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Fonte: Observatório da
Imprensa
[16/08/05]
Governo ainda não sabe como se dará a transição - por FNDC
Reproduzido do e-Fórum nº 59 (12 a 18/8/2005), boletim de divulgação do
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
Restando quatro meses de estudos para definir o modelo de referência do
Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), que vem sendo gestado desde
novembro de 2003, a forma como se dará a transição equivalente para as
emissoras de rádio corre o risco de ser verticalizada e restrita ao setor
privado e a órgãos da administração pública. Desde que foi anunciada pelo
Ministério das Comunicações (Minicom) e pela Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), a liberação de testes somente para o padrão
norte-americano Iboc (In Band On Channel) em 12 capitais, a partir de
setembro, provocou polêmica dentro e fora do governo Lula pela rapidez com
que o debate está sendo conduzido.
Enquanto os órgãos do setor dizem que o que foi anunciado é apenas a
autorização a partir da solicitação de um grupo de emissoras, a Casa Civil
da Presidência da República acendeu o sinal amarelo porque já vinha
desenvolvendo convênios para testar em nível nacional o padrão europeu DRM
(Digital Radio Mondiale) e ainda pretende produzir estudos comparativos
entre os quatro padrões existentes no mundo. A queda-de-braço entre os dois
lados torna difícil uma aposta sobre qual Pasta terá mais força para bancar
sua política.
Testar todos os sistemas de radiodifusão digital é uma prerrogativa do
governo para definir qual será o padrão a ser utilizado no país, garante o
assessor especial da Casa Civil, André Barbosa. "Queremos uma solução que
permita fazer a migração em mais tempo, repensar o rádio como um todo", diz
Barbosa. Entretanto, até o momento, não há ainda uma diretriz política sobre
rádio digital. "Junto com o ministro Hélio Costa, vamos conversar para ver
que tipo de solução será dada. A nossa posição, incluindo outros diversos
organismos, entre eles a Universidade de Brasília e a Radiobrás, é de
permitir testes em todos os sistemas que existem", explica. Conforme a
Anatel, a única exigência que o Brasil tem para implantar o sistema digital
em rádio é que o padrão utilize a mesma freqüência (canal) do analógico.
Este quesito, tanto o DRM quanto o Iboc atendem.
"Na realidade, qualquer sistema que permita a utilização do mesmo canal é
interessante para o país", explica o Superintendente de Serviços de
Comunicação de Massa da Anatel, Ara Apkar Minassian. "O rádio digital não
permitirá realizar algo mais, a não ser qualidade de som e o serviço RDS,
introduzido no Brasil, no ano passado", revela. O RDS (Radio Data System) é
um sistema de busca de dados que permite o recebimento de informações de
texto direto no display do aparelho (rádio), juntamente com o sinal de
áudio. Podem ser informações acerca das músicas ouvidas, previsão do tempo,
cotações da bolsa, lazer, notícias e tráfego.
Com o Iboc, as emissoras tendem a permanecer com os canais outorgados e não
deverá haver interferência nas transmissões analógicas. Segundo a assessoria
de imprensa da Anatel, a tecnologia digital não permitirá a possibilidade de
abertura de novas emissoras.
Padrão-proprietário intimida
"A aparente opção pelo padrão norte-americano Iboc parece privilegiar a
lógica dos grandes empresários da comunicação, que querem garantir apenas a
migração do sistema analógico para o digital sem maiores discussões...",
reflete Orlando Guilhon, vice-presidente da Associação de Rádios Públicas do
Brasil (Arpub) e diretor-geral da Rádio MEC. Barbosa afirma que não está em
risco a manutenção do canal. "Entretanto, o espaço público e a radiodifusão
comunitária têm que entrar na discussão, estar contemplados", diz. Além do
norte-americano Iboc e do europeu DRM, os outros dois padrões explorados
hoje, no mundo, são o DAB (Digital Audio Broadcasting), restrito ao FM, e o
japonês ISDB Tn (Integrated Services Digital Broadcasting), que utiliza um
canal de TV Digital. "Gostaríamos que as possibilidades em radiodifusão
digital fossem além do som, que permitissem o desenvolvimento na
transferência de tecnologias no Brasil", revela Barbosa.
A Arpub manifesta sua preocupação com a decisão em priorizar o padrão Iboc.
"Parece querer atropelar tudo aquilo que o próprio governo vinha
encaminhando no setor. Se não houver estudos comparativos, como garantir que
estaremos fazendo a melhor opção? Nunca é tarde para lembrar que o Iboc é
proprietário, e portanto o seu uso implicará em taxas de licenciamento que
incidirão sobre o custo do aparelho receptor, enquanto o padrão DRM, por
exemplo, é não proprietário", reflete Orlando Guilhon.
André Barbosa, da Casa Civil, afirma que o processo de transferência das
tecnologias deve ser pensado junto com a sociedade civil. "É
responsabilidade de quem dirige o país e também de quem produz conteúdo",
sustenta. Por isso, a Casa Civil quer unir-se ao Minicom para discutir
soluções. "Para criar políticas industriais que barateiem o custo, que
possibilitem a produção nacional e o acesso à baixa renda, e também
políticas de apoio aos pequenos radiodifusores, para que tenham acesso à
tecnologia e benefícios na área. No que diz respeito a conteúdos, é uma
preocupação do governo desenvolver centros de pesquisa de excelência na
produção de programação, com possibilidades de integração, de multioferta",
esclarece Barbosa.
Custo proibitivo
Clementino dos Santos Lopes, da Coordenação Nacional da Associação
Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), declara que o movimento das
rádios comunitárias foi pego de surpresa, apesar de estar pensando sobre as
questões da digitalização. "Essa notícia dos testes com o padrão americano
nos surpreende, porque é uma decisão horizontal, e vem justamente num
momento em que o movimento da radiodifusão comunitária se consolida como
meio de participação popular".
O maior temor para as comunitárias, na digitalização da tecnologia, é o
custo desse processo. Um modelo proprietário, como é o americano, pode
inviabilizar o acesso dos pequenos radiodifusores à migração tecnológica.
"Queremos acompanhar esse avanço tecnológico, e por isso queremos participar
das discussões, conhecer os padrões, resolver junto com o governo", defende
Clementino.
A Abraço incluiu o assunto em carta que entregará ao presidente Lula, e na
pauta da audiência que terá com o ministro Hélio Costa, em 15/8. Para esta
semana, está prevista uma reunião entre a Casa Civil e os ministérios
envolvidos com os temas da área das comunicações. Poderá sair daí alguma
diretriz democrática para a questão da radiodifusão sonora digital?