FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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Setembro 2011 Índice Geral
29/09/11
• Anatel: "Fim da caixa preta" - por Mariana Mazza
Fonte: Band.com.br
[29/09/11]
Fim da caixa preta - por Mariana Mazza
Por 13 anos, a Anatel tratou com zelo irracional todos os processos contra
as empresas de telefonia no país. Ao contrário do que manda a legislação, o
sigilo sempre foi a regra dentro da agência reguladora das telecomunicações,
privando a sociedade de ter acesso às investigações feitas sobre
irregularidades praticadas pelas teles, empresas que têm concessão pública
e, portanto, também devem explicações à população quando descumprem suas
obrigações. Pois agora esse sigilo vai acabar. Mas não por decisão da Anatel
e sim, da Justiça.
Há 10 dias, o juiz federal Francisco Donizete Gomes, da Justiça do Rio
Grande do Sul, decidiu que a Anatel não pode mais dar sigilo integral aos
processos que apurem irregularidades nas empresas. Esses processos são
chamados de Pados, Procedimentos de Apuração por Descumprimento de
Obrigações. Para se ter uma ideia, só no ano passado foram abertos mais de
3,8 mil Pados contra as empresas. Cada processo leva, em média, quatro anos
para ser encerrado na agência.
O assunto foi parar na Justiça graças à Associação Nacional de Defesa e
Informação do Consumidor - Andicom, indignada com a falta de transparência
da Anatel. O juiz deu 60 dias para que a agência abra a caixa preta que se
tornou a tramitação dos processos contra as teles. A agência também terá que
arcar com os custos da ação, de R$ 5 mil.
A decisão da Justiça provocou uma reação interessante na Anatel. Hoje, o
Conselho Diretor da autarquia decidiu que não vai recorrer da sentença. Por
quê? Para dar a impressão (errada) à sociedade de que foi a própria agência
que resolveu adotar procedimentos mais transparentes. Não questionar a
decisão do juiz também terá um efeito colateral positivo para os membros da
agência mais comprometidos com as empresas do que com o consumidor. Caso as
empresas reclamem da abertura dos dados, a Anatel sairá com a "desculpa" de
que foi a Justiça que mandou derrubar o sigilo.
Moral da história: foi preciso uma decisão judicial para que a Anatel adote
a prática mais simples de transparência pública exigida pela legislação
brasileira. E, depois de 13 anos de sigilo, ainda corremos o risco de ouvir
que a abertura foi feita de livre e espontânea vontade da agência. Apesar
disso, hoje é um dia a se comemorar. Em breve, os consumidores poderão saber
não só os erros cometidos pelas companhias telefônicas, mas, especialmente,
como a Anatel avaliou, e muitas vezes perdoou, as irregularidades. Para não
ficar nenhuma dúvida sobre de onde partiu a iniciativa de quebrar o sigilo,
confira aqui a íntegra da decisão da Justiça do Rio Grande do Sul.
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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº
5007684-30.2010.404.7100/RS
AUTOR:
ANDICOM - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA E INFORMAÇÃO DO CONSUMIDOR
ADVOGADO:
JOSE DIONISIO DE BARROS CAVALCANTI NETO
RÉU:
AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES - ANATEL
MPF:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
SENTENÇA
I - RELATÓRIO.
Trata-se de ação civil pública, proposta pela Associação Nacional de Defesa
e Informação do Consumidor - ANDICOM em face da Agência Nacional de
Telecomunicações - ANATEL, por meio da qual a autora requer seja determinado
à ré, inclusive em sede de antecipação de tutela, que dê publicidade a todos
os Procedimentos de Apuração de Descumprimento de Obrigação - PADOs que
perante ela tramitam. Busca, ainda, a condenação da ré ao pagamento de
indenização por dano moral coletivo e a responsabilização cível da ré, pelo
não cumprimento dos prazos do processo administrativo previstos em seu
regimento interno.
Na inicial, a autora informou que os PADOs são procedimento da ANATEL que
investigam 'o descumprimento de obrigações assumidas pelas concessionárias
no contrato de concessão, como também a violação de direitos do
consumidor/usuários'. Disse que a ANATEL não dá publicidade aos PADOs,
amparada no artigo 174 da Lei nº 9.472/97 ('Toda acusação será
circunstanciada, permanecendo em sigilo até sua completa apuração') e no
artigo 79 de seu Regimento Interno ('O PADO será sigiloso até o seu
encerramento, salvo para as partes e seus procuradores'). Afirmou que ambos
os dispositivos são inconstitucionais, por contrariarem os artigos 5º, XIV e
XXXIII, e 37, caput, todos da Constituição Federal, violando os princípios
da legalidade, da publicidade, da finalidade e da motivação. Defendeu a
possibilidade de declaração de inconstitucionalidade em sede de ação civil
pública. Sustentou a ocorrência de dano moral coletivo. Alegou que estão
presentes os requisitos para a concessão da antecipação de tutela.
Foi determinada a intimação da ANATEL e do Ministério Público, para que se
manifestassem sobre o pedido de antecipação de tutela (evento 8).
A ANATEL manifestou-se no evento 16, e o Ministério Público, no evento 20.
O pedido de antecipação de tutela foi indeferido, ante a ausência de risco
de dano irreparável (evento 23).
Contra esta decisão, a autora apresentou embargos de declaração (evento 27),
que foram rejeitados (evento 31).
Foi, então, interposto agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu
a antecipação de tutela, autuado sob o nº 5004740-15.2010.404.0000, o qual
foi convertido em retido pelo relator.
Citada, a ANATEL contestou no evento 22. Preliminarmente, alegou:
incompetência do juízo, porquanto o juízo competente seria o do local onde
se localiza a sede da ré; ilegitimidade ativa, ante a ausência de
pertinência temática entre o interesse tutelado e as finalidades
institucionais da autora; litisconsórcio passivo necessário com todas as
empresas e pessoas físicas do setor de telecomunicações, já que a divulgação
dos PADOs poderia acarretar violação a seu direito à intimidade;
impossibilidade jurídica do pedido, pois a ação civil pública não seria o
meio adequado para se pleitear a declaração de inconstitucionalidade de ato
normativo e o acolhimento do pedido implicaria violação ao princípio da
separação dos poderes. No mérito, disse que nos PADOs há diversas
informações sob sigilo comercial, o que impede sua divulgação pela
administração. Afirmou que tais informações somente poderiam ser reveladas
mediante ordem judicial. Argumentou que a divulgação de informações
constantes dos PADOs poderia gerar especulações no mercado de ações.
Informou que as decisões que aplicam sanções são tornadas públicas após o
transcurso dos prazos recursais.
A autora replicou no evento 34, ocasião em que requereu a intimação da ré
para trazer aos autos diversos documentos e informações referentes aos PADOs
e a sua atuação fiscalizadora.
A ré apresentou contrarrazões ao agravo interposto contra a decisão que
indeferiu a antecipação de tutela (evento 42).
O Ministério Público apresentou parecer no evento 46. Inicialmente, refutou
as preliminares arguidas pela ré. No mérito, opinou pela procedência do
pedido, encampando os argumentos da autora quanto à inconstitucionalidade do
artigo 174 da Lei nº 9.472/97 e do artigo 79 do Regimento Interno da ANATEL.
Sucessivamente, propôs interpretar-se o artigo 174 da Lei nº 9.472/97 à luz
da Constituição Federal, de modo a concluir pela ilegalidade do artigo 79 do
Regimento Interno e pela restrição do sigilo à fase apuratória dos PADOs.
O Ministério Público manifestou-se novamente no evento 47, ocasião em que
juntou aos autos parecer oriundo da Procuradoria-Geral da ANATEL, que vai ao
encontro das teses sustentadas pela autora.
Intimada para se manifestar a respeito, a ré informou que o parecer juntado
pelo Ministério Público refere-se somente a um caso específico e não vincula
a atuação da administração pública. Com base nisso, requereu o
desentranhamento do parecer (evento 51).
O pedido de desentranhamento foi indeferido, assim como o pedido de produção
de provas formulado pela autora em sua réplica (evento 54).
A autora interpôs agravo retido, impugnando a decisão que indeferiu o pedido
de produção de provas (evento 60).
A ré apresentou contrarrazões ao agravo retido interposto pela autora
(evento 65).
A decisão agravada foi mantida (evento 67).
É o relatório.
II - FUNDAMENTOS.
Competência.
Nos termos do artigo 2º da Lei nº 7.347/85, as ações previstas na referida
Lei devem ser propostas no foro do local onde ocorreu o dano, cujo juízo tem
competência funcional para processar e julgar a causa, portanto, de caráter
absoluto, e não relativa, podendo ser argüida em preliminar (CPC, artigo
113), não se aplicando a súmula nº 33 do e. STJ., razão pela qual conheço da
preliminar.
Nos termos do artigo 93, II, da Lei nº 8.078/90 - aplicável às ações civis
públicas por expressa disposição do artigo 21 da Lei nº 7.347/85 -, a
competência para o julgamento da causa, em se tratando de dano de âmbito
nacional, é concorrente entre os Juízos do Distrito Federal e das capitais
dos Estados.
Neste sentido:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93,
INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO
FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.
1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais
de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do
Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.
2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de
Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana
de Curitiba/PR.
(CC 112.235/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado
em 09/02/2011, DJe 16/02/2011)
Em face do exposto, rejeito a preliminar.
Legitimidade ativa.
Conforme o artigo 5º, inciso V, letra 'b', da Lei nº 7.347/85, tem
legitimidade para propor ação civil pública a associação que incluía, entre
suas finalidades institucionais, a proteção ao consumidor e à livre
concorrência. Essa norma encontra fundamento constitucional no artigo 129,
III, c.c. § 1º, que estabelece a legitimidade de terceiros, segundo o
disposto na Constituição e na lei, para as ações civis públicas previstas
naquele artigo, dentre elas para proteção dos interesses difusos e
coletivos.
No estatuto da autora (evento 1, OUT3), lê-se que, entre seus objetivos
primordiais, incluem-se 'promover a defesa de interesses e direitos
protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, aí incluída a proteção à
saúde e segurança do consumidor, bem como a responsabilização pelo fato ou
vício de produto e/ou serviço' (art. 4, II), 'prestar assistência, proteger
e defender, assegurar direitos e garantias de cidadania dos consumidores de
telefone fixo e celulares, água, gás e energia elétrica nos municípios,
estados e em todo o Território nacional, e proporcionar-lhes melhoria
efetiva no relacionamento com as concessionárias' (art. 4º, X) e 'atuar na
defesa dos interesses dos consumidores nos serviços concedidos pela União,
estado e Município' (art. 4º, XIV).
Logo, não há como negar que vai ao encontro das finalidades da autora a
defesa dos direitos e interesses difusos à informação, de modo a permitir
que os consumidores conheçam a apuração e repressão a eventuais infrações
cometidas pelas concessionárias de serviços telefônicos.
Por outro lado, nesta ação não se trata da tutela de interesses ou direitos
individuais dos associados da autora, situação na qual teria pertinência a
alegação de falta de correlação entre o pedido formulado e a restrição
subjetiva aos filiados da autora, senão de tutela do direito difuso à
informação, de natureza transindividual e indivisível, conforme exposto pelo
Ministério Público Federal em sua manifestação no evento 20. Portanto, não
se aplica o artigo 5º, inciso XXI, da Constituição.
Litisconsórcio passivo necessário.
Nos termos do artigo 47, do CPC, há litisconsórcio necessário quando, por
disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de
decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia
da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
Os consumidores ou as pessoas jurídicas investigadas nos processos
administrativos não são partes nesta ação porque em face dela não se faz
qualquer pedido, e nem são elas as tutoras do sigilo estabelecido pela lei e
pela norma infralegal nos processos administrativos, senão o órgão perante o
qual tramita o processo administrativo que é, portanto, o único legitimado
para ocupar o pólo passivo desta ação de forma necessária.
Indefere-se, portanto, a citação de todas as pessoas envolvidas nos PADOs -
Procedimentos para Apuração de Descumprimento das Obrigações.
Possibilidade jurídica do pedido. Controle difuso de constitucionalidade.
A ré sustenta que o pedido seria juridicamente impossível, por ser inviável
a declaração de inconstitucionalidade de ato normativo em sede de ação civil
pública.
Contudo, é de se atentar para o fato de que, no presente caso, o pedido não
é a declaração de inconstitucionalidade, mas a imposição de obrigação de
fazer à ré, consistente em dar publicidade aos PADOs. A
inconstitucionalidade do artigo 174 da Lei nº 9.472/97 compõe a causa de
pedir. Não há óbice algum a que, em ação civil pública, assim como em
qualquer outro procedimento jurisdicional, o juízo realize o controle difuso
de constitucionalidade.
Ademais, não há como acolher a alegação de que 'não se pode admitir a ação
civil pública contra comandos legais expressos, que apenas foram seguidos
pela ANATEL, posto que é necessária a realização de um ato concreto de
execução, com prejuízos aferíveis para que possa ajuizar demanda da
espécie'.
Há, nos autos, correspondência enviada pela ré (evento 1, OFIC6), em que ela
deixa claro que somente torna públicos os PADOs após seu encerramento. Além
disso, a ré em momento algum negou que mantenha em sigilo os procedimentos.
Vê-se, assim, que a ação não se volta contra lei em tese, mas, isto sim,
contra a aplicação concreta de lei que a autora entende ser
inconstitucional.
Afasto, portanto, a preliminar.
Possibilidade jurídica do pedido. Ausência de violação ao princípio da
separação dos poderes.
Ainda a título de impossibilidade jurídica do pedido, a ré afirma que o
acolhimento do pedido da autora implicaria violação ao princípio da
separação dos poderes.
A preliminar merece ser afastada, pois a autora não busca que o Poder
Judiciário avance sobre as atribuições da administração pública, mas que
controle a legalidade e a constitucionalidade da atuação administrativa -
exercício típico de poder jurisdicional.
Indeferimento da petição inicial. Responsabilização civil da ré por
descumprimento de prazos.
No item h do rol de pedidos da inicial, a autora requer 'a responsabilização
cível da ré, pelo não cumprimento dos prazos do processo administrativo
previsto no regimento interno da ANATEL que será apurada e liquidação de
sentença'.
O pedido não cumpre o requisito do artigo 286 do CPC ('O pedido deve ser
certo ou determinado'). Além disso, não há, na fundamentação da peça,
indicação de em que consistiria o alegado não cumprimento de prazos e em que
consistiria a responsabilização da ré, o que implica violação também ao
artigo 282, III, do CPC.
À vista disso, é inviável conhecer de tal pedido, que deverá ser formulado
em ação autônoma.
Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações. Sigilo.
O artigo 5º, inciso LX, da Constituição, dispõe que 'a lei só poderá
restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade
ou o interesse social o exigirem'. O inciso XXXIII, do mesmo artigo, ao seu
turno, dispõe sobre o direito que todos têm de receber dos órgãos públicos
informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade
e do Estado. Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LX,
dispõe que 'a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais
quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem'.
Logo, se, tratando-se de processo judicial, inclusive penal - em que a
possibilidade de lesão à honra e à privacidade é consideravelmente maior -,
o sigilo somente é justificável excepcionalmente, por certo que, em se
tratando de processo administrativo, o sigilo deverá ser medida ainda mais
excepcional.
O artigo 37, caput, da Constituição, ao seu turno, dispõe que a administra
pública indireta de qualquer dos Poderes da União obedecerá ao princípio da
publicidade. A norma visa a possibilitar que a sociedade fiscalize e
controle a atividade dos administradores.
Em nível infraconstitucional, o artigo 19 da Lei nº 9.472/97 estabelece a
publicidade na atuação da ANATEL e o artigo 39 da mesma Lei o dever de
garantia do tratamento confidencial das informações técnicas, operacionais,
econômico-financeiras e contábeis que solicitar às empresas prestadoras dos
serviços de telecomunicações, nos termos do regulamento.
Compartilho, portanto, da posição adotada pelo Ministério Púbilco Federal no
sentido de que a publicidade e o acesso à informação impõe-se como regra da
atuação da ANATEL, sendo o sigilo a exceção, cujos parâmetros são dados pela
norma constitucional: defesa da intimidade, interesse social, segurança da
sociedade e segurança do Estado.
Dispõe a Lei nº 9.472/97:
Art. 174. Toda acusação será circunstanciada, permanecendo em sigilo até sua
completa apuração.
Por sua vez, assim dispõe o Regimento Interno da ANATEL:
Art. 79. O PADO será sigiloso até o seu encerramento, salvo para as partes e
seus procuradores.
§ 1º O agente que, por qualquer forma, divulgar irregularmente informações
relativas à acusação, ao acusado ou ao procedimento, incidirá em infração
disciplinar de natureza grave, nos termos de legislação específica.
§ 2º A divulgação da instauração do procedimento não configura a quebra do
sigilo de que trata o caput deste artigo.
O artigo 174 da Lei nº 9.472/97, inserido no capítulo das sanções
administrativas, estabelece o sigilo até a completa apuração da acusação. O
artigo 79 do Regimento Interno da ANATEL estabelece o sigilo do PADO até o
encerramento do processo administrativo. Contudo, é importante ter em mente
que os termos 'apuração da acusação' e 'encerramento do processo
administrativo' não são equivalentes, pois o processo administrativo é
posterior à fase de apuração
Como se lê no parecer nº 1440/2009/LBC/PGF/PFE-Anatel (evento 47, PAREC
MPF2), firmado por dez Procuradores Federais e aprovado pela
Procuradora-Geral da ANATEL, Dra. Ana Luiza Vieira Valadares Ribeiro,
'apuração da acusação, tal como prevista no art. 174, da LGT, há de ser
entendida como todos os procedimentos, técnicas ou conjunto de diligências
de que se vale os agentes de fiscalização da Anatel com o objetivo de obter
a verdade sobre fatos ou condutas, visando determinar o cumprimento de
obrigação por parte do administrado e subsidiar eventual instauração de
processo sancionador' (fl. 16).
Inclusive, o Regulamento de Fiscalização da ANATEL, aprovada pela Resolução
nº 441/06, define 'averiguação' (palavra que é sinônima de 'apuração') como
'conjunto de diligências, coleta e tratamento de dados que têm como objetivo
a apuração da realizada sobre o ato ou fato investigado, local ou
remotamente' (art. 3º, VI).
Ou seja: a apuração é fase anterior à instauração do PADO, que visa,
justamente, verificar se há, na acusação, embasamento que justifique a
instauração de procedimento administrativo.
Tal fato é deixado claro pelo artigo 15 do Regulamento de Fiscalização, que
assim dispõe:
Art. 15. Para infração constatada em ação de fiscalização, deve ser emitido
o
correspondente Auto de Infração.
Parágrafo único. O Auto de Infração deve instruir o respectivo Procedimento
para Apuração de Descumprimento de Obrigações, não podendo ser revogado ou
anulado, salvo se pela autoridade superior competente.
Portanto, recebida a acusação, ou havendo outro motivo que justifique a
fiscalização, deve a ANATEL apurar o fato (fase em que impera o sigilo) e,
sendo constatados motivos para tanto, instaurar o PADO - fase em que não há
mais motivo jurídico para o sigilo.
Constata-se, assim, que o Regimento Interno da ANATEL padece de ilegalidade,
pois extrapolou sua função de norma regulamentadora, ao ir além do que prevê
a lei regulamentada. Enquanto a lei prevê o sigilo somente para a apuração,
o regimento estende o sigilo também para o procedimento administrativo.
Diversamente do afirmado na inicial, portanto, não há inconstitucionalidade
do artigo 174 da Lei nº 9.472/97. O que há é a ilegalidade do artigo 79 do
Regimento Interno da ANATEL, o que leva à mesma conclusão jurídica defendida
pela autora.
Quanto à alegação de que a tramitação em sigilo dos PADOs seria necessária
para preservar a intimidade dos envolvidos, cabe transcrever trecho do já
mencionado parecer nº 1440/2009/LBC/PGF/PFE-Anatel (evento 47, PAREC MPF2).
Observo que, embora tal parecer não vincule a administração pública federal,
como bem apontado na manifestação do evento 52, é de fundamental relevância
para a compreensão da controvérsia, por expressar a visão de procuradores
que, dada suas posições, possuem inegável conhecimento acerca da atuação da
ANATEL. Feita a observação, passa-se à transcrição de parte do parecer:
'Imagine-se, por exemplo, a instauração de um processo sancionador em
decorrência das seguintes situações: descumprimento de indicadores de
qualidade e de obrigações de universalização; violações a direitos de
usuários e normas de concorrência; obstrução à fiscalização da Anatel;
ausência de licença, de autorização e não observância de normas técnicas
para o funcionamento de determinado serviço de telecomunicações. Esses
casos, corriqueiros no âmbito da atuação da Agência, em regra, não envolve o
trato com quaisquer informações estratégicas, cuja divulgação possa trazer
risco à segurança do país ou gerar algum dano à sociedade ou ao Estado.
Muito pelo contrário, a divulgação dessas informações é de amplo interesse
público. Sem dúvida, é do interesse da coletividade ter acesso às
informações relativas ao adequado funcionamento do setor de
telecomunicações, notadamente, aquelas que permitam o exercício da cidadania
e do controle democrático sobre a atuação dos agentes econômicos e, também,
do ente regulador.
Em termos concretos, para ficar em um só exemplo, é direito assegurado aos
consumidores e às suas entidades representativas saber se determinada
operadora cumpre metas de universalização ou indicadores de qualidade, bem
como ter conhecimento de como a Agência atua para reprimir - ou prevenir -
tais práticas infracionais. O valor das multas, a celeridade do processo, os
argumentos das prestados e, enfim, a efetividade da fiscalização são
elementos que, dentre outros, devem ser tratados com a máxima publicidade.
De qualquer modo, na hipótese de os autos de um processo sancionador conter
informações estratégicas relativas à segurança nacional, a autoridade
competente deve estabelecer o sigilo, por decisão motivada e por prazo
determinado, das informações e não do processo como um todo. É que o sigilo,
nesse caso, é atribuído ao documento, que deve tramitar em apartado ou em
envelope lacrado, e não ao processo, permanecendo como públicos os demais
dados constantes dos autos, tais como a conduta infracional, a peça de
defesa, as decisões administrativas, os recursos etc.
De outro lado, segredo protegido, afora os casos de segurança nacional, são
aqueles estabelecidos em normas específicas, tais como o sigilo de dados
bancários, de correspondências, de comunicações telegráficas e telefônicas
(art. 5º, XII, CF). Os documentos juntados aos autos de um PADO que
contenham informações como essas devem tramitar sob sigilo.
(...)
Por último, não há que se falar, ao menos em regra, em sigilo do PADO para
proteção à intimidade de alguém. A intimidade se refere à esfera pessoal,
particular e reservada, de determinada pessoa. É composta por aquelas
informações que constituem o modo de ser e as escolhas relativas a questões
como opção sexual, situação financeira, familiar, convicções religiosas etc.
A proteção constitucional dessas informações justifica-se porque a sua
divulgação pode causar constrangimentos ao indivíduo, maculando a sua imagem
ou a sua honra.
Como a Agência não costuma instaurar PADOs em face de indivíduos - nem mesmo
lidar com informações que digam respeito à intimidade das pessoas - e como
as informações privadas das empresas foram tratadas no tópico anterior, não
parece haver motivo para se estabelecer, a priori e como regra geral, o
sigilo dos processos sancionadores a fim de proteger a intimidade de
alguém'.
No mesmo sentido, assim se manifestou o Ministério Público (evento 46,
PARECER1):
'De tudo se vê a inadequação da alegação da ANATEL em defesa de um direito à
intimidade a ao sigilo deveriam preponderar sobre o princípio da publicidade
quanto ao conteúdo dos PADOs. Tal tese, em realidade, subverte a regra
constitucional, e toda a principiologia do direito administrativo de
prevalência do interesse público sobre o particular. Ademais, sequer
encontra fundamento fático na realidade usual dos fatos, pois muito
raramente haverá algum direito à intimidade de consumidores revelado em
algum PADO (não há direito à intimidade no exercício do direito de petição,
a menos que solicitado), sendo inadmissível reconhecer tal direito à
prestadora do serviço regulado no que respeita a tal prestação'. (grifos no
original)
A partir disso, é fácil concluir que a tramitação de processo administrativo
é medida excepcional, razão pela qual não pode ser transformada em regra
pela administração.
Portanto, vedar, aprioristicamente, o acesso a procedimentos
administrativos, em função de um hipotético risco à privacidade dos
envolvidos, é medida que de não está de acordo com a ordem jurídica.
Tais considerações deixam claro que não assiste razão à ré em sua tese de
que o sigilo dos PADOs se justificaria para preservar segredos comerciais e
a intimidade dos envolvidos.
Não há, em absoluto, qualquer fato capaz de distinguir tão drasticamente os
PADOs das demais modalidades de procedimentos administrativos. Logo, se
nestas, assim como em toda atividade administrativa, a regra é a
publicidade, não há motivo para que, em relação àqueles, se proceda de
maneira diferente.
Estabelecido que os PADOs devem, em regra, ser públicos, resta, agora,
verificar a extensão em que deve ser acolhido o pedido formulado na inicial.
A autora requereu fosse determinado à ANATEL que desse publicidade a todos
os PADOs. Todavia, considerando a possibilidade de - em hipóteses
específicas - haver, de fato, algum procedimento em que haja informações que
não devam ser levadas a público, é importante ressalvar a possibilidade de,
mediante decisão fundamentada, a administração determinar a tramitação
sigilosa do procedimento, a fim de preservar o interesse social, a
intimidade dos envolvidos (art. 5º, XL, CF) e a segurança da sociedade e do
Estado (art. 5º, XXXIII, CF)..
Devem, ainda, ser mantidos em sigilo dados que sejam protegidos pela lei ou
pela Constituição (dados bancários, correspondências e etc.) observada a
disposição do artigo 64 do Decreto nº 2.338/97, que, regulamentando o artigo
39 da Lei nº 9.472/97, assim dispõe:
Art.64. A Agência dará tratamento confidencial às informações técnicas,
operacionais, econômico-financeiras e contábeis que solicitar às empresas
prestadoras de serviços de telecomunicações, desde que sua divulgação não
seja diretamente necessária para:
I - impedir a discriminação de usuários ou prestadores de serviço de
telecomunicações;
II - verificar o cumprimento das obrigações assumidas em decorrência de
autorização, permissão ou concessão, especialmente as relativas à
universalização dos serviços.
Tal fato, todavia, é importante deixar claro, não implica o sigilo de todo o
procedimento, mas apenas das informações confidenciais, que deverão tramitar
em apartado ou em envelope lacrado, conforme sugerido no acima citado
parecer nº 1440/2009/LBC/PGF/PFE-Anatel.
Dano moral coletivo.
Na inicial, a autora requer, ainda, a condenação da ré ao pagamento de
indenização por dano moral coletivo, afirmando que 'a agência reguladora
negligenciou e prevaricou no exercício da função estatal que exerce,
causando prejuízo e sofrimento aos consumidores por verdadeira omissão,
acarretando transtornos e prejuízos a milhares de pessoas'.
Contudo, em que pese tenha ficado demonstrada a ilegitimidade da conduta da
ré, entendo que o pedido não merece ser acolhido. Isto porque a condenação
da administração pública ao pagamento de indenização por dano moral
transindividual é medida que não se justifica, pois impõe à coletividade,
que já foi vítima do dano, a obrigação de repará-lo.
Hipótese distinta é aquela em que a administração causa dano a um grupo
determinado, ou determinável, de pessoas. Em casos assim, impõe-se a
reparação do mal causado, devendo a coletividade, através da administração,
indenizar os que foram lesados.
Contudo, não é este o caso dos autos, eis que não há como afirmar que certas
pessoas tenham tido um prejuízo maior ou menor com a fiscalização deficiente
das empresas concessionárias de serviços de telefonia, já que a atuação
irregular da administração gera danos a todos, indistintamente.
Portanto, a condenação da administração ao pagamento de indenização, que
reverteria ao fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/85,
consistiria, na verdade, em mera realocação de recursos de uma atividade
pública para outra, tarefa que não cabe ao Poder Judiciário.
Antecipação de tutela.
A Lei nº 7.347/85 já prevê, em seu artigo 14, que, nas ações civis públicas,
os recursos, em regra, não possuem efeito suspensivo. Consequentemente, a
prolação desta sentença, com o acolhimento do pedido principal da autora, já
bastaria, por si só, para gerar a obrigação da ré de, independente do
trânsito em julgado, desde já tornar os públicos os PADOs que perante ela
tramitam.
Contudo, dadas as peculiaridades do caso, convém realçar que, além da
fortíssima verossimilhança das alegações da autora - já exposta acima -,
também foi comprovado, ao longo da tramitação do processo, o risco de dano
irreparável, caso a medida não seja concedida logo.
Conforme exposto pelo Ministério Público, os PADOs têm tramitado de maneira
morosa e ineficiente, mal que certamente é agravado pela impossibilidade de
seu acompanhamento pelo Ministério Público, pelas entidades de defesa dos
direitos do consumidor e pela sociedade em geral.
Transcrevo, a seguir, importante trecho do já citado parecer do Ministério
Público:
'Apenas para ilustrar a inefetividade e o risco de prescrição dos PADOs da
ANATEL referidos pela associação autora com informações de que tem
conhecimento o Ministério Público Federal, dado que para ela certamente
contribui a falta de transparência combatida nesta ação, convém levar ao
conhecimento desse juízo alguns trechos do Relatório da Auditoria
Operacional na ANATEL feita pelo Tribunal de Constas da União e aprovada
pelo Acórdão n. 2109/2006, disponível no sítio eletrônico daquela Corte.
337. No Acórdão 1.778/2004 - Plenário, que resultou do trabalho de
auditoria, o Tribunal fez uma série de determinações e recomendações à
Anatel. Este fato foi registrado no relatório da Ouvidoria da Anatel para o
período de junho de 2004 a junho de 2005, acostado aos autos: 'do Acórdão
referido supra, vale trazer à baila que foi determinado à Anatel cumprir
específicas providências com vistas à contribuição para a melhoria do
desempenho das atividades fiscalizatórias. As principais cominações impostas
à Agência dizem respeito aos Procedimentos para Apuração de Descumprimento
de Obrigações (PADOs) e à falta de efetividade na tramitação dos processos,
a fim de apresentar reformulação dos processos de fiscalização das
obrigações de universalização'.
(...)
364. O poder de coercitividade da Agência para garantir que as empresas
cumpram as disposições legais e obrigações contratuais está relacionado,
entre outros fatores, à eficiência de seu processo de repressão às infrações
identificadas no processo de fiscalização, incluindo a coerência, a
tempestividade e a materialidade de seus atos sancionatórios. Essas
dimensões são abordadas a seguir na descrição dos resultados encontrados
pela auditoria.
Os PADOs não apresentam a tempestividade necessária para garantir a
efetividade do processo sancionatório.
(...)
367. De acordo com os prazos estabelecidos no Regimento Interno, para
situação de interposição de recursos e considerando todas as prorrogações
previstas, o prazo máximo para a conclusão do PADO é de 320 dias. (...)
370. Não obstante os prazos máximos permitidos para tramitação dos PADOs (de
até 320 dias) já serem dilatados, das entrevistas realizadas e da relação de
PADOS relacionados à qualidade fornecidos pela SPB e SPV (fls. 20 a 192 do
Anexo IX e dados encaminhados eletronicamente pela Anatel), observa-se que
os prazos de tramitação, em sua maioria, são muito superiores aos previstos
no Regimento Interno, sendo em muitos casos superiores a quatro anos.
371. Esse fato corrobora a posição apresentada no Relatório da Ouvidoria da
Anatel de junho/2004 a junho/2005 (Anexo 27), em seu Capítulo X sobre o
Poder Sancionador da Anatel, onde descreve a situação dos PADOs, salientando
a grande demora na tramitação dos mesmos, e alerta para o risco de
prescrição desses processos.
(...)
382. O dilatado prazo na análise e encerramento dos PADOs pode também
extrapolar os prazos de prescrição afetos aos processos administrativos.
Somente neste ano a ANATEL está promovendo a revisão do regulamento da
fiscalização, para o qual, como antes referido, o Ministério Público Federal
já recomendou a revisão da regra de sigilo'. (grifos no original)
Logo, dada a certeza de que a publicidade na tramitação dos PADOs ajudará a
amenizar o quadro acima descrito, impõe-se que a medida determinada nesta
sentença seja desde logo cumprida.
III - DISPOSITIVO.
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, a fim de determinar
que a ANATEL torne públicos os Procedimentos de Apuração de Descumprimento
de Obrigação - PADOs que perante ela tramitam.
Ressalvo a possibilidade de, mediante decisão fundamentada, a ANATEL
determinar a tramitação sigilosa de procedimentos específicos, a fim de
preservar o interesse social, a intimidade dos envolvidos ou a segurança da
sociedade e do Estado.
Ressalvo, ainda, a possibilidade de determinadas informações serem mantidas
em sigilo, nos termos do artigo 64 do Decreto nº 2.338/97, ou a fim de
preservar dados que sejam protegidos pela lei ou pela Constituição (dados
bancários, correspondências e etc.), sem que isto implique o sigilo de todo
o procedimento.
Concedo o prazo de 60 (sessenta) dias para que a ANATEL cumpra a medida.
Friso, desde já, que eventual discordância da autora, ou de outro
legitimado, em relação à fundamentação que seja utilizada para determinar o
sigilo de algum procedimento específico deverá ser veiculada em ação
autônoma, a ser livremente distribuída, de acordo com as regras processuais
de fixação da competência.
Condeno a ré ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$
5.000,00 (cinco mil reais), atualizados, pelo IPCA-E, a partir da data desta
sentença. Para tanto, considerei o grau de zelo do procurador da autora e a
natureza e a importância da causa (CPC, art. 20, § 3º, a e c). Considerei,
ainda, por outro lado, a parcial sucumbência da autora e o fato de que a
fixação em percentual sobre o valor da causa resultaria em montante por
demais elevado.
Publique-se, registre-se e intimem-se.
Havendo recurso(s) tempestivo(s), tenha(m)-se-o(s) por recebido(s) no duplo
efeito, exceto quanto a condenação da ANATEL em obrigação de fazer.
Intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões,
no prazo legal.
Independente da interposição de recursos, remetam-se os autos ao TRF da 4ª
Região, para reexame necessário.
Porto Alegre, 19 de setembro de 2011.
Francisco Donizete Gomes
Juiz Federal Titular
Documento eletrônico assinado por Francisco Donizete Gomes, Juiz Federal
Titular, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro
de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A
conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço
eletrônico http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o
preenchimento do código verificador 7205159v5 e, se solicitado, do código
CRC 5D8CAC3B.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FRANCISCO DONIZETE GOMES:2172
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Data e Hora: 19/09/2011 16:08:17