Fonte: Portal G1 - Coluna do Silvio Meira
O processo de escolha do padrão brasileiro de rádio digital andava meio
morno. Parece que os interessados estão começando a dizer o que querem. Mas
querem muito pouco...
A ABINEE, associação nacional dos fabricantes de produtos
eletro-eletrônicos, está
começando a
entrar no debate sobre a escolha do
padrão brasileiro de rádio digital. O representante da indústria na
audiência pública da Câmara dos Deputados sobre os testes com os padrões de
rádio digital disse recentemente que... "Não vejo a intenção dos americanos
(do padrão IBOC) em transferir tecnologia. A questão da transferência de
conhecimento precisa ser negociada inclusive para que os preços dos produtos
atendam a realidade do país. Se isso não acontecer, estamos fadados a
extinção” .
Nós, no caso, são os fabricantes nacionais de transmissores de rádio,
segundo a ABINEE responsáveis por 90% do mercado brasileiro de rádio
analógico. O padrão IBOC é fechado, propriedade de uma empresa, que cobra
para que se fabrique ou use equipamentos que dependem de sua propriedade
intelectual. No que está muito certa, por sinal: arriscou, investiu e quer
seu rico dinheirinho de volta.
Pelo andar da carruagem, quem vai errar, de novo, é o Brasil. A preocupação
da indústria é a fabricação -- agora -- de equipamentos e a correspondente
receita, no mercado, de preferência fechado à competição internacional. A
das emissoras, principalmente as pequenas, também explicitada no debate da
Câmara, é do custo de transição do sistema de transmissão analógica para o
digital. Como não poderia deixar de ser, há promessa de financiamento
público, facilitado, para que isso aconteça. Se o leitor não sabe, quase
toda estação de rádio tem um deputado, senador ou, de resto, político por
trás. Até Renan tem pelo menos uma. Mesmo que não seja no nome dele. Mas
isso é outra história, outro processo. Voltemos à nossa discussão.
Do ponto de vista de uma política para rádio digital, o que o Brasil deveria
estar fazendo? Deveríamos pensar no mundo e no futuro. Ao contrário do que
fizemos em TV digital, ao desenhar um mercado digital semelhante ao definido
pela nossa escolha analógica por PAL-M. Nosso padrão de TV digital, como o
analógico, é brasileiro mesmo: só vai existir aqui. Mas... como pensar
grande?
O Brasil é grande o suficiente para ter um impacto considerável na
globalização de qualquer padrão. Somos quase 200 milhões e nosso mercado
interno de produtos universalizáveis, como rádio ou TV, é significativo.
Ocorre que nenhum dos fabricantes locais de produtos eletrônicos é global ou
capaz, minimamente, de interferir de fato em padrões mundiais. Até agora,
justamente por causa disso, nossos fabricantes olham somente para o mercado
interno; sabem que não conseguirão competir no externo. Em certos casos, não
terão licenças, que seja, para produzir daqui para outros mercados.
Uma política real para o Brasil, no cenário de rádio e convergência
digitais, é nos associarmos a padrões abertos que tenham a chance de se
tornarem realmente globais (o que não é o caso, definitivamente, do padrão
IBOC). E fazer isso em dois passos: 1) introduzir, aqui, o estado da prática
de um padrão global, seja lá qual escolhermos, sem nenhuma modificação e 2)
participar, desde já, da criação da próxima versão de tal padrão, fazendo
acordos e criando condições para introdução de conhecimento e propriedade
intelectual nacionais nas versões futuras, para o que é necessário um
investimento alinhado, entre governo, academia e indústria, em inovação e
empreendedorismo.
Trazer um padrão aberto, global, não modificado, nos faria entrar na escala
global de custos e investimento em sistemas e dispositivos. Tirar, daí,
recursos para investir na evolução do próprio padrão é questão de
inteligência e sobrevivência. Só que nossas decisões recentes de política
industrial não primam por nenhuma destas qualidades. No caso de rádio
digital, agora é esperar pra ver. Ou nem isso: a indústria parece só querer
saber o que vai fabricar agora, as estações dinheiro bom e barato para
trocar os transmissores e o governo, até agora, não tem política e
estratégia, de mercado ou indústria, do tamanho do Brasil, para se contrapor
às pressões e criar uma visão de mundo. Nihil novum super terram...