FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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Dezembro 2010 Índice Geral
10/12/10
• Flávia Lefèvre: "O Aice é ilegal e risível" - Entrevista feita pelo Instituto Telecom
Fonte: Instituto Telecom
[08/10/10]
Flávia Lefèvre: "O Aice é ilegal e risível"
Na semana passada, depois da sessão pública realizada pela Anatel para debater
os novos contratos de concessão de telefonia fixa, a Proteste (Associação
Brasileira de Defesa do Consumidor) protocolou uma representação no Ministério
Público Federal para contestar as mudanças propostas pela agência.
O Instituto Telecom conversou com a advogada da associação, Flávia Lefèvre para
entender o porquê da ação e as principais críticas e sugestões da Proteste para
esses novos contratos.
Confira a entrevista.
Instituto Telecom – A Proteste questionou mudanças
propostas nos novos contratos , como a inclusão das metas de universalização de
backhaul e do Aice (Acesso Individual de Classe Especial). Mas, incluir estes
elementos nos contratos não poderia ser uma rara oportunidade de imputar
obrigações às concessionárias para que atuem efetivamente na expansão da voz e
da internet no país?
Flávia - Seria bom, se essas medidas estivessem respaldadas por lei, mas
contrariam claramente os arts. 85, 86 e 87, da LGT (Lei Geral de
Telecomunicações). E não falo pelo aspecto exclusivamente legal. O modelo de
telecomunicações, a partir da privatização, se estruturou sobre a LGT, contra a
qual existem muitas críticas. Todavia, é ela que está em vigor e vivemos num
Estado de Direito. E a LGT tem uma lógica no que diz respeito à telefonia fixa e
à comunicação de dados.
Quanto ao STFC (Serviço Telefônico Fixo Comutado), para se alcançar a
universalização, o legislador instituiu o Plano Básico e os Telefones de Uso
Público; são esses dois itens de serviços (e não infraestrutura) que devem estar
à disposição e acessíveis ao cidadão mais pobre. Se as concessionárias quiserem,
podem ofertar planos alternativos, mas sem fazer oferta discriminatória. E a lei
é expressa quanto a isto.
Nessa direção, o Aice além de ser ilegal, é risível, pois comercialmente não tem
apelo para afastar os cidadãos mais pobres do pré-pago do SMP (Serviço Móvel
Pessoal), que se revela como uma das distorções mais perversas, na medida em que
os cidadãos mais pobres pagam a quarta tarifa mais cara do planeta (descontados
os impostos) pelo minuto, para garantir que serão encontrados. Quando quer
falar, procura o orelhão e, quando o encontra é muito provável que ele esteja
quebrado. Hoje não temos nem 300 mil Aices contratados. Porém, 85% dos 192
milhões de linhas móveis operam no sistema pré-pago, com uma média de recarga
mensal de R$ 5,00, e estão concentradas nas mãos das classes C, D e E.
Além disso, a alteração proposta pela Anatel de vincular a oferta aos inscritos
no Cadastro Único é uma fria. No caso da tarifa social da energia elétrica, a
Proteste teve de entrar com uma ação civil pública na Justiça em 2004, por conta
dos entraves que os cidadãos encontram para fazer os cadastros nos municípios.
Depois, o deputado Carlos Zaratini, junto com associações civis, desenvolveu um
projeto de lei recentemente aprovado – Lei 12.212/2010 – para solucionar o
problema, mas ainda é a nossa ação que serve para garantir a tarifa social para
aqueles que não conseguem se cadastrar.
Ou seja, nosso entendimento, bem resumidamente é o seguinte: considerando que as
metas de universalização essenciais para a prestação do STFC foram cumpridas,
com a receita proveniente do pagamento da assinatura básica pelos que tem
capacidade financeira e do sacrifício dos mais pobres que ficaram dependentes do
pré-pago do SMP, queremos a reestruturação tarifária do Plano Básico e a
manutenção do número de TUPS – hoje são 6 por 1000 hab e não a redução para 4,5
por 1000 hab, como está propondo a Anatel. Se o governo do PT aprovar isso, vai
ser um escândalo.
Quanto à inclusão digital, entendemos que o governo deve, antes de tudo, cumprir
o que não se fez até hoje e está expresso nos itens a e b, do inc. III, do art.
14, da Lei 9.649/98 – editar o regulamento de serviços de telecomunicações. O
Serviço de Comunicação de Dados tem de ser regulamentado (o SCM pelo nosso ponto
de vista é ilegal, pois a Anatel não tem competência para fazer política de
telecomunicações; só criar estrutura normativa para implantar políticas
pré-definidas pelos Poderes Legislativo e Executivo).
Além disso, a reativação da Telebrás e a instauração de licitação para novos
contratos cujos objetos sejam o serviço de comunicação de dados seria benéfico
para a inclusão digital, com a vantagem de abrir os mercados de telecomunicações
para outros agentes, pois as concessionárias dominam todos hoje, com exceção da
TV por assinatura, por enquanto, pois a Anatel também derrubou este limite.
Assim, eu é que te pergunto: por que forçar medidas ilegais, que desagradam
empresas e consumidores, pois com as novas metas de universalização nos
contratos do STFC tanto a telefonia fixa, quanto a comunicação de dados
continuarão caras e concentradas nas mãos das concessionárias, se temos outros
caminhos capazes de oxigenar o setor?
Instituto Telecom - Os contratos de concessão de
serviços públicos devem atender ao Poder Concedente, os concessionários e a
sociedade. No entanto, a participação da sociedade civil nesse tipo de decisão é
quase nula. Na sua opinião, como a população poderia se tornar mais ativa nas
decisões do setor de telecom?
Flávia - Já existem previsões legais nesse sentido ... Conselho
Consultivo, audiências públicas etc ... mas o problema é o Conselho Diretor da
agência, que não respeita princípios básicos de publicidade, eficiência e
moralidade. Atuam sempre contra o consumidor.
Exemplo claro disso é que até hoje não fizeram modelo de custos – e tem recursos
reservados para isso há anos na UIT (União Internacional de Telecomunicações).
Como pretendem regular tarifas assim? Como pretendem reduzir as tarifas de
interconexão? O fato é que o objetivo é deixar as tarifas nas alturas, pois
depois os conselheiros e superintendentes vão se empregar na concessionária,
temos dezenas de exemplos assim.
E o mais recente: acabaram com o direito ao detalhamento automático das faturas,
violando um dos preceitos mais básicos do CDC (Código de Defesa do Consumidor) –
o direito à informação plena, apesar de o maior número de reclamações por motivo
ofensor na própria agência sejam as cobranças indevidas. Já fizemos nova
representação ao Ministério Público contra isso.
Instituto Telecom - Existe realmente um backhaul
público e outro privado? Ou não seria possível separá-los e, portanto, todo o
backhaul deveria ser considerado público?
Flávia - Hoje, com a atual configuração do setor, todo o backhaul
existente foi implantado por concessionárias de serviço prestado em regime
público. Parte desta rede, aliás, já existia antes da privatização – a rede que
servia ao serviço de troncos que era feito pela Embratel e que não foi
contratada até hoje, como determina expressamente o art. 207, da LGT. Portanto,
tudo o que foi implantado no bojo dos contratos de concessão é público e ponto
final. Qualquer interpretação diferente representa prevaricação e improbidade
administrativa.
Instituto Telecom - Como a Associação avalia a
possibilidade da entrada das concessionárias de STFC no mercado de TV a cabo a
partir da retirada da cláusula 14.1 dos contratos?
Flávia - Para nós é uma ilegalidade clara contra o art. 86, da LGT. Além
disso, é prejudicial para a concorrência, pois ao contrário do que elas
defendem, elas têm condições econômicas – especialmente a garantia da assinatura
básica, que representa 50% de suas receitas – para subsidiar a resistência
contra o peso das concorrentes e prejudicar o mercado, como têm feito no mercado
de telefonia móvel, que também é dominado por elas, e de comunicação de dados,
designado de banda larga.