FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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Setembro 2011 Índice Geral
19/09/11
• Decreto 7.175/2010 - Herança Bendita?
Fonte: AliceRamos.com -
Coluna Info Center
[14/09/11]
Ilegalidade e
insegurança - por Flávia Lefèvre Guimarães
Quando em maio de 2010 o Presidente editou o Decreto 7.175, instituindo o
Plano Nacional de Banda Larga – PNBL e atribuindo a TELEBRÁS funções
estratégicas tais como “implementar a rede privativa de comunicação da
administração pública federal; prestar apoio e suporte a políticas públicas
de conexão à Internet em banda larga para universidades, centros de
pesquisa, escolas, hospitais, postos de atendimento, telecentros
comunitários e outros pontos de interesse público; prover infraestrutura e
redes de suporte a serviços de telecomunicações prestados por empresas
privadas, Estados, Distrito Federal, Municípios e entidades sem fins
lucrativos; e prestar serviço de conexão à Internet em banda larga para
usuários finais, apenas e tão somente em localidades onde inexista oferta
adequada daqueles serviços”, acreditei que o Lula havia iniciado o processo
de redenção da tunga ao patrimônio público que representou o processo de
privatização em 1998.
Isto porque, como todos já sabemos, por intermédio do artifício ilegal das
autorizações de Serviço de Rede de Telecomunicações – SRTT, assinadas dois
dias antes do leilão das subsidiárias da TELEBRÁS, as concessionárias de
telefonia fixa, sem pagar um tostão, se apossaram das redes necessárias para
o serviço de comunicação de dados que, de acordo com o art. 207, da Lei
Geral de Telecomunicações – LGT, deveriam ter sido objeto de contrato de
concessão específico.
Mas minha crença durou pouco, pois o governo foi deixando claro aos poucos
que, a despeito do que estava expresso naquele Decreto, sua intenção era
negociar no pior sentido com as concessionárias. E essa intenção espúria se
revelou quando a sociedade civil passou a cobrar o que ficara acordado na
Conferência Nacional de Telecomunicações e está estabelecido na LGT (art.
65): que o serviço vulgarmente denominado de banda larga fosse submetido ao
regime público, mas o governo, em resposta, deixou bem claro que não
cumpriria a lei, declarando publicamente por diversas vezes que essa “opção”
estava descartada.
Entretanto, o que o governo chama de “opção” representa uma afronta à lei.
Os governantes são agentes públicos e não podem dizer que não vão cumprir a
lei. Atos desta espécie, além de ilegais, têm uma carga de violência e
consequências terríveis para a sociedade como um todo.
No caso do serviço de comunicação de dados, as consequências já começaram a
se revelar.
Primeiro a União assinou com as teles os Termos de Compromisso para que as
concessionárias passassem a estar incluídas no Plano Nacional de Banda
Larga. E, estarrecida, verifiquei que este documento não traz uma linha
sequer a respeito do caráter público e estratégico das redes vinculadas ao
cumprimento das metas ajustadas.
Perguntado pela mídia a respeito deste aspecto, o Ministro Paulo Bernardo
respondeu que o Plano Geral de Metas de Competição – PGMC resolveria esta
questão, pois será o instrumento que trará as obrigações de compartilhamento
de redes, de instalação de pontos de troca de tráfego e parâmetros para a
exploração do acesso às infraestruturas que estão sob a posse das empresas
com Poder de Mercado Significativo, como é o caso das concessionárias.
Mas as notícias recentemente veiculadas demonstram que o governo está refém
de sua opção. As concessionárias estão ameaçando ir ao Poder Judiciário para
questionar o PGMC, alegando a ingerência do governo no que denominam de
redes e infraestrutura privadas, com base no argumento de que nessas redes o
serviço que trafega é prestado em regime privado e, portanto, estariam à
margem do poder estatal.
As teles também não querem se submeter ao controle direto da qualidade do
serviço que vem prestando à sociedade e, principalmente, não querem ver o
preço da oferta do serviço ou acesso às infraestruturas regulado pela
ANATEL. Aliás, quanto a este último ponto já tem uma ação na Justiça aspecto
desde 2009, questionando a competência da ANATEL para tarifar o backhaul.
Outra informação, consolidada no segundo trimestre deste ano, e que merece
destaque nesse contexto é a de que a participação de redes de fibra ótica no
provimento de serviços de telecomunicações é de apenas 0,1% (balanço Huawei).
Ou seja, o grosso da infraestrutura que vem suportando o crescimento de
demanda pelo serviço de comunicação de dados é a infraestrutura antiga
vinculada aos contratos de concessão de telefonia fixa e as antigas redes de
comunicação de dados apropriadas ilegalmente pelas concessionárias com base
nas autorizações de SRTT.
E diante deste quadro de ilegalidades e incertezas, conflitos entre teles e
governo, baixos investimentos por parte das concessionárias, que preferem
usar seus recursos para incorporar outras empresas, concentrando o mercado
com a anuência inadmissível por parte da ANATEL, distribuir resultados aos
acionistas e enviar lucros para seus países de origem, o que nos restará?
Num contexto de serviço prestado apenas no regime privado, o que fará o
Governo para compatibilizar a necessidade de crescimento da capacidade de
redes e investimentos pesados com o atendimento à crescente demanda dos
consumidores e com preços módicos, já que estamos falando de serviços
públicos?
Tudo seria mais fácil se o governo não resistisse ao cumprimento da lei e
garantisse, com a imposição do regime público, o caráter público das redes e
infraestrutura e a soberania do Estado estabelecida de forma clara pela
Constituição Federal quanto aos serviços de telecomunicações, de modo que
estivesse atendidos o interesse social no sentido de se promover a inclusão
digital.
Mas o Ministro Paulo Bernardo, em reunião pública ocorrida no início deste
ano com dezenas de entidades da sociedade civil disse expressamente que esse
caminho é muito complicado e que as licitações demorariam muito; preferiu
negociar com as teles, passando por cima do princípio da impessoalidade, e
dar a elas, sem licitação, o presente de serem as peças principais do PNBL.
Com isso, nos lançou num plano de incertezas e fragilidade, abdicando do
peso do regime público que traria estabilidade e poder inquestionável para
que a metas de universalização e continuidade pudessem ser impostos para
regular os diversos aspectos relativos à exploração de redes – no atacado e
varejo –, que são absolutamente estratégicas para o desenvolvimento social e
econômico do país, como, aliás, está expresso no Decreto do Lula.
Será que a Presidente Dilma está recebendo uma versão de toda essa história
e concorda com essas ilegalidades e inseguranças que comprometerão,
certamente seus planos de reeleição? Será que está tão envolvida com as
heranças malditas que não consegue realizar as heranças benditas como o
Decreto 7.175∕2010?
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