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Altamiro Borges é jornalista e colunista da Fórum.
É membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e
autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi,
2ª edição).
Nas últimas semanas, houve um endurecimento da repressão às rádios
comunitárias nas principais regiões metropolitanas do país. A senha para a
nova ofensiva foi dada no 24º Congresso da Associação Brasileira das
Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), que reúne os “donos de mídia”, no
final de maio. Na ocasião, Hélio Costa, ministro das Comunicações e homem de
confiança da Rede Globo, anunciou o reforço das medidas de criminalização.
Entre outras iniciativas, informou que solicitou ao Ministério Público o uso
de “interdito proibitório” para punir as rádios, que intensificará as
campanhas publicitárias para estigmatizar o setor e incentivar a delação e
que o “seu” ministério exigirá total rigor na aplicação das penas de prisão.
“A partir de hoje estamos pedido à Justiça que penalize esta falta de
respeito. A pena para quem infringe a lei é de até dois anos de cadeia”,
esbravejou o rejeitado ministro do governo Lula no evento da Abert
para o deleite da platéia de empresários. Ele também convocou as emissoras
privadas, maiores interessadas na perseguição às rádios comunitárias, para
que “ajudem na conscientização da sociedade”, criando o clima de deduragem
nas periferias da cidade. “Fazemos um apelo para todos que possam nos
ajudar. Isto porque nós temos que ter o mínimo de informação para
identificar o local da rádio pirata e efetuar as prisões”.
“Pura tensão” nas periferias
Até a "Folha de S.Paulo", com seu linguajar preconceituoso,
constatou o avanço da repressão. “Os últimos dias foram de pura tensão para
os donos das rádios clandestinas, livres, ilegais ou piratas, como costumam
ser chamadas”. O repórter João Wainer percorreu alguns bairros da periferia
de São Paulo e sentiu o clima de perseguição. Daniel, nome fictício
de um dos entrevistados, protestou: “Faz 12 anos que minha rádio presta
serviços à comunidade e agora eu tenho que ouvir um engravatado lá de
Brasília vir dizer que eu sou criminoso”. A rádio de Daniel nasceu do
movimento popular por moradia e hoje atua totalmente na clandestinidade,
temendo a destruição dos equipamentos e a prisão de seus colaboradores
voluntários.
Outro entrevistado, de codinome José, lembra que “todo o boteco da
região sintonizava a nossa rádio. De dois anos para cá, a polícia
intensificou a repressão e minha vida virou um inferno”. Já Donato teve a
sua rádio fechada por policiais em junho de 2006. “Eles arrombaram a porta e
fecharam tudo. Cheguei aqui e o transmissor tinha sido levado. Desde então,
nunca mais pude transmitir”. Outro entrevistado, batizado de Humberto,
afirma que não desistirá de seu projeto. “Sou um revolucionário e uso
a rádio para passar a minha mensagem... As rádios oficiais pagam propina
para que a polícia feche as piratas no bairro. Somos melhores que eles,
estamos ganhando ouvintes e isso incomoda”.
Aeroportos e desculpa esfarrapada
O pretexto usado agora para o aumento da repressão é que as rádios
comunitárias estariam interferindo na comunicação aérea, causando atrasos e
transtornos nos aeroportos. A desculpa é das mais esfarrapadas e deveria
corar de vergonha o ministro Hélio Costa. Segundo vários especialistas, a
potência destas rádios é baixa, sendo facilmente redirecionada pelas torres
de comando das aeronaves. Na verdade, as emissoras privadas é que tem poder
para interferir nas comunicações aeronáuticas. O relatório do Grupo de
Trabalho Interministerial do governo federal registrou, entre maio e outubro
de 2003, várias interferências causadas no aeroporto Santos Dummont, no Rio
de Janeiro, por rádios comerciais, entre elas a Rádio Globo.
Segundo um fiscal da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que
preferiu não se identificar numa entrevista ao "Observatório da Imprensa",
“todo dia recebemos denúncias de interferência de rádios outorgadas [as
“legais”] na aviação. Em menos de uma hora comunicamos para que resolvam.
Agora, se é uma rádio pirata, clandestina, nós
não sabemos o telefone, o endereço. Tem que chamar a polícia e ela já vai
armada, é crime”. Até o presidente da empresa Gol, Constantino Oliveira
Junior, disse aos deputados e senadores da CPI do Apagão Aéreo que “a
interferência de rádios ilegais na comunicação do piloto com a torre
não põe em risco o vôo, já que o piloto troca de freqüência ou faz ponte com
outras aeronaves”.
Segundo Marcus Manhães, do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento em Telecomunicações, a tentativa de culpar as comunitárias
pelos atrasos e acidentes na aviação é preconceituosa e não tem fundamento,
já que qualquer transmissão pode ser interferente, seja de rádio comercial,
comunitária ou ilegal. “Utilizando a comoção dos acidentes aéreos fica fácil
atribuir responsabilidade para quem é mais fraco”. Ele garante que
uma rádio comunitária, com apenas 25 watts de potência e uma distância
mínima de um quilômetro e meio dos aeroportos, conforme o autorizado pela
legislação, não tem como interferir na freqüência usada pela aviação. “As
comunitárias têm o menor potencial de ser interferente. Já as rádios
comerciais, por trabalharem com potências muito superiores, são as
potencialmente interferentes”, afirma o especialista.
Os “interesses” de Hélio Costa
Comprovada a total “ignorância” do ministro das Comunicações, o que está por
trás da sua fúria contra as rádios comunitárias? Na prática, o “homem da TV
Globo” sempre defendeu os interesses das corporações da mídia – e até
advogou em causa própria, já que é dono de rádios em Minas Gerais. Na sua
triste gestão, emissoras de comunidades e movimentos sociais
comeram o pão que o diabo amassou e não tiveram paz. Modestas salas de
rádios comunitárias foram invadidas, transmissores foram apreendidos ou
destruídos e comunicadores populares foram presos e hoje vivem na
“clandestinidade”. Hélio Costa é culpado por um dos recordes negativos do
governo Lula na comparação com FHC: o da repressão de rádios comunitárias.
Somente no ano passado foram fechadas 1.602 rádios comunitárias no Brasil.
Segundo levantamento da Folha, nos primeiros cinco meses deste ano a Anatel
fechou mais de 600 rádios – 90 delas em São Paulo. Como afirma Venício de
Lima, autor do indispensável livro “Mídia: crise política e poder no
Brasil”, esta postura é inadmissível num governo oriundo das lutas sociais e
que é vítima da manipulação da ditadura midiática. “A eventual
interrupção [nas conversas entre o piloto e as torres de comando dos
aeroportos] provocada por uma ou duas rádios não justifica o aumento da
repressão às demais rádios comunitárias. Se existem rádios
ilegais, o ministério deveria apressar o processo de legalização, e
não reprimir”.
O padrão estadunidense restritivo
Além da criminalização das rádios comunitárias, o ministro Hélio Costa já
prepara outro golpe contra essa forma de democratização da mídia. No
processo de digitalização das comunicações no país, prevista para começar em
dezembro, o governo estuda a adoção do padrão estadunidense
de rádio digital – In Band On Channel (Iboc). O sistema é altamente
restritivo, com custos elevados e cobrança de royalties pela firma Ibiquity,
dos EUA. Como explica Jonas Valente, do Coletivo Intervozes, o país até
poderia adotar outros modelos, como o europeu e o japonês, ou
investir em tecnologia nacional. Mas as rádios privadas, como a Globo,
forçam a barra para impor o modelo ianque – e contam com a mãozinha do
ministro Hélio Costa.
“Em São Paulo, as radiodifusoras já compraram mais de cem aparelhos no
sistema norte-americano. Elas querem ganhar pela imposição”, alerta Jonas
Valente. A própria Anatel já confessou que a introdução do padrão
estadunidense levará a falência centenas de pequenas rádios comerciais, para
não falar das rádios comunitárias. Só o transmissor do sistema Iboc custará
cerca de R$ 30 mil; já o pagamento da licença, do royaltie, custará mais de
US$ 5 mil. “Esse custo inviabiliza o sistema. As rádios comunitárias,
educativas e culturais ficarão fora desse processo de transmissão digital”,
denuncia Orlando Guilhon, presidente da Associação das Rádios Públicas
Brasileiras e diretor da Rádio MEC.
* Altamiro Borges é jornalista e colunista da Fórum. É membro do Comitê
Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As
encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).