FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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Outubro 2011              Índice Geral


20/10/11

• Mensagem de Flávia Lefèvre: "Quem responde pelos bens reversíveis das telecomunicações é o Papa"

de Flávia Lefèvre flavialefevre@yahoo.com.br
para Grupos
data 20 de outubro de 2011 10:48
assunto QUEM RESPONDE PELOS BENS REVERSÍVEIS DAS TELECOMUNICAÇÕES É O PAPA

Olá Grupos!

O Ministério Público se manifestou pela segunda vez na ação civil pública da PROTESTE movida para garantir os bens das telecomunicações.

A manifestação do Procurador da República MARCUS MARCELUS GONZAGA GOULART foi feita com base nas contestações apresentadas pela União Federal e ANATEL, que alegaram uma série de empecilhos processuais para que a ação não seja admitida e nem se discuta o mérito.
Entre as pérolas alegadas pela União e ANATEL, encontra-se que nenhuma das duas instituições tem nada a ver com esse problema e, mais, que a PROTESTE também não tem nada a ver com isso, pois o controle dos bens reversíveis não tem nada a ver com o consumidor.

A postura da União e ANATEL no sentido de não assumirem responsabilidades que lhes foram atribuídas de forma expressa na Constituição Federal e LGT, como muito bem observado pelo R. Procurador, reforça a importância do debate que a Ação Civil Pública da PROTESTE suscitou.

A postura do Procurador é responsável, corajosa e comprometida com a defesa do patrimônio público, qualidade rara nos nossos dias. A leitura da sua brilhante manifestação é imperdível.

Abraço a todos.

Flávia Lefèvre Guimarães

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Nota:
O documento está transcrito abaixo mas a recomendação é ler o original aqui, com trechos grifados e ressaltados.
HR.

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Ação Civil Pública
Manifestação n.º 045/2011/MM/PRDF (NP)
Autos n.º 29346-30.2011.4.01.3400
Requerente: PRO TESTE ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Requerido: AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES ANATEL e UNIÃO


AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR - PROTESTE.
CONCESSÃO DO SERVIÇO TELEFÔNICO FIXO COMUTADO.
AUSÊNCIA DE INVENTÁRIO DOS BENS REVERSÍVEIS.
FALTA DE TRANSPARÊNCIA E NEGLIGÊNCIA DA ANATEL NO CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DOS BENS DA UNIÃO AFETADOS AO SERVIÇO PÚBLICO.
PREMENTE NECESSIDADE DE MEDIDA JUDICIAL PARA EVITAR A DILAPIDAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO PELAS CONCESSIONÁRIAS DE TELEFONIA FIXA.
PARECER PELA IMPROCEDÊNCIA DAS PRELIMINARES SUSCITADAS.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República subscritor, vem perante Vossa Excelência, com fulcro no art. 5º § 1º da Lei 7.437/85 e em atenção ao despacho de fl. 973, expor e manifestar o seguinte:

I – SÍNTESE DA AÇÃO:

Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pela PROTESTE - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR em desfavor da AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES - ANATEL e UNIÃO FEDERAL, objetivando, em antecipação de tutela parcial, seja suspensa a edição do novo regulamento de bens reversíveis ou suspensa sua eficácia, caso já tenha sido publicado até julgamento final desta ação; e ainda, que sejam compelidas a UNIÃO FEDERAL e a ANATEL a apresentarem os inventários de bens reversíveis de cada uma das concessionárias, correspondentes aos contratos celebrados em junho de 1998 e dezembro de 2005, assim como o inventário de todos os bens afetados aos serviços públicos de telecomunicações, cuja posse foi transferida automaticamente à União por ocasião da extinção das subsidiárias da Telebrás.

A associação autora ressalta que o acompanhamento da evolução e fiscalização dos bens vinculados às concessões no STFC cabe à ANATEL, conforme reza a Lei Geral de Telecomunicações - LGT e a cláusula 16 dos contratos de concessão pactuados com as concessionárias. Afirma, contudo, que a ANATEL não tem atuado com isenção para proceder ao devido controle sobre os bens reversíveis.

Registra, por outro lado, que em 2010 o Conselho Diretor da ANATEL aprovou proposta técnica no sentido de alterar o Regulamento de Bens Reversíveis, abandonando o padrão patrimonialista de controle dos ativos da União e flexibilizando o processo de alienação e substituição desses bens pelas concessionárias.
Nesse ponto, ressalta que, em dezembro de 2010, atendendo ao disposto no art. 42 da LGT, a ANATEL instalou a Consulta Pública 52, apresentando uma proposta de
regulamento que abranda de forma temerária o controle sobre os bens reversíveis, contrariando dispositivos da LGT que tratam sobre o tema. Reforça a necessidade da tutela buscada, uma vez que o comportamento da ANATEL vem contrariando o interesse e a ordem pública. No caso, a autarquia federal tem defendido que, embora reversíveis à União ao término da concessão, se utilizados para a prestação do serviço de telefonia fixa, tais bens não pertenciam e não pertencem à União. Assim, os bens que antes pertenciam às empresas do Grupo Telebras Sociedade Anônima, atualmente pertenceriam às empresas que adquiriram o controle acionário das empresas do Grupo Telebrás S/A.

Às fls. Fls. 399/403 este órgão do MPF aderiu integralmente ao requerimento de concessão da tutela antecipada.

Na contestação de fls. 436/490 a União Federal sustentou sua ilegitimidade passiva, a errônea conceituação dos bens reversíveis, a inexistência de obrigação legal de elaboração de inventário de bens reversíveis, a existência de controle pela ANATEL e o sigilo de tal lista de bens.

Por sua vez, na contestação da ANATEL (fls. 542/609) aduziu-se a ilegitimidade ativa da PROTESTE, a ilegitimidade passiva da ANATEL, a carência de interesse de agir, a impossibilidade jurídica do pedido, o enquadramento do bens reversíveis no regime privado, a correta atuação do órgão regulador, a falta de necessidade de inventário dos bens reversíveis e o sigilo das informações referentes a tais bens.

Por meio do despacho de fl. 973 determinou-se a abertura de vista ao MPF para análise das preliminares levantadas nas contestações.
É o relatório necessário.

II – CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELEVÂNCIA DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA E SOBRE O PAVOR DOS ENTES FEDERAIS EM ENFRENTAR O MÉRITO DO PROCESSO COLETIVOS:

Inicialmente, cumpre-se assinalar que neste momento processual apenas interessa manifestar acerca das preliminares ao mérito suscitadas pelas rés (art. 301 CPC). Como se demonstrará a seguir, nenhuma delas merece ser acolhida. Antes, porém, cabe registrar uma observação sobre a relevância do processo coletivo e sobre o pavor da União e demais entidades federais em enfrentar o mérito de ações coletivas.

Com efeito, em quase todas as suas contestações a União Federal busca evitar o enfrentamento do mérito da questão posta, eis que sempre tece longas preliminares criativas, como se tivesse receio de enfrentar o âmago do conflito posto em juízo, buscando a todo custo postergar uma solução para o litígio.

Sabe-se que o excessivo e injustificado apego ao formalismo no processo judicial cível contribui para a morosidade na prestação jurisdicional e, na maioria das vezes, constitui a causa do perecimento do direito subjetivo assegurado pela norma de direito material. Então, seguir nessa linha, é militar contra a efetividade do processo e a própria realização do Direito, pois implica na persistência do conflito e no recrudescimento do descrédito em relação ao Judiciário.

Nesta toada, o processo que não leve a uma decisão capaz de assegurar os valores justiça e utilidade social no seu desiderato será politicamente ilegítimo, em que pese sua validade formal. E não existe processo de maior relevância do que aquele que transcende um conflito meramente individual e traz a oportunidade de o Judiciário dizer o direito para um grupo de pessoas.

É a ação civil pública, dessa forma, instrumento para se dar efetividade à garantia constitucional da inafastabilidade da tutela jurisdicional. Ademais, a ação civil pública leva ao desafogamento do Poder Judiciário e à diminuição da morosidade geral da prestação jurisdicional. Outrossim, serve à conscientização daqueles contumazes causadores de danos a interesses metaindividuais, ou seja, pretensão cujo conteúdo é de interesse geral.

Enfim, a ação civil pública passa a ser interpretada de forma extensiva, o que é perfeitamente lógico, pois qualquer restrição imposta a um instrumento de efetivação de um direito leva, reflexamente, à restrição desse último. Nos interesses individuais homogêneos “a soma é algo mais do que simplesmente o conjunto das parcelas, exatamente porque o fenômeno assume, no contexto social, um impacto de massa”.

Não é por outra razão que a doutrina mais atualizada em tema de processo civil coletivo preconiza o princípio do interesse jurisdicional no conhecimento do mérito do processo coletivo. Nesse sentido leciona GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA: (1)

(1) ASSAGRA DE ALMEIDA, Gregório. Direito Processual Coletivo Brasileiro. Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 571/2

“O Poder Judiciário no sistema constitucional atual exerce um papel fundamental para a efetivação dos direitos e garantias fundamentais. Deixou, assim,
de ser órgão de resolução tão só de conflitos interindividuais e passou a assumir uma nova e legítima função: a de Poder transformador da realidade social. Ele assim o faz no exercício da jurisdição coletiva.
(…)
É por intermédio do direito processual coletivo comum que o Poder Judiciário modernamente deve cumprir o seu verdadeiro papel: enfrentar e julgar as grandes
causas sociais, como as relativas ao meio ambiente, patrimônio público, consumidor etc., a fim de transformar a realidade com justiça.
(…)
Assim, como guardião dos direitos e garantias sociais fundamentais, o Poder Judiciário, no Estado Democrático de Direito, tem interesse em enfrentar o mérito do
processo coletivo, de forma que possa cumprir o seu mais importante escopo: o de pacificar com Justiça, na busca da efetivação dos valores democráticos. Com efeito, o Poder Judiciário deve flexibilizar os requisitos de admissibilidade processual, para enfrentar o mérito do processo coletivo e legitimar sua função social.
Não mais é admissível que o Poder Judiciário fique preso em questões formais, muitas delas colhidas em uma filosofia liberal individualista já superada e incompatível com o Estado Democrático de Direito, deixando de enfrentar o mérito, por exemplo, de uma ação coletiva cuja causa de pedir se fundamenta em improbidade administrativa ou em dano ao meio ambiente.”


A preocupação com excesso de formalismo no processo civil e especialmente nas ações coletivas também foi objeto de estudo por parte de NELSON NERY JÚNIOR, a saber:

“O processo coletivo não tem sido compreendido pela doutrina e jurisprudência com a importância que já merece no cenário nacional. Instrumento de indiscutível utilidade para o exercício dos direitos garantidos pela Constituição Federal, tem sido apequenado com interpretações e aplicações subalternas, que não condizem com sua magnitude institucional.
Refiro-me àquela parcela da doutrina e jurisprudência que não vê distinção entre o processo civil coletivo e o processo civil individual. Com efeito, as interpretações e aplicações restritivas dos institutos do processo coletivo, como se fossem do processo individual, mais desservem à sociedade do que resolvem os problemas que deveriam ser resolvidos. O primeiro e mais importante desses desvios é a importância, quase que magna, que se dá à legitimação ativa de parte, querendo que aquele que se apresenta como autor da ação coletiva demonstre cabalmente ser o titular do direito processual, sem o que a ação não poderá prosseguir e o juiz extinguirá o processo sem conhecimento do mérito.
(…)
Fala-se muito em instrumentalidade do processo, mas o que se observa no foro é que se pratica muito pouco essa instrumentalidade. Na ação individual deve haver rigidez acentuada no exame da legitimidade ativa para a causa; no processo coletivo a legitimação ativa para a causa deve ter sua interpretação mitigada, pois o que importa é a discussão sobre direito material coletivo lato sensu. O juiz do processo coletivo tem de preocupar-se não com quem está movendo a ação, mas com o que está sendo discutido na ação.”


Assim, dada a instrumentalidade potencializada da ação civil pública, verifica-se que as inúmeras preliminares levantadas pela UNIÃO e ANATEL só podem ser interpretadas como obrigação imposta aos respectivos procuradores de levantarem preliminares em toda e qualquer ação em que tais pessoas figurem como rés. De fato, há no âmbito da AGU e da Procuradoria Federal instrução para que os Advogados da União e Procuradores Federais levantem obstáculos ao conhecimento do mérito de ações civis públicas. Se não o fizerem, podem até mesmo responder funcionalmente.

As preliminares abaixo só podem ser interpretadas neste sentido.

III - DA LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL E DA ANATEL:

A UNIÃO alega não ter legitimidade passiva ad causam sob a alegação de que todas as competências em matéria de serviço telefônico fixo comutado foram transferidas à ANATEL. A ANATEL, por sua vez, diz-se ilegítima para compor o polo passivo do presente feito, aduzindo que somente o BNDES pode informar quais eram os bens reversíveis na época das privatizações do serviço em 1998.

A alegação da UNIÃO, além de partir de premissa errada (a de que a UNIÃO não tem qualquer interesse sobre o tema serviço telefônico), não tem relação com o tema da legitimação para a causa, mas com o próprio mérito da ação (isto é, efetiva a responsabilidade da UNIÃO quanto ao inventário dos bens reversíveis).

Ora, a legitimidade ad causam nada mais é do que o exame da pertinência subjetiva da ação, devendo ser aferida nos termos da teoria da asserção.
Assim, se o autor imputou o fato narrado na inicial ao réu, deve este participar do processo (legitimidade para a causa), até para ter a oportunidade de alegar que não é responsável pelo fato imputado. Por sua vez, a análise sobre essa efetiva responsabilidade compreende o próprio mérito do processo. Vê-se, assim, que a UNIÃO e a ANATEL pretendem discutir o mérito do processo sob a roupagem de ilegitimidade passiva.

Ademais, da simples leitura do art. 20, XII da Constituição Federal se constata o total interesse no tema, já que é da competência privativa da UNIÃO explorar os serviços de telecomunicações. Os bens reversíveis são aqueles considerados necessários para a operação do serviço de telefonia fixa e, portanto, deverão ser devolvidos a UNIÃO após o fim do contrato de concessão com as teles. No caso, o cerne da questão tratada nos presentes é a ausência de um inventário completo dos bens da UNIÃO cedidos às concessionárias com a privatização do setor em 1998, o que culmina em prejuízo ao patrimônio do ente federal que se diz ilegítimo para o feito.

No caso, soa no mínimo estranho que o ente federal aduza falta de legitimidade quando está em questão bens pertencem ao seu patrimônio. Dessarte, não há o menor fundamento para o acolhimento da liminar em questão.

No que se refere à ANATEL, não bastasse a letra expressa da LGT em atribuir-lhe a função de órgão regulador das telecomunicações, cumpre registrar que o objeto da ação não é saber quais os bens reversíveis em 1998, mas sim responsabilizar a Agência Reguladora pelo inventário completo desses bens com informações fidedignas e atuais. Com efeito, cabe à ANATEL, entre outros: acompanhamento da evolução e fiscalização dos bens vinculados às concessões no STFC; realização das devidas mudanças no Regulamento de Controle de Bens Reversíveis; atuar para proceder o devido controle sobre os bens reversíveis; divulgar os dados contábeis apresentados pelas empresas concessionárias nos últimos anos; a fiscalização proativa em relação aos referidos bens.

Aliás, a própria ANATEL
Se não bastasse, é objeto da ação a discussão sobre o novo regulamento dos bens reversíveis, que é da competência exclusiva do Conselho Diretor da ANATEL. Pergunta-se: quem deveria ser demandado para discutir eventual nulidade do procedimento relativo ao novo regulamento dos bens reversíveis? O papa?

Em síntese, o titular dos serviços de telecomunicações (UNIÃO) e o ente (des) regulador de tais serviços (ANATEL) se negam a discutir o controle e a fiscalização sobre os bens reversíveis do serviço telefônico fixo comutado!

Para que não reste qualquer dúvida sobre a legitimidade da ANATEL para compor o polo passivo da presente demanda, basta saber que, em julho
de 2011, a referida autarquia, que tinha determinado às empresas que apresentassem um inventário completo dos bens reversíveis, reviu os prazos e deu mais tempo para o cumprimento da tarefa. No lugar dos seis meses previsto em atos publicados pela agência em janeiro, o período foi esticado para um ano, no melhor dos casos, e em até 29 meses no mais distante. Tal adiamento em si alimenta a negligência do órgão regulador no trato dos bens reversíveis. Afinal, a legislação determina que as
concessionárias apresentem listas atualizadas desse patrimônio todos os anos.
Assim, a preliminar suscitada beira as raias do absurdo.

IV - DA LEGITIMIDADE ATIVA DA PROTESTE:

A ANATEL sustenta que a associação autora não tem legitimidade para propor a presente ação sob o argumento de que os pedidos deduzidos não tem relação com o resguardo dos direitos dos consumidores. Aduz falta de pertinência temática entre a finalidade institucional da associação autora (defesa do consumidor) com o objeto discutido na presente demanda, já que os pedidos deduzidos abordariam apenas a relação existente entre a ANATEL e as concessionárias, sem repercussão para os consumidores (nesse ponto a ANATEL admite sua legitimidade passiva antes negada).
Em síntese, a Agência tenta convencer este Juízo que o inventário dos bens reversíveis e o aperfeiçoamento de seu controle não trazem prejuízo ou ganho aos consumidores.
Nada mais improcedente!

Como se vê, a ANATEL tem uma visão extremamente míope em tema de defesa do consumidor. Infelizmente, essa alegação da ANATEL corresponde à forma como atua na regulação das telecomunicações, isto é, a ANATEL nunca enxerga o consumidor nas relações jurídicas que busca regular. Para a Agência tudo se resume na ligação entre o poder concedente e as concessionárias.

Contudo, a exigência constitucional de tutela do consumidor não pode ser vista em tons tão simplistas! Como bem pontuado pela própria autora, a regulação dos bens reversíveis da telefonia fixa tem impacto imediato nos consumidores. Com efeito, talvez o maior interesse dos consumidores de telefonia seja a CONTINUIDADE de tal serviço essencial, a qual só poderá ser alcançada através dos bens indispensáveis à execução do serviço. Que bens são esses? É o querem saber os
consumidores. A propósito, diz a cláusula 4.5 dos contratos de concessão do STFC:

“A Concessionária se compromete a manter e conservar todos os bens, equipamentos e instalações empregados no serviço em perfeitas condições de funcionamento, conservando e reparando suas unidades e promovendo, nos momentos oportunos, as substituições demandadas em função do desgaste ou superação tecnológica, ou ainda promovendo os reparos ou modernizações necessárias à boa execução do serviço e à preservação do serviço adequado, conforme determinado no presente Contrato.”

Vê-se assim que a regulação referente aos bens reversíveis da telefonia fixa funda-se precipuamente na continuidade do próprio serviço. De ver-se que não apenas a LGT como a Lei 8987/95 frisam ser direito do consumidor a continuidade do serviço público de telefonia. Neste sentido:

Lei 8987/95:
Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários:
I - receber serviço adequado;
Art. 6º Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.

Lei 9472/97:
Art 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço de telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União comprometa-se a assegurar.
Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público em geral.
Art 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade atribuídas às prestadoras de serviço no regime público.
§2º Obrigações de continuidade são as que objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à disposição dos usuários, em condições adequadas de uso.


Ademais, os bens considerados indispensáveis para a prestação do serviço de telefonia fixa foram financiados com recursos públicos na época do Sistema Telebrás bem como por meio das tarifas pagas pelos consumidores. A receita do serviço prestado em regime público não pode subsidiar os serviços prestados em regime privado. Com essa distorção, existe um descumprimento da finalidade da universalização, pois há uma barreira econômica que atinge diretamente os consumidores, ou seja, como o preço das assinaturas não baixam, a população mais pobre fica sem acesso à telefonia fixa. Assim, ao contrário do que pensa a ANATEL, nunca se chega a um estado de modicidade tarifária (principio pelo qual a tarifa da telefonia fixa deve ser a menor possível para garantir a universalização).

Então, a regulação dos denominados bens reversíveis tem impacto direto em outro direito essencial do consumidor: o de modicidade tarifária.(art. 6º, § 1º da Lei 8987/95). A respeito, cumpre ressaltar que a própria LGT, na letra expressa do art. 108 §§ 2º e 3º, prevê que as receitas alternativas (v.g., venda de bens reversíveis) e demais ganhos econômicos que não decorram diretamente da eficiência empresarial devem ser compartilhados com os consumidores, a saber:

Art. 108. Os mecanismos para reajuste e revisão das tarifas serão previstos nos contratos de concessão, observando-se, no que couber, a legislação específica.
§1º A redução ou o desconto de tarifas não ensejará revisão tarifária.
§2º Serão compartilhados com os usuários, nos termos regulados pela Agência, os ganhos econômicos decorrentes da modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas alternativas.
§3º Serão transferidos integralmente aos usuários os ganhos econômicos que não decorram diretamente da eficiência empresarial, em casos como os de diminuição de tributos ou encargos legais e de novas regras sobre os serviços.


Em assim sendo, revela-se clara a legitimidade ativa da PROTESTE para a causa, uma vez que a situação consubstanciada no sistema de telefonia fixa tem reflexo não só no preço das assinaturas e tarifas pagas pelos usuários, mas também no próprio direito à continuidade do serviço.

Por outro lado, a preliminar levantada é completamente inócua, já que, na remotíssima hipótese de se considerar ilegítima a associação autora, este órgão do MPF assumirá o pólo ativo da ação in totum. Aliás, como bem leciona NELSON NERY JÚNIOR, “a lei escolhe alguém e/ou alguma instituição e os legitima a defender, em juízo, esses direitos coletivos lato sensu. Importa menos saber quem é o titular do direito posto em causa, pois o que avulta nessa ação coletiva é o direito material cuja defesa se pretende fazer por intermédio da ação coletiva”.

Tal qual exposto à fl. 403 verso, o MPF aderiu integralmente ao pedido tal qual se o tivesse formulado de mão própria.

V - DA ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA:

Como instrumento da democracia participativa, a ação civil pública é a via processual adequada para impedir a ocorrência ou reprimir danos aos bens coletivos tutelados, podendo também servir como instrumento de reparação dos ilícitos já consumados. A maior parte dos doutrinadores considera que o fundamento primário da reparação está no erro da conduta do agente, no seu procedimento contrário às normas. A ofensa a um bem jurídico também justifica essa responsabilidade, existindo uma relação de causalidade entre a antijuridicidade da ação e o dano causado. Assim, a Lei não 7.347/85 não restringe o cabimento da ação civil a algum tipo de direito ou interesse coletivo ou difuso. Diante desse cenário, corroborando com o entendimento da associação autora, vê-se total consonância entre a defesa dos direitos que se pretende ver respeitados e o ajuizamento presente ação. Então, adequada a via eleita.

VI - DO INTERESSE DE AGIR:

Nesse ponto, aduz a Requerida que, restando patente que o escopo da autora é a anulação de Consulta Pública, inexiste interesse de agir.

Ora, o interesse de agir não se confunde com o interesse primário ou substancial de usufruir o bem da vida, sendo representado pela necessidade e utilidade do provimento jurisdicional e a adequação do meio utilizado para a obtenção da tutela. Como demonstrado na inicial, é patente a ilegalidade da conduta da Administração, consistente na má fiscalização dos bens reversíveis. Assim, buscar a remoção dessa ilicitude, fixando responsabilidade da administração pública, a
fim de evitar mais prejuízos aos interesses públicos subjacentes, é o objeto aqui buscado, cujo interesse de agir é veemente.

Nessa linha, resta patente a utilidade da presente ação, pois se trata de instrumento que procura obrigar a ANATEL a fiscalizar periodicamente as empresas para controle dos bens reversíveis, assegurando que as listas apresentadas pelas concessionárias são, de fato, fidedignas e atuais, bem como torne públicas tais listas. Trata-se, portanto, de tutela tendente a evitar a ocorrência do dano, gerado por ato ilícito da administração.

Assim, induvidosamente, esta preliminar de falta de interesse de agir está, também, equivocada e não merece acolhida.

VII - DA POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO:

A Requerida suscita eventual impossibilidade jurídica do pedido autoral, sob a alegação de que é juridicamente impossível um pedido que visa suprimir competência regulatória, isso em razão do princípio da separação dos poderes.

Nesse contexto, registre-se, desde já, que a possibilidade jurídica do pedido, como condição processual da ação, não decorre da adequação do pedido frente ao direito material vigente (mérito da demanda), mas da permissão, ou não, no direito positivo, para que seja instaurada uma relação processual em torno da pretensão deduzida na ação. Por outro lado, entende-se que a impossibilidade jurídica do pedido é examinada por exclusão, ou seja, somente à vista de proibição expressa no sistema jurídico é lícito ao Juiz acolher a referida preliminar.

Nesse sentido, os ensinamentos do professor Vicente Greco Filho: “A terceira condição da ação, a possibilidade jurídica do pedido, consiste na formulação de pretensão que, em tese, exista na ordem jurídica como possível, ou seja, que a ordem jurídica brasileira preveja a providência pedida pelo interessado.”

Desse modo, na presente ação, o que se pede, entre outros, é a nulidade de consulta pública, ou de resolução ou seu regulamento, caso já publicados. Tais pedidos em nada ofendem o princípio da separação dos poderes, a não ser que a ANATEL acredite que esteja acima do bem e do mau, não podendo seus atos serem submetidos ao crivo da legalidade perante o judiciário.

Ademais, o próprio mérito administrativo, por si só, não está imune a eventual correção por parte do Judiciário. É pacífico no direito administrativo que o Poder Judiciário pode ingressar na análise do mérito administrativo, toda vez que for constatado abuso de poder na atuação discricionária da administração. Já é antiga a lição de que a discricionariedade não se confunde com a arbitrariedade. Não se trata de substituir o administrador pelo juiz quanto à conveniência e à oportunidade do ato administrativo, mas corrigir decisões que escapam à razoabilidade (substancial due process), como sucede no presente.

Não há, pois, que se falar em impossibilidade jurídica do pedido, eis que o pleito é, ao menos em tese, amparado pela Constituição e passível de acolhimento pelo Judiciário. Dessarte, não há o menor fundamento para o acolhimento da liminar em questão.

VIII – CONCLUSÃO:

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL requer seja reconhecida a total improcedência das preliminares suscitadas ao tempo em que reitera o pedido de antecipação de tutela de fls. 399/403.

Brasília, 11 de outubro de 2011.

MARCUS MARCELUS GONZAGA GOULART
Procurador da República
 


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