FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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Julho 2011 Índice Geral
08/07/11
• Artigo no Portal Convergência Digital:
"Termo de Compromisso para garantir política pública? - por Flávia Lefèvre
Guimarães
Fonte: Convergência Digital
[08/07/11]
Termo de Compromisso para garantir política pública? - por Flávia
Lefèvre Guimarães
Flávia Lefèvre
Guimarães é advogada e coordenadora da Frente dos Consumidores de
Telecomunicações e consultora da associação Pro Teste.
Alguns me perguntam o motivo pelo qual insisto tanto em ancorar minhas falas
na lei. Quando ouço esta pergunta perco o chão, pois não consigo conceber,
hoje, qualquer tipo de conduta institucional que não se paute pela lei. É
uma noção básica ... firmamos um novo contrato social em 1988 – a nova
Constituição Federal democrática – e isto foi motivo de festa cívica.
É claro que podemos discordar de muitas cláusulas deste contrato, mas
estamos obrigados a elas. As regras são essas; nem mesmo o desconhecimento
da existência de uma lei exime de responsabilidade quem a descumpriu – outro
princípio básico. Realmente acredito que, pelo menos hoje, é esta a melhor
forma de vivermos em sociedade.
Mas assistindo aos últimos passos do governo quanto ao setor de
telecomunicações fico ainda mais assustada. Explico: como se pode considerar
que a definição de uma política pública, cujo objetivo é garantir
desenvolvimento econômico e social possa estar apoiada em um termo de
compromisso firmado com a iniciativa privada, de forma tão desconectada das
leis e dos decretos editados pelo mesmo governo que vem promovendo essa
desconstrução?
A Constituição Federal, no art. 175, estabelece que “incumbe ao Poder
Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou
permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos e
que: “a lei disporá sobre: I - o regime das empresas concessionárias e
permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e
de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e
rescisão da concessão ou permissão; II - os direitos dos usuários; III -
política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado”.
Viram? A LEI disporá sobre os aspectos fundamentais dos serviços públicos e
sua contratação depende de licitação! E essa lei hoje é um conjunto de leis:
Lei de Concessões, Lei Geral de Telecomunicações – LGT, Lei de Licitações,
Lei do Cabo, entre outras.A LGT, por exemplo, estabelece que os serviços de
interesse coletivo e essenciais devem, obrigatoriamente, ser prestados no
regime público, ainda que possam ser prestados concomitantemente no regime
privado. Sendo assim, alguém poderia sustentar que o serviço de comunicação
de dados (vulgarmente denominado de banda larga) não seja essencial? Ou,
ainda e principalmente, que as redes necessárias para o seu provimento não
sejam estratégicas para o país?
É claro que não! E a prova mais contundente desta afirmação é o fato de que
o maior cliente do serviço de comunicação de dados é o próprio Estado –
INSS, Receita Federal, Polícias, etc ... e serviços de grande importância,
tal como o Sistema Financeiro Nacional. E, quanto às formas de contratação
de serviços essenciais de telecomunicações, a LGT determina que deve se dar
por concessão, com a imposição de metas de universalização, continuidade e
qualidade, no regime de bens reversíveis. E assim é para garantir que, nas
hipóteses de fim do contrato, seja por qual motivo for, a União – a
responsável pelos serviços de telecomunicações – possa garantir sua
continuidade.
A despeito disso tudo, o Ministro das Comunicações insiste no caminho da
precariedade! A notícia sobre um mero Termo de Compromisso para incluir as
concessionárias no Plano Nacional de Banda Larga é estarrecedora! Por várias
razões. A primeira, pela forma obscura com que se deram as respectivas
negociações. Num cenário em que a regra é a da instauração de processos de
consulta pública e debates democráticos para a edição de normas e leis, o
Ministro das Comunicações andou na contramão.
Alto risco
E na contramão mesmo! Desconsiderou o resultado das discussões realizadas no
Fórum Brasil Conectado e da Conferência Nacional de Comunicação, na qual
empresas e sociedade civil concordaram com a comunicação de dados no regime
público. A matéria veiculada pela Teletime sobre o tal e precário Termo de
Compromisso informa que: “Do ponto de vista da Telefônica, existe uma
interpretação de que o termo pode estar transformando em obrigações uma
oferta voluntária, tornando compulsórios investimentos, compromissos de
cobertura e índices de qualidade de serviço que a empresa voluntariamente
colocou ao governo.
"Isso traz o risco de sanções e obriga a empresa a fazer um investimento que
os nossos concorrentes não serão obrigados a fazer", diz uma fonte da
Telefônica, referindo-se ao fato de que nem a Embratel/Net nem a GVT
aderiram ao compromisso de barateamento da banda larga proposto pelo
governo. Para a Telefônica, a oferta voluntária já traz em si um grande
risco de canibalização da base para a empresa, além da necessidade de
investimentos. "O que não pode é tornar tudo isso obrigatório", diz a
fonte”.
http://www.teletime.com.br/27/06/2011/empresas-e-governo-divergem-sobre-termo-de-compromisso/tt/229299/news.aspx
Está claro, portanto, que teremos muitos problemas jurídicos passíveis de
serem contestados pelas concessionárias e pela sociedade, na medida em que o
instrumento jurídico adequado para se estabelecer obrigações de
universalização é o contrato de concessão previsto para os serviços
prestados em regime público e não um frágil termo de compromisso. É evidente
que o Ministro sabe bem a respeito da fragilidade deste Termo de
Compromisso. O que não está claro é quais são suas reais intenções. E aí a
situação fica ainda mais preta, pois os atos administrativos devem ter suas
motivações e finalidades reveladas, a fim de que se cumpram os princípios da
legalidade, publicidade e moralidade, aos quais estão submetidos os
servidores públicos.
Mas apesar de tudo isso ser básico, o Ministro das Comunicações prefere
continuar na trilha do improviso, do “puxadinho”, que começou com a
prorrogação dos contratos de concessão em dezembro de 2005, com as mesmas –
rigorosamente as mesmas – cláusulas estabelecidas para a realidade de 1998,
sem considerar a convergência de serviços sobre mesmas plataformas
tecnológicas e a concentração de mercados e redes nas mãos das
concessionárias.
Como é possível compreender os caminhos buscados pelo governo desde a
prorrogação dos contratos de concessão, da edição do Decreto 6.424∕2008, que
estabeleceu como metas de universalização, nos contratos de concessão do
Sistema de Telefonia Fixa Comutada, a implantação de redes que servem de
suporte a outro serviço – no caso o serviço de comunicação de dados? E,
ainda, vincular essas metas ao compromisso de levar acesso à internet em
banda larga para as escolas públicas?
Aqueles caminhos, assim como este Termo de Compromisso são uma afronta ao
art. 86, da LGT, que restringe a atuação das concessionárias à exploração do
STFC. E o Ministro também sabe disso! Qual a lógica entre a edição do
Decreto 4.733∕2033, voltado para a desagregação de redes e inclusão digital,
o Decreto 7.175∕2010, que instituiu o Plano Nacional de Banda Larga,
atribuindo a Telebrás o papel de gerenciadoras das redes públicas e este
precário Termo de Compromisso?
É inadmissível que se contrate a massificação da infraestrutura necessária
para a prestação de serviços essenciais de telecomunicações fora de
contratos de concessão, sem a garantia de reversibilidade de redes
implantadas com o subsídio da tarifa da assinatura básica do STFC e do Fundo
de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – o FUST. Nem o governo
neoliberal anterior ao do PT chegou a essas raias, ofendendo a lei e o
patrimônio público de forma tão escandalosa! A temeridade desses caminhos é
gritante. Desde quando as concessionárias têm demonstrado algum compromisso
com o interesse público, se nem as metas de universalização e as obrigações
firmadas nos contratos do Programa Banda Larga nas Escolas são cumpridas?
Matéria publicada pelo Estadão no último dia 27 de abril informa que: “Um
levantamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) mostrou que as
operadoras estão descumprindo as metas para acesso à internet por banda
larga destinado às escolas urbanas brasileiras, o chamado Plano Geral de
Metas de Universalização (PGMU) 2,5. A afirmação é do secretário-executivo
do Ministério das Comunicações, Cezar Alvarez. Segundo ele, o atraso da meta
foi incluído na discussão do PMGU 3 realizado entre o governo e as empresas
de telecomunicação.
A meta era de que todas as escolas urbanas tivessem acesso à internet de 1
megabit por segundo (Mbps) até o fim do ano passado, e um mínimo de 2 Mbps a
partir de 28 de fevereiro deste ano. ‘Uma primeira amostragem feita pela
Anatel mostrou que algumas operadoras estão com muita dificuldade (para
cumprir as metas)’, disse Alvarez durante o evento de comunicações Rio
Wireless, no Rio de Janeiro. Segundo ele, a agência fará uma reunião na
semana que vem junto com o ministério para identificar o motivo das falhas.
‘O mais provável é que (a operadora) não tenha dado conta do investimento,
da sua capacidade, da sua rede instalada’, disse”.
http://economia.estadao.com.br/noticias/economia+geral,operadoras-descumprem-meta-de-internet-diz-governo,64450,0.htm
As concessionárias estão achando pouco todas as benesses que estão recebendo
no Plano Geral de Metas de (Retrocesso) Universalização prestes a ser
editado no bojo do processo da primeira revisão quinquenal dos contratos de
concessão, que lhes concede, inclusive, compensação entre o ônus bienal de
2% sobre a receita líquida prevista pela exploração da concessão e os
hipotéticos custos pela implementação de metas que já deveriam ter sido
cumpridas e não foram, além da ilegal autorização para prestarem serviço de
televisão por assinatura na mesma área em que vigoram as concessões.
Isso sem falar na omissão histórica da ANATEL que não tem modelo de custos e
não edita as regras de compartilhamento de redes, a despeito de estar
obrigada a fazê-lo desde o Decreto 4.733∕2003. Quer mamata maior do que esta
para as teles; redes públicas a seus serviços exclusivos impedindo a
concorrência e tarifas imexíveis pelo desconhecimento do custo efetivo do
serviço?
A ficha de que as concessionárias não querem assumir obrigações e, sim,
distribuir resultados aos seus acionistas, e que, por outro lado, que a
ANATEL não tem força fiscalizatória e regulatória e está cooptada por
interesses privados ainda não caiu? Os remendos desregulatórios inventados
ultimamente pelo Ministério das Comunicações, em conluio com a ANATEL, tem
nos lançado – sociedade, empresas e consumidores – num mar de inseguranças,
pondo em risco volumoso patrimônio público e segurança nacional.
O setor de telecomunicação está em crise profunda ... e não há no horizonte
do Governo quem possa reverter esse quadro de precariedade, obscuridade e
insegurança.