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Leia na Fonte: Exame
[02/11/17]
Por trás da Oi: Abutres, piratas e uma briga bilionária
Abutres e piratas. é assim que credores e acionistas da empresa de
telecomunicações Oi, em recuperação judicial há mais de um ano, têm se tratado
nos bastidores. Para um grupo de credores que detêm títulos da dívida da Oi, os
principais acionistas da companhia — liderados pelo empresário brasileiro Nelson
Tanure — estão tentando saquear a empresa como piratas. Já os acionistas dizem
que os detentores de títulos estão, como abutres, querendo tirar o que resta de
melhor da companhia e deixar só a carcaça. A troca de acusações começou quando a
empresa pediu recuperação judicial em junho do ano passado, mas ganha força à
medida que a definição da reestruturação se aproxima — e, enquanto isso não
acontecer, nem um centavo da dívida de 65 bilhões de reais será pago.
Está marcada para o dia 10 de novembro a quarta tentativa de votar um plano de
recuperação para a Oi, algo que deveria ter acontecido há meses. As três
assembleias anteriores, previstas para votar o plano, foram suspensas. Para
tentar evitar que a próxima tenha o mesmo destino, o governo decidiu atuar.
Desde o cancelamento da última assembleia, agendada para 23 de outubro, houve
pelo menos 15 reuniões entre os envolvidos na recuperação judicial da Oi. O
grupo do governo, liderado pela Advocacia-Geral da União (AGU), coordenou a
maioria delas, com o objetivo de preparar um plano próprio para tentar tirar a
empresa do buraco. Até então, apenas credores e acionistas haviam elaborado
propostas.
Mas, como eles não se entendem, a avaliação de alguns especialistas é que o
governo poderia propor um plano considerado neutro, com mais chance de ser
aprovado. “Tentamos contribuir para ter um diálogo mais articulado entre as
partes e chegar a um consenso”, afirma Grace Mendonça, advogada-geral da União.
A Oi deve cerca de 20 bilhões de reais para a Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel), dos quais 11 bilhões de reais fazem parte do processo
de recuperação judicial (o restante é dívida fiscal, que fica fora da
reestruturação). A regulação estabelece que a negociação possível para uma
dívida em atraso com a Anatel é o parcelamento em quatro anos, com o pagamento à
vista de 20% do valor devido — o que a Oi não tem condições de fazer.
EXAME apurou que a AGU discute a extensão do prazo para 20 anos, com a aprovação
de uma medida provisória no Congresso, e a proposta da direção da Oi é usar
recursos de depósitos judiciais para pagar o percentual obrigatório à vista.
Os acionistas, porém, questionam a dívida de 20 bilhões de reais. Dizem que
parte dela se deve a cobranças descabidas — a Oi chegou a ser multada por enviar
um relatório em PDF quando deveria ter feito o envio no formato PDF editável.
Pedem, assim, um desconto no valor. O grupo de trabalho da AGU inclui também a
Caixa Econômica Federal, o BNDES e o Banco do Brasil, bancos públicos credores
da Oi. “Nosso foco é resolver o crédito público, mas sem inviabilizar a
empresa”, diz Grace. A AGU quer finalizar um plano até a data da assembleia da
Oi.
Em paralelo, os credores — grupo formado principalmente por investidores com
títulos da dívida — também elaboram um novo plano de recuperação. A primeira
proposta que apresentaram, em setembro, foi considerada inviável pela Oi. Previa
que a participação dos acionistas no capital cairia 88% e que os credores
investiriam 3 bilhões de reais na companhia. A Oi contratou a assessoria
financeira Laplace para avaliar o plano, e a conclusão foi que ele era
insuficiente. Em 2020, segundo a Laplace, a Oi estaria com um rombo de 2 bilhões
de reais. Na nova proposta, os credores se dispõem a investir 4 bilhões e abrir
mão de litígios internacionais — eles têm ações contra a Oi na Holanda e nos
Estados Unidos.
Por enquanto, as propostas do governo e dos credores são meras alternativas.
Pelas regras da recuperação judicial, apenas uma proposta pode ser apresentada
para ser votada em assembleia. Quem define qual proposta será votada é o
conselho da Oi e o administrador judicial. Até o fechamento desta edição, eles
levariam à votação a proposta formulada pelos acionistas Tanure e pelo grupo
português Pharol (do qual Tanure se tornou sócio). Juntos, eles têm 28% da Oi e
são os maiores acionistas. A proposta desse grupo prevê um aumento de capital de
até 9 bilhões de reais, sendo 6 bilhões em dinheiro novo (captado com os
acionistas e credores atuais) e 3 bilhões de reais de conversão de dívida em
capital.
A diluição dos atuais acionistas ficaria em 60%. Haveria ainda um desconto de
70% no valor da dívida detida pelos investidores que são donos de títulos da Oi.
O desconto elevado se justifica, segundo pessoas envolvidas na elaboração da
proposta de Tanure, porque a maioria desses credores comprou os títulos de
dívida por preços baixos, quando a Oi entrou em dificuldade financeira. Estavam,
portanto, cientes dos riscos. “Os abutres compraram papéis entre 20% e 25% do
valor original e hoje querem receber como se tivessem pagado a integralidade.
Não se importam se a empresa vai ficar de pé ou não”, diz um executivo ligado ao
grupo de acionistas.
Do ponto de vista estritamente financeiro, os ajustes propostos por Tanure e
Pharol seriam um alento. Eles diminuiriam a dívida em 34 bilhões de reais e
deixariam a Oi com 7 bilhões em caixa. O problema é o que vem a reboque. Um dos
pontos mais polêmicos — e que está provocando discussões acaloradas — é a
proposta dos acionistas de pagar taxas de remuneração aos investidores que já
têm títulos da dívida da Oi e colocar mais dinheiro na empresa. Alguns
acionistas são donos de parte desses papéis, direta ou indiretamente. “O que
esses acionistas piratas querem é receber essa remuneração e depois fazer o
aporte como acionistas com o dinheiro que receberam da própria empresa”, diz um
assessor financeiro de credores internacionais.
A administração da Oi também é contra a proposta, porque o dinheiro para pagar
essa remuneração, uma taxa de 14%, sairia do caixa da empresa. -EXAME apurou que
duas propostas paralelas estão sendo discutidas para esse item. Uma delas é que
os acionistas antecipem um aporte de 1 bilhão de reais e que esse dinheiro seja
usado para pagar a remuneração. Outra, proposta por credores, é que a taxa caia
pela metade, para 7%, e que ela só seja válida para os investidores que não são
acionistas. Enquanto essa cláusula não mudar, é mais um argumento para os
detentores de títulos da dívida da Oi votarem contra a proposta de Tanure e
Pharol.
Para tentar conseguir apoio, Tanure mobilizou uma equipe de negociação. Ele e o
ex-ministro das Comunicações Hélio Costa, conselheiro da Oi, têm cuidado das
conversas com AGU, Anatel e Ministério das Comunicações. O objetivo é mostrar
que o plano viabiliza a Oi no médio prazo e que eles estão comprometidos com a
recuperação, enquanto os investidores que têm títulos da empresa só querem
receber o pagamento quanto antes. O filho de Tanure, Nelson Queiroz Tanure,
conhecido como Nelsinho, é o encarregado de se reunir com os credores.
Para conseguir o apoio dos bancos, o plano dos acionistas prevê que essas
instituições não tenham desconto no valor, mas mudem juros e prazo. No início de
outubro, os acionistas tinham conseguido o apoio do Itaú, que tentava convencer
os demais bancos privados credores da Oi, como Bradesco e Santander. O Banco do
Brasil pediu que o plano incluísse que a empresa deverá ficar cinco anos sem
distribuir dividendos, e foi atendido. Mas o BB e os demais bancos públicos
estão negociando também com a AGU e a Anatel, e vão apoiar a proposta que der a
melhor solução para o que têm a receber, segundo apurou -EXAME. Acionistas e
credores não deram entrevista.
Pressão
Sem o apoio dos detentores de títulos, que têm 32 bilhões de reais a receber, no
entanto, é difícil conseguir aprovar qualquer coisa em assembleia. Uma parcela
deles, que tem quase 20 bilhões de reais, está organizada em grupos e pouco
disposta a negociar com Tanure. “Eles querem pressionar para que o governo
intervenha na Oi ou imponha mudanças no conselho”, diz um executivo ligado à
empresa. Uma intervenção acabaria com a proteção garantida pela recuperação
judicial, que proíbe a cobrança de dívidas — se isso acontecesse, os credores
poderiam ir à Justiça para cobrar o que têm a receber.
Enquanto tenta emplacar sua proposta para salvar a Oi, Tanure passou a criticar
a administração da companhia. Em reuniões com o governo, conselheiros ligados ao
empresário vêm questionando a capacidade dos gestores de conduzir o plano de
recuperação da empresa, qualquer que seja ele. Dizem que o problema não é só a
dívida elevada, mas falhas de gestão que levaram a empresa a gastar 20 bilhões
de reais de seu caixa nos últimos cinco anos, fazendo poucos investimentos. Essa
crítica tem como alvo especialmente o presidente do conselho, José Mauro da
Cunha, que está na empresa há nove anos.
O presidente da Oi, Marco Schroeder, assumiu o cargo em junho do ano passado,
quando a operadora já estava inviável financeiramente, mas também tem sido
bombardeado. Para os acionistas, os administradores não deveriam ter 45 milhões
de reais previstos como bônus neste ano. A diretoria diz que a remuneração foi
aprovada em assembleia de acionistas e está atrelada à recuperação da Oi (o
-BNDES votou contra). A Anatel e a AGU manifestaram-se contra qualquer mudança
na administração da Oi neste momento. Oficialmente, Tanure nega o conflito.
Para Marco Schroeder, a tensão e as críticas são naturais. “Credores querem
sempre mais e acionistas não querem entregar. É complexo e tenso, mas o
importante é a viabilidade da empresa”, diz. Executivos da Oi defendem que a
assembleia não seja postergada novamente, para que o debate sobre o plano comece
oficialmente. A assembleia está planejada para ser um evento de grande porte, no
Riocentro, espaço no Rio de Janeiro com capacidade para 6 000 pessoas. Pelo
menos sete dos dez maiores escritórios de advocacia do país devem participar
para defender o interesse de seus clientes.
Até o fechamento desta edição, a expectativa de profissionais envolvidos no
processo era que a assembleia seja usada para que os credores exponham seus
argumentos, pedindo mudanças no plano — e que a votação de fato aconteça em
outro momento. Mas, se algum plano for votado e rejeitado, a Oi poderá ir à
falência, um desfecho que prejudicará a maioria dos envolvidos. Pelo menos nesse
ponto, “piratas” e “abutres” concordam. Falta encontrar uma solução que permita
à Oi, quarta maior operadora de telefonia do país, continuar funcionando.