Instância
[05/09/12]
Marco Civil na marca do pênalti - por Guilherme Varella
Boa leitura!
Um abraço cordial
Helio Rosa
Portal WirelessBRASIL
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Leia na Fonte: Última Instância
[09/11/12]
Marco Civil da Internet: entre o lobby e a liberdade - por Guilherme Varella
Guilherme Varella é advogado do Idec -
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Há cerca de dois meses, escrevemos que o Marco Civil da Internet, a principal
proposta de estabelecimento de direitos civis na rede, estava na marca do
pênalti (“Marco
Civil na marca do pênalti”, 05/09/12), pronto para ser cobrado. Prestes a
ser tento comemorado pela sociedade brasileira. No entanto, dois lobbies
econômicos muito poderosos conseguiram, além de alterar o ótimo texto do projeto
de lei, impedir sua votação: o lobby da indústria autoral e o das empresas de
telecomunicações. Na última quarta-feira (7/11), mesmo com a bola no pés,
Governo e deputados não cobraram o pênalti. E, se tivessem cobrado, seria um
chutão pra lua.
O Marco Civil da Internet - que tramita agora através do PL 5.403/2001 -
estabelece os princípios, objetivos, direitos, obrigações e responsabilidades na
rede. É a base legal para a cidadania virtual, para o tratamento isonômico dos
usuários, para a não discriminação de sua navegação e para a concretização de
uma Internet efetivamente livre: para a expressão, para a troca, para a criação,
para a inovação, enfim, para o desenvolvimento. É por isso que a proposta
elenca, como um de seus princípios, a neutralidade da rede, para evitar que
interesses econômicos injustificados se sobreponham ao direito de todos se
manifestarem e usarem a rede como quiserem. E é por isso também que o projeto
estabelecia, no seu artigo 15, a retirada de conteúdos do ar apenas com decisão
judicial, após realizado o contraditório e a ampla defesa, em plena consonância
com os pilares do Estado democrático de direito. Trata-se de priorizar a
liberdade de expressão e o direito de acesso e afastar a censura privada na
Internet.
Retirada de conteúdo sem ordem judicial
Grifamos, aqui, “estabelecia”, pois o último substitutivo apresentado trouxe uma
exceção para a remoção de conteúdos que traz grande insegurança jurídica para a
Internet e sérios danos aos usuários. O Marco Civil estabelece, como regra, que
os provedores de aplicações na Internet (plataformas, redes sociais, portais)
somente serão responsabilizados civilmente se não retirarem um conteúdo após
receberem um ordem judicial. Com isso, a tendência é que os conteúdos sejam
mantidos, respeitando a liberdade de quem postou e o direito de acesso dos
internautas a eles. Sistema equilibrado, na perspectiva de uma Internet livre e
democrática. Contudo, o novo texto traz uma exceção para conteúdos protegidos
por direitos autorais, aos quais não valerá essa regra. Isso pode permitir a
interpretação de que não é necessária a avaliação judicial para remoção. Dessa
forma, há o risco de esses conteúdos prescindirem da decisão de um juiz para
serem removidos, ainda que a Justiça tenha que ser soberana. Cria, assim, um
mecanismo que induz os provedores a excluírem o conteúdo, a partir de uma
simples notificação, para evitar serem responsabilizados. Ou seja, mesmo que não
haja comprovação de que determinado conteúdo (vídeo, foto, música) viola direito
autoral, uma simples notificação do eventual titular é suficiente para que o
provedor, num julgamento privado, retire esse conteúdo do ar, com medo de ser
penalizado. Caberá depois ao usuário prejudicado, geralmente com menos condições
para isso, o ônus de procurar a Justiça para reaver seu conteúdo suprimido.
Nesse momento, é importante questionar: como e por que se deu essa alteração, de
última hora, e com que finalidade?
A resposta é: lobby. A indústria do copyright que, diferentemente do que se
pensa, é composta menos por autores e mais por intermediários da indústria
cultural - dentre os quais a ABDR (Associação Brasileira de Direitos
Reprográficos), a ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos) e a MPAA
(Motion Picture Association of America), ou seja, a indústria de Hollywood, além
de Globo e outros barões do entretenimento -, tem se empenhado energicamente, e
nos bastidores, para incluir no substitutivo uma dinâmica própria para os
direitos autorais. Essa tentativa, entretanto, já foi abolida na discussão
pública do Marco Civil e nem cabe nessa seara legislativa. A discussão dos
direitos autorais tem local certo: é a reforma da Lei 9.610/98 (Lei de direitos
autorais - LDA), pública e aberta, conduzida desde 2007 pelo MinC (Ministério da
Cultura). Tanto que a própria Ministra da Cultura, Marta Suplicy, corretamente,
chamou a responsabilidade desse debate ao MinC e à LDA, respondendo inclusive à
carta de representantes desse setor.
Os intermediários do direito autoral querem incluir o sistema de retirada de
conteúdos sem ordem judicial no Marco Civil, pois sabem que os setores
artísticos e culturais, especialmente aqueles que conhecem e se utilizam do
potencial da Internet para a produção, a circulação e o consumo da cultura, não
querem esse tipo de censura na rede, e também não vão permiti-la na LDA, por
ferir a liberdade de expressão cultural. Incluir esse sistema é legalizar algo
que esses intermediários já realizam massivamente na prática: a indústria da
notificação. Se a premissa da remoção de conteúdo apenas com ordem judicial não
valer para conteúdos de direitos autorais, a decisão vai se dar em âmbito
privado das relações entre os provedores e os titulares empresariais, a partir
da notificação privada de representantes de titulares, que não precisarão nem
comprovar a sua legalidade - afinal, provedor não é tribunal para julgar se algo
é legal ou não. Em suma: institucionaliza-se a injusta máquina de notificações e
censura prévia (inconstitucional, por sinal) e se invalida a regra geral de
retirada apenas com o devido processo legal.
Caso se mantenha no texto essa descabida exceção para os direitos autorais,
haverá uma avalanche institucionalizada de notificações extrajudiciais, que se
servirão dessa imprecisão jurídica para remover indiscriminadamente os conteúdos
postados na rede, independentemente se protegidos ou não. Como lei responsável
por estabelecer o quadro regulatório geral da Internet, o Marco Civil não deve
tratar de questões específicas de direitos autorais, tampouco através de um
dispositivo complicador como este. Deve deixar este assunto para a reforma da
Lei 9.610/98, em curso. Assim, é imprescindível suprimir o parágrafo segundo do
artigo 15.
O lobby das teles
O segundo ponto problemático diz respeito ao princípio da neutralidade. Ela é a
garantia da não discriminação de tráfego na rede. Sua importância é indiscutível
e tamanha, a ponto de sua regulamentação ter que se dar pela mais alta instância
do Executivo: a Presidência da República. O instrumento cabível seria um
decreto, ouvido o CGI (Comitê Gestor da Internet), a entidade tecnicamente mais
apta a detalhar esse princípio, era o que previa o texto do Marco Civil. Até o
último texto, do qual o CGI foi excluído, atendendo a um outro lobby,
fortíssimo, das empresas de telecomunicações. O atendimento a esse pedido foi
tão solícito que coube a um ministro de Estado levá-lo a cabo. Paulo Bernardo,
Ministro das Comunicações, teria declarado publicamente, antes mesmo da (não)
aprovação pelo plenário, que seria melhor, de fato, a neutralidade ser
regulamentada pela Anatel. Exatamente como querem as teles. Estranho, pois o
substitutivo do PL nunca se referiu à Anatel, mas dava esses poderes ao
Executivo - posteriormente, quiçá, ao Ministério das Comunicações, num eventual
decreto.
O fato é que, agora, escancarou-se a união das teles e do Governo no mesmo
desejo: a regulação da neutralidade pela Agência. Motivo mais que suficiente
para que se reforce a regulação por Decreto, com essa previsão literalmente
expressa no próximo texto a ser votado. Parece ser a vontade do relator do PL,
deputado Alessandro Molon, que tem se empenhado em manter uma lei equilibrada e
coerente.
Caso isso não ocorra, mais uma vez vencerá a pressão das empresas sobre o
interesse público. A mesma pressão realizada contra os parâmetros de qualidade
para a banda larga, serviço que elas mesmas prestam. A pressão que impediu o CGI
de fiscalizar tais parâmetros, transferindo essa competência para uma
consultoria ligada às teles. A pressão que faz com que não avancemos na
obrigação das empresas de entregarem efetivamente a velocidade que anunciam na
publicidade - e não apenas 20% dela, como é hoje. Enfim, a pressão que não quer
a neutralidade da rede no Brasil, pois se ganha dinheiro controlando
indevidamente o tráfego dos usuários.
Por isso, é essencial que o substitutivo do Marco Civil da Internet que vai ao
plenário da Câmara na próxima terça-feira (13/11), não ceda às pressões
econômicas. É preciso que os deputados e deputadas olhem para construção
coletiva da sociedade e para o que a Internet significa para ela. O Projeto de
Lei do Marco Civil é positivo, avançado, a melhor proposta para regulamentação
da Internet no mundo. Não é hora de maculá-lo com abjetos interesses privados.
Assim, é essencial que se exclua o parágrafo segundo do artigo 15, removendo
qualquer exceção para o direito autoral, por justiça e cabimento - já que isso é
papel da reforma da lei de direitos autorais. E, além disso, que a neutralidade
seja de fato regulamentada por decreto da Presidenta da República, por ser algo
da mais alta importância para a Internet brasileira. Sem atravessamentos e sem
jogos de interesses escusos. É preciso aprovar o Marco Civil. E ter uma Internet
com menos lobby e mais liberdade.
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Leia na Fonte: Última Instância
[05/09/12]
Marco Civil na marca do pênalti - por Guilherme Varella
Guilherme Varella é advogado do Idec -
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
Na última quarta-feira, 29/8, a CCT (Comissão Especial de Ciência e Tecnologia
do Senado) aprovou o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 35/2012, que tipifica crimes
digitais. Já tratado na imprensa como “marco penal da Internet”, o PLC pode ir
em breve para o Plenário do Senado. Sua aprovação preocupa e acende o alerta
vermelho sobre a regulação da rede no Brasil. Menos pelo teor do seu texto, de
menor potencial lesivo que o famigerado PL 84/99, aprovado em versão minimalista
na Câmara. E mais pelo que significa: termos, a toque de caixa, uma lei penal
antes mesmo de aprovarmos o Marco Civil da Internet (PL 2.126/2011), com os
princípios, responsabilidades e direitos para a utilização cidadã da rede.
Num cenário pré-eleitoral, de esforço concentrado do Congresso, prestes a
paralisar suas atividades, surpreende negativamente o esforço dos parlamentares
em dar prioridade à lei específica de crimes cibernéticos - cujo escopo
representa percentual pequeno dos usuários da rede - em detrimento de uma das
leis mais avançadas e abrangentes do mundo. Lei que equilibra interesses e dita
parâmetros de atuação de todos que utilizam a Internet: sociedade civil,
iniciativa privada e poder público. Nesse cenário de “urgência” política, é
difícil crer que a tipificação de delitos penais é mais importante que garantir
a liberdade de expressão, a privacidade, os direitos dos usuários e a
neutralidade da Internet no País.
Mesmo ciente da importância do Marco Civil, o Governo Federal não se empenha
efetivamente para aprová-lo. Tramitando em regime de urgência desde o início do
ano na Câmara, com bons e sucessivos relatórios de texto, o PL 2.126/2011 não
obteve quórum para sua aprovação no início de julho, antes do recesso
parlamentar. No começo de agosto, a Comissão Especial sequer foi convocada, e
sua próxima sessão, prevista para o dia 19 de setembro, pode não ser definitiva
para a votação acontecer. Depois disso, sabe-se lá quando volta à pauta.
Se há resistência de poucos, porém fortes, grupos empresariais restritos ao
setor de telecomunicações - já que o PL toca no necessário debate sobre
neutralidade de rede, com a não discriminação do tráfego dos usuários e outros
princípios a serem respeitados pelas empresas - e, de outro lado, expressivo
apoio da maioria da população, causa perplexidade a postura do governo.
A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) reivindica competência para
regular a neutralidade de rede, ainda que na camada lógica isso não caiba a ela.
Na esteira, o Ministério das Comunicações não se empenha publicamente pela
rápida votação, muito pelo contrário. E assim, enquanto alguns setores do
Executivo, como o Ministério da Justiça, defendem o projeto, na contramão, o
topo do Governo (Presidência, Casa Civil, Secretaria de Relações Institucionais)
não se esforça na mobilização de sua base parlamentar. Assim, interesses
privados vão prevalecendo sobre a demanda de toda a sociedade, que participou
ativamente na elaboração e no debate público do projeto.
Pronto para ser aprovado
E isso é um fato extremamente relevante. Discutido há mais de três anos, de
forma direta e democrática com a população, o Marco Civil representa um novo
paradigma de cultura política, de construção normativa e de participação social.
Surgiu como uma resposta propositiva ao recrudescimento de direitos e
vigilantismo na rede propostos por várias iniciativas, como o PL 84/99. Foi
construído colaborativamente, através de consultas públicas que receberam
centenas de contribuições de todos os setores, e debatido abertamente em
diversos seminários pelas capitais do país, até que alcançasse o estágio atual.
Maduro, o projeto possui algumas virtudes a se destacar:
(i) a ampliação dos direitos dos usuários de Internet, a exemplo do direito à
privacidade e à proteção dos dados pessoais;
(ii) a consolidação de fundamentos importantes, como a defesa do consumidor e a
finalidade social da rede;
(iii) a definição de princípios norteadores: liberdade de expressão e qualidade
da rede, por exemplo;
(iv) e a consolidação do princípio da neutralidade, com o tratamento isonômico
na transmissão de conteúdos. Nesse último ponto, ressalte-se a valorização do
Comitê Gestor da Internet (CGI), órgão multissetorial responsável pela
governança da Internet no País, que passa a ser ouvido na regulamentação, por
Decreto, dos critérios da neutralidade.
Outro aspecto muito positivo do texto é delimitar claramente a responsabilidade
dos intermediários pela retirada de conteúdos da Internet. Os provedores de
serviços somente serão responsabilizados civilmente se, a partir de ordem
judicial, não removerem conteúdos postados por terceiros. É claro que há espaço,
ainda, para a inclusão de outras balizas, como a penalização de provedores que,
por iniciativa própria, retirarem conteúdos de forma abusiva e não razoável.
Contudo, desde já institui-se uma base legal sólida para as decisões judiciais,
atualmente carentes de lógica e fundamentação. Isso sem deixar de dialogar com
outros diplomas específicos, que permitem ações administrativas essenciais no
tocante à manutenção de páginas e conteúdos na rede, executadas, por exemplo,
pelos órgãos de defesa dos consumidores na Internet.
Nesse ponto da responsabilidade, é preciso que o PL 2.126/2011 mantenha a regra
da retirada de conteúdos apenas com ordem judicial, sem margem para remoções
arbitrárias. Isso é essencial, pois há uma pressão muito forte da indústria
autoral tradicional (reprográfica, fonográfica, etc) para que retorne ao projeto
um mecanismo sumariamente excluído durante a primeira consulta pública: o
“notice and take down”. Este mecanismo permite que conteúdos postados por
usuários sejam removidos sem avaliação do Judiciário, a partir de notificações
extrajudiciais e do julgamento privado dos provedores. Na Comissão ou no
Plenário, os deputados não podem, em hipótese alguma, aceitar que o “notice and
take down” seja inserido no PL, sob pena de violar drasticamente a liberdade de
expressão e o acesso democrático à informação.
Dessa forma, hoje o projeto está pronto. Deve ser aprovado na integralidade. A
sociedade civil organizada o apoia. Recentemente, mais de 30 importantes
entidades nacionais, em conjunto com várias organizações internacionais de
direitos civis na Internet, assinaram uma carta pública pedindo a aprovação
imediata do PL 2.126/2011. Empresas, comunidade científica, autoridades públicas
engrossam o coro. Porém, enquanto isso não acontece, tomam frente projetos de
menor necessidade, que competem a atenção do Governo e dos congressistas. Urge a
priorização efetiva desse projeto essencial para a Internet no Brasil. Depois de
tanta amarração técnica, com o jogo já avançado, o Marco Civil está na marca do
pênalti. Basta acertar a cobrança.