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[12/04/16]  Franquia na banda larga fixa: mais um ataque ao consumidor - por Mariana Mazza

Desde o final da semana passada, a Internet está em um agito só por conta de um novo movimento que denuncia a iniciativa da teles de mudar o modelo de venda dos pacotes de banda larga. Os informativos produzidos pelo Movimento Internet Sem Limites – que se identifica nas redes sociais apenas como uma “Organização Sem Fins Lucrativos” – alertam de forma bastante didática que o novo modelo de negócios poderá limitar drasticamente o uso da Internet pelos internautas, especialmente aqueles que usam serviços de vídeo online e streaming, como YouTube e Netflix. Mas o que afinal está acontecendo no setor? Seria isso um boato ou é mesmo verdade?

Infelizmente, é verdade. Para entender a ameaça que pesa sobre os pacotes de telefonia fixa é preciso voltar um pouco no tempo. Quatro anos atrás, as concessionárias de telefonia fixa passaram por um turbulento processo de revisão de um dos principais documentos do setor: o Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU). Este plano existe desde a privatização do setor e prevê uma série de metas técnicas de expansão da rede de telefonia fixa. É de cumprimento obrigatório pelas concessionárias. Descumpriu? Pode perder o direito a operar no mercado brasileiro.

Na época, o governo planejava aproveitar o momento para atualizar um outro plano, o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), documento criado na gestão Lula com o objetivo de massificar o acesso à Internet através da rede fixa e da reativação da Telebrás. Durante o governo Dilma, no entanto, o PNBL foi se inclinando para outra direção: a banda larga móvel. A primeira jogada aconteceu em 2012, justamente na revisão do PGMU.

No estica e puxa das novas metas com as concessionárias, a banda larga móvel, que nem deveria fazer parte do acordo, entrou na mesa de negociações. Em troca de algumas metas mais fortes na fixa, as teles ganharam um presentão do governo: a mudança da ótica do PNBL para a móvel (defendida pelas teles anos antes) e o aval para uma mudança de modelo de negócios na venda desses pacotes. E ai começa o calvários dos consumidores.

O acordo fechado com o Ministério das Comunicações autorizou as operadoras móveis a parar de vender banda larga por velocidade e adotar o modelo de franquia de dados. Nesse modelo, o cliente não compra mais um acesso “ilimitado” à rede, com uma determinada velocidade de conexão como aconteceu nos 10 primeiros anos de expansão da rede móvel. Ao invés disso, as teles passaram a vender o direito ao acesso a um volume de dados pré-determinado, com uma velocidade dinâmica, possível de ser reduzida quando o cliente consumisse essa “franquia”. O impacto para o consumidor foi catastrófico. Reclamações nos Procons bateram recorde, o que fez a entidade abrir ações em todo o país para reparar o que foi compreendido como “propaganda enganosa” por parte das teles.

Muitas dessas ações correm até hoje. Uma das mais importantes é movida pelo órgão de defesa do consumidor Proteste. Nela, todas as operadoras estão sendo escrutinadas pela Justiça de São Paulo, que já interpretou a questão como um assunto de interesse dos consumidores e não apenas como uma mera regra técnica para a melhoria da eficiência das redes móveis, como defende a Anatel.

Apesar de toda a controvérsia judicial, a Anatel achou por bem expandir a mudança do modelo de negócios para a banda larga fixa. Daí a polêmica que agora circula na Internet.

As primeiras declarações da agência reguladora em favor de mudar o método de venda da banda larga fixa começaram a circular ainda em 2014, quando a Vivo anunciou mudanças nos contratos para usar o mesmo modelo da móvel. Para a Anatel, por incrível que pareça, tudo isso é ótimo.

A visão defendida pela agência é que os pacotes limitados por volume de dados tornam a rede mais eficiente. Esse argumento pode funcionar para as redes móveis que, por usar um insumo limitado para as inúmeras aplicações usadas pelos clientes – as radiofrequências -, podem ter dificuldade em coordenar um grande volume de dados. Particularmente, entendo que a eletrônica está ai pra isso: tornar mais eficiente as redes existentes. E que investimentos em tecnologia de ponta poderiam resolver esse gargalo. Mas é aceitável que, nas redes móveis a coisa é um pouco mais complicada do que na rede fixa.

A banda larga fixa, por sua vez, usa uma rede tecnicamente ilimitada de cabos e fibras ópticas. Não há limitação de uso do espectro nesse caso. No fim, o que limita a capacidade da rede fixa é apenas uma coisa: capacidade de investimento das teles. Há anos especialistas alertam para os investimentos insuficientes feitos pelas teles para suprir a demanda dos consumidores. Nesse cenário, sempre paira a dúvida: as empresa fixas deliberadamente deixaram de fazer os investimentos necessários para criar um problema de tráfego que agora seria solucionado com a adoção de um modelo que prejudica o consumidor?

A campanha que circula na Internet levanta algumas suspeitas inquietantes. Em um dos materiais, o Movimento Internet Sem Limites alerta que todas as operadoras telefônicas atuando hoje no Brasil possuem empresas de TV por assinatura. E este segmento tem sofrido forte concorrência de outros sistemas de vídeo como os canais do YouTube e os pacotes da Netflix. Sistemas estes que podem ser severamente prejudicados caso o modelo de negócios por franquia de dados se instale na Internet fixa, uma vez que limitará a capacidade de acesso por parte dos assinantes.

Ao longo de 2015, Procons estaduais conseguiram proibir as operadoras móveis de continuar com esse modelo. A ação da Proteste que corre na Justiça previu a intenção das teles de avançar na mudança do modelo e não só questiona o uso do sistema na telefonia móvel, mas também na fixa. Inclusive, a entidade pedirá amanhã (13 de abril) a tutela antecipada da ação à Justiça de São Paulo, que está analisando o caso. Na prática, se o pedido for aceito, as empresas serão proibidas de comercializar esse tipo pacote com franquia de dados, tanto na móvel quanto na fixa.

No site Avaaz mais de 400 mil pessoas já assinaram uma petição contra o limite de dados na telefonia fixa. A petição está online há apenas 20 dias, ou seja, esse número ainda deve subir bastante, especialmente depois do agito nas redes sociais.

Além do potencial abuso contra o consumidor, a mudança nos modelos de negócio também fere diretamente o Marco Civil da Internet (MCI), comemorado internacionalmente como uma das leis mais avançadas na proteção de direitos do cidadão na Internet. Isso porque a prática pode ser considerada discriminatória, além de atingir mortalmente o núcleo do MCI, a neutralidade de redes, princípio que proíbe que determinadas aplicações sejam priorizadas ou prejudicadas em benefício de outras. Em português claro, o modelo de franquia de dados premia empresas que talvez não tenham investido o que deveriam na expansão de suas redes e privilegia os clientes com mais dinheiro, uma vez que quem quiser manter sua banda larga ativa, terá que abrir a carteira. E ainda gera um cenário potencialmente anticoncorrencial, na medida em que mina o avanço de concorrentes no mercado de vídeo, especialmente streaming.

Por tudo isso, a mudança no modelo de negócios da banda larga está longe de ser uma mera questão técnica, que pode ser decidida apenas entre executivos das empresas e técnicos da Anatel. A mobilização dos consumidores nas redes sociais, aderindo a campanhas promovidas por movimentos em defesa da Internet livre e órgãos de defesa do consumidor, tem tido um papel importante nos debates judiciais nos últimos dois anos. O movimento que agora circula nas redes é mais uma iniciativa nesse sentido, ajudando a informar os consumidores sobre a situação. Sendo assim, se você recebeu algum material dessa campanha, saiba que, sim, é isso mesmo. Seu pacote de Internet pode mudar. Aliás, pode até já ter sido alterado pela sua operadora de banda larga. Mas saiba também que esta briga ainda não acabou. Tem muita gente batalhando para restituir os direitos dos consumidores nesta questão. E que a mobilização dos consumidores nas redes sociais, campanhas e abaixo-assinados que circulam pela rede fazem toda a diferença.