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Fonte: Convergência Digital
[10/12/14]
Esperando regulamentação, Anatel fará consulta pública sobre neutralidade de
rede - por Bruno do Amaral
Já com status de Lei 2.965/2014, o Marco Civil da Internet (MCI) ainda tem
pendente a regulamentação via decreto presidencial das exceções à neutralidade
de rede, ponto sensível do texto. A presidenta Dilma Rousseff deverá ouvir o
Comitê Gestor da Internet (CGI.br) e a Anatel, mas, como destaca o conselheiro
Marcelo Bechara, isso não significa acatar as entidades. Ainda assim, segundo
ele afirmou nesta quarta, 10, durante painel no Seminário ABDTIC 2014, a agência
deverá abrir o tema para debate em uma consulta pública – o prazo não foi
divulgado.
Essa consulta deverá procurar maior definição para a neutralidade porque,
segundo Bechara, o tema é tratado de forma conflitante no MCI, sobretudo no
tocante ao tratamento de pacotes no art. 9º do texto. "Eu acho que o artigo é
mal feito e coloca o conceito de isonomia duas ou três vezes com significados
distintos", declara. "O que o artigo traz de importante não é a neutralidade,
mas a quebra." Ele acredita que a visão mais clara sobre neutralidade só
acontecerá a partir da regulamentação, mas que o conceito "nada mais é do que a
ponte entre direito de acesso e o direito à informação".
O conselheiro também diz que, em seu entendimento da Lei Geral de
Telecomunicações (LGT), plataformas over-the-top (OTT) são serviços de valor
adicionado (SVA) e, por isso, a Anatel regula essa camada no que diz respeito ao
acesso às redes. "OTT para mim é SVA, não tenho dúvida nenhuma", afirma. Na
visão dele, o Marco Civil trata de neutralidade de rede apenas com operadoras de
telecomunicações, no direito à rede de acesso. "Sendo OTTs um SVA, isso está
vinculado ao uso das redes de serviço de telecom, cabendo à agência regular os
condicionamentos e a relação entre as duas", define. "Mas relação OTT com OTT
não é com a gente", pontua.
Por isso, acordos de troca de tráfego, que ele sugere que poderiam ser efetuados
utilizando o sistema de negociação de ofertas no atacado (SNOA) de forma
não-obrigatória, não seriam danosos à neutralidade. "O SNOA poderia ser
efetivamente o modelo a ser implantado para garantir isonomia do direito de
acesso das OTTs às operadoras de telecom", explica. "Se estão dando acesso
privilegiado a concorrente em relação à minha empresa, acho que é obrigação da
Anatel, com a câmara de resolução de conflitos, fazer a mediação." Ele reconhece
que a plataforma ainda tem problemas, mas que está sendo alterada no Plano Geral
de Metas e Competição (PGMC) para ser aperfeiçoada. "Mais cedo ou mais tarde,
ficará estável como a portabilidade."
Móvel
Mesmo tendo essa opinião, Marcelo Bechara considera que o acesso gratuito (zero
rate) promovido pelas operadoras em parceria com provedores OTT, como Facebook,
Twitter e WhatsApp, não fere a neutralidade. "Se o tráfego que eu estiver
acessando (a aplicação) não tiver nenhum tipo de priorização e que não faça
agressão ao MCI, não tem problema. O que está fazendo é não cobrar essa
capacidade dos 5 GB (de franquia), não computa. Indiretamente influencia? Não é
a minha posição, acho que é livre mercado, livre negócio".
Bechara destaca que a iniciativa de promover o acesso gratuito, mesmo que
limitado ao serviço escolhido pelo acordo com as operadoras, pode ajudar a
promover a banda larga móvel em meio à dominância de acessos pré-pagos do
mercado brasileiro. E ainda critica: "No caso da Internet, não tem nenhum
excluído digital defendendo a discussão, é todo mundo amplamente conectado e
heavy user. Temos que ouvir quem não está conectado"
Para o presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br),
Demi Getschko, o ideal seria separar a neutralidade das redes fixas e móveis.
"São bichos diferentes, e no Marco Civil isso acabou não acontecendo", diz. Ele
concorda com Bechara na questão da regulamentação de exceções, mas discorda na
promoção de acesso gratuito como universalização. "Claro, (ter grande penetração
dessa forma) é conexão, mas o ideal é ter fibra, eu não consigo usar um celular
para a Internet de forma plena, então tem vários aspectos da questão", destaca.
Atraso na regulamentação
O diretor regulatório da Net Serviços, Gilberto Sotto Mayor, defende a
neutralidade como conceito, mas destaca que acordo de interconexão "é outra
coisa, é uso de rede de terceiros e sempre existiu". Ele explica que não tem
resposta ainda para o problema de haver contratos entre provedores mais
abastados, como o Google, impedindo o potencial competitivo de players menores.
"Não tenho resposta ainda, não sei dizer a priori, mas não sei se deveria se
escrever em decreto e falar que (acordo de peering) é proibido", diz.
Sotto Mayor sugere que no processo de regulamentação haja participação "de quem
banca a infraestrutura", e não apenas da Anatel e do CGI.br com a presidenta
Dilma. "Tem que ser um processo que envolva todo mundo, e eu falo envolver de
verdade. E quem estiver envolvido, que se façam essa pergunta ao final o dia:
com essa regra, se o dinheiro fosse meu, eu investiria para colocar banda larga
no Piauí? Se a resposta for não, não está correto", declara. Ele também critica
duramente a ideia de que se crie uma terceira entidade para regular a Internet,
porque isso só faria aumentar o custo regulatório, e diz que uma regulamentação
que seja cheia de imposições sobre o que é proibido fazer também seria
prejudicial.
Demi Getschko acredita que, mesmo com o atraso na regulamentação, o Marco Civil
já é aplicável. "O grosso da lei continua valendo, diz que a neutralidade de
rede está valendo", afirma. Mas lembra que ainda há insegurança com a falta de
definição para as exceções. "Se alguém for acusado de não ter tido neutralidade
ao se defender de um ataque de negação de serviço, aí sim ele estará
desprotegido", reconhece.