Leia na Fonte: Dia a dia, bit a bit
[26/12/13]
Previsões, 6: nova governança global
Desde que
edward
snowden chutou o balde da espionagem digital americana e expôs o que
todo mundo desconfiava mas só uns poucos tinham certeza [de que os EUA
espionavam todo mundo, em todo canto, o tempo todo…], ficou uma grande
indagação no ar:
será que ainda é possível manter uma
internet realmente global, una, e governada do mesmo modo que vinha sendo
desde o princípio? para quem não está sabendo o que está rolando,
é bom ler este link antes.
a internet nasceu de um projeto do
departamento de defesa dos EUA; ao se tornar
comercial, consequentemente aberta, na década de 90, a
alternativa natural que o DoD encontrou para governar da rede foi o
departamento de comércio dos EUA. o que
chamamos de ministérios, aqui, são “departamentos” lá. e departamentos de lá
têm menos certeza de sua competência do que os ministérios daqui; e eles nem
têm um departamento de comunicações; se a internet comercial tivesse saído
do brasil, teríamos tido uma briga danada pro miniCom não botar a coisa na
telebrás. e aqui, nos anos 90, deu um trabalho danado pra tirar a internet
da embratel estatal. saiu a fórceps. nos EUA, o departamento de comércio,
querendo uma rede global, mas centrada nos e administrada de acordo com uma
filosofia americana [que à época a gente poderia chamar –pra rede- de
aberta…], transferiu a administração da rede para uma corporação privada,
sem fins lucrativos, a ICANN,
constituída sob as leis americanas e funcionando na califórnia. até aí,
tudo bem. ou quase.
durante muito tempo, a ICANN deu conta do recado, apesar dos que
reclamavam da proximidade entre o governo dos EUA e a instituição e, de
resto, como era que a internet, a principal infraestrutura global do século,
não era gerida de de forma verdadeiramente global. pois é… ocorre que a
alternativa óbvia à ICANN era –e é- a
ITU, instituição da rede da ONU, fundada em 1865, primeiro para ordenar
a telegrafia global, depois para estabelecer regras de compartilhamento de
espectro eletromagnético, telefonia e, por fim, satélites, seus padrões e
posições. o modelo da ITU, como quase tudo na ONU, é um governo,
um voto, sobre temas em que a opinião de tuvalu [que
“vendeu” o domínio .TV pra verisign] vale tanto quanto a do brasil. na
ITU, engenharia e sociedade têm muita dificuldade de aparecer, e votar… nem
pensar. a ICANN foi montada ao contrário; lá, governos aparecem, mas não
votam. nem o americano, claro. ou, diriam uns… nem tão
claro assim.
acontece que há muita gente, e mesmo americanos, da ICANN e de
instituições de referência na rede, como a
EFF, que já não mais apoia a ICANN em seu formato atual, boa parte em
função do que agora se sabe sobre a máquina de espionagem em rede, global,
dos EUA. é como se a mágica americana, de criar a rede, tivesse virado
maldição.
por outro lado, só alguns governos com tendências abertamente
controladoras [e isso pra dizer o mínimo] querem transferir poderes da ICANN
pra vetusta ITU…, o que abre um perigoso abismo entre como a rede é
governada, agora e até aqui e como é que os muitos, múltiplos, complexos,
poderosos e bilionários interesses ao redor da rede são representados no
futuro… incluídos os direitos de gente comum como eu e o leitor, simples
usuários de parte do que está na rede. pense num rolo. que vai ter que ser
desenrolado a partir de 2014, e isso começa em abril, no brasil.
pra entender a parada em muito mais detalhe,
clique aqui [em português, mais de 4 mil palavras, dá uma boa leitura
pro feriado]. uma coisa é certa: a forma de governar a internet vai mudar.
tomara que seja pra melhor. e pra todos. será?
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Leia na Fonte: Observatório da Internet
[28/11/13]
Conferência Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet: o
que é? de onde veio? para onde vai? - por Joana Varon
São Paulo vai sediar, nos dias 23 e 24 de abril de 2014, a “Conferência
Multissetorial Global Sobre o Futuro da Governança da Internet”. Até o momento,
o que se sabe é que o objetivo da Conferência é
“buscar consenso sobre princípios de governança universalmente aceitos e sobre o
aperfeiçoamento de seu arcabouço institucional.”Mas ainda há muito o que se discutir para que delineie um escopo mais focado,
uma visão mais clara dos resultados que se pretende alcançar e quais os
procedimentos para atingi-los de forma que a ampla participação de todos os
setores interessados seja garantida, para que o evento seja de fato
“Multissetorial” e “Global”, portanto, capaz de trazer propostas concretas para
o “Futuro da Governança da Internet”.
A idéia do evento vem em um momento propício em que, diante das revelações de
Snowden, muito da confiança entre os vários atores, que fazem a rede ser o que
ela é hoje, se rompeu. Por outro lado, apesar de ter recebido apóio de governos,
sociedade civil e comunidade técnica, enquanto todos estes detalhes sobre o
evento ainda se estabelecem, também percebe-se um momento de muitas perguntas.
Visando informar e, particularmente, engajar mais representantes da sociedade
civil brasileira neste processo que está se iniciando, este post tem o
objetivo de resgatar a trajetória dos últimos acontecimentos que levaram à idéia
do evento no Brasil e destacar oportunidades e questões que devem ser
solucionadas nos meses que se seguem.
É um post em grande parte descritivo, resgatando uma trajetória. Um tanto
longo, mas dividido em sessões autosuficientes, relativas a cada evento que
alimentou esse processo de concepção da Conferência. Se já estiver a par de
parte do processo, sugiro ir saltando as sessões, e ir fazendo escalas nas
cidades/encontros aqui relatados, de acordo com sua curiosidade.
No dia 24 de setembro deste ano, a presidenta Dilma Roussef, reconhecendo o
direito à privacidade como uma condição para a liberdade de expressão e,
consequentemente, para o exercício da democracia, destacou em
seu discurso de abertura na 68º Assembléia-Geral das Nações Unidas que, no
contexto nacional, o Brasil iria
“redobrar os esforços para dotar-se de legislação, tecnologias e mecanismos que
protejam [seus cidadãos] da interceptação ilegal de comunicações e dados.”
Ainda assim, ciente da natureza global da rede, e receosa de que as TICs se
tornem
“um novo campo de batalha entre os Estados”, a presidenta destacou também
que, ainda assim, “o
problema afeta a própria comunidade internacional e dela exige resposta.”
De forma propositiva, a presidenta então elencou a necessidade de estabelecer
mecanismos para garantir os seguintes princípios:
“a) Da liberdade de expressão, privacidade do indivíduo e respeito aos
direitos humanos.
b) Da Governança democrática, multilateral e aberta, exercida com transparência,
estimulando a criação coletiva e a participação da sociedade, dos governos e do
setor privado.
c) Da universalidade que assegura o desenvolvimento social e humano e a
construção de sociedades inclusivas e não discriminatórias.
d) Da diversidade cultural, sem imposição de crenças, costumes e valores.
e) Da neutralidade da rede, ao respeitar apenas critérios técnicos e éticos,
tornando inadmissível restrições por motivos políticos, comerciais, religiosos
ou de qualquer outra natureza.”
Na mesma semana, a presidenta recebeu uma
carta de apoio ao seu discurso, hoje disponível na plataforma da rede BestBits
com assinaturas de mais de 60 entidades da sociedade civil de todo o mundo,
recebendo suporte inclusive de redes internacionais como a Associação para o
Progresso das Comunicações (APC), a Consumers International e a Internet
Governance Caucus, que representam muitas outras associações.
Entregue em mãos para a presidenta, a carta endossou os 5 princípios
enunciados pela presidenta, mencionando a positiva consonância dos mesmos com os
princípios criados de maneira multissetorial pelo Comitê Gestor da Internet no
Brasil. E reforçou o apoio para uma extensão do modelo multissetorial do CGI.br
para esferas mais amplas da Governança da Internet.
Umas semanas depois, no dia 7 de outubro, a Declaração de Montevidéu sobre o
Futuro da Cooperação na Internet ressaltou a necessidade de
“esforço contínuo para lidar com os desafios de governança da Internet e de
catalisar esforços para evolução da cooperação global multissetorial para a
Internet.” Feita em parceria por vários atores da comunidade técnica,
particularmente a Internet Engineering Task Force (IETF), o World Wide Web
Consortium (W3C) e a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN),
a declaração também pediu pela aceleração da globalização das funções da ICANN e
da IANA, de forma que todas as partes interessadas, incluindo todos os governos,
possam participar em pé de igualdade.
Na mesma semana da declaração, o CEO da ICANN, Fadi Chehadé, se reuniu com a
presidenta Dilma Rousseff. Fadi ressaltou que o Brasil assumiu uma liderança
global ao levar o tema da governança da internet para a agenda internacional e
reafirmou que o modelo atual precisa evoluir, o que exige mudanças em suas
instituições.
Na ocasião, a presidenta Dilma e Fadi concordaram em
“promover, na cidade do Rio de Janeiro, uma cúpula mundial sobre o tema, onde
líderes globais, dos governos e dos diversos setores, discutiriam conjuntamente
as propostas da Nova Governança da Internet, sob os princípios expressos pela
Presidenta durante seu discurso nas Nações Unidas.”
Na mesma ocasião, a presidenta nomeou então um comitê organizador para até
então chamada Cúpula, formado pelo Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo
Silva; o Secretário de Políticas de Informática do Ministério de Ciência,
Tecnologia e Inovação, Virgilio Almeida; o Assessor Especial da Presidência,
Valdir Simão e o Comitê Gestor da Internet, representado pelo Secretário
Executivo, Harmut Glaser.
Semanas depois, os nomeados pela presidenta, acompanhados também pelo
Embaixador Benedicto Fonseca Filho, Diretor do Departamento de Ciência e
Tecnologia do Ministério de Relações Exteriores, por Marcelo Bechara, da Anatel,
e outros representantes desses mesmos órgãos de governos, partiram em missão
diplomática para o VIII Fórum de Governança de Internet – IGF, realizado em
Bali, Indonésia, entre os dias 21 ao 25 de Outubro. Com exceção do IGF Rio, foi
a primeira vez que o Brasil participou do IGF com uma delegação de tão alto
escalão.
Durante a Sessão de Abertura do IGF, apesar do Ministro Paulo Bernardo
reafirmar os princípios elencados pela presidenta na ONU, o anúncio do evento
não foi feito em Bali. A missão brasileira tinha outro objetivo, de começar o
processo de negociações para a concepção do encontro.
Na ocasião, entre uma apertada agenda de compromissos com delegações de
outros países, comunidade técnica e outros atores, a delegação se reuniu também
com cerca de 30 representantes de entidades da sociedade civil internacional,
entre acadêmicos e ativistas, muitos dos quais envolvidos em questões de
governança da internet desde antes da WSIS (Cúpula Mundial sobre a Sociedade da
Informação).
Com experiência extensa na discussão sobre princípios, proteção de direitos
humanos na rede e concepção de arranjos institucionais para governança da rede,
os participantes da reunião ressaltaram a preocupação de que representantes da
sociedade civil sejam sempre envolvidos em todos os estágios da preparação do
evento e em eventuais processos decisórios durante a mesma, devendo os mesmos
serem selecionados por mecanismos democráticos concebidos pelos próprios membros
deste setor.
Os participantes da reunião também destacaram que as experiências nacionais
do Brasil em utilização de colaboração online e processos participativos para
elaboração de políticas deveriam ser levados em conta na preparação da então
chamada Cúpula, que deveria ser precedida por uma consulta pública aberta e
global sobre os assuntos a serem debatidos.
Por fim, foi destacada a importância de que de o evento levasse em conta
outros processos em andamento nos debates sobre governança da rede, como as
discussões no IGF, as reuniões do Grupo de Trabalho em Cooperação Aprimorada (WGEC)
da Comissão de Ciência e Tecnologia (CSTD), o processo de revisão da WSIS, etc.
As posições do grupo foram bem recebidas e, na ocasião, apesar de feitas
ressalvas sobre o curto tempo de preparação, o Ministro considerou interessante
a idéia de uma consulta pública. Também ressaltou que o encontro não será apenas
um evento do Brasil, mas sim um evento internacional e que, para ter
legitimidade, tal consulta deveria ser facilitada não apenas pelo governo
brasileiro.
Outros pontos bastante prudentes também foram ressaltados pelo Embaixador
Benedicto e pelo secretário Virgilio, basicamente ressaltado que o evento não
estava sendo concebido para competir com o IGF ou qualquer outro fórum, uma vez
que trata-se de um único evento, para reunir idéias concretas de todos os
setores interessados. Além da observação de que, para que se chegue a resultados
concretos, seria necessário um processo de intercâmbio de idéias que deveria
começar antes mesmo do início do evento, também destacou-se que o evento deveria
ter dois objetivos: a) fomentar uma arquitetura institucional capaz de assegurar
os princípios destacados pelo discurso da presidenta Dilma e b) a
internacionalização da ICANN, de acordo com a Declaração de Montevideo.
Nessa mesma reunião, visando manter o canal de diálogo dessa comunidade com
os organizadores da Conferência, 4 brasileiros foram temporariamente
identificados pelos representantes das redes da sociedade civil ali presentes
como liaisons entre o governo Brasileiro e representantes da sociedade civil
internacional: Laura Tresca (Artigo 19), Carlos Afonso (Instituto Nupef),
Carolina Rossini (New American Foundation) e eu, Joana Varon (CTS/FGV). Essa
indicação como liaisons temporários foi reafirmada recentemente por carta
endereçada ao comitê organizador e firmada pelas redes internacionais
Associação para o Progresso das Comunicações – APC, pela IRP Coalition, pelos
coordenadores do Internet Governance Caucus e pelo comitê gestor do BestBits.
Paralelamente às reuniões da delegação brasileira, a comunidade técnica,
principalmente capitaneada pelas chamadas organizações dos “I-stars” (ICANN,
ISOC, IETF, e vários RIRs – Regional Internet Registries), também faz encontros
no IGF para apresentar três frentes de ação pós declaração de Montevidéo:
a) o apoio ao evento no Brasil, embora nunca fazendo referência ao conceito
de “Cúpula”;
b) a criação de um quinto painel da ICANN, e
c) a criação de uma plataforma com o objetivo de ser multissetorial,
inicialmente denominada coalizão, para discutir o futuro da governança da rede
(ou da cooperação global pela internet, como parte desta comunidade prefere
tratar o tema).
Desde Bali, uma lista de emails, inicialmente fechada, foi criada para
discutir os objetivos e formas de ação dessa rede. Como resultado dos primeiros
debates na lista, optou-se por abandonar conceito de “coalizão” e passou-se a
fazer referência à plataforma como um local para “diálogo” que passou a ser
denominada de 1net. Assim que o nome foi definido, um site foi criado sob o
endereço http://1net.org e, cerca de uma semana antes da 48º reunião da ICANN em
Buenos Aires, a lista de discussão passou a ser aberta para inscrições de
eventuais interessados neste mesmo website.
ICANN Buenos Aires
Foi nessa reunião, realizada entre os dias 17 ao 21 de Novembro, que o quinto
painel da ICANN anunciado no IGF tomou forma.
Denominado Painel sobre o Futuro da Cooperação Global pela Internet (Panel on
the Future of Global Internet Cooperation), é
atualmente composto por:
- Mohamed al Ghanem, Fundador e Diretor Geral da UAE Telecommunications
Regulatory Authority; Ex-Vice-Chair da UAE Information and Communications
Technology Fund.
- Virgilio Fernandes Almeida, Membro da Academia Brasileira de Ciências;
Membro do Comitê Gestor da Internet; Secretário Nacional de Políticas de
Informática do MCTI.
- Dorothy Attwood, Vice-Presidente Senior do Global Public Policy, Walt
Disney Company.
- Mitchell Baker, Chair da Mozilla Foundation; Chair e Ex-CEO da Mozilla
Corporation.
- Francesco Caio, CEO da Avio; Ex-CEO da Cable and Wireless and Vodafone
Italia; Fundador da Netscalibur; Conselheiro de banda-larga do Reino Unido e
da Itália.
- Vint Cerf, Vice Presidente e Evangelista-Chefe do Google; Ex-Chairman da
ICANN; Co-Fundador da Internet Society.
- Fadi Chehade, CEO e Presidente da ICANN; Fundador da Rosetta Net.
- Nitin Desai, economista e diplomata indiano; Ex-UN Undersecretary
General; participante do Working Group on Internet Governance (WGIG).
- Toomas Ilves, Presidente da Estônia; ex-diplomata e jornalista;
ex-Ministro de Relações Exteriores; ex-Membro do Parlamento Europeu.
- Ivo Ivanovski, Ministério de Sociedade de Informação e Administração,
Macedônia; Comissário da Comissão de Banda Larga para Desenvolvimento
Digital da ONU.
- Thorbjorn Jagland, Secretário Geral do Conselho da Europa; ex-Primeiro
Ministro e Ministro de Relações Exteriores da Noruega; Chairman do Nobel
Comitê Norueguês do Prêmio Nobel.
- Olaf Kolkman, Diretor do NLnet Labs; “Evangineer” da Open Internet;
ex-Chair da Internet Architecture Board.
- Frank La Rue, advogado de direitos humanos e direitos trabalhistas;
Relator Especial da ONU para a Promoção e Proteção do Direito à Liberdade de
Expressão e Opinião e Fundador do Center for Legal Action for Human Rights (CALDH).
- Robert M. McDowell, Ex-U.S. Federal Communications Commissioner;
Pesquisador visitante do Hudson Institute’s Center for Economics of the
Internet.
- Andile Ngcaba, Chairman do Convergence Partners; Executive Chairman da
Dimension Data Middle East and Africa; Ex-South African Government Director
General of Communications.
- Liu Qingfeng, CEO e Presidente da iFLYTEK; Diretor do National Speech &
Language Engineering Laboratory of China; Membro do Interactive Technology
Standards Working Group.
- Lynn St. Amour, Presidente e CEO da Internet Society; executiva de
telecoms e TI.
- Jimmy Wales, Fundador e Promotor da Wikipedia; Membro do Board de
Trustees da Wikimedia Foundation.
- Won-Pyo Hong, Presidente da Media Solution Center, Samsung Electronics
Logo após a divulgação da lista de painelistas, objeções foram feitas
diretamente o CEO da ICANN, Fadi sobre a falta de representantes da sociedade
civil e um espaço para incorporar tal demanda foi aberto. O primeiro encontro
dos componentes do painel será nos dias 12 e 13 de Dezembro em Londres. O
objetivo é realizar um relatório High-Level no início de 2014 para comentários
do público em geral. Ainda não está claro como esse relatório irá alimentar as
discussões do evento no Brasil.
Foi também nessa mesma semana, no dia 18 de Novembro, que o
anúncio oficial sobre o início da preparação do encontro foi feito na sede do
Ministério de Ciência e Tecnologia, pelo Ministro Marco Antonio Raupp,
acompanhado dos ministros Paulo Bernardo (Minicom) e Luiz Alberto Figueiredo (MRE).
Na ocasião, foi fixada a data, uma mudança de local, de Rio para São Paulo e
abandonou-se o termo “Cúpula” (“Summit”) para chamar o evento de Conferência. A
explicação não oficial é que tal terminologia poderia denotar uma reunião em que
a tomada de decisão é feita apenas entre governos, enquanto que o objetivo da
Conferência é um debate mutissetorial, mas que também visa resultados concretos.
Paralelamente, durante a ICANN, indo além das informações apresentadas no
evento em Brasília, participantes do 1net que tem participado de reuniões com o
governo brasileiro, compartilharam na lista do 1net informação de que estava
sendo planejada a composição de 4 Comitês de organização e que
“os membros da comunidade 1net, envolvendo setor empresarial, comunidade
técnica, sociedade civil e academia, seriam selecionados pelo comitê de
organização da 1net” para compor parte dos comitês da organização da
Conferência.” Tais declarações foram precipitadas, dado que são questões que
ainda estão sendo consideradas pelo governo brasileiro, em parceria com o Comitê
Gestor da Internet, mais chegaram a constar também no
relatório sobre os painéis de governança de internet produzido pela ISOC.
Ainda assim, dado o caráter de recém-formado desta rede, e indefinições a
respeito de quem a compõem e como será composto seu núcleo executivo, esse email
causou grandes questionamentos, principalmente sobre a maturidade da 1net para
assumir essa função de mediadora do processo de nomeação para os comitês
organizadores do evento no Brasil. Preocupações também foram expressas sobre o
fato de representantes dos I-star estarem se reunindo com o governo brasileiro
sem a participação da sociedade civil, ou ao menos dos 4 liaisons apontados em
Bali.
Felizmente, como o momento tem sido construtivo e de entendimento frente a
objetivos gerais similares, todas essas questões importantes sobre a 1net foram
postas sobre a mesa durante a manhã do dia 20 de novembro na ICANN,
particularmente uma oposição massiva sobre a 1net se apresentar nesta reunião
como “movimento” ao invés de “plataforma”. Ainda assim, além de alguns poucos
questionamentos de membros da comunidade ICANN sobre o papel que a organização
deve exercer no debate geral da governança da rede – questionamentos esses
baseados na alegação de que talvez esse enfoque está ocorrendo em detrimento de
debates importantes sobre os novos TLDs, o tom geral do debate demonstrou que as
perspectivas e a receptividade dos atores presentes a respeito da Conferência é
bastante positiva e que, de maneira geral, entende-se que alguma confusão e
receio são inerentes de um processo que está em construção.
Entre todas as intervenções, uma das mais aplaudidas e propositivas foi a
fala do professor Milton Mueller, que trouxe uma visão holística de todo estado
do debate e destacou os seguintes pontos para consideração:
a) É importante ressaltar que a 1net não é um movimento, é uma mailing list
aberta, que tem enfrentado críticas por não ser transparente desde o começo e
por ter tido problemas de implementação para adicionar todos os interessados.
Por outro lado, a iniciativa tem um potencial importante de se tornar uma
plataforma para coordenar grupos diversos em um só lugar. Ou seja, tem uma razão
de ser, mas está diante de uma séria questão sobre sua legitimidade, que apenas
será contornada se for transparente e inclusiva na forma como nomear seu núcleo
executivo. O professor também alertou à comunidade técnica que esse setor não
deve tentar controlar a plataforma, exatamente por essa questão de legitimidade.
b) Sobre os objetivos do evento no Brasil, destacou que há necessidade de se
discutir arranjos institucionais e estabelecer um guia de próximos passos (um “roadmap”)
sobre as reformas que devem ocorrer entre 2 ou 3 anos, incluindo aí a discussão
sobre a evolução das instituições de Governaça de Internet e também o debate
sobre o papel dos Estados.
c) Sobre o formato da Conferência, ressaltou que se o evento envolver
processos de tomada de decisão, será inevitável limitar o número de
participantes de alguma forma, desde que haja igualdade de representatividade
entre cada setor interessado. Por fim, tentando dirimir qualquer anseio,
sublinhou que a conferência no Brasil não tem poder coercitivo, não há porque
temer, o pior que pode acontecer é que nada evolua.
d) Sobre o painel High-Level, Milton também apresentou receio sobre a
possibilidade de que apenas um pequeno grupo seleto de notáveis escolhidos a
dedo esteja trabalhando para solucionar as questões. Algo que seria totalmente
contrário ao intuito da Conferência, na qual todos os setores interessados estão
sendo chamados para contribuir,
O audio de toda a discussão deste painel está acessível
aqui. A fala do professor Milton Miller está disponível do minuto -21:40 ao
-16:30.
No dia 26 de novembro, uns dias depois de encerrada a reunião da ICANN, logo
após sua reunião geral, o Comitê Gestor da Internet publicou um
importante release com as seguintes informações:
a) “A Conferência terá o objetivo buscar consenso sobre princípios de
governança universalmente aceitos e sobre o aperfeiçoamento de seu arcabouço
institucional.”
b) “Contará com a participação de governos, sociedade civil, academia,
organismos e entidades internacionais, bem como de comunidades técnicas e
empresariais.”
b) “Será organizada em parceria entre o CGI.br e entidades internacionais dos
vários setores envolvidos com a governança da Internet.”
c) “o Professor Virgílio Fernandes Almeida, coordenador do Comitê Gestor da
Internet no Brasil e Secretário de Política de Informática, foi designado para
coordenar a organização da Conferência.”
b) “Serão formados quatro comitês para garantir o sucesso do evento. Os
comitês terão o apoio de uma secretaria comum, que ajudará a conduzir o seu
trabalho e a coordenar as comunicações. Os quatro comitês da reunião serão:
- Comitê Multissetorial de Alto Nível: Será o responsável pela condução da
articulação política e pelo fomento à participação da comunidade
internacional;
- Comitê Executivo Multissetorial: Será responsável pela organização do
evento, incluindo a discussão e execução da agenda e o tratamento das
propostas dos participantes e das diferentes partes interessadas;
- Comitê de Logística e Organização: Supervisionará todos os aspectos
logísticos da reunião;
- Comitê de Assessores Governamentais: Estará aberto a todos os governos
que desejem fazer contribuições para a reunião.”
c) “A reunião permitirá a participação global da comunidade em forma
presencial ou remota.”
d) “Serão estabelecidos mecanismos e cronograma para recepção de
contribuições da comunidade global.”
Outras propostas concretas
De maneira positiva e concreta, a Association for Progressive Communications
– APC, um pouco antes do anúncio do CGI.br, já submeteu aos integrantes do
comitê organizador do governo brasileiro da Conferência uma
carta com considerações e propostas para o evento.
Entre eles, a APC destacou que os encontro deve produzir resultados concretos
em duas áreas: a) internacionalização da ICANN e IANA e b) conjunto de
princípios aceitos internacionalmente para o desenvolvimento de políticas de
internet.
A proposta da APC também incluiu a necessidade de que se estabeleçam grupos
de trabalho, que esbocem documentos no processo preparatório da Conferência e
que todos os envolvidos devem concordar em um processo de tomada de decisão para
que os objetivos do encontro sejam alcançados.
Próximos passos
Deixando aqui o caráter descritivo deste post, para algumas considerações
finais, não restam dúvidas que o governo Brasileiro se mostra corajoso ao se
colocar na função de sediar tal evento e ter experiência com a implementação de
um modelo multissetorial e na discussão de princípios de governança da rede pode
ser fundamental para levar o debate adiante.
Ainda assim, é importante ressaltar que essa é uma tarefa ambiciosa que, para
funcionar, requer não apenas um diálogo aberto e focado em resultados entre as
diversas comunidades interessadas no desenvolvimento da rede, mas também o
envolvimento de especialistas que vão além da esfera comum da governança de
internet, abrangendo acadêmicos e ativistas que pensam novos procedimentos que
utilizam as tecnologias para o exercício da Democracia, entendidos em tema de
Relações Internacionais, em Direitos Humanos, em desenvolvimento de arranjos
jurídico-institucionais, em formas de mediação, etc, etc. Espero que este longo
post tenha colaborado de alguma maneira para instruir possíveis interessados
também de outras áreas a se engajarem.
Além do que, frente às diretrizes apresentadas recentemente, para a sociedade
civil e demais atores, os próximos passos envolvem soluções em duas grandes
áreas:
1) Processos que garantam o multisetorialistmo: legitimidade na
seleção, diversidade na representatividade, transparencia na comunicação e
abertura para participação
- Conceber rapidamente mecanismos de representatividade dotados de
legitimidade entre a maior parte da comunidade para povoar os Comitês
anunciados pelo CGI.br, de forma que leve em conta a experiência e
disponibilidade dos indicados, mas também um certo equilíbrio de gênero,
entre regiões e entre a participação de países desenvolvidos e em
desenvolvimento;
- Garantir que os representantes de todos os setores tenham participação
em todas as etapas do evento;
- Garantir que aqueles indicados para os Comitês mantenham o diálogo com
suas comunidades no sentido mais amplo, mas que também tenham habilidade
para transitar e dialogar com os representantes dos outros setores de
maneira produtiva;
- Garantir transparência e abertura nas atividades dos Comitês;
- No processo intermediário, enquanto os 4 Comitês organizadores não são
povoados, é importante que os representantes do comitê organizador incluam
todos os setores em eventuais reuniões de organização, para que não se
alimente mais nenhuma dúvida a respeito de que todos os setores estão
participando do processo preparatório, não apenas a comunidade técnica.
- Conceber um processo de consulta pública em que a compilação final dos
resultados também seja transparente e justificada.
2) Eixos Temáticos: discutir a relação de princípios
a) Princípios
- Já existem uma série de princípios de governança e até mesmo de
mapeamentos e cruzamentos entre os mesmos, o que, de fato, pode tornar
viável atingir a meta de “princípios universalmente aceitos”. Ainda assim, é
importante saber o que se quer abordar com a discussão de princípios. Se,
pelo histórico aqui apresentado, a fagulha inicial para a idéia da
Conferência continuam sendo as denúncias de vigilância, seria procedente, ao
invés de se manter em uma discussão de princípios genéricos, passar para a
discussão de princípios mais focados na questão da espionagem, por exemplo,
com base nos princípios
“necessary and proportionate”. Resultado de “ampla consulta global com
grupos da sociedade civil, empresas e especialistas internacionais em
questões jurídicas, tecnológicas e de política pública relacionadas à
vigilância das comunicações, políticas públicas desta área e tecnologia”,
esse texto tem tido apoio internacional cada vez mais amplo.
- Também é importante que se tenha em mente a possibilidade de
implementação e execução dos princípios que se queira discutir. Para tal,
pode-se inspirar, por exemplo, nas experiências do governo sueco que,
independente de uma discussão mais ampla de formação de arcabouço
institucional internacional, resolveu avaliar a compatibilidade dos
princípios citados acima com sua legislação nacional e adequar a mesma para
implementá-los. Essa é uma tendência é positiva, que consiste em “dar o
exemplo.” (talvez diplomaticamente menos custosa).
b) Aperfeiçoamente do arcabouço institucional de governança da
internet
- O aperfeiçoamento do arcabouço institucional depende primeiramente de
uma análise da arquitetura atual, cruzada com uma análise de todo o leque
temático que se quer abordar e perguntas a respeito de poder de
“enforcement” dos foruns existentes, bem como da participação de todos os
setores em pé de igualdade na concepção de suas políticas.
- É importante que os temas de internacionalização da ICANN e IANA estejam
inclusos na idéia de “aperfeiçoamento do arcabouço institucional da
governança da rede.”
- Todo o debate sobre tal aperfeiçoamente não pode deixar de levar em
conta também os estudos e processos que estão sendo realizados em outros
fóruns, particularmente, o Grupo de Trabalho de Cooperação Aprimorada e o
processo de revisão da WSIS. A interligação entre esses processos e o debate
sobre governança de internet que também acontece em outros ambientes, como
IGF, ICANN, IETF, Unesco, Assembléia Geral da ONU, UIT, etc, está
facilmente perceptível nesta visualização desenvolvida em parceria entre as
pesquisadoras Deborah Brown, Lea Kaspar e eu:
http://bestbits.net/wp-uploads/diagram.html, mas uma explicação mais
detalhada sobre essas inter-relações, fica para um próximo post.
Se tiver interesse em seguir esses debates, pode me achar no
@joana_varon , estamos precisando de idéias.
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Leia na Fonte: Estadão
[02/12/12]
Documentário discute o controle da internet - por Tatiana de Mello Dias
SÃO PAULO – Enquanto participava de um congresso internacional, a pesquisadora
Joana Varon conheceu o blogueiro, programador e ativista egípcio Alaa Abd
El-Fattah, e resolveu filmar uma entrevista com ele. “Blogueiros e ativistas
usaram a internet para conectar diversos movimentos e foram estas conexões que
levaram à revolução”, diz ele no vídeo, referindo-se à Primavera Árabe,
movimento que derrubou ditaduras no Oriente Médio em 2011. Quando ela chegou ao
Brasil, ficou sabendo que El-Fattah havia sido preso. Pela segunda vez.
O depoimento gravado se tornou uma das entrevistas do documentário colaborativo
Freenet?, que questiona os limites da liberdade na rede – e tenta descobrir,
afinal, quem é que manda nela. “Essa história é forte porque a gente tem um
material que me traz uma responsabilidade, para levar a palavra dele para mais
pessoas”, diz Joana.
A pesquisadora, que trabalha no Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ, está
percorrendo o mundo em fóruns e encontros para colecionar histórias como a de
Alaa Abd El-Fattah. “A ideia é tentar traduzir o debate, que muitas vezes é
técnico na parte jurídica ou tecnológica. Nós queremos trazer isso tudo para os
usuários comuns de internet”, explica a pesquisadora.
Ela também estará em Dubai para participar da WCIT nesta semana – e é uma das
poucas representantes da sociedade civil a ir para o encontro. “É preocupante
porque houve propostas que começam a abordar não só a infraestrutura de rede,
mas também a camada de conteúdo. Isso não é escopo da UIT”, diz. “É um lugar em
que as decisões são feitas apenas pelos Estados.”
Documentário. A ideia é que o público envie vídeos. A plataforma colaborativa
que dará origem ao filme será lançada oficialmente no dia 15 de dezembro. São
cinco eixos de discussão: acesso, propriedade intelectual, privacidade,
liberdade de expressão e neutralidade.
“Falta conscientização sobre esses temas. O Marco Civil da Internet emperrou por
causa da neutralidade. Ninguém sabe o que é isso, mas no momento em que não
houver mais neutralidade, a internet pode virar uma TV a cabo, em que se compra
pacotes. Nós queremos traduzir essa questão”, diz Joana.
O site está em três idiomas e o filme será internacional. O foco, porém, será
nas economias emergentes, que precisam assumir uma postura firme em relação à
temas sensíveis.
“Há países piores em termos de acesso e qualidade que precisam fazer uma
maratona dupla para assegurar o acesso e também tratar de temas como complexos
como privacidade e neutralidade, que demandariam mais gente conectada para que
fossem tratados adequadamente”, diz Joana. “Mas, se esses temas não forem
discutidos agora, pode acontecer que nem foi com o regime de propriedade
intelectual, em que os países desenvolvidos estabelecem padrões e a gente vai
ter de seguir depois, sem pensar na realidade dos países em desenvolvimento.”
A diretora do documentário não terá poder de voto na reunião da UIT em Dubai, e
também não sabe qual será o tamanho da abertura da delegação brasileira em
relação às propostas da sociedade. Mas, na volta, ela certamente trará boas
histórias para seu projeto. / T.M.D.