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Fonte: Thesis
[26/09/06] 
MVNO: além da vã filosofia - por Jana de Paula  
 
 Há pelo menos quatro anos comenta-se a disposição da Anatel de regulamentar a prestação de serviços das operadoras móveis virtuais. As regras de mercado hoje em curso não subentendem explicitamente alocação de banda de terceiros para prestação de serviços móveis. Daí, a criação das mobile virtual network operators (MVNO) no Brasil esbarra num forte impedimento regulatório. O crescimento local do mercado móvel, ou das business wireless applications (BWA), continua, assim, bastante restrito.
 
 Ocorre às MVNOs algo semelhante ao WiMAX. Este, com situação bem mais madura que aquele, também depende da evolução regulatória para progredir. Enquanto não se desamarram os entraves ao uso da banda de 3,5 GHz, a única opção é operar em banda não-licenciada. Quanto às MVNOs, por se constituírem em prestadoras de serviços de telecom, têm sua operação vinculada à necessidade de algum tipo de autorização expressa da Anatel, para funcionarem livremente.
 
 Nenhuma data foi ainda estipulada pela Anatel para a realização de consulta pública que concentre os anseios dos mercados provedor e usuário interessados em MVNO. Os atrasos no Leilão do WiMAX demonstram que regulamentar um novo serviço móvel de telecom não é tarefa fácil. O número de agentes envolvidos, conflitos de objetivo e lentidão das carriers em mudar planos de negócios são alguns dos problemas enfrentados.
 
 Por isso, no tocante às MVNOs, não se espere percalços menores do que os enfrentados pelos entrantes no WiMAX. Apesar de várias MNO, ou mobile network operators, demonstrarem interesse neste segmento de mercado - BrT GSM, Oi, TIM, GVT etc. - a implantação deste tipo de serviço está num estágio incipiente por aqui. Além da necessidade de regulação, pesa a questão de mercado.
 
 Baixo custo
 
 Tal como o próprio nome indica, o MVNO é um operador autônomo que aluga a rede de um MNO para prestar serviços móveis. Ou seja, o operador virtual depende do detentor do espetro de radiofreqüência para funcionar. Mas a dependência do MVNO pára por aí. Toda infra-estrutura necessária (comutadores, acordos de interligação e de roaming, códigos de sinalização, numeração etc.) é própria. É própria, também, a carteira de clientes. Ou seja, o MVNO não presta serviços aos clientes de quem lhe aluga a banda.
 
 Isto poderia ser suficiente para convencer as operadoras de celulares que adquiriram o direito de freqüência a alugar parte dela. Afinal, o MVNO compra banda no atacado e repassa no varejo para um público próprio. A MNO não ‘perde' nada com a transação, já que aluga seu espectro licenciado a preço de mercado e não tem invadida sua carteira de clientes. Mas, na verdade, muitas MNOs encaram MVNOs como competidores.
 
 Por que? Por trabalhar com um público segmentado, a operadora virtual seduz clientes potenciais da MNO. Isso, no Brasil, pode significar absorção de boa parte da demanda latente por serviços diferenciados, a custos bastante inferiores aos prestados pelas MNOs. Ao oferecer serviços móveis com tarifas mais baratas do que as operadoras de celulares que alugaram banda, as MVNOs, entre outras coisas, podem forçar o preço do serviço para baixo. Não podemos esquecer que o tráfego da telefonia móvel no país se baseia em clientela de serviços pré-pagos, ou seja, assinantes de serviços pré-estabelecidos e mais baratos. Isto para não falar do fato de as MVNOs trabalharem com assinantes altamente diferenciados, predispostos mesmo.
 
 De acordo com estudo da consultoria Capgemini, cerca de 50% dos 15 milhões de clientes europeus de MVNO - número que cresce à taxa média de 70% ao ano - estão potencialmente nos segmentos no-frills e low-cost. São clientes muito sensíveis ao preço, não exigem aparelhos muito avançados (estão até mesmo dispostos a usar os aparelhos que já possuem) e não valorizam serviços sofisticados de atendimento. Isso na Europa, com média de renda por usuário (ARPU) bastante superior à brasileira.
 
 Se levarmos em consideração que outro estudo, do Pyramid Research - do qual publicamos alguns conceitos - dá conta de que as operadoras fixas ainda detém a liderança no tráfego de voz no Brasil, veremos o tamanho do problema por aqui. Apesar de, em números de assinantes, as cellcos já terem ultrapassado as telcos, estas ainda absorvem o principal do trágego de telecom no país - o de voz. E mesmo que a tendência seja de reversão deste quadro, é evidente que é ainda longo o caminho das cellcos até uma situação de competição confortável.
 
 Atacado e varejo
 
 O potencial de mercado das MVNOs tem outros pontos fortes - e inibidores do interesse das MNOs. Sua estratégia de negócio se baseia na implantação de uma marca forte, com potentes e enxutas plataformas de suporte ao negócio. Vide os sistemas de faturamento e atendimento ao cliente, base de MVNOs bem sucedidas, como a pioneira Virgin Mobile.
 
 "Em resumo, numa operação de MVNO (também conhecida como full MVNO), o uso da rede de acesso do MNO é absolutamente transparente para o cliente final. Embora, os MVNOs sejam eminentemente operadores de varejo, nada impede que se possam assumir como atacadistas", analisa Macedo Vitorino, sócio-diretor da consultoria Macedo Vitorino & Associados, de Portugal.
 
 Quando as MVNOs competem, também, no atacado, passam a ser conhecidas como mobile virtual network enable (MVNE). Ou seja, repassam a um outro operador, de um ramo de atividade totalmente diverso ao seu, tanto sua infra-estrutura de comunicações como os sistemas de suporte de negócio. Este modelo começa a ser implantado nos mercados europeu e norte-americano.
 
 Segundo Vitorino, se um MVNO é uma categoria de operador razoavelmente bem definida, a atividade dos revendedores é bastante variada. Abrange da simples compra de tráfego móvel para a revenda (nacional ou internacional), prestação de outros serviços pelo MNO ou MVNE e, até, operações em que a autonomia do MVNE se intercede ao do MVNO.
 
 "Do ponto de vista da regulamentação, um revendedor estará, portanto, sujeito à obtenção de uma autorização específica que não se confunda com a dos operadores hospedeiros, sobretudo dos que têm poder significativo de mercado", acrescenta Carlos Rydin, executivo da Capgemini.
 
 Segundo Rydin, o sucesso (ou fracassso) do MVNO está em seu modelo de negócios. É preciso determinar, antes de mais nada, se ele atuará de forma dependente (ligado a um único operador que lhe aluga a rede); ou independente, no caso de deter parte da rede. Isso além da característica básica de ser focado no mercado de baixo custo ou de nicho. "Como tirar melhor partido dos ativos existentes? Através dos canais de distribuição? Da marca? Do relacionamento com cliente? Do conteúdo?", lista o executivo. Não é menos importante a escolha do MNO, quanto à qualidade do serviço, custos implicados, condições de acesso e serviços disponíveis.
 
 Do lado dos MNOs a complexidade na hora da escolha não é menor. Rydin lembra o caso da Espanha, cujos operadores móveis incumbents tiveram que lidar com nada menos do que 130 candidatos a MVNO, assim que o órgão regulador publicou as diretrizes de fomento deste mercado.
 
 Quanto e como
 
 A verdade é que - mais dia, menos dia - o mercado brasileiro de BWA terá que enfrentar esta situação de frente. O MVNO é o tipo de competidor que interessa aos brasileiros, sejam quais forem as dificuldades. Grupos estrangeiros sedimentados no Brasil, como Carrefour, partiram para o ataque neste segmento em outras regiões do planeta. O Carrefour já atua como MVNO na França e Bélgica e estuda sua expansão pelo mercado europeu, facilitado pelas regras regulatórias de lá. Resta saber em que profundidade de conhecimento e largueza de visão os brasileiros pretendem ingressar neste segmento de telecom.
 
 A própria evolução tecnológica já reduziu o patamar de investimento necessário ao negócio de MVNO. Há quatro anos, ele era estimado entre US$ 10 milhões e US$ 20 milhões. Hoje, alguns analistas, inclusive locais, avaliam o custo principal entre US$ 3 milhões e US$ 4 milhões.
 
 Mesmo as dificuldades regulatórias podem ser vencidas, enquanto a Anatel não define o conjunto de regras a serem seguidas. É o que acredita Eduardo Hayden Carvalhaes Neto (foto), especialista em Direito Administrativo e advogado do escrirtório paulista Barreto Ferreira, Kujawski, Brancher e Gonçalves. Ele salienta que a viabilidade da criação de uma MVNO no Brasil merece "especial atenção".
 
 O conceito de serviço de telecomunicações está associado legalmente ao conceito da ‘oferta'; portanto, somente pode ofertar um serviço de telecomunicações, em tese, quem possui uma licença conferida pela Anatel. "Nada impede, entretanto, que sejam criadas estruturas contratuais que viabilizem as atividades das MVNOs no Brasil, sem violação de qualquer dispositivo legal. Assim, a legalidade da oferta de serviços por prestadoras virtuais está intrinsecamente ligada ao modelo de negócios adotado pela empresa e à estruturação das operações envolvidas", avalia Hayden.