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[19/04/16]  A batalha na banda larga fixa continua - por Mariana Mazza

Os milhares de internautas que se mobilizaram na última semana contra a mudança nos pacotes de banda larga conseguiram uma primeira vitória. Na última sexta-feira, a Anatel determinou que todas as empresas de telefonia fixa suspendam a venda de acesso à Internet pelo modelo de franquia. Foi uma grande vitória, mas a batalha continua.

Antes que as mais de um milhão e meio de pessoas que assinaram os abaixo-assinados respirem aliviadas é importante entender que a decisão da Anatel é provisória e está longe de encerrar o assunto. Primeiro porque o documento assinado pela agência reguladora não atinge o alvo real da polêmica. A decisão não proíbe a venda dos pacotes por franquia. O que ela veta - temporariamente aliás – é o bloqueio do acesso, redução da velocidade ou cobrança de excedente após o consumo da tal franquia. E essa limitação na prática comercial das empresas irá durar, inicialmente, apenas 90 dias.

Ao longo dos três meses de suspensão, as empresas deverão criar mecanismos para que o cliente possa acompanhar o consumo de dados previsto na franquia e deixar explícita a mudança no sistema de cobrança em suas peças publicitárias. Não cumprir essas regras pode gerar uma multa diária de R$ 150 mil até o limite de R$ 10 milhões por operadora. Se o consumidor analisar a medida com calma, perceberá um grande problema na decisão inicialmente positiva: o documento da Anatel, na verdade, reafirma a possibilidade da cobrança da banda larga fixa pelo método de franquia, mesmo que jogue pra frente o início da mudança. Na prática, a Anatel tenta agora solidificar, com regras mínimas, a mudança rejeitada pela massa de consumidores.

Saibam, por exemplo, que esses tais mecanismos exigidos pela Anatel já existem para a oferta de banda larga móvel. E ainda assim não conheço ninguém capaz de acompanhar o próprio consumo de dados no acesso móvel ao ponto de não ser surpreendido com o aviso de que a franquia chegou ao fim. No mundo real, o consumidor fica sabendo que sua franquia vai acabar com um desagradável aviso enviado pela operadora de que, se quiser continuar acessando a Internet, terá que comprar um volume de dados extra ou mudar para um plano mais caro. Não vejo nenhum sinal de que a Anatel exigirá algo diferente das empresas que oferecem banda larga fixa.

Mas ainda assim, a determinação da Anatel pode gerar um efeito positivo. O ponto principal aqui é que a ordem emitida pela agência é mais um documento que extrapolaria as atribuições da reguladora na área da Internet. Você pode estar se perguntando: Mas não é a Anatel quem cuida da Internet? Não, não é. Ou, ao menos, a coisa não é tão simples assim.

No campo regulatório, a Anatel, como agência reguladora das telecomunicações, é responsável por cuidar da oferta do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), licença que toda empresa precisa obter para trafegar dados em banda larga em suas redes. É com base no regulamento de SCM que foi emitido o despacho que agora suspende temporariamente a oferta de banda larga fixa pelo sistema de franquia de dados. Mas há uma pegadinha nessa história.

Quinze anos atrás, o mundo iniciava os debates sobre uma das maiores controvérsias do setor de telecomunicações. Enquanto a Internet avançava a passos largos, reguladores de vários países se perguntavam: Devemos ou não regular esse serviço? Alguns países começaram a criar regras básicas nessa área, mas a filosofia de regulação mínima prevaleceu.

No Brasil, a Anatel – considerada a jóia da coroa entre as agências – entendeu que o melhor era ficar fora dessa encrenca regulatória. E assim nascia o Serviço de Valor Adicionado (SVA), via de escape da agência na controvérsia sobre a regulação da Internet e demais serviços que viessem a usar a rede de telecomunicações. Entender o SVA exige um certo nível de abstração. Como aprendi na Anatel, “SVA é um serviço que usa a rede de telecomunicações, mas não se confunde com ela”. Em outras palavras, SVA é qualquer serviço que não seria capaz de existir não fosse a rede de telefonia, mas nenhum deles pode ser tecnicamente chamado de serviço de telecomunicações. O exemplo clássico usado na época era o disque-sexo, disque-amizade... e qualquer outro “disque” comercializado até o início dos anos 2000.

Apesar de curioso, os “disques” são o exemplo mais perfeito de como funciona a lógica do SVA. É absolutamente necessário ter uma linha telefônica para acessar esses serviços – afinal, é um “disque-alguma coisa”. Mas não há dúvida de que oferecer chats de conversa não é um “serviço de telecomunicações”. Aliás, sequer eram as próprias empresas de telefonia as responsáveis diretas pela oferta desses serviços que usavam suas redes. Qualquer um podia criar um chat desses, sem necessidade de licença de telecomunicações de qualquer tipo. Alguns serviços prestados pelas próprias operadoras são SVA, como fax e bina (absorvidos de um antigo pacote de serviços auxiliares extintos após a privatização).

Pois bem, o SVA continua firme e forte mesmo com a substituição dos “disques” pelos chats e redes sociais na Internet, a obsolescência do fax e a naturalização do serviço de reconhecimento de chamadas na telefonia móvel. O representante máximo do SVA hoje chama-se Internet.

Ao declinar do papel de reguladora da Internet no início dos anos 2000, a Anatel acabou criando um problema para si mesma nos dias atuais. Outras agências, como a norte-americana FCC mantiveram uma confortável posição em cima do muro nessa questão, o que lhe permite agora atuações concretas nessa área. Mas a Anatel parece brincar com fogo. Tecnicamente, ela própria decidiu que a Internet é SVA. E que o SVA é uma terra sem lei para as telecomunicações, regulada apenas pelas práticas tradicionais de mercado. E aonde fica o SCM nessa história? O SCM é a parte “telecomunicações” dessa equação, a rede necessária para a oferta da Internet. Mas o acesso à Internet concreto, que conecta o consumidor a essa rede, é função dos provedores, que não precisam ser empresas de telecomunicações, regidos por uma norma dos tempos da Telebrás que a Anatel tenta, sem sucesso, exterminar há anos: a Norma 4.

Resumindo, quando uma empresa telefônica te vende um pacote de banda larga fixa na verdade ela está agindo como provedor de Internet também e não apenas como empresa de telecomunicações. Isso faz com que a Anatel tenha uma atuação limitada nessa área. Em tese, o que a Anatel deveria zelar nessa relação é a parte técnica de funcionamento da rede e algo muito caro (previsto no Marco Civil da Internet): a continuidade do serviço, ou seja, que ele não seja interrompido a não ser em caso de inadimplência do consumidor.

Assim sendo, a única parte que a Anatel poderia meter a colher é justamente onde a agência reguladora decidiu chancelar uma ilegalidade, ao permitir que práticas comerciais interrompam a oferta do serviço mesmo que o cliente esteja em dia com suas contas. O resto dessa história deve ser analisada sob a ótica do consumo, regida por inúmeras leis, inclusive o Código de Defesa o Consumidor. Ações na Justiça tentam pôr um fim nessa ingerência da Anatel nesta área – como a da Proteste, que já falei na coluna da semana passada.

Como podem perceber, a decisão da Anatel é só a ponta do iceberg. A primeira luta, claramente vencida pela pressão dos internautas ao constranger a Anatel a tomar uma atitude. Mas isso não resolve a questão. O modelo de oferta de banda larga por velocidade continua em risco e ainda não é possível respirar aliviado.