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Leia na Fonte: Tele.Síntese
[28/01/13]
A interconexão no setor móvel no PGMC - por Arthur Barrionuevo
Arthur Barrionuevo é professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-conselheiro do
Cade.
Há uma ambiguidade no texto na relação de interconexão entre empresas de
trunking e celular. Apesar da evolução na versão final do PGMC, ainda há falhas
a serem corrigidas.
Recentemente a Anatel aprovou a versão final do PGMC (Plano Geral de Metas de
Competição), publicado como Resolução nº 600, de 8 de Novembro de 2012. Trata-se
de uma série de medidas regulatórias que tem como objetivo incentivar e promover
a competição nos serviços de telecomunicações, em particular no setor móvel. O
objetivo do presente artigo é o de avaliar as medidas propostas pelo PGMC para a
interconexão no setor móvel. Dentre os mercados relevantes de atacado regulados,
objeto de medidas de compartilhamento, encontram-se os serviços de
infraestrutura e acesso a redes, tais como roaming, interligação e interconexão.
As medidas via de regra criam assimetrias entre as empresas com Poder de Mercado
Significativo (PMS) e as outras, sem PMS, inclusive as prestadoras de Serviço
Móvel Especializado (SME).
A divisão entre detentoras e não-detentoras de PMS é determinada a partir da
definição do mercado relevante em cada mercado e descrita no segundo anexo da
Resolução nº 600. Um grupo é considerado detentor de PMS de acordo com a
constatação de domínio da empresa em dado mercado relevante. Deve-se frisar que
houve um considerável avanço na versão final do PGMC em relação a sua versão
inicial, no que se refere à análise concorrencial. A primeira versão definia a
existência de PMS de forma mecânica baseado apenas na participação no mercado de
cada operadora em cada mercado geográfico. Agora, a análise é integrada e os
diferentes fatores, tais como economias de escala e escopo, controle sobre
infraestruturas não-duplicáveis, atuação vertical nos mercados de atacado e
varejo, servem apenas como insumos para entender o quadro concorrencial.
Houve também, com relação ao trato regulatório do mercado de interconexão,
avanços em comparação com a versão preliminar do documento. Anteriormente
propunha-se um BAK (Bill and Keep) pleno entre empresas com PMS e BAK parcial
para as empresas não possuidoras de PMS. Como se sabe, o BAK incentiva o
surgimento de distorções, como o desvio de tráfego e sua adoção já foi tentada e
abandonada no Brasil, em função dos problemas que gerou.
Porém, na versão final do PGMC, a proposta do BAK total entre as empresas com
PMS foi abandonada, foi mantido o full billing e prevaleceu a convergência, em
três anos da tarifa de interconexão, para um valor que será baseado em modelo de
custos. Permaneceram, entretanto, duas imperfeições no PGMC no que se refere ao
modelo de valores de interconexão. Em primeiro lugar, no serviço móvel pessoal,
as empresas sem PMS terão, durante a fase de transição ao modelo de custos, como
forma de calcular a interconexão no seu tráfego com as empresas com PMS, o BAK
parcial.
Vigorará o BAK parcial entre grupos sem e com PMS de 80%/20% entre 2013 e o
início de 2015, e de 60%/40% entre 2015 e 2016, passando a partir daí a vigorar
o regime de custos no qual a tarifa integral é paga sempre que ocorrer a
interconexão.
O que significam estes porcentuais? Vamos supor o tráfego total entre uma
empresa sem PMS e outra com PMS, examinando as seguintes situações, na primeira,
a empresa sem PMS tem 80% do tráfego e a com PMS tem 20%; na segunda, teríamos o
contrário e; na terceira, o tráfego é simétrico, 50% para cada uma. Quanto cada
uma pagaria à outra com o BAK parcial de 80%/20%?
Fazendo as contas
No primeiro caso nenhuma pagaria nada, pois empresa sem PMS não paga nada até o
valor de 80% do tráfego e a empresa com PMS também não precisa pagar nada até
20% do valor do tráfego. No segundo caso, onde o tráfego seria de 20%/80%, a
empresa sem PMS não paga nada até o valor de 80% do tráfego (20% < 80%). Já a
empresa com PMS por sua vez, como o valor de 80% do tráfego supera o limite de
20%, pagaria o valor de 60% do tráfego excedente. Para um valor da VU-M de R$
0,37/min., vigente hoje, a empresa com PMS pagaria o equivalente a R$ 0,28/min,
ou seja, 60/80 x R$ 0,37. Se o tráfego fosse simétrico, 50% para cada uma, a
empresa sem PMS não pagaria nada (50% < 80%) e a empresa com PMS pagaria 60% da
VU-M, R$ 0,22/min ((50 - 20)/50 x R$ 0,37) .
Note-se que quanto maior o tráfego entre elas, maior o ganho da empresa sem PMS.
Embora medidas assimétricas a favor de entrantes, por tempo limitado, seja parte
do ferramental regulatório, a proporção 80/20 parece excessiva. A Anatel deveria
ter tornado público os cálculos para que se pudesse estimar o valor do
“subsídio” que as empresas com PMS estão transferindo aos entrantes.
No entanto, embora grave, este problema ainda tem a vantagem de ser temporário e
de incentivar empresas que entrarão com tecnologias 3G e 4G para competir no
mercado de serviço móvel pessoal. Já o segundo problema do PGMC, a interconexão
entre empresas com PMS e empresas de serviço móvel especializado (SME) é bem
mais grave.
Há uma ambiguidade no texto a respeito da relação entre empresas do SME com as
de serviço móvel pessoal no que diz respeito à interconexão. Todavia, o art. 42
parece determinar que a remuneração dos custos de interconexão entre estas
empresas permanecerá como está, ou seja, regulada pela resolução nº 406 – onde
as operadoras de SME são beneficiadas por um BAK parcial de 55%/45%.
Continuando a regulação anterior, se mantém por tempo ilimitado uma assimetria
que favorece as prestadoras de SME, que já existem há mais de quatro anos e
detêm 4,1 milhões de assinantes, logo, não podem mais ser consideradas como
“novos entrantes”. Também, ao contrário dos novos players em telefonia móvel,
neste caso, o “subsídio” na interconexão perpetuará uma tecnologia já
considerada ultrapassada – a utilizada no SME. A velocidade de transferência de
dados é muito menor do que a presente nas redes mais modernas (3G e 4G).
A própria Sprint Nextel planeja desativar por volta de junho de 2013 esta
tecnologia nos EUA, uma vez que ela não é adequada para usuários de smartphones.
Ela também não resolve outro problema apontado pela ANATEL, o da diferença de
preços entre ligações on-net e off-net, uma vez que as ligações on-net entre
usuários de SME não custam nada, e as off-net para operadores de serviço móvel,
tem valor significativo.
Portanto, apesar da evolução observada na versão final do PGMC, ainda há falhas
a serem corrigidas. Na elaboração de políticas regulatórias, é preciso monitorar
e analisar os impactos das vigentes e antigas. Para tanto, seria interessante a
existência de um setor na Anatel responsável pela análise econômica e financeira
do impacto dessas políticas para o mercado.