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19/11/12
• Rádio Cognitivo - Artigo: "Espectro e novas tecnologias de rádio digital –
oportunidades e desafios" - por Carlos A. Afonso
Olá, WirelessBR e Celld-group!
Conforme combinado no "post" anterior (O
rádio cognitivo e o futuro da internet - por Cristina de Luca), transcrevo
abaixo, com forte recomendação de leitura atenta:
Leia na Fonte: poliTICs
[15/11/12] Espectro e
novas tecnologias de rádio digital – oportunidades e desafios - por Carlos
A. Afonso
Para não haver confusão causada pelo título, o tema do artigo não é "Rádio
Digital" (IBOC, DRM, etc) mas sim "transcepção digital" ("o telefone celular
é um transceptor ou rádio digital – na verdade um smartphone hoje pode conter
vários rádios digitais para diferentes funções").
Boa leitura!
Um abraço cordial
Helio Rosa
Portal WirelessBRASIL
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Leia na Fonte: poliTICs
[15/11/12] Espectro e
novas tecnologias de rádio digital – oportunidades e desafios - por Carlos
A. Afonso
[Dowload pdf
aqui]
Carlos A. Afonso Diretor executivo do
Instituto Nupef e conselheiro do Comitê
Gestor da Internet no Brasil
O que é o Nupef
O Instituto Nupef (Núcleo de Pesquisas, Estudos e Formação) é um espaço dedicado
à reflexão, análise, produção de conhecimento e formação, principalmente
centrados em questões relacionadas às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs)
e suas relações políticas com os direitos humanos, a democracia, o
desenvolvimento sustentável e a justiça social.
Nota do autor: Esta é uma versão de trabalho sobre o tema, como parte de
uma linha de pesquisa em andamento do Instituto Nupef relacionada a aplicações
comunitárias do espectro aberto. Correções e comentários serão muito bem-vindos
:: Uma ficção introdutória
O ano é 2013. A história é hipotética. A cidade é Presidente Prudente – um
município de 210 mil habitantes no oeste paulista. Poderia ser qualquer outra
cidade média ou pequena do Brasil, mas temos que escolher uma entre as 5.565
municipalidades brasileiras para nosso exemplo – e escolhi o lugar onde nasci, a
90 km do Rio Paraná. Neste município, dos 45 canais de TV definidos para a TV
digital brasileira, foram designados os canais 19 (Rede Bandeirantes), 26 (Rede
Vida), 31 (Rede Globo), 43 (Rede Record) e 57 (MTV Brasil) – sendo que os
dois últimos ainda não estão em operação (este é um dado real, nesta história
hipotética).
A prefeitura municipal, em conjunto com a comunidade (volto a lembrar que este é
um exemplo hipotético), decidiu construir uma rede municipal para prover acesso
à Internet nos domicílios ao menor custo possível, com qualidade - e também
fornecer uma variedade de serviços públicos que incluem conectividade para a
segurança da cidade (por exemplo, para veículos dos serviços públicos, câmeras
de monitoramento etc.) e vários serviços de e-governo local. A prefeitura fez um
acordo com a Telebras, que fornece o trânsito da rede municipal
com a Internet a um preço que os gestores da rede municipal podem pagar, via um
ponto de presença de fibra óptica no município. Combinando rádios cognitivos
operando nas faixas de 700 MHz e utilizando os canais do dividendo digital (uma
vez que dos 45 canais definidos para a TV digital, somente cinco estão ocupados
no município por designação do agente regulador), com dispositivos wi-fi para
distribuir conectividade nos domicílios, a rede municipal é um sistema de
referência de inclusão digital em municípios brasileiros.
Seria possível tornar esta história real?
No Brasil, (ainda) não. Nossos agentes reguladores parecem ignorar algo que nos
EUA vem sendo planejado em sucessivas consultas públicas e executado desde 2004
– o aproveitamento das faixas liberadas da TV analógica e dos “espaços em
branco” entre os canais para uso comunitário e para serviços de Internet no
âmbito dos municípios, com o emprego
de transceptores digitais avançados conhecidos como “rádios de software” ou
“rádios cognitivos”.
Rádios cognitivos? Espaços em branco? Faixas em torno de 700 MHz?? Para que
isso, se já há tantos municípios que resolvem suas necessidades de rede
municipal com redes wi-fi, cuja legalização já é sacramentada e a tecnologia já
é bem conhecida?
Este texto pretende oferecer uma explicação introdutória sobre o que são espaços
em branco, rádios cognitivos, como estas tecnologias podem ser utilizadas, que
vantagens podem trazer, e os obstáculos e oportunidades para que um município
como Presidente Prudente (ou qualquer outro município brasileiro) possa pensar
em um projeto integrado de Internet para a comunidade como alternativa às
ofertas dos conglomerados de telecomunicações e de mídia.
:: A falácia do “acesso móvel”
No debate sobre os caminhos da democratização ampla do acesso à Internet, há uma
forte presença das operadoras de telefonia móvel, que procuram convencer-nos que
a conectividade móvel (via redes celulares) será a solução “definitiva” para
esta democratização. Para reforçar essa visão, apresentam estatísticas de acesso
global à Internet na ponta somando números de celulares vendidos e conexões
reais de banda larga fixa sem distinção de qualidade, preços e disponibilidade.
Para piorar, as operadoras priorizam áreas de mercado que geram mais ingressos,
e no Brasil vêm praticando os preços mais altos do mundo.
A grande maioria da população brasileira considerada pelas telefônicas como
“conectada à Internet” usa celulares em contratos pré-pagos, muito raramente
navegam na Internet, e a opção pela rede celular sem uma efetiva estratégia de
universalização do acesso no domicílio significa perpetuar uma estrutura de
castas – as que podem pagar terão o melhor serviço móvel em seus smartphones e
uma boa banda larga fixa em casa, e as que não podem pagar terão uma banda
pseudolarga em casa e uma forte restrição econômica de uso da Internet pelo
celular pré-pago. E essa tendência pode agravar-se com as propostas do lobby das
grandes operadoras (manifestando-se fortemente no processo de definição dos
novos Regulamentos Internacionais de Telecomunicação – ITRs) (1) para que estas
decidam os termos dos contratos de interconexão com provedores de conteúdo e com
os usuários na ponta, violando princípios básicos de neutralidade e isonomia de
acesso.
No entanto, isso não significa que transceptores digitais (o telefone celular é
um transceptor ou rádio digital – na verdade um smartphone hoje pode conter
vários rádios digitais para diferentes funções) não têm futuro na ponta. Pelo
contrário, além do que já é bem conhecido em inúmeras aplicações domésticas e
comunitárias (as técnicas de conexão via wi-fi), novas técnicas de comunicação
via rádio que utilizam de modo cada vez mais eficaz o espectro eletromagnético
têm progredido muito e podem avançar ainda mais – ao ponto que espaços do
espectro que eram considerados “esgotados” podem ser muito melhor aproveitados.
Por outro lado, para tornar um sonho como o descrito na abertura deste artigo em
realidade para todos os nossos municípios, é preciso reconhecer a necessidade de
investimentos
maciços em redes troncais (espinhas dorsais) de transporte de dados, através das
quais transitam dados de milhões de celulares e conexões fixas.
Dados apresentados pela Cisco (2) estimam um crescimento global de tráfego de
dados de 26 vezes entre 2010 e 2015 em redes móveis, quando estarão trafegando
230 petabytes (3) por dia (ou 26,7 terabits por segundo) – especialmente devido
à crescente demanda por vídeo móvel e acesso às “nuvens” da Internet.
Além do aumento do número de estações de radiobase (as estações ou “antenas de
celular” que vemos no topo de alguns edifícios) para desafogar as existentes (no
Brasil há até dez vezes mais celulares por estação que nos EUA ou Europa), é
preciso investir nas redes troncais que transportam as chamadas e dados dessas
estações entre si e para a Internet. Os ramos de fibra óptica dessas redes
troncais precisam chegar a todos os municípios, com capacidade abundante e à
prova de futuro, oferecendo um ou mais pontos de presença
da rede com garantia de acesso isonômico e a custo acessível para redes
comunitárias, redes de pesquisa, redes municipais, bem como para empreendedores
locais de serviços Internet.
Essas garantias são essenciais para viabilizar o aproveitamento amplo das novas
tecnologias de rádio nos bairros, nas cidades, nas comunidades urbanas esparsas
e no meio rural.
:: De que espectro falamos?
O espectro eletromagnético usado para radiocomunicação em geral, sob a
supervisão da União Internacional da Telecomunicação (UIT/IT U) (4), tipicamente
cobre o intervalo entre 3 kHz (três mil Hertz ou “ciclos” por segundo) e 300 GHz
(300 bilhões de Hertz). É uma imensa faixa de espectro de frequências que vão
desde o equivalente ao espectro sonoro audível até a radiação infravermelha,
próxima à luz visível. Em várias formas, há hoje operações de rádio em porções
de toda essa faixa de frequência.
É uma propriedade da radiação eletromagnética que, conforme a frequência
aumenta, a propagação torna-se mais direcional e mais vulnerável a obstáculos
físicos e condições atmosféricas. Enquanto as transmissões de rádio em ondas
médias (AM, normalmente entre 535 kHz e 1,65 MHz) ou faixas tradicionais de
rádio em ondas tropicais ou ondas curtas podem chegar a milhares de quilômetros,
rádios em FM e televisão nos canais VHF ou UHF mal ultrapassam a linha do
horizonte sem a ajuda de estações repetidoras.
Certas faixas bem estreitas de frequência são definidas em tratados
internacionais como de uso livre restrito (com alcance limitado a alguns metros)
para comunicação de rádio de vários tipos. Alguns exemplos do cotidiano hoje são
o telefone caseiro sem fio, os dispositivos de controle remoto e bluetooth.
As faixas denominadas “não licenciadas” na verdade têm uma autorização de
operação sem licença dentro de limitações rigorosas quanto ao uso (comercial ou
não), ao alcance e à potência de transmissão – é o caso das estreitas faixas
onde operam os dispositivos conhecidos como wi-fi, em torno de 2,4 GHz e 5,8
GHz. Para operação nessas faixas com alcance e/ou potências maiores (por
exemplo, redes comunitárias, redes municipais, provedores locais de serviços
Internet), é preciso obter uma licença da Anatel. (5)
No outro extremo estão faixas licenciadas e rigorosamente controladas
exclusivamente para uso primário (ou seja, de uso exclusivo permanente de uma
concessionária – as frequências não podem ser compartilhadas na região de
autorização, ao contrário, por exemplo, das faixas wi-fi), cedidas a operadoras
para prestação de serviços específicos através de leilões ou autorizações de
vários tipos usualmente a preços muito altos, ao alcance apenas das grandes
empresas de telecomunicação e mídia.
No Brasil as faixas de espectro não são vendidas – o que se faz, no caso de
faixas licenciadas, é a cessão de porções do espectro para uso primário em
determinada região por tempo limitado, sujeito ou não a renovação. Pelo menos na
lei, ninguém pode ser “dono” de faixa de espectro no Brasil – este é (ou deveria
ser) um bem comum do povo brasileiro.
Mesmo no caso de frequências de uso livre, os equipamentos (telefones, controles
remotos, dispositivos wi-fi ou bluetooth, entre outros) têm que ser certificados
pela agência reguladora, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) (6).
:: As novas tecnologias de transcepção digital
De especial interesse para aplicações comunitárias são os rádios wi-fi e
equipamentos similares que operam com a tecnologia de espalhamento de espectro
(spread spectrum), uma técnica de mudança automática de canais que permite
compartilhar as estreitas faixas não licenciadas com dezenas de outros rádios em
cada localidade. Estes hoje são os dispositivos mais usados para o acesso na
ponta em redes comunitárias e redes municipais, e, em vários casos, mesmo em
serviços comerciais locais de acesso à Internet. Os rádios wi-fi operam
comumente faixas de frequência em torno de 2,4 GHz e 5,8 GHz. Rádios spread
spectrum digitais podem ser considerados os primeiros rádios digitais para
comunicação de dados operados
por software embarcado, também conhecidos simplesmente como “rádios de
software”.
Avanços recentes que combinam poder de computação, logística de informação e
técnicas avançadas de rádio digital levam a uma nova tendência na
radiocomunicação: os rádios
cognitivos. Trata-se de rádios de software especialmente concebidos para operar
em várias frequências de modo automático programável, seja através da consulta a
um banco de dados
remoto de frequências disponíveis em sua região de operação (logística de
informação), seja através de sofisticados algoritmos de sensoriameno de
frequências em uso (poder de computação), permitindo até o uso secundário (ou
seja, coexistindo com o uso formalmente cedido pelo agente regulador) de faixas
sem afetar o serviço primário respectivo nessas faixas. Por exemplo, uma
operadora pode ter uma licença na faixa de 700 MHz mas usar apenas algumas
porções da faixa em cada região – um rádio cognitivo pode identificar por
algoritmos que porções não estão sendo utilizadas a cada microssegundo e operar
nessas porções, prestando outros serviços.
Um rádio cognitivo pode ser capaz de operar em diversas porções de espectro sem
uso simultaneamente, ampliando em muito sua capacidade de transmissão de dados.
Há rádios
em teste que são capazes de operar em qualquer frequência entre 100 Mhz e 7,5
GHz com uma capacidade de transferência de dados de até 400 Mbits/s. (7)
:: O fim da TV analógica, o dividendo digital e os espaços em branco
A tabela de atribuições do espectro de um país é muito longa e em geral inclui
as atribuições propostas pela UIT e as efetivamente adotadas no país. O “filé
mignon” do espectro atualmente está entre 50 MHz e 6 GHz – isso inclui todas as
faixas de rádio FM, TV analógica e digital, bem como as inúmeras faixas de
frequência de telefonia móvel e enlaces ponto a ponto de alta velocidade, entre
outras.
As faixas de televisão nas Américas em geral vão de 54 MHz a 88 MHz e 174 MHz a
216 MHz para os canais VHF (canais 2 a 13) e de 470 MHz a 890 MHz para os canais
UHF (canais 14 a 83). O intervalo entre 88 MHz e 174 MHz é ocupado por canais de
rádio FM, de radionavegação aérea e canais de radiomadores.
A distribuição de canais analógicos no Brasil segue exatamente a dos EUA, já que
adotamos uma variação do sistema NTSC de televisão – em que a única diferença é
a forma de modulação para as cores, para a qual o Brasil adotou a norma europeia
PAL, dando origem ao padrão brasileiro conhecido como PAL-M.
As faixas de frequência para os canais de FM e TV portanto são idênticas às dos
EUA, e os canais de TV têm, do mesmo modo, uma largura de faixa de 6 MHz. O
canal 37 está reservado a radioastronomia, e os canais 52 a 83 (698 a 890 MHz)
são atribuídos a serviços móveis terrestres e estão em disputa para uso com
novas tecnologias (4G/LT E).
A UIT considera como “dividendo digital” as porções do espectro originalmente
designado à TV analógica que não serão utilizadas na TV digital. Com a migração
para a TV digital, estas
porções estão ou estarão em disputa. Ademais, na transmissão analógica de rádio
e TV, é necessário sempre deixar em cada localidade um canal vazio para evitar
interferências entre canais adjacentes – estes são os “espaços em branco” (white
spaces).
Por exemplo, em uma mesma localidade podem coexistir os canais 2 e 4 de TV
analógica, mas o canal 3 tem que permanecer vazio. Na TV digital essa separação
perde o sentido, uma vez que a tecnologia permite o uso de frequências
adjacentes sem interferência. No dividendo digital e nos espaços em branco estão
as novas oportunidades de uso do espectro de forma ampla para uso comunitário,
bem como para uso por governos e empreendedores locais, especialmente com o
emprego de rádios cognitivos.
No Brasil a introdução da TV digital foi regulamentada pelos decretos 4901/2003
e 5820/2006, com a criação do Sistema Brasileiro para Televisão Digital (SBTVD)
(8). Estão definidos
45 canais (canais 14 a 69) operando entre 470 MHz e 806 MHz.(9) A regulação não
estabeleceu esta plataforma como um novo serviço. Os atuais detentores de
autorizações de canais receberam uma faixa de frequência com a mesma largura dos
atuais canais analógicos (6 MHz), e os canais comerciais não podem operar com
multiprogramação.
A regulação permite o uso de multiprogramação somente para serviços públicos, o
que foi reafirmado pela Portaria 106 de 03 de março de 2012: “permite o
compartilhamento não-oneroso
das faixas de programação entre órgãos da União – que tenham canais de 6 MHz
consignados para transmissão digital – e órgãos, autarquias e fundações públicas
dos estados, do Distrito Federal e dos municípios... devem ser respeitadas as
finalidades educativas, artísticas e culturais; divulgação de programações
locais e regionais; de estímulo a produções independentes; divulgação de atos,
sessões etc de interesse dos órgãos e, ainda, aplicações de serviços públicos.”
(10)
O SBTVD é uma versão modificada da plataforma japonesa ISDB-T, e é conhecida
internacionalmente como ISDB-Tb. Esta versão modificada é também adotada pela
Argentina, Chile, Peru, Venezuela, Equador, Paraguai e Costa Rica. Outros países
que em 2011 consideravam a adoção do sistema brasileiro eram a Bolívia, Jamaica,
República Dominicana, Belize, Guatemala, Honduras, Nicaragua, Suriname,
Moçambique, Tanzânia, Malawi e África do Sul. O padrão utiliza o sistema de
compressão de vídeo H.264 (MPEG-4 AVC) e um middleware (11) desenvolvido no
Brasil – o Ginga. Em abril de 2009 a UIT certificou o módulo Ginga-NCL e sua
linguagem de programação associada NCL/LUA como a primeira recomendação
internacional para ambientes multimeios digitais interativos para TV digital e
IPTV (recomendação H.761).
Cada canal permite transmissão em alta definição plena (1080p) ou a transmissão
simultânea de um canal em alta definição (720p) e um canal em definição padrão
(480p) – esta última forma é a que está sendo utilizada pelas principais
emissoras que já operam em modo digital. A má notícia é que o prazo para que as
emissoras completem a transição foi adiado pelo Ministério das Comunicações de
2016 para 2020 – mas não é preciso esperar pela transição para começar a
utilizar os espaços em branco com rádios cognitivos, desde que os entes
reguladores percebam a urgência de definições neste campo.
:: Os avanços nos países desenvolvidos
Em janeiro de 2012, a primeira rede comercial utilizando os espaços em branco da
TV UHF foi ativada nos EUA, na cidade de Wilmington, Carolina do Norte,
culminando um processo
regulatório iniciado pela Federal Communications Commission (FCC) em maio de
2004 (quando foi iniciada uma consulta pública sobre o uso de dispositivos não
licenciados em canais de TV sem uso). O resultado dessa consulta foi o anúncio,
em setembro de 2006, pelo Escritório de Engenharia e Tecnologia da FCC, de um
“cronograma projetado para efetivar a operação não licenciada nos canais de
transmissão de TV.” (12)
Dadas suas características de propagação muito melhores que as do wi-fi, a rede
de Wilmington permite o posicionamento muito mais fácil de certos dispositivos e
serviços, como a rede
municipal de câmeras de monitoramento, comunicação de veículos dos serviços
públicos, bem como a ativação de pontos de acesso sem fio (combinando, por
exemplo, a rede da cidade com distribuição local via wi-fi). Como emprega rádios
cognitivos, a rede não interfere nas transmissões de TV. No caso de nosso
exemplo hipotético do começo deste texto, o município de Presidente Prudente
poderia interligar seus quatro distritos (Ameliópolis, Eneida, Floresta do Sul e
Montalvão) utilizando rádios cognitivos na faixa de 700 MHz com bem menos
estações repetidoras que seriam necessárias se usasse redes de malha wi-fi.
Do mesmo modo, a FCC tem apoiado desde 2009 (através de medidas regulatórias e
experimentos concretos) o uso da mesma tecnologia em redes municipais e
comunitárias. Isso tem estimulado a indústria de equipamentos de rádio a avançar
no lançamento de rádios cognitivos disponíveis comercialmente para essas
aplicações. As estratégias de projeto trabalham com uma combinação de rádios
cognitivos nos canais em torno de 700 MHz com rádios wi-fi nas faixas de 2,4 GHz
e 5,8 GHz, formando uma espinha dorsal integrada municipal.
Os EUA estudam a reatribuição do espectro nas faixas de TV analógica desde 2002.
A FCC concordou no final de 2008 em abrir os espaços em branco (conhecidos no
jargão técnico como TVWS) para uso não licenciado ou licenciamento “leve”. Em
setembro de 2010 aprovou as regras para operar rádios nos espaços em branco e
nos canais livres onde a transição para a TV digital já foi concluída, com a
adoção do método de geolocalização de frequências livres por base de dados, para
proteger o uso primário do espectro de possíveis interferências. Um conjunto de
faixas equivalentes a 48 canais de TV analógica, totalizando 288 MHz, foi
liberada para uso não licenciado ou para licenciamento leve. Um novo padrão para
rádio cognitivo para essas aplicações foi desenvolvido pela IEEE (802.22) (13) e
publicado em 2011.
No Canadá, em agosto de 2011 o Ministério de Indústrias do Canadá (Industry
Canada) fez uma consulta para o possível uso de dispositivos cognitivos não
licenciados nos espaços em branco ou livres das faixas abaixo de 698 MHz. Desde
setembro de 2010 o Canadá segue a política de licenciamento leve para essas
faixas, em faixas similares às dos EUA. Para aplicação em áreas rurais, também
com licenciamento leve, estão reservadas as faixas 512-608 MHz e 614-698 MHz.
Outros exemplos de países que avançaram com regras similares são a Finlândia, a
Inglaterra (14) e o Japão. A União Europeia trabalha para definir regras comuns
similares.
:: As perspectivas no Brasil e em nossa região
O avanço das tecnologias de rádio cognitivo viabiliza inúmeras aplicações de uso
secundário do espectro. Utilizando transmissão digital com tecnologias avançadas
de modulação (como as empregadas nas atuais redes 4G/LT E) pode-se alcançar
densidades de dados de mais de 15 bits por Hertz.
Em um canal de 6 MHz dos espaços em branco, por exemplo, com essa densidade se
poderia transmitir teoricamente a 90 Mbits/s (comparados aos cerca de 20 Mb/s do
broadcasting da TV digital). Como já visto, pode-se combinar várias faixas para
aumentar a capacidade de transmissão.
Em torno da frequência de 450 MHz (em que as condições de uso são muito
similares às faixas em torno de 700 MHz) já há tecnologias comerciais e exemplos
concretos de uso do rádio cognitivo para redes de grandes empresas, que
tradicionalmente usam essa banda para suas redes internas. (15)
Aqui também há espaço a considerar para uso secundário, especialmente no meio
rural e em áreas de comunidades esparsas.
Enquanto nos EUA e em outros países desenvolvidos tem havido um forte avanço das
estratégias regulatórias associadas às tecnologias de rádio cognitivo para
permitir seu uso na otimização do espectro e também na ponta, no Brasil e em
outros países da América do Sul essas iniciativas têm sido tímidas - na melhor
das hipóteses. Comunidades e governos locais, sem informação qualificada, não
têm como demandar dos agentes reguladores normas adequadas de licenciamento, e
estes agentes por sua vez estão quase que exclusivamente concentrados em
responder às demandas comerciais dos grandes conglomerados de mídia e
telecomunicações.
O dividendo digital é um caso especialmente delicado, já que os atuais
detentores dos canais de TV (basicamente grandes conglomerados de mídia) pensam
em ocupar um espaço como provedores de serviços de rede usando os atuais espaços
em branco, bem como os canais que serão liberados pela TV digital. Por outro
lado, sob o argumento do esgotamento do espectro, as grandes empresas de
telefonia móvel pressionam na disputa da faixa de 700 MHz. Um relatório da
AHCIET (uma associação de empresas de telecomunicação atuantes no
mercado ibero-americano) (16) argumenta que a cobertura da chamada “banda larga
móvel” poderia aumentar de 75% para 95% na Argentina e Brasil, de 53% para 90%
na Colômbia, de 39% para 94% no México e de 65% para 89% no Peru. (17) Mas os
resultados desta disputa ainda não estão claros.
Tal como as empresas de telecomunicações buscam avançar na oferta de serviços
multimeios (IPTV e outros), as atuais empresas de mídia querem também atuar na
faixa de 700 MHz para oferecer serviços móveis.
Na disputa pelas faixas de 700 MHz, os conglomerados de mídia argumentam que é
muito cedo para decisões sobre designação desses canais, e que as empresas de
telecomunicações já têm uma grande quantidade de espectro disponível que usam de
modo ineficiente. De acordo com os cálculos de uma das associações empresariais
de mídia (ABERT) (18), as empresas de telecomunicações no país já detêm um total
de espectro equivalente a uma largura de 795 MHz, enquanto para o mesmo setor
nos EUA essa largura é de 574 MHz (onde há um uso muito mais intenso) – e em
ambos os países há evidências de uso ineficaz do espectro. (19) A mesma ABERT
afirma que a alegada necessidade de 1280 MHz adicionais para uma amostra de 14
países não se confirma na prática.
Já o Ministério das Comunicações (MiniCom) afirma que a atribuição dessas faixas
só ocorrerá depois da desativação da TV analógica. Entidades civis que monitoram
as políticas de uso do espectro no Brasil insistem que a atribuição e
distribuição do espectro tem que ser decidida com base em consultas públicas com
a sociedade e não somente com base em modelos de negócios. A Constituição do
Brasil prevê um sistema público de TV com alcance amplo, mas isso até hoje não
avançou a contento, em parte pela alegada “falta de espectro”. Agora existe a
oportunidade, com a TV digital, de avançar muito. (20)
Enquanto na América do Norte e Europa praticamente toda a regulação para uso
comunitário já foi definida ou está sendo concluída, com instalações comerciais
concretas já em operação em algumas municipalidades, no Brasil a Anatel está
concentrada apenas na definição do licenciamento para possível uso de serviços
móveis 4G/LT E na faixa de 698 MHz a 806 MHz. (21) Para a Região 2 da UIT
(Américas), a Recomendação 224 da entidade indica as frequências de 698 MHz a
806 MHz para serviços móveis. As recomendações da UIT foram discutidas pela
Comissão Interamericana de Telecomunicações (CITEL, vinculada à OEA) (22) em
2006, que recomendou as frequências de 698 a 764 MHz e de 776 a 794 MHz para
serviços móveis, reservando as frequências de 764 a 776 MHz e de 794 a 806 MHz
para uso governamental – mas não ocorreu adoção formal explícita desta
recomendação por parte dos países membros até agora.
Cabe especialmente a governos e empreendedores locais, bem como a entidades
comunitárias e movimentos pela inclusão digital, manifestar-se ativamente por
uma política em defesa do uso não licenciado ou com licenciamento leve do
espectro não utilizado em cada região (ou passível de utilização secundária)
empregando rádio cognitivo na ponta.
Estas oportunidades requerem também uma política de acesso às espinhas dorsais
com uma relação benefício/custo que viabilize essas iniciativas locais.
Espera-se que os “planos de banda larga” do governo federal contemplem essas
garantias para estimular a inovação e a inclusão digital, diversificando as
oportunidades na ponta, que é onde todos nós vivemos.
--------------------------------------------
Notas:
1. Ver http://www.itu.int/ITU-T/itr
2. Cisco, Cisco Visual Networking Index: Global Mobile Data Traffic Forecast
Update, 2010–2015, fevereiro de 2011.
3. Um Petabyte equivale a 1048575,86 Gigabytes.
4. Ver http://itu.int
5.Ver Há dois tipos de licenças “leves” no Brasil para operação de redes sem
fio, requeridas mesmo que utilizando dispositivos não licenciados nestes
casos: para operação comercial, deve-se obter uma licença de Serviço de
Comunicação Multimeios (SCM) – uma autorização única de R$9 mil. Para uso sem
finalidade
lucrativa, como uma rede municipal ou comunitária, há a licença de Serviço
Limitado Privado (SLP), ao custo simbólico de R$400.
6. Ver http://www.anatel.gov.br
7.”Frequency-Hopping RadioWastes Less Spectrum”, Technology Review, June 13,
2012,
http://www.technologyreview.com/news/428182/frequency-hopping-
-radio-wastes-less-spectrum
8. Informação detalhada sobre o SBTVD está em
http://pt.wikipedia.org/wiki/SBTVD
9. A lista completa dos canais e cidades já definidos no Brasil pode ser
consultada na Wikipedia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_canais_da_televis%C3%A3o_digital_brasileira
10. “TV Digital: Minicom permite compartilhamento de multiprogramação,”
SINRAD-DF, 13/março/2012, em
http://www.radialistasdf.com.br/noticia2.php?id=758
11. Middleware é o neologismo criado para designar camadas de software que não
constituem diretamente aplicações, mas que facilitam o uso de ambientes ricos em
tecnologia da informação. A camada de middleware concentra serviços como
identificação, autenticação, autorização, diretórios, certificados digitais e
outras
ferramentas para segurança. Ver em
http://www.rnp.br/noticias/2006/not-060926.html
12. US Federal Communications Commission, “Office of Engineering and
Technology Announces Projected Schedule for Proceeding on Unlicensed Operation
in the TV Broadcast Bands”, DA 06-1813, ET Docket No. 04-186, 11-setembro-2006.
13. Ver http://www.ieee802.org/22
14. Na Inglaterra, as seguintes faixas são consideradas disponíveis para uso não
licenciado ou licenciado “leve”: 566-590 MHz (atuais
canais de TV UHF 33 a 35); 806-854 MHz (atuais canais de TV UHF 63 a 68). As
faixas 470-550 MHz, 790-806 MHz e 630-790 MHz são reservadas à TV digital,
totalizando
259 MHz de espectro, ou 34 canais de 8 MHz. Algumas variações menores devem
ocorrer com a relocação de faixas atualmente usadas para radar e
radioastronomia.
15. Ver o exemplo de Petrobras no Brasil em
http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=27950&sid=17&utm_medium=
twitter&utm_source=twitterfeed
16. Ver http://www.ahciet.net
17. Estudo contratado com a Telecom Advisory Services LLC (TA S) pela GSMA e
AHCIET.
Ver
http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=27781&sid=17&utm_medium=twitter&utm_source=twitterfeed
18. Ver http://www.abert.org.br.
19. Luís Osvaldo Grossman, “Teles e radiodifusão afiam disputa pelo 700 MHz”,
Convergência Digital, 25-nov-2011,
em
http://convergenciadigital.uol.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=28199&sid=17&utm_medium=twitter&utm_source=twitterfeed
20. Entre estas entidades estão
Intervozes (http://www.intervozes.org.br)
e o Nupef (http://www.nupef.org.br).
21. Anatel, Portaria 681, 6-agosto-2012.
22. Ver
http://web.oas.org/citel/en/Pages/default.aspx