Em 1998 eram 20
milhões de acessos individuais de telefones fixos em
uso, o que poderia nos encher de vergonha, pois, à
excelência técnica da Telebrás contrapunha-se
administração marcada por viés político e falta de
compromisso com a universalização, o que resultava
em teledensidade insuficiente e inadequada diante da
grandeza da economia e da população brasileiras.
Esse quadro legitimou
o Presidente Fernando Henrique Cardoso para
privatizar o sistema Telebrás, com resultados
positivos incontestáveis, no que diz respeito ao
desenvolvimento das telecomunicações. Passou-se de
20 milhões para 41 milhões de acessos instalados e
em uso, de 1998 para 2001. Para promover a
universalização, a Lei Geral de Telecomunicações
estabeleceu modalidades distintas de serviços,
submetidas a regimes específicos: público e privado;
e mais, que o serviço prestado em regime público
seria o Sistema de Telefonia Fixa Comutada e suas
respectivas modalidades e, todos os demais, seriam
prestados em regime privado.
A Lei estabeleceu,
ainda, que metas de universalização só seriam
impostas para os serviços prestados em regime
público e que não poderia haver subsídios entre
modalidades distintas de serviços; no
estabelecimento da estrutura tarifária e sua
aplicação, não se poderia utilizar receitas oriundas
do serviço público para promover o crescimento de
serviços privados.
Sendo assim, para
promover a volumosa expansão do STFC na primeira
fase da privatização – julho de 1998 a dezembro de
2005, a receita para os investimentos necessários
viria da prestação da telefonia fixa ou, quando essa
receita fosse insuficiente, seriam utilizados os
recursos do FUST.O valor da habilitação foi
radicalmente reduzido, para viabilizar ganho de
escala às concessionárias e a tarifa da assinatura
básica subiu mais de 500%, gerando receita para a
expansão da rede.
Além disso,
garantiu-se às concessionárias o uso exclusivo da
rede, que até hoje cobram para que os competidores
possam utilizá-la, o que explica a inexistência de
concorrência na telefonia fixa local e a posição
dominante das concessionárias na longa distância.
Portanto, o que
propiciou a expansão da infra-estrutura para o STFC
foi a receita proveniente das assinaturas, com
enormes sacrifícios para o consumidor. Porém, o
sacrifício feito pelos consumidores nesses últimos
dez anos não beneficiou a maioria dos cidadãos, que
não têm condições de pagar pelo serviço essencial;
são mais de 12 milhões de linhas ociosas, sendo que
menos de 32 milhões de acessos fixos em uso e,
desses, mais de 25% têm pessoas jurídicas como
titulares.
Redução tarifária
O justo e correto, de acordo com a LGT, seria que a
Anatel e o Minicom atuassem para reverter essa
situação ilegal, incentivando a redução da tarifa
das assinaturas.
A despeito de tudo, foi editado o Decreto 6.424/08,
permitindo a inclusão nos contratos de concessão de
nova meta de universalização: a construção de uma
rede para prestação do Serviço de Comunicação
Multimídia, contando com a receita do STFC – o
backhaul internet em banda larga.
Ou seja, o decreto,
além de ilegal é injusto, pois, a inclusão nos
contratos de concessão de novas metas de
universalização, que não se classifica como STFC,
cria condições para a manutenção do alto valor da
assinatura, incompatível com o nível de renda da
maioria dos cidadãos brasileiros – R$ 40,00, ou 10%
do salário mínimo, para subsidiar um serviço
privado. E, mais, o backhaul, ao final da concessão,
ficará incorporado ao patrimônio das
empresas.Trata-se, então, de rede privada, que não
será alcançada pela desagregação. As concessionárias
serão detentoras das redes e poderão cobrar caro das
concorrentes no mercado do SCM.
O decreto, então, fere
três preceitos da LGT:
a) para cada modalidade de serviço deve haver um
contrato de concessão distinto (art. 85);
b) universalização só se impõe para serviço prestado
em regime público (art. 64);
c) não é permitido subsídio entre modalidades
distintas de serviços (art. 103, § 2°).
A lei assim dispõe
para garantir finalidades constitucionais: acesso
universal a serviço essencial – o STFC, e a
competição entre agentes com posições de mercado
desiguais: as concessionárias dominantes e as
concorrentes bastante vulneráveis nesse cenário (as
concessionárias também já são dominantes em suas
áreas de atuação nos serviço da banda larga: o
Speedy da Telefônica, o Brturbo, da Brasil Telecom e
o Velox, da Telemar/Oi superam os concorrentes).
Em resumo, o Governo
está deixando de atuar para reduzir os preços
ilegais do STFC, para presentear as concessionárias:
INCLUIR NO CONTRATO DE CONCESSÃO DO STFC UM SERVIÇO
PRIVADO, SEM LICITAÇÃO E QUE, AO FINAL DO CONTRATO,
FICARÁ INCORPORADO AOS SEUS PATRIMÔNIOS.
Para justificar esse
terço de ilegalidades, alega-se que a telefonia fixa
perdeu interesse no mundo. Todavia, a teledensidade
de acessos fixos na Europa e EUA está por volta de
80% , sendo que no Brasil está em 20% - menor do que
na Argentina.
É injusto e ilegal que
o Governo se contente com o fato de os mais pobres
ficarem sujeitos à telefonia móvel pré-paga – o
serviço móvel no Brasil tem o quarto preço mais alto
do planeta e ocupa o penúltimo lugar em utilização.
Foram esses fatores
que levaram a Pro Teste a ajuizar ação civil pública
para requerer a declaração de nulidade do Decreto
6.424/2008. A Pro Teste apóia a universalização da
banda larga e o acesso gratuito desse serviço para
as escolas públicas, desde que se respeite a lei, a
garantia de serviços básicos para todos os cidadãos
brasileiros e a concorrência.
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*Lescher e Lefèvre Advogados Associados
Coordenadora da Frente dos Consumidores de
Telecomunicações – FCT
Membro do Conselho Consultivo da ANATEL
Representante das Entidades Representativas dos
Usuários