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Leia na Fonte: O Globo
[26/02/15]
Órgão regulador da internet nos EUA aprova regras em defesa à neutralidade da
rede - por Thiago Jansen
Comissão Federal de Comunicações (FCC, em inglês) se reuniu nesta quinta-feira
em Washington para votar sobre o futuro da rede no país
RIO — Em reunião realizada nesta quinta-feira em Washington, os membros da
Comissão Federal de Comunicações (FCC, em inglês), principal órgão regulador da
internet nos EUA, aprovaram um conjunto de novas regulamentações no Ato de
Comunicação Título II que estabelece, entre outras coisas, que os provedores de
internet do país devem ser tratados como serviços telecomunicações (utilidade
pública), e não como serviços de informação. A decisão coloca os provedores sob
a autoridade da FCC e é tida como uma grande vitória para a defesa da
neutralidade da rede nos EUA, apoiada pelo presidente Barack Obama.
— A ação que tomamos hoje é uma reflexão irrefutável to princípio de que
ninguém, seja o governo ou uma corporação, deve controlar o acesso livre e
aberto à internet — afirmou o presidente do órgão, Tom Wheeler, sobre a proposta
aprovada por três votos a dois.
A proposta já havia sido divulgada em linhas gerais no início do mês por Wheeler,
que afirmara pretender estabelecer "as mais fortes proteções à internet aberta
já propostas pela entidade".
Com as novas regras, que passam a ser aplicadas não só aos provedores de
internet por cabo, mas também, pela primeira vez, aos de internet sem fio, a
possibilidade dessas companhias bloquearem ou reduzirem a velocidade de acesso a
sites e serviços na internet fica banida. A redução de conexão pelos provedores
somente será permitida nos casos de "administração razoável da rede" — e não
para propósitos comerciais.
Além disso, essas companhias também ficam impedidas de cobrar de outras empresas
de serviços on-line para priorizar a entrega dos seus conteúdos, como serviços
de streaming semelhantes ao Netflix, e esse tipo de relação também passa a estar
sob a responsabilidade de regulação da FCC.
— Não podemos ter uma internet de duas camadas, com vias que permitem uma
velocidade de tráfego maior para os privilegiados e deixar o resto de nós para
trás — disse a delegada do órgão Jessica Rosenworcel, durante a reunião. — Não
podemos ter guardiões que nos dizem o que podemos e não podemos fazer e onde
podemos e não podemos ir on-line. E também não precisamos de bloqueios,
modulações, e sistemas pagos de priorização que prejudiquem a internet como a
conhecemos.
Versões anteriores das novas regulamentações já haviam sido sugeridas pela
entidade em 2010 e no ano passado, porém foram rejeitadas nos tribunais sob a
alegação de que os provedores de internet não possuíam o status de serviço de
telecomunicação e, por isso, não poderiam ser submetidos às regras sugeridas—
algo corrigido pela nova versão aprovada nesta quinta-feira.
Companhias como Comcast, Verizon e AT&T e outros provedores, exceto a Spring,
eram contra as novas regulamentações e argumentavam que as regras mais rígidas
impediriam investimentos e inovações tecnológicas no serviço de internet.
Entretanto, Wheeler garantiu no início do mês a preservação de incentivos aos
provedores para o investimento em suas redes:
"Não haverá regulamentação de taxas, tarifas ou desagregações de último minuto.
Por mais de 21 anos, a indústria da internet sem fio investiu quase US$ 300
bilhões sob regras similares, mostrando que uma modernização da regulamentação
do Título II pode encorajar investimentos e competição", escreveu o presidente
da FCC no início do mês.
No entanto, aprovação das novas regras não foi um consenso na FCC. Dois cinco
membros do órgão, os republicanos Michael O'Rielly e Ajit Pai discordaram dos
colegas democratas. Em um comunicado antes da reunião, O'Rielly disse considerar
que a neutralidade da rede é desnecessária, e que o Título II impõe
regulamentações excessivas.
Os detalhes das novas regras foram discutidos pelos membros do FCC a portas
fechadas, após a reunião pública. O texto final das novas regulamentações, que
passarão a valer logo após o seu registro, ainda será divulgado ao público. Ao
final da reunião, defensores ilustres da neutralidade da rede que estavam
presente na sessão, como o cofundador da Apple Steve Wozniak, aplaudiram a
decisão.
Quase 4 milhões de mensagens
No ano passado, a FCC recebeu quase 4 milhões de comentários em favor da
neutralidade da rede depois que foi divulgado que o rascunho da proposta de
regulamentação oficial abria possibilidade para a discriminação "comercial
razoável" do tráfego de dados pelas provedoras.
Em novembro, o presidente Obama fortaleceu a defesa da neutralidade da rede
clamando pelas regras mais rígidas possíveis e sugerindo que a FCC reclassifique
os provedores como "serviços de telecomunicações" sob o Título II, ao invés de
manter a classificação atual de "serviços de informação".
Decisão "imensamente importante"
Para Konstantinos Stylianou, especialista em neutralidade da rede e pesquisador
visitante do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio, a
decisão da FCC é "imensamente importante", já que expande, pela primeira vez, a
neutralidade da rede para a rede móvel, sem fio, em um momento em que a internet
avança cada vez mais para este segmento.
Além disso, o professor vê como essencial para a defesa da neutralidade da rede,
do ponto de vista judicial, a reclassificação dos provedores de internet em
serviços de telecomunicação, e não como somente de informação.
— Essa distinção não é comum em outras partes do mundo, mas tem grandes
repercussões para o que a FCC pode fazer, a sua autoridade e para os tipos de
regras que a entidade pode aplicar na internet. É uma decisão muito importante
pois, pela classificação anterior, o órgão não tinha autoridade para regular
como os dados são transmitidos na internet. Isso foi mudado — afirma ele.
Para Stylianou, a expectativa é que as operadoras se pronunciem contra as novas
regras e iniciem uma série de litígios a respeito. No entanto, apesar dos
obstáculos que a FCC possa vir a ter, o especialista afirma que a decisão desta
quinta-feira reforça o valor da neutralidade da internet, inclusive para outros
países, como o Brasil — que vem tratando do tema no Marco Civil da Internet:
— É uma mensagem bastante forte em favor da neutralidade da rede.