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Fonte: Teleco
[25/01/10]
MVNO: A
proposta é boa, mas deve melhorar - por Luciano Costa
Luciano Costa é Advogado e Especialista em Regulação de Telecomunicações
pela Universidade de Brasília – UnB, Mestre em Regulação pela London School of
Economics (LSE).
Atuou como advogado em grande escritório nas áreas de Direito das
Telecomunicações e Defesa da Concorrência, e como Gerente Jurídico da área
Regulatória e Concorrencial de uma grande operadora de telecomunicações em São
Paulo. Atualmente é Sócio de Caldas Pereira Advogados, atuando em São Paulo e
Brasília. Email: luciano.costa@caldaspereira.adv.br
Após alguns anos de gestação, a esperada Consulta Pública (CP) para a
regulamentação das operadoras móveis virtuais, as chamadas MVNOs (do inglês
“Mobile Virtual Network Operator”), está “no ar”. Trata-se da CP n. 50,
publicada em 22 de dezembro de 2009 e com prazo para manifestações até 22 de
março de 2010. A Consulta busca estabelecer “critérios e procedimentos para a
exploração do serviço móvel pessoal por meio de redes virtuais e normatiza as
relações entre os envolvidos nesse processo”, conforme aponta o texto da Anatel
que noticia a consulta. É bom falar, logo de início, que a proposta tem méritos,
mas precisa melhorar, o que, espera-se, deve ocorrer após o processo de consulta
pública.
A CP propõe dois modelos para a prestação do Serviço Móvel Pessoal (SMP) por
meio de rede virtual.
- No modelo de Representação, uma empresa é credenciada para atuar como
representante de uma prestadora incumbente do SMP (chamada Prestadora Origem),
podendo agregar valor por meio de, por exemplo, marca, atendimento, serviços
diferenciados etc..
- No modelo de Autorização Virtual, a Autorizada compartilha rede, bem como a
maior parte dos direitos e obrigações da prestação do SMP, por isso acaba
exercendo papel muito similar ao da própria Prestadora Origem.
Estes dois modelos parecem compatíveis com os modelos existentes em outros
países e podem ser flexíveis o suficiente para albergar desde uma operação de
pura e simples representação comercial até uma verdadeira parceria entre a
prestadora origem e a operadora virtual, que pode incluir a realização de
relevantes investimentos por esta última. De forma louvável, a agência carrega
nos direitos dos usuários e nos deveres das empresas para com eles, já que,
mesmo no atual ambiente razoavelmente competitivo dos serviços móveis, os
usuários ainda sofrem com mau atendimento e problemas de qualidade. Por outro
lado, a proposta reserva um bom espaço para os acertos entre as empresas,
evitando a sobrerregulação e dando aos agentes de mercado a oportunidade de se
organizarem da forma que for mais conveniente. Há, claro, deslizes como os
artigos 36 e 67, que insistem em estabelecer cada uma das cláusulas do contrato
entre os operadores virtuais e a prestadora origem, o que é francamente
exagerado, já que a Anatel, a qualquer tempo, pode intervir nestes contratos.
Nesse breve artigo, gostaria de destacar algumas oportunidades de melhoria.
Pontos que, espera-se, sejam esclarecidos e aperfeiçoados durante o processo de
consulta pública.
Um dos aspectos que me parece fundamental é definir quais atividades da cadeia
de valor do SMP a Credenciada pode exercer. Em uma primeira leitura, todas as
atividades que prescindam de um contrato de compartilhamento de rede, poderiam
ser exercidas pela Credenciada. Veja-se que em nenhum momento a proposta utiliza
o termo revenda, mas o modelo clássico de MVNOs é a compra de minutos no atacado
e sua revenda no varejo. Nesse cenário, não só atividades ligadas à ponta da
cadeia, como atendimento e vendas, seriam controladas pelo credenciado, mas
também a relevantíssima atividade de faturamento. Há, em muitos modelos de
negócio, a necessidade de “refaturar” o serviço para o cliente final e é preciso
esclarecer se, neste caso, estaremos ou não diante de serviço de
telecomunicações. Houve casos em que a Anatel entendeu que este tipo de
atividade – o refaturamento – por si só caracterizaria uma situação de prestação
de serviço de telecomunicações, o que reputo um equívoco. Até por que tal
entendimento conflitaria com o que prevê a proposta de regulamento, que
considera que a atividade do Credenciado (toda aquela que não envolver
compartilhamento de rede) não é serviço de telecomunicações. Veja-se, por
exemplo, que os incisos IX e X do art. 21 da proposta de regulamento sugerem que
o billing pode sim se feito pela Credenciada, portanto não caracterizaria
serviço de telecomunicações. A questão reclama clareza, pois, do ponto de vista
regulatório – e principalmente fiscal –, é essencial traçar uma linha explícita
a partir da qual a atividade do MVNO passa a ser serviço de telecomunicações.
Outro ponto. No intuito de efetivamente promover a competição, não faz sentido
que a Credenciada seja exclusiva de uma operadora de SMP, conforme previsto no
parágrafo único do art. 8º da CP. A esperada redução de preços e aumento da
qualidade só virá se a Credenciada puder escolher dentre diversas operadoras de
SMP para entregar o serviço melhor e mais barato ao usuário final. Há, claro,
dificuldades, na medida em que a proposta prevê que a Prestadora Origem deve
garantir o serviço prestado pela Credenciada. No entanto, o benefício em termos
de aumento da competição, entre as operadoras de SMP, pela “conta” das grandes
Credenciadas recomenda a discussão de modelos regulatórios e contratuais mais
criativos, que garantam o serviço ao usuário sem a necessidade de estabelecer
esta relação de exclusividade. Mesmo por que a garantia da Prestadora Origem
limita-se a disponibilizar um plano de serviço no caso de rompimento do contrato
entre a Prestadora Origem e a Credenciada.
Ainda no que se refere à Credenciada, é importante que ela tenha um certo grau
de liberdade para efetuar as ações comerciais que entender adequadas ao seu
modelo de negócio. Obrigações como a prevista no art. 21, VII, de notificar, com
prazo de 90 dias (!!) a Prestadora Origem sobre suas ações não contribuem para
viabilizar o modelo de atuação destas empresas. Mais um ponto surpreendente é a
insegurança jurídica trazida pelo Art. 13, parágrafo 2º, que permite à Anatel
extinguir o credenciamento se “vislumbrar” prejuízo ao setor ou a usuários. Além
de ilegal, pois parece afastar a obrigação de motivar o ato administrativo, gera
enorme incerteza à atividade da Credenciada.
No caso da autorizada de rede virtual, o aspecto que reputo essencial é a
necessidade de criar estímulos para que as prestadoras origem se interessem em
compartilhar as suas redes. Não é o caso de tentar estabelecer qualquer tipo de
obrigatoriedade. O unbundling já demonstrou que os resultados desse tipo de
estratégia, perante operadoras incumbentes, são pífios. Deve o regulador buscar
uma lógica de incentivos, semelhante à que foi estabelecida para a antecipação
das metas de universalização da telefonia fixa. A teoria econômica sugere que,
no caso de MVNOs, o estímulo só surge se o serviço da autorizada virtual for
suficientemente diferente para não gerar canibalização com os produtos da
incumbente; ou se o tamanho do mercado for tal que haja interesse conjunto em
uma diluição dos pesados investimentos. Qual seria este estímulo é a “pergunta
de um milhão de dólares”. A única certeza é que, sem ele, dificilmente o modelo
de Autorizada Virtual decolará.
Estes são apenas alguns aspectos que exponho à discussão. Como afirmei, a
proposta geral é boa e precisa ser prestigiada e aperfeiçoada, cabendo às partes
interessadas trabalharem para que estes e outros pontos sejam esclarecidos e
melhorados.
Por fim, é um prazer inaugurar este Fórum Regulatório do prestigiadíssimo site
Teleco. Convido todos a comentarem e apresentarem suas opiniões para
enriquecermos as discussões neste nosso cada vez mais interessante setor.