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11/11/12
• "Marco Civil da Internet" e a "Neutralidade da Rede" (7) - Internet: Um
espaço público ou um ambiente de negócios? - por Flávia Lefèvre
Olá, WirelessBR e Celld-group!
01.
Transcrevo este "post" de hoje anotado no
Blog da
Flávia Lefèvre:
[11/11/12]
Internet: Um espaço público ou um ambiente de negócios? - por Flávia Lefèvre
Estão transcritas também, mais abaixo, estas matérias referenciadas no texto:
Leia na Fonte; Blog da Flávia Lefèvre (download pdf)
[03/11/12]
A carta da PROTESTE a ANATEL
Leia na Fonte: Portal da Band - Colunas
[07/11/12]
Entrevista de ministro derruba votação do Marco Civil
Leia na Fonte: Blog do Gindre
[08/11/12]
(Republicando) Regular a Internet: necessidade ou heresia? (parte 1) - por
Gustavo Gindre
"Quem sou eu" do Blog do Gindre:
"Gustavo Gindre nasceu no Rio de Janeiro em 1969. É jornalista formado pela UFF,
pós-graduado em Teoria e Práxis do Meio Ambiente (ISER) e mestre em Comunicação
e Cultura (UFRJ).
Foi membro eleito do Comitê Gestor da Internet (CGI.br) por dois mandatos
(2004-2007 e 2007-2010). Integrante do Coletivo Intervozes. Fellow da Ashoka
Society. É servidor público concursado, especialista em regulação da atividade
cinematográfica e audiovisual. Budista e socialista."
Boa leitura!
Um abraço cordial
Helio Rosa
Portal WirelessBRASIL
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Blog da Flávia Lefèvre
11/11/12
•
Internet: Um espaço público ou um ambiente de negócios? - por Flávia Lefèvre
Os atuais debates a respeito da neutralidade das redes e a proximidade da
Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais, que acontecerá no
próximo mês de dezembro, têm trazido debates acalorados entre representantes de
organizações da sociedade civil ligadas aos direitos à comunicação, aos direitos
do consumidor, operadoras de serviços de telecomunicações e governo.
Antes de tudo, é bom que fique claro que aqui ninguém é ingênuo e sabemos que o
tema envolve interesses econômicos astronômicos.
Mas isso não quer dizer que a internet se restrinja a ser um “um grande ambiente
de negócio global de centenas de bilhões de dólares, onde ninguém dá almoço
grátis”, como disse o Ministro Paulo Bernardo em
entrevista publicada no site Convergência Digital.
Movimentos sociais x Teles na briga pela neutralidade
Habilmente, as teles com seus gigantescos poderes econômicos conseguiram
vincular a discussão da neutralidade das redes à discussão sobre a alteração no
modelo de cobrança pelo acesso a elas. A proposta é que se deixe de cobrar pela
capacidade de tráfego para quantidade de banda utilizada.
E, para justificar a mudança, espertamente começaram a utilizar um argumento
para fisgar os incautos: as teles dizem que não é justo (como se elas se
preocupassem muito com a justiça) que o Google, Netflix, Facebook, entre outras
grandes empresas de conteúdo, paguem pelo acesso às redes o mesmo que o
consumidor residencial paga. Isto talvez até seja verdade. Mas não o suficiente
para alterar o modelo geral de cobrança.
A vigorar o que pretendem as teles, a grande questão é a seguinte: a partir do
momento em que essas grandes empresas de conteúdo passarem a pagar mais,
obviamente passarão a ter tratamento diferenciado em relação aos pequenos
consumidores; seus tráfegos serão privilegiados. E, mais, o que pagarem a mais
para as teles vão repassar para nós consumidores, já que, como bem lembrou o
Ministro naquela entrevista, não temos almoço grátis.
Ou seja, os entraves recentes para a aprovação do Marco Civil da Internet, que
chegaram ao ápice no último dia 7 de novembro, decorrem do embate entre as
forças econômicas do mercado e as forças sociais. Esse embate é saudável!
O que não é saudável é o jogo baixo daqueles que fazem um discurso para parecer
que estão defendendo a neutralidade das redes, mas, na verdade, estão urdindo a
forma mais eficaz para evitar que esse direito de materialize.
E, nesse sentido, sabemos que puxar para a ANATEL a competência para
regulamentar a neutralidade da rede é o mesmo que dizer: esse direito vai sempre
ficar no campo do desejo e da imaterialidade e, quando for regulado, as teles
terão sempre primazia.
Podemos afirmar isso com base em experiências concretas que valem ser lembradas:
Modelo de custos atrasado há mais de sete anos e falta de revisão tarifária
depois de 14 anos de privatização; omissão na regulação para definição de um
teto para O VU-M; regras de compartilhamento de redes editadas somente neste
último mês e concedendo às teles um “feriado regulatório” de 9 anos para o
compartilhamento das redes de alta capacidade ... tem muito mais; é que estes
dois estão intrinsecamente ligados ao tema deste artigo.
Nesse contexto, a fala do Ministro Paulo Bernardo chamando de “toscas” as
preocupações dos movimentos sociais para evitar que a lei a ser editada venha a
beneficiar ainda mais as teles é inadequada tanto quanto sua afirmação afoita de
que a internet é um grande ambiente de negócios, sem deixar muito evidente a
preocupação que o Estado brasileiro deveria ter de garantir que a internet
funcione como um grande espaço público, com normas que regulem seu uso trazendo
mecanismos para que este espaço esteja voltado primordialmente para o
cumprimento de políticas públicas em favor do desenvolvimento econômico e social
do país e não para viabilizar sua apropriação indevida para o atendimento de
interesses privados de empresas e partidos políticos.
A carta da PROTESTE a ANATEL
Considerando que cabe a ANATEL representar o Estado brasileiro nos organismos
internacionais de telecomunicações, em razão do que atuará na CWTI-2012, a
PROTESTE enviou no último dia 3 de novembro onde deixou consignada sua posição
quanto a governança da internet e o financiamento das infraestruturas
necessárias para o atendimento da demanda mundial. [Ver transcrição da Carta
mais abaixo ou fazer download original
aqui]
Transcrevo parte da carta:
(...)
III – GOVERNANÇA DA INTERNET - DIREITO
QUE DEVE SER PRESERVADO PARA CADA PAÍS
11. Ainda que a internet não deva estar dividida em esquemas nacionais, pois a
interconexão entre as infraestruturas e um sistema internacional de
funcionamento é que propicia o caráter aberto da rede e a ampliação do direito à
comunicação, entendemos que aspectos de governança relativos aos direitos e
limites do USO das redes devem ser preservados, respeitando-se as diferenças
culturais, sociais, econômicas e políticas de cada nação.
12. Entendemos que a regulação internacional deva se restringir à questões de
arquitetura das redes, a fim de garantir que a internet possa operar como espaço
público internacional e não discriminatório, baseada em padrões abertos,
fundamentados especialmente no princípio da neutralidade das redes.
13. É necessário que novas regras garantam o fluxo livre e não discriminatório
de informações, independentemente da infraestrutura pela qual trafeguem,
evitando-se o controle na circulação de conteúdo, característica esta intrínseca
a internet e que propiciou seu desenvolvimento, sua difusão e seu caráter
essencial para a livre manifestação e para a comunicação.
IV – FINANCIAMENTO DA INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES - AMEAÇA À
DEMOCRACIA
14. O tráfego cada vez maior na internet em todo o planeta tem levado à
necessidade de grandes investimentos em infraestrutura, em razão do que se
abriram debates sobre como financiar esse necessário crescimento, o que tem sido
alvo de debates na UIT.
15. Invocando esta justificativa, os grandes grupos econômicos que operam no
setor de telecomunicações têm pressionado a UIT a fim de alterar o modelo de
cobrança do uso da rede, que hoje se dá com base na capacidade de transmissão
contratada, para que se passe a cobrar pela quantidade de banda utilizada.
16. No fundo, os grandes grupos econômicos pretendem obter financiamento
privado, compartilhando com as grandes empresas de conteúdo e serviços sob
demanda, tais como Google, Facebook, Netflix, entre outros, os custos
necessários, pois sabem que o financiamento público implicará em
condicionamentos administrativos que vão de encontro com seus interesses
privados.
17. Ou seja, o modelo pretendido pelos grandes grupos econômicos representa
risco efetivo ao caráter democrático das telecomunicações, bem como à liberdade
de expressão e comunicação na internet.
18. Isto porque é claro que as empresas de conteúdo com maior poder econômico
que se associem aos operadores dos serviços de acesso à rede passarão a ter seus
tráfegos privilegiados, com a restrição do alcance dos conteúdos de outras
entidades e, portanto, pondo em grave risco a neutralidade da rede, o direito de
comunicação, à liberdade de expressão e a inovação.
19. Nessa direção e afinados com a premissa de que o acesso à internet é um
direito fundamental, entendemos que é papel precípuo dos Estados, mesmo que em
parceria com a iniciativa privada – seja em regime de concessão ou de
autorização, o financiamento da implantação de infraestruturas com o
estabelecimento de contrapartidas administrativas, garantindo o poder de
soberania sobre as redes essenciais para o cumprimento de finalidades vinculadas
com o desenvolvimento econômico e social e com o interesse público objeto de
políticas públicas.
20. Entendemos que às empresas pode se atribuir a liberdade regulada para
contratar serviços com os mais diversos mercados consumidores.
21. Todavia, neste momento em que há demanda de mais de US$ 800 bilhões de
investimentos para os próximos 5 anos, como estimado pela UIT, os Estados devem
estar comprometidos com o financiamento das redes, impondo os condicionamentos e
contrapartidas ao setor privado, e, especialmente, voltados para o controle do
processo de implantação de infraestrutura, com o objetivo de evitar mecanismos
discriminatórios, como temos assistido no Brasil, onde as regiões mais pobres
estão sofrendo com a falta de redes de acesso à internet.
22. Não acreditamos que a realização dos investimentos necessários por parte
exclusivamente da iniciativa privada, orientada pela lógica do mercado e do
lucro, trará os resultados da universalidade e modicidade tarifaria,
fundamentais para que se alcance o respeito ao direito humano fundamental de
acesso às redes”. (...)
O Governo Dilma e seu olhar sobre a internet
Ou seja, talvez o governo Dilma esteja minimizando e, por isso, negligenciando o
trato da regulação da internet.
Deixar exclusivamente à iniciativa privada a decisão sobre investimentos em
infraestrutura é temerário e, ao meu ver, inconstitucional (art. 21, inc. XI e
175, da Constituição Federal), na medida em que o Estado brasileiro no modelo
defendido pelo Governo perde o poder de gestão sobre redes que, ainda que
integrem o patrimônio de empresas privadas, têm natureza inequivocamente
pública.
E pior, ignorar que as redes de infraestrutura criam um novo espaço de exercício
de direitos e, ao invés de atuar no sentido de estruturar um marco legal fazendo
analogia com o meio ambiente e com os outros espaços públicos, restringir o
olhar de modo a só enxergar a internet como um espaço de negócios, é lançar-nos
num ambiente selvagem, que nem o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardozo
ousou fazer quando promoveu as privatizações.
A competência para regulamentar lei federal – art. 84, inc. IV, da CF
O Ministro Paulo Bernardo, que chamou de “toscas” as preocupações dos movimentos
sociais, com sua soberba de dar coletiva de imprensa cantando uma vitória
(friso: vitória pessoal) antes da aprovação do projeto de lei do Marco Civil na
Câmara Federal, terminou por contribuir para que a nova lei venha mais forte e
sem dar margem de dúvidas de que a competência para regular a neutralidade é do
Poder Executivo, como determina o art. 84, da Constituição Federal.
Importante e divertida a coluna de Mariana Mazza intitulada "Entrevista
de Ministro derruba votação do Marco Civil", nos faz pensar o quanto as
vaidades interferem para o mal e para o bem nos rumos da história.
As circunstâncias, então, agiram para que o Congresso atue e para que se
respeitem as regras de direito administrativo de acordo com as quais essa
competência do Poder Executivo não pode ser delegada para baixo.
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da
República:
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos
e regulamentos para sua fiel execução.
Ademais, a regulação da neutralidade das redes é matéria de política de
telecomunicações e, portanto, absolutamente fora da esfera de atribuições da
ANATEL. Ou seja, a ANATEL não pode regular a neutralidade das redes.
Para terminar, sugiro aos amigos que reflitam muito sobre o assunto, que é da
MAIOR importância e sugiro que leiam também artigo de Gustavo Gindre publicado
em seu blog: “Regular
a Internet – Necessidade ou Heresia?"
Abraço a todos!
Fávia Lefèvre Guimarães
[Abaixo estão as transcrições das matérias citadas no texto]
São Paulo, 3 de novembro de 2012
A
Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL
REF.: PARTICIPAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NA CMTI-12
A PRO TESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, entidade civil sem
fins lucrativos, instituída em 16 de julho de 2001, membro da Euroconsumers e
integrante da Consumers International, hoje com mais de 260 mil associados, vem
apresentar sua manifestação, tendo em vista a próxima Conferência Mundial de
Telecomunicações Internacionais 2012
(CMTI-12), que ocorrerá no próximo mês de dezembro da qual o Brasil participará,
nos seguintes termos:
I – INTRODUÇÃO – BANDA LARGA – DIREITO FUNDAMENTAL
1. Antes de tudo, queremos deixar consignado que nossas considerações são feitas
com base na premissa já fixada pelo Conselho dos Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas
de que, assim como a liberdade de expressão na internet, o acesso às redes de
telecomunicações também se constitui como direito humano fundamental a ser
protegido por todos os países.
2. Entendemos que qualquer discussão a respeito da fixação de novas orientações
internacionais voltadas para a governança da internet devem partir do
pressuposto consignado em documento assinado na ONU por todas as nações,
reconhecendo o “carácter global e aberto da Internet como motor para acelerar o
progresso rumo ao desenvolvimento”.
3. Quando falamos de acesso a internet estamos falando de serviços públicos, do
direito ao acesso que todo cidadão deve ter aos serviços essenciais e de
recebê-los dentro de padrões de universalização, modicidade, continuidade e
segurança, qualidade, sem qualquer tipo de discriminação e devidamente
regulados.
4. O acesso à internet não diz respeito apenas às telecomunicações, mas impacta
também fortemente o direito à cultura, à educação e à segurança de forma
coordenada.
5. Entendemos, ainda, que a participação do Brasil deve se dar de acordo com os
princípios expressos no Decálogo editado pelo Comitê Gestor da Internet no
Brasil, cujas atribuições estão previstas no Decreto 4.829/2003, por intermédio
da Resolução CGI.br/Res/2009/003 – Princípios para a Governança e Uso da
Internet, e pelas deliberações constantes da
Resolução CGI.br/Res/2012/003/P.
6. Nessa direção repudiamos as tentativas de violação dos seguintes princípios:
liberdade, privacidade e direitos humanos; governança democrática e
colaborativa, universalidade; diversidade; inovação; neutralidade da rede;
inimputabilidade da rede; funcionalidade, segurança e estabilidade; padronização
e interoperabilidade e ambiente legal e regulatório.
7. Portanto, entendemos que a representação brasileira deverá se opor a qualquer
iniciativa por parte dos grandes grupos econômicos, que possam comprometer a
democratização
dos serviços de telecomunicações, especialmente do acesso à comunicação de
dados, e defender os princípios da universalização e modicidade tarifária, pois
têm papel fundamental para a garantia da liberdade de expressão e do direito à
comunicação na internet.
II – PROCESSOS DECISÓRIOS NA UIT
8. Tendo em vista que o objetivo da CMTI-12 é promover a revisão dos
Regulamentos de Telecomunicações Internacionais (International Telecommunication
Regulations / ITRs), que abrangem os processos de formulação de regras a serem
respeitadas a nível internacional, não podemos deixar passar a oportunidade de
propor que seja discutida a pouca transparência dos processos decisórios no
âmbito da União Internacional das Telecomunicações.
9. Esperamos que a representação brasileira leve propostas no sentido de serem
amplamente divulgados os temas levados à debates para as organizações da
sociedade civil de todos os países, com a abertura de prazos para manifestações
e contribuições.
10. Entendemos que a abertura e transparência nos debates viabilizarão que as
decisões da UIT ganhem em legitimidade e não fiquem restritas à influência do
peso de fundamentos exclusivamente técnicos, que muito interessam aos grandes
grupos econômicos e que podem limitar de forma indesejada direitos sociais e
políticos.
III – GOVERNANÇA DA INTERNET - DIREITO QUE DEVE SER PRESERVADO PARA CADA PAÍS
11. Ainda que a internet não deva estar dividida em esquemas nacionais, pois a
interconexão entre as infraestruturas e um sistema internacional de
funcionamento é que propicia o caráter aberto da rede e a ampliação do direito à
comunicação, entendemos que aspectos de governança relativos aos direitos e
limites do USO das redes devem ser preservados, respeitando-se as diferenças
culturais, sociais, econômicas e políticas de cada nação.
12. Entendemos que a regulação internacional deva se restringir à questões de
arquitetura das redes, a fim de garantir que a internet possa operar como espaço
público internacional e não discriminatório, baseada em padrões abertos,
fundamentados especialmente no princípio da neutralidade das redes.
13. É necessário que novas regras garantam o fluxo livre e não discriminatório
de informações, independentemente da infraestrutura pela qual trafeguem,
evitando-se o controle na circulação de conteúdo, característica esta intrínseca
a internet e que propiciou seu desenvolvimento, sua difusão e seu caráter
essencial para a livre manifestação e para a comunicação.
IV – FINANCIAMENTO DA INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES - AMEAÇA À
DEMOCRACIA
14. O tráfego cada vez maior na internet em todo o planeta tem levado à
necessidade de grandes investimentos em infraestrutura, em razão do que se
abriram debates sobre como financiar esse necessário crescimento, o que tem sido
alvo de debates na UIT.
15. Invocando esta justificativa, os grandes grupos econômicos que operam no
setor de telecomunicações têm pressionado a UIT a fim de alterar o modelo de
cobrança do uso da rede, que hoje se dá com base na capacidade de transmissão
contratada, para que se passe a cobrar pela quantidade de banda utilizada.
16. No fundo, os grandes grupos econômicos pretendem obter financiamento
privado, compartilhando com as grandes empresas de conteúdo e serviços sob
demanda, tais como Google, Facebook, Netflix, entre outros, os custos
necessários, pois sabem que o financiamento público implicará em
condicionamentos administrativos que vão de encontro com seus interesses
privados.
17. Ou seja, o modelo pretendido pelos grandes grupos econômicos representa
risco efetivo ao caráter democrático das telecomunicações, bem como à liberdade
de expressão e comunicação na internet.
18. Isto porque é claro que as empresas de conteúdo com maior poder econômico
que se associem aos operadores dos serviços de acesso à rede passarão a ter seus
tráfegos privilegiados, com a restrição do alcance dos conteúdos de outras
entidades e, portanto, pondo em grave risco a neutralidade da rede, o direito de
comunicação, à liberdade de expressão e a inovação.
19. Nessa direção e afinados com a premissa de que o acesso à internet é um
direito fundamental, entendemos que é papel precípuo dos Estados, mesmo que em
parceria com a iniciativa privada – seja em regime de concessão ou de
autorização, o financiamento da implantação de infraestruturas com o
estabelecimento de contrapartidas administrativas, garantindo o poder de
soberania sobre as redes essenciais para o cumprimento de finalidades vinculadas
com o desenvolvimento econômico e social e com o interesse público objeto de
políticas públicas.
20. Entendemos que às empresas pode se atribuir a liberdade regulada para
contratar serviços com os mais diversos mercados consumidores.
21. Todavia, neste momento em que há demanda de mais de US$ 800 bilhões de
investimentos para os próximos 5 anos, como estimado pela UIT, os Estados devem
estar comprometidos com o financiamento das redes, impondo os condicionamentos e
contrapartidas ao setor privado, e, especialmente, voltados para o controle do
processo de implantação de infraestrutura, com o objetivo de evitar mecanismos
discriminatórios, como temos assistido no Brasil, onde as regiões mais pobres
estão sofrendo com a falta de redes de acesso à internet.
22. Não acreditamos que a realização dos investimentos necessários por parte
exclusivamente da iniciativa privada, orientada pela lógica do mercado e do
lucro, trará os resultados da universalidade e modicidade tarifaria,
fundamentais para que se alcance o respeito ao direito humano fundamental de
acesso às redes.
V – CONCLUSÃO
23. Pelo exposto, esperamos que a representação do Estado Brasileiro atue com
base na premissa de que o acesso à internet se constitui como direito humano
fundamental, opondo-se às propostas que venham a restringi-lo.
Esperando contribuir para o processo de aperfeiçoamento do processo de regulação
do acesso à internet, a PROTESTE aguarda que a ANATEL atue dando publicidade às
discussões.
Atenciosamente
FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
CONSELHO CONSULTIVO DA PROTESTE
Leia na Fonte: Portal da Band - Colunas
[07/11/12]
Entrevista de ministro derruba votação do Marco Civil
Fiquei afastada nos últimos 15 dias me recuperando de uma cirurgia, mas volto a
tempo de comentar a retomada de uma das maiores polêmicas do setor de
telecomunicações: a votação do Marco Civil da Internet. Estava prevista para
esta quarta-feira, 7, a votação do relatório do deputado Alessandro Molon
(PT/RJ), com ajustes selados em uma reunião da cúpula do governo realizada
ontem.
O texto final não era bem o que as entidades civis que lutam pela aprovação da
nova lei pretendiam: flexibilizava a proposta original do relator sobre a
neutralidade de rede, cerne do projeto, retirando a previsão de que o Comitê
Gestor da Internet no Brasil (CGI/br) deveria opinar sobre o assunto. A
neutralidade, que gera tanta polêmica, é um princípio usado mundialmente para
impedir que as empresas prestadoras de Internet discriminem os usuários na web.
A ideia é tratar todos os pacotes da mesma forma na rede, sejam eles pedidos de
acesso a páginas de texto, vídeos ou serviços de voz sobre IP. A nova redação
repassa ao Poder Executivo o dever de regulamentar este princípio. E foi ai que
a votação naufragou.
Satisfeito com o novo texto acertado com o relator, o ministro das Comunicações,
Paulo Bernardo, não conseguiu se conter. Organizou uma entrevista onde comemorou
a iminente aprovação do Marco Civil com um texto mais próximo do que ele,
Bernardo, defendia. Ou seja, sem qualquer citação ao CGI.br. As agências se
prontificaram em noticiar a vitória do Ministério das Comunicações, que vinha há
meses rivalizando com a equipe do Ministério da Justiça sobre qual deveria ser a
redação final da nova lei.
Acontece que Paulo Bernardo falou demais. Disse aos jornalistas que não seria
necessária a edição de um decreto para cumprir a nova missão de regulamentar a
neutralidade, como prevê o rito legal. Sua ideia era outra: transferir para a
Anatel o poder de decidir os limites do princípio da neutralidade. A declaração
enfureceu os deputados federais, que se preparavam para iniciar a votação do
projeto.
Além da precipitação do ministro de comemorar o resultado de uma deliberação que
sequer havia começado, os deputados não gostaram nada da ideia de o governo já
estar pensando em transferir o estabelecimento de um parâmetro tão importante
para uma agência reguladora. Os parlamentares contrários ao Marco Civil fizeram
a festa e dominaram os debates, acusando o projeto de abrir caminho para a
censura. A oposição entrou em obstrução e assim a votação foi inviabilizada.
Molon chegou a ser literalmente encurralado pelos assessores do governo quando
ficou evidente que o acordo estava naufragando. Encostado na parede do Plenário
da Câmara dos Deputados, o relator ouvia reclamações e pedidos de satisfação dos
representantes da Casa Civil, da Secretaria de Relações Institucionais, da
Anatel e das pastas de Comunicação e Justiça. Mas a verdade é que o parlamentar
pouco poderia fazer naquele momento para reverter a situação criada pela
entrevista de Bernardo.
Em meio à balbúrdia, Molon chegou a fazer uma reunião com os representantes do
governo e das demais bancadas na Câmara dos Deputados para tentar fechar um novo
acordo. Mas, depois de muito confronto, o máximo obtido foi um acerto para que o
Marco Civil volte à pauta na próxima terça-feira, 13.
O desfecho da sessão de hoje é um exemplo claro de como, na política, não se
pode comemorar nada antecipadamente. O Ministério das Comunicações estava com o
jogo ganho, mas a imprudência fez com que as coisas saíssem do controle. Já se
fala que Bernardo terá que se desmentir, prometendo que não transferirá nada
para a Anatel, para que a votação realmente ocorra na próxima semana. A promessa
agora é de que a tal regulamentação prevista na lei será feita por decreto
presidencial. O que, diga-se de passagem, é o correto. A questão é se os
deputados vão se convencer de que o compromisso é verdadeiro depois das
declarações de hoje.
De um jeito estranho, Bernardo conseguiu transformar sua óbvia vitória em uma
vergonhosa derrota. O ministro pretendia não deixar suas digitais nas restrições
à neutralidade, mas é exatamente isto que irá ocorrer a partir de agora se o
governo não conseguir reverter a crise criada entre os parlamentares. A própria
Anatel, antigo pivô da polêmica, deve estar gostando do novo curso das coisas.
Afinal, a agência poderá ser a redatora das regras, mas não terá a
responsabilidade de assinar o documento.
A confusão de hoje também mostra que há muita gente que discorda da ideia de que
a Anatel deve ser o centro de tudo que, minimamente, envolva as
telecomunicações. É sempre importante lembrar que o Marco Civil da Internet não
é apenas uma lei que atinge as teles. É uma legislação sobre direitos civis.
Mais do que um ambiente de negócios, a Internet é um local de comunicação, de
cidadania, de liberdade de expressão, de informação. E é o governo eleito quem
deve se responsabilizar por eventuais restrições a esse ambiente de liberdade de
comunicação.
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Leia na Fonte: Blog do Gindre
[08/11/12]
(Republicando) Regular a Internet: necessidade ou heresia? (parte 1) -
Gustavo Gindre
(Esta parte do meu artigo foi publicada na revista Teletime, n° 144, de junho de
2011.)
Em 1995, através da Norma 04, o Ministério das Comunicações definiu que
“provimento e utilização dos serviços de conexão à Internet” são um Serviço de
Valor Adicionado (SVA) que, por sua vez, é definido como sendo aquele que
“acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações meios ou
recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas,
relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação de
informações”. Esta decisão foi correta do ponto de vista político (pois permitiu
que a Internet não ficasse debaixo do então monopólio do Sistema Telebrás) e
técnico. Afinal, naquele momento, a Internet era, de fato, um serviço de valor
adicionado que se utilizava das redes construídas originalmente para o STFC.
Dezesseis anos depois, a Norma 04 parece ter se tornado um mantra, repetido por
muitos como uma garantia quase que divina de que a Internet não deve ser
regulada. Mas, se tanta coisa mudou neste período, não seria necessário ter a
coragem de revisitar a Norma 04 e abrir o debate sobre a regulação da Internet?
Ou, mais do que isso, será que alguma vez a Internet deixou de ser regulada? E
talvez aqui esteja o vício de origem de todo este debate: supor que só há
regulação quando ela é exercida pelo Estado. Ora, é fato que agentes de mercado
também exercem forte poder regulador, influenciando a direção que outros agentes
seguirão. Nesse sentido, podemos dizer que a Internet sempre foi regulada. O que
muda agora é a necessidade deste debate ser feito de forma pública, incluindo o
maior número possível de atores sociais, dado que a Internet é hoje um insumo
imprescindível para o desenvolvimento humano. Isso significa que precisamos sair
de um cenário de regulação privada para outro de regulação pública.
Infra-estrutura de telecomunicações
Ao contrário do início dos anos 90, não é mais verdade que a Internet se utiliza
de uma infraestrutura construída originalmente para outros serviços. Pelo
contrário, é o tráfego Internet que orienta econômica e tecnologicamente os
investimentos em telecomunicações. Já a voz do STFC é que tende a se tornar uma
commodity.
O governo sabe disso e percebeu que precisa de uma política para a
infraestrutura da Internet. Mas, infelizmente, optou por manter a
inviolabilidade da Norma 04 e embutir esta regulação no interior de um contrato
de outorga de um outro serviço, o STFC, ao invés de reconhecer a Internet em sua
especificidade. Esta opção terá nefastas consequências tanto para o STFC (ao
onerar as tarifas de voz com os investimentos feitos para o tráfego de dados)
quanto para a Internet (quando abrirmos o debate sobre a reversibilidade dos
bens). Defendo que se faz necessária a criação de um novo serviço de
telecomunicações, alicerçado em três pilares: a convergência entre voz, vídeo,
dados e mobilidade; a separação funcional entre os agentes econômicos que operam
as redes e aqueles que provêm o acesso; a transformação da operação da rede em
serviço a ser prestado em regime público (e privado), com o consequente Plano
Geral de Metas de Universalização (PGMU).
Arquitetura e padrões
Mas a Internet é mais do que a infraestrutura de telecomunicações. E um outro
debate, muito mais complexo, gira em torno das definições de padrões e
arquiteturas que, como nos lembra o professor Lawrence Lessig, são a “lei” da
rede. Por exemplo, quando a Apple decide que seus aparelhos não acessarão vídeos
em Flash, ela está ou não exercendo um poder de mercado significativo (PMS)? E
não seria aceitável algum tipo de auditoria nos algoritmos de busca do Google,
responsáveis por mais de 70% das buscas mundiais na Internet? Vale lembrar que
estar na primeira ou na décima página de uma busca no Google pode significar a
morte ou o sucesso de um empreendimento.
(INSERÇÃO POSTERIOR: além de Lawrence Lessig, com seu livro fantástico “Code
2.0“, outra boa referência para este debate é o livro “Protocol“, de Alexander
Galloway. Logo no prefácio o autor utiliza uma metáfora para explicar o poder
dos “protocolos”. Se uma cidade possui uma rua longa e larga e há vários casos
de carros transitando em altíssima velocidade por essa rua, duas são as formas
de tentar resolver o problema. A primeira é encher a rua de policiais que
ficarão anotando os carros que excederem o limite de velocidade. Mas, isso não
impede de verdade que os carros acelerem. Basta que os policiais não estejam na
rua por algum motivo ou que o motorista esteja disposto a pagar a multa. Outra
forma de resolver o problema seria colocar quebra-molas, por exemplo. Com isso,
mesmo que queiram, os motoristas não mais conseguirão andar na velocidade de
antes. A estes dispositivos Galloway chama de “protocolos” e eles têm o poder de
determinar o que pode e o que não pode ser feito, mas não através de leis. Ao
invés disso, eles definem o próprio conceito de “real” dentro da Rede. E quem
constrói os protocolos tem o poder de fato.)
Mas os padrões e as arquiteturas dos sistemas na Internet, em geral, são
definidos em fóruns internacionais, onde a presença das grandes empresas
transnacionais é avassaladora. Para atuar nessa arena, o País precisaria definir
objetivos (por exemplo, padrões abertos e interoperáveis) e aliados táticos e
estratégicos, no âmbito de uma política capaz de produzir um verdadeiro
desenvolvimento industrial. Definir, por exemplo, se seremos eternos
consumidores de padrões proprietários, com cujos royalties teremos que arcar, ou
se vamos ter algum tipo de inserção soberana.
Ou seja, precisamos ter uma política para nossa atuação em organismos como World
Wide Web Consortium (W3C), Internet Engineering Task Force (IETF), Internacional
Telecommunication Union (ITU) e Internet Corporation for Assigned Names and
Numbers (ICANN). Inclusive levando em consideração o fato de que em alguns
destes órgãos a atuação é institucional, do governo do país, e em outros ocorre
através de pesquisadores e empresas.
Neutralidade de rede
Este é um outro ponto onde a circulação do tráfego Internet já deveria ter sido
alvo de regulação. Nos Estados Unidos, a Eletronic Frontier Foundation (EFF)
acusa a AT&T de degradar a qualidade de serviços que a empresa considerava
concorrentes aos seus (como o VoIP) ou que poderiam expor o fato de que as
operadoras vendem, ao usuário final, uma largura de banda que simplesmente não
podem entregar (como o P2P). E o que impede que esta mesma prática esteja sendo
utilizada hoje no Brasil? Qual o controle existente?
Claro que se faz necessário reconhecer que serviços diferentes requerem
tratamento diferenciado. Por exemplo, um serviço de vídeo por streaming requer
uma latência mais baixa do que o envio de um e-mail. Contudo, a mesma qualidade
aplicada ao vídeo de uma empresa X deve ser fornecida ao vídeo de uma empresa Y,
sob pena de termos um cenário onde criar dificuldades para vender facilidades
pode se tornar um negócio bem lucrativo.
Fiquemos, então, com a definição aprovada por consenso pelos membros do Comitê
Gestor da Internet (CGI.br), mas que carece de forte regulação para se tornar
realidade: “filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios
técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais,
religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou
favorecimento”.
Privacidade e Segurança
No caso da privacidade e segurança dos dados que trafegam na Internet,
tradicionalmente tendemos a ter receios do Estado-leviatã, não sem bons motivos.
E isso vale tanto para a China e o Irã, por exemplo, quanto para os Estados
Unidos e sua poderosa National Security Agency (NSA). Mas, temos poucas
proteções contra a ação dos conglomerados de mídia e as centenas de dados que
conseguem coletar sobre um mesmo indivíduo: o que ele escreve no Gmail, o que
armazena no Google Docs, suas mensagens e redes de amigos no Facebook, suas
músicas no iTunes, fotos no Picasa, dados profissionais no Linkedin, sua
localização por GPS, compras nos cartões de crédito, logs de acesso, etc. Tudo
isso batido em poderosos liquidificadores de data mining que produzem as mais
diversas segmentações, capazes até mesmo de antecipar padrões de consumo. Hoje
em dia é possível até mesmo encontrar um mercado secundário de venda e compra de
dados pessoais, como no caso da empresa BlueKai.
A União Europeia já possui uma diretiva específica para lidar com a privacidade
e a segurança da informação e vários de seus membros estão criando agências para
regular o tema. Parece que, aqui também, estamos atrasados.
Direito autoral
Trata-se aqui, por um lado, de reconhecer a necessidade de termos modelos de
negócio capazes de remunerar o produtor (e que não entreguem o poder de gestão
dos direitos nas mãos de distribuidores/atravessadores) e, por outro lado,
reconhecer também que informação não é um bem rival e que pode ser reproduzida
ao infinito com custo marginal tendente a zero (especialmente na Internet, onde
não há mais um suporte físico para esta informação). Este novo modelo começa com
o reconhecimento de que “pirataria” é um termo impreciso demais e que coloca no
mesmo balaio circuitos de produção totalmente distintos, que vão desde as máfias
de reprodução e comercialização com fins de lucro até o peer-to-peer baseado
numa espécie de “gift economy”. Mas um novo modelo terá que reconhecer também
que o acesso à informação é um direito humano e não pode estar restrito às
demandas de lucro da indústria cultural.
Ou seja, precisamos de um novo regime de direitos autorais, que pactue uma
aliança possível entre a remuneração do produtor e o direito humano ao acesso à
informação e à cultura. Um regime radicalmente diferente daquele criado pelo
Estatuto da Rainha Ana, de 1710, e que ainda hoje preside o discurso dos agentes
econômicos do setor.