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09/01/14

• Mensagem de José Smolka sobre as "multas aplicadas pela Anatel" e "como melhorar o serviço prestado pelas teles"

Referências:
Fonte: WirelessBRASIL
07/01/14
"Devo, não nego. Pago no dia de São Nunca" (2): Website sobre os TAC

03/01/14
"Devo, não nego. Pago no dia de São Nunca" (1): Os TACs (Termos de Ajustamento de Conduta) da Anatel


Mensagem:
Esta vai ser uma conversa mais conceitual que fática. Não estou realmente interessado nos detalhes que levaram à existência deste ou daquele processo, que gerou esta ou aquela multa, que foi ou não convertida em TAC... Quero conversar mais sobre os fundamentos deste processo, supondo que o objetivo de nós todos é, no final, é conseguir um serviço que preste para o assinante.

Duas coisas me preocupam nestas conversas sobre multas, sua eficácia como mecanismo promotor da qualidade dos serviços - e não é só em telecom - e se seu valor estaria irrisório, adequado ou exorbitante.

A primeira tem a ver com o objetivo precípuo de qualquer contrato: obter o produto ou serviço contratado. Cláusulas punitivas são padrão em qualquer contrato, mas o que distorce sua aplicação, em geral, tem a ver com objetivos dissonantes das partes na própria celebração do contrato, geralmente por expectativas econômicas incompatíveis. Explicarei com um exemplo, tirado de uma situação concreta que vivi.

Suponha que você tem a responsabilidade de manter em operação uma rede de abrangência geográfica razoável, e que você pretende terceirizar a assistência técnica pós garantia dos equipamentos instalados em campo. Nos termos da minuta do contrato, quem for contratado para a prestação do serviço terá que: (a) atender a chamados de assistência técnica originados pelo centro de gerência da rede, que indicam o(s) equipamento(s) e localidade(s) afetada(s) pelo evento; (b) cada chamado de assistência técnica terá atribuído a ele um grau de severidade, em função do(s) serviço(s) e quantidade de assinantes afetados pelo evento; (c) a logística de ferramental, materiais e peças de reposição é de responsabilidade da contratada; (d) são definidas alguma localidades como bases territoriais para a prestação do serviço, onde a contratada deve manter centros de atendimento, com pessoal qualificado; (e) a depender da distância (considerando as peculiaridades de transporte locais) entre o(s) local(is) afetado(s) pelo chamado e sua(s) base(s) de atendimento mais próximas é definido um prazo máximo para o deslocamento físico do(s) técnico(s) até a(s) localidade(s) afetada(s); (g) a depender da severidade atribuída ao chamado são definidos prazos máximos para, após chegada do técnico ao local do evento, solução ou rebaixamento do grau de severidade do evento; (h) em caso de descumprimento dos prazos de deslocamento ou de solução, há previsão de multas progressivas em função do tamanho do atraso e da severidade do evento; (i) o acúmulo de sucessivos descumprimentos dos prazos contratuais pode ensejar multas adicionais e a rescisão contratual.

Tudo muito técnico e sério. Porém este contrato está sob sério risco de já nascer viciado na sua execução. Da parte do contratante, em geral a negociação deste contrato fica a cargo de um comprador técnico, cujo desempenho é avaliado com base em qual o percentual das suas negociações que são fechadas no, ou abaixo do, target estabelecido pela chefia da área de compras. Estes targets são sempre "agressivos", o que em bom corporativês significa: "nem que a vaca tussa (a expressão real é outra, mais crua, mas deixa pra lá) dá pra fazer isso". E o bônus do comprador (e de toda a área de compras, na verdade) depende disso. Portanto ele está sob pressão para conseguir o contrato pelo menor preço possível.

Da parte das candidatas a contratada existe um processo semelhante. O vendedor depende de comissão para ter um ganho salarial razoável, e essa comissão só sai se ele bater uma meta "agressiva" de vendas (mesmo sentido de antes). Daí que o vendedor fará das tripas coração para conseguir reduzir o preço da sua proposta, mesmo que precise induzir os responsáveis técnicos pela proposta a "cortar caminhos" para reduzir preços. O artifício mais comum para conseguir estas reduções é mexer com a estrutura física de suporte à execução do contrato. Bases regionais, pessoal fixo, estoques de peças e materiais, tudo isto é custo fixo, que puxa o preço do contrato para cima. Em contrapartida, qual é a taxa esperada de defeitos dos equipamentos? Sendo razoavelmente baixa (e, neste caso, efetivamente é) ocorre naturalmente a tentação de reduzir a infraestrutura de suporte, e correr o risco. Calculando o VPL do contrato, mesmo fatorando algumas multas por descumprimento de prazos, ainda ficamos no azul. Et voilá... temos um preço competitivo para um serviço que não é, de fato, nem pretende ser, o que o contrato especifica. Mas o contrato é fechado mesmo assim. O comprador fica feliz, o vendedor fica feliz, e sobra para as áreas técnicas do contratante e da contratada gerirem seus atritos no dia a dia da execução.

E aí vem o célebre argumento: "ora... se a contratada descumprir o contrato você (contratante) cobra as multas e quebra ela... o medo disso vai manter a contratada na linha". Talvez, mas quando o processo já se inicia na suposição que as coisas não são para funcionar com especificado, atritos são inevitáveis. E, raciocinando como a área técnica que demandou o contrato em primeiro lugar, minha obrigação para com a minha organização é manter os serviços dentro dos SLAs contratados pelos meus clientes internos e externos. Se o contrato fechado não me ajuda (porque o seu processo de negociação praticamente garante que ele falhará - possivelmente de forma fatal) eu não estou interessado em tê-lo, afinal meu objetivo não é engordar o caixa da minha organização via cobrança de multas.

Minha segunda preocupação é algo que aprendi lendo o livro O Andar do Bêbado, de Leonard Mlodinow (recomendo, fortemente): a ilusão do retorno à média, que invariavelmente afeta o raciocínio de todos nós quando nos perguntamos o que é mais eficaz para obter uma melhoria de desempenho? Um elogio ou uma reprimenda? A resposta quase sempre é que a reprimenda é mais eficaz. Porque esta crença no poder benéfico do esporro? ou da multa, para voltarmos ao nosso assunto?

Qualquer processo, não importa sua natureza (industrial, serviço, terceiro setor...), exibe uma variabilidade natural. Isto significa que os resultados obtidos nunca são exatamente iguais uns aos outros. Variam - se o processo estiver corretamente gerido - por causas aleatórias e incontroláveis. O segredo é manter esta variabilidade dentro dos limites de tolerância (dimensões, preço, prazo, etc.) especificados pelo cliente que recebe o resultado do processo. Como a variação natural dos resultados é aleatória, os indicadores que mais nos interessam são a média e o desvio padrão da distribuição dos valores dos resultados, distribuição essa que, muito provavelmente, será normal, portanto vamos seguir com esta suposição.

Sendo uma distribuição normal, temos 95% de probabilidade dos resultados obtidos estarem no intervalo definido pela média mais ou menos dois desvios padrão, e vamos supor que o limite de aceitação para os resultados do processo seja apenas o limite inferior (média menos dois desvios padrão). O que acontece se, por puro acaso, ocorre um resultado abaixo do limite de aceitação? Repare que isto tem 2,5% de probabilidade de ocorrer, e que é extremamente mais provável que, também por puro acaso, o próximo resultado esteja mais próximo da média e dentro do limite de aceitação. Só que, quando desta ocorrência, em geral os chefes e gerentes (não líderes, reparem) apressam-se convocar reuniões, dar murros na mesa, desancar os executores, dizer que isto não é admissível e que se isto se repetir cabeças vão rolar. Quando o próximo resultado vem melhor, eles creditam a melhoria ao poder do esporro e à sua grande técnica gerencial, e não à simples natureza estatística dos resultados do processo.

E no caso inverso, quando um resultado excepcionalmente bom acontece? Isto também tem 2,5% de probabilidade. Vem naturalmente os elogios e tapinhas nas costas, mas pela natureza do processo, o próximo resultado muito provavelmente estará mais próximo da média, portanto pior do que o anterior (embora aceitável). O que fica na cabeça destes "chefes" é: não adianta elogiar. A repreensão é muito mais eficaz na reversão de um comportamento indesejado do que o elogio em produzir melhorias no comportamento. e tudo isto é falso. É apenas a natureza aleatória normal se manifestando.

Pensem nisto quando pensarem sobre multas e coisas afins como "promotoras" da qualidade dos serviços.

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José Smolka