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Fonte: IstoÉ
[12/01/17]
A vez das miniteles? - por Dubes Sônego
Uma leva de pequenas operadoras de telefonia está chegando ao mercado
brasileiro. São as MVNOs. A sigla é esquisita, mas a perspectiva é boa: elas são
bem mais flexíveis que as gigantes
O anúncio do pedido de recuperação judicial da Oi, em junho deste ano, e as
discussões sobre a venda da companhia, reacenderam o debate sobre os efeitos
nocivos, para o consumidor, da concentração no setor de telecom. A boa notícia é
que o mercado brasileiro começa a oferecer alternativas aos descontentes com os
serviços das gigantes. Já ouvir falar das MVNOs (operadoras móveis com redes
virtuais, na sigla em inglês)? Pode chamá-las de miniteles também, para
facilitar. São bem populares nos Estados Unidos e na Europa, mas ainda raras no
Brasil. Diferentemente das “espelhinhos” (lembra delas?), liberadas em 2001 para
atuar em áreas que as empresas espelho de telefonia fixa não tinham interesse,
as atuais miniteles podem ser criadas em qualquer cidade brasileira.
A principal característica dessas empresas é o aluguel das redes de grandes
operadoras de telefonia móvel para oferecer seus próprios pacotes de dados e voz
ao mercado. Em essência, o que fazem é revender o serviço. Mas de uma maneira
diferente: em geral, agregam a ele algo que tenha valor para um público
específico. Pode ser conteúdo, produtos e ou serviços exclusivos. O alvo das
miniteles são organizações religiosas, clubes de futebol ou grupos de
consumidores com perfil semelhante – usuários intensivos de internet, por
exemplo, que assinam serviços de streaming de música ou assistem a vídeos com
frequência –, nos quais seja possível gerar um sentimento de comunidade.
Para as empresas investidoras, as miniteles, além de representarem uma nova
fonte de receita, podem ser uma ferramenta de marketing e relacionamento
poderosa. É o que justifica o interesse de igrejas, seguradoras e redes de
supermercado no negócio.
A Porto Seguro, por exemplo, já tem uma MVNO, a Porto Seguro Conecta. Por meio
dela, oferece aos clientes descontos em seguros e serviços especiais, como um
celular extra, em caso de perda ou roubo. O Pão de Açúcar ainda não tem uma
minitele, mas já espichou os olhos para o novo segmento no passado recente. Uma
das ideias cogitadas pelo grupo foi oferecer parte do valor das compras em suas
lojas em créditos de telefonia celular. Outros potenciais interessados são
bancos e grupos educacionais privados.
Na Europa, a queda de barreiras de entrada e o avanço da tecnologia abriram
caminho para diversas MVNOs. Elas oferecem pacotes com preços inferiores aos das
grandes companhias, mas quase nenhum suporte em serviços. Por aqui, as MVNOs não
terão necessariamente opções mais baratas que TIM, Vivo, Oi e Claro.
Os diferenciais mais comuns, ao menos neste início de expansão do mercado, serão
a oferta de conteúdo (acesso à transmissão de cultos religiosos, por exemplo) e
descontos em produtos e serviços. As miniteles também fisgam o consumidor com
“mimos” tecnológicos, como aplicativos para controlar os gastos com a franquia
de internet, ou modelos de cobrança com a lógica dos programas de milhagens,
caso do pay as you go, que faz descontos no cartão de crédito na medida em que o
serviço é usado.
Até o ano passado, a única empresa do gênero no país com número significativo de
clientes era a Porto Seguro Conecta.
No final de 2015, a Mais AD, ligada à igreja Assembleia de Deus, se juntou ao
time das miniteles.
Este ano, em julho, outra igreja, a da Fé do Brasil, recebeu o aval da agência
reguladora, a Anatel, para operar por meio da Always Tecnologia.
E, a partir de dezembro, a lista deve crescer com ao menos mais dois nomes,
homologados ou em fase de homologação pelo governo. Um é o da Veek, voltada a
usuários intensivos de internet via smartphones.
O outro é o dos Correios, com estreia prevista para dezembro deste ano.
A estatal deve começar a oferecer o serviço em sua rede de 12 mil pontos de
atendimento em todo o país. A meta, para 2017, é de 1 milhão de clientes. Parte
deles, entre os próprios 117 mil funcionários e seus familiares. “Só aí, dá meio
milhão de pessoas”, diz Guilherme Campos, presidente da estatal.
A Veek, fundada pelo experiente Alberto Blanco, um ex-diretor de novos negócios
da Telemar que ajudou a montar a Oi, tem previsão de entrar em fase de testes em
dezembro e oficializar sua estreia no mercado até março de 2017. Inspirada no
conceito da fintech Nubank, quer ser “completamente virtual e digital”. O
atendimento, diz o empresário, será todo feito online, e a adesão, só por
indicação. A empresa vai vender os chips pelo seu site. Mas para concluir o
processo será preciso ter um “veek code”, fornecido por outro cliente ou por um
“veeker”, nome dado aos revendedores da marca. Para incentivá-los a vender, a
empresa promete uma fração do valor da recarga dos primeiros 3 mil clientes de
sua rede. “Sem as lojas físicas, o nosso custo, em comparação com as teles
tradicionais, cai. E podemos oferecer preços competitivos”, diz Blanco. Sua
estimativa é conquistar 300 mil clientes em um ano.
Reação em cadeia
Esse novo mercado não se restringe às pequenas operadoras. Há toda uma cadeia
que sustenta a atividade, formada principalmente por MVNOs intermediárias e
enablers – nome dado às prestadoras de serviço que fazem a ponte entre as
gigantes de telecom e as miniteles. Elas oferecem parte da infraestrutura
necessária e cuidam de tarefas como tarifação, cobrança e integração com
fornecedores. Assim, as teles podem se concentrar essencialmente no que
interessa: clientes, venda e marketing. É uma tabelinha que, até aqui, vem dando
resultado.
A empresa do ramo mais ativa, até o momento, é a EUTV – o nome fantasia é Surf
Telecom. Comandada por Yon Moreira da Silva Junior, ex-presidente da Telefônica
Empresas e ex-diretor de negócios corporativos da Brasil Telecom, a companhia
venceu a licitação para dar suporte aos Correios na investida da estatal em
telefonia, além de fazer a conexão entre a rede da TIM, de quem aluga
infraestrutura, a Veek e a Always, outras de suas clientes. Yon, da EUTV, tem a
perspectiva de alcançar, por meio das suas clientes MVNOs, 5 milhões de usuários
em três anos. Pode não parecer muito no universo brasileiro de telefonia
celular, que tem 250 milhões de celulares, “mas já é uma Nextel”, segundo o
empresário.
Na mesma arena compete a Movttel, do investidor Ricardo Knoepfelmacher, o
Ricardo K., outro veterano no setor. Ele esteve à frente da Brasil Telecom na
reestruturação que preparou a companhia para a venda ao Grupo Telemar/Oi. Mais
do que posicionar a Movttel como uma provedora de infraestrutura e back-office,
Ricardo K. quer transformá-la em uma espécie de holding de MVNOs. A empresa já
detém 50% de participação na Mais AD, em sociedade com a Assembleia de Deus.
O mercado potencial para a tele dos fiéis é enorme. Segundo Aline Storchi,
presidente da Movttel, a companhia deve encerrar o ano com 500 mil clientes –
mais do que as cerca de 370 mil linhas ativas que a Porto Seguro Conecta reuniu
desde 2013. Hoje, a Mais AD está em São Paulo, Brasília, Minas Gerais, Goiás e
Sergipe. Até o fim de 2017, a meta é cobrir todo o país. Quando isso acontecer,
o público potencial da minitele será de 12,3 milhões de pessoas, o número de
fiéis da Assembleia de Deus no Brasil, de acordo com o censo de 2010 do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A conta não inclui novos
negócios da Movttel. “Estamos preparados para operar 50 empresas, em um
horizonte de três anos”, diz Aline.
Somadas, Movttel e EUTV têm mais de uma dezena de contratos para novas MVNOs em
negociação. É o que dizem Aline e Silva Junior. Entre os interessados, segundo
eles, há igrejas, companhias de vários setores e até clubes de futebol. “Está
havendo um amadurecimento desse mercado”, afirma Eduardo Tude, presidente da
consultoria Teleco, especializada em Telecom. “Na medida em que novas empresas
entram e dão certo, é mais fácil que outras venham”, diz. Para Tude, o Brasil
demorou a regulamentar a atividade – a lei brasileira que permite a constituição
de MVNOs é de 2010. Quando o fez, avalia o consultor, deixou em aberto questões
que provocaram insegurança jurídica, relacionadas a temas como bitributação, por
exemplo. Com o tempo, porém, as dúvidas legais foram resolvidas e os riscos
potenciais diminuíram. Agora, a expectativa é de crescimento em ritmo mais
acentuado.
Mercado maduro
O movimento ocorre também pelo interesse das grandes operadoras em incentivar
esse mercado. São elas que fornecem a infraestrutura para as MVNOs. Até
recentemente, a atenção de companhias como Vivo, TIM e Claro estava mais voltada
para a conquista de novos clientes. Com a saturação do mercado e o território
brasileiro praticamente coberto, as miniteles começaram a ser vistas como
parceiras importantes para atender à demanda de nichos.
Marcelo Duarte, diretor da TIM, diz que, uma vez que as operadoras de
telecomunicações no Brasil são obrigadas a tratar com isonomia os clientes,
tanto na oferta de pacotes quanto nos sistemas de teleatendimento, é difícil dar
atenção adequada a grupos menores. É aí, diz, que entram as miniteles.
“Entendemos as MVNOs não como uma concorrência, mas como uma oportunidade de
expansão”, avalia. Em alguns países europeus, casos de Alemanha e Holanda, a
participação das MVNOs chega aos 40%. No continente, há cerca de 600 companhias
do gênero. Na América do Norte, são mais de cem.
Há uma outra lógica que norteia o incentivo das grandes às miniteles. Deixar as
MVNOs ocuparem espaço significa também a possibilidade de aumentar a
rentabilidade da própria infraestrutura. “O investimento já está feito e a rede
não é usada no limite”, diz Valder Nogueira, analista de telecomunicações do
Santander. Em boa parte do estado de São Paulo, por exemplo, há antenas só para
cobertura, com alta ociosidade. Além disso, existem outros ganhos potenciais de
escala. Por exemplo: milhares de clientes em um único contrato, redução do custo
de aquisição desses clientes, necessidade de menor número de posições de
atendimento.
Desafios
O número de fatores favoráveis ao sucesso das MVNOs no país aumentou. Mas ainda
há uma série de barreiras a serem enfrentadas. Um dos principais desafios, como
admitem alguns dos estreantes, será encontrar o balanço adequado entre o pacote
de serviços, o perfil do conteúdo embarcado e o preço. Outro, diz Aline, da
Movttel, é gerar conteúdo e serviços que provoquem nos clientes a sensação de
pertencimento a um grupo. O suficiente, ao menos, para incentivar a migração de
outras operadoras. Há ainda quem considere a imagem negativa das grandes
operadoras no mercado brasileiro um entrave. Se elas que são do ramo já deixam a
desejar, por que empresas com marcas originais de outros setores ou atividades,
que operam sobre redes alugadas, seriam melhores e mais baratas?
É uma boa questão. Mas há quem lembre, como Blanco, da Veek, que a maior parte
das reclamações registradas na Anatel diz respeito não à qualidade do sinal, mas
a problemas de cobrança e armadilhas contratuais – algo que, segundo ele, as
MVNOs podem combater com recursos tecnológicos. Na Veek, diz ele, o cancelamento
é feito com um clique no aplicativo. Os créditos são comprados apenas com cartão
e o consumo de dados é indicado por aplicativo. “Tudo o que eu não quero é
prender cliente com contrato”, diz Blanco.