FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
Mensagens 


WirelessBrasil

Maio 2012              Índice Geral


20/05/12

• Anatel e os Bens Reversíveis - O retorno

Em maio de 2011, a PROTESTE – Associação de Consumidores ajuizou ação civil pública contra a União Federal e Agência Nacional das Telecomunicações (ANATEL) com o objetivo de proteger os bens necessários para a prestação dos serviços de telefonia fixa, que hoje estão nas mãos das empresas concessionárias OI, VIVO (Telesp) e Embratel, mas devem retornar para as mãos do Poder Concedente ao final dos contratos de concessão – dezembro de 2025.

A ação foi movida com o objetivo de obrigar os entes públicos a realizarem um inventário dos bens vinculados aos contratos de concessão, diante da resistência da ANATEL de responder a questionamento da PROTESTE a respeito dos bens reversíveis, sob o argumento de que se tratava de informações sigilosas.

E a PROTESTE resolveu questionar a agência quando, em abril de 2008, esta que vos escreve, participando do Conselho Consultivo da ANATEL representando os consumidores, constatou que a agência de forma absolutamente ilegal, havia retirado uma cláusula dos contratos de concessão que garantiam a reversibilidade do backhaul – redes de dados de nova geração, sem avisar a Casa Civil. Resultado: o Presidente Lula assinou contrato diferente do que pensava estar fazendo.

A garantia da reversibilidade da rede de dados só voltou para o contrato por força de decisão judicial proferida em outra ação civil pública ajuizada também pela PROTESTE, em abril de 2008, que obrigou a ANATEL a reinserir a cláusula da reversibilidade em 2009.

Esses fatos fizeram acender a luz vermelha a respeito dos riscos que os bens públicos vinculados às concessões da telefonia fixa estavam correndo. Especialmente porque a partir de 2008 começou a circular dentro da ANATEL uma conversa estranha, mas muito benéfica para as concessionárias e escandalosamente ilegal, de que era necessário alterar-se o regulamento de bens reversíveis para acabar a “visão patrimonialista” a respeito deles.

O descaso da agência quanto ao controle dos bens públicos é tamanho que, em 2011 – quase 13 anos após a privatização, a ANATEL publicou decisões abrindo prazo (até 2013) para as concessionárias (apenas para a Oi e Embratel – a Telefonica se safou não se sabe por quê) apresentarem a lista dos bens reversíveis. Pasmem!!! A ANATEL finge que não tem como ter a relação dos bens reversíveis e, então, pede para as empresas apresentarem a relação dos bens! Seria cômico se esta conduta não configurasse clara e inequívoca improbidade administrativa.

Especialmente porque a PROTESTE teve acesso a documentos no arquivo nacional dos quais constam com detalhes a lista de todos os bens de propriedade da Telebrás e suas concessionárias - prestadoras locais da telefonia fixa e Embratel; ou seja, é claro que a ANATEL tem como obter a lista dos bens, independente da informação das teles.

A rede Bandeirantes de televisão comprou a briga dos bens reversíveis e em abril de 2011 exibiu no Jornal da Band uma série de reportagens denunciando a venda de bens públicos sem autorização da ANATEL. Para responder às matérias, a ANATEL divulgou a seguinte nota:

Nota de esclarecimento sobre bens reversíveis 07 de Abril de 2011

Em relação a reportagens veiculadas pela TV Bandeirantes no dias 4, 5 e 6 de abril, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) apresenta os seguintes esclarecimentos:

A Anatel nega veementemente afirmações de que estaria agindo com negligência no controle dos bens reversíveis ou de que seria benevolente com as concessionárias.

Os bens reversíveis são aqueles bens utilizados na prestação do serviço de telefonia fixa. NÃO SÃO REVERSÍVEIS, PORTANTO, OS BENS SEM RELAÇÃO COM A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO, QUE PODEM SER LIVREMENTE ALIENADOS PELAS CONCESSIONÁRIAS.
EMBORA REVERSÍVEIS À UNIÃO AO TÉRMINO DA CONCESSÃO, SE UTILIZADOS PARA A PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE TELEFONIA FIXA, TAIS BENS NÃO PERTENCIAM E NÃO PERTENCEM À UNIÃO.


No passado, os bens pertenciam às empresas do Grupo Telebrás Sociedade Anônima. Atualmente, os bens pertencem às empresas que adquiriram o controle acionário das empresas do Grupo Telebrás S/A.

Não se pode falar, portanto, em transferência ou cessão de titularidade de bens da União para empresas privadas, visto que os bens não compunham e não compõem o patrimônio da União, mas sim das empresas prestadoras do serviço de telefonia fixa.

Independentemente dos valores referentes a alienações realizadas, reitera-se que a alienação de bem reversível sem prévia autorização da Anatel não retira o ônus da reversibilidade do bem alienado.

EXISTE UM INVENTÁRIO DE BENS REVERSÍVEIS À UNIÃO DECORRENTE DOS CONTRATOS DE CONCESSÃO FIRMADOS COM AS PRESTADORAS DE TELEFONIA FIXA. ESSE DOCUMENTO RECEBE TRATAMENTO CONFIDENCIAL, NOS TERMOS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 39 DA LEI 9.472/97.

A Anatel possui informação atualizada e detalhada do patrimônio das concessionárias, bem como de seus bens reversíveis. Essa informação é encaminhada anualmente, por força do art. 5º do atual Regulamento de Controle de Bens Reversíveis, anexo à Resolução 447, de 19 de outubro de 2006.
A Lei 9.472/97 exige que o contrato de concessão indique os bens reversíveis (art. 93, I). O contrato de concessão original atendeu tal obrigação por meio do Anexo I - Qualificação dos Bens Reversíveis.

O contrato atual exigiu a apresentação anual da relação, conforme regulamentação.

O regulamento de bens reversíveis (Resolução 447/2006) foi editado em 2006, passando a vigorar no ano seguinte.

A Anatel submeteu a debate amplo com a sociedade a proposta de um novo regulamento, por meio da Consulta Pública nº 52/2010, na qual sugere aperfeiçoamentos para assegurar que a alienação ou a oneração de bem não cause prejuízo à continuidade da prestação dos serviços.

A Consulta Pública nº 52/2010 foi analisada pela Procuradoria Federal Especializada no Parecer nº 533/2010/PFS/PGF/PFE, disponível no Sistema de Acompanhamento de Consulta Pública, na internet. No processo decisório, a Procuradoria será ouvida novamente, depois da análise das contribuições da Consulta e antes da deliberação final pelo Conselho Diretor.

A Anatel reafirma que atua em estrita obediência à legislação e à regulamentação vigentes, sempre com o objetivo de atender ao interesse público.

 
A nota da ANATEL revelou três perplexidades, quais sejam:
a) Afirmava que a agência possuía o inventário dos bens reversíveis, sendo que auditoria realizada pela própria agência afirma que este documento não existe e no processo da ação movida pela PROTESTE também afirma que não tinha como possuir os inventários;
b) Alegava que bens imóveis, que pela lei são reversíveis, não são e não serão de titularidade da União, a despeito da previsão expressa do art. 102, da LGT, determinando que, extinto o contrato de concessão serão transmitidos “automaticamente à União a posse dos bens reversíveis” e
c) Alegava que bens imóveis que passaram à condição de desuso poderiam ser alienados sem anuência da ANATEL, em frontal violação ao que dispõem a LGT e as cláusulas 22.1 e 22.2 dos contratos de concessão.

Curiosamente, pouco mais de um ano depois, mudou completamente de posição. Diante da informação divulgada pela jornalista Mariana Mazza, no último dia 16 de maio, na coluna que mantém no portal da Band, de que a Oi colocou a leilão 90 imóveis vinculados a concessão e perguntada pela jornalista, respondeu o seguinte, conforme divulgado na coluna publicada em 18 de maio último:

Muita conversa, pouca ação - por Mariana Mazza

Somente nesta sexta-feira, 18, a Anatel respondeu aos pedidos de esclarecimentos desta coluna sobre o estranho leilão de imóveis promovidos pela Oi. A demora até que valeu à pena, visto que as informações passadas pela agência reguladora não deixam dúvidas sobre a ilegalidade da negociação promovida pela empresa. Vejam vocês mesmos:

"Cara Mariana,
Seguem respostas solicitadas:

Um site de leilões na Internet (Zukerman Leilões - www.zukerman.com.br) está negociando 89 lotes de imóveis declarados como pertencentes à Oi. Os lances iniciais pelos imóveis somam mais de R$ 58 milhões. Isto posto, gostaria de saber:

* A venda desses imóveis recebeu anuência prévia da Anatel?

Não

* Em caso de resposta afirmativa, quais os números das autorizações concedidas e publicadas?

Não houve anuência.

* Caso não exista autorização, a Anatel pode bloquear o leilão dos imóveis? Quais métodos seriam adotados?

Sim. Determinação de suspensão.

* A Telebrás tem autonomia para fechar acordos com as concessionárias e liberar a venda de imóveis antes pertencentes à ela e agora sob uso da Oi?

A competência para anuir a venda de bens pertencentes à concessionária e vinculados à concessão é da Anatel.

* Em caso negativo, a Anatel, como órgão regulador, pode sancionar a Telebrás caso um acordo deste tipo tenha sido fechado?

A Telebrás não possui concessão do STFC, portanto não possui bens reversíveis.

* Qual a posição atual da Anatel sobre a negociação dos bens considerados reversíveis à União? Os imóveis são considerados reversíveis?

Toda alienação, oneração ou substituição de Bens Reversíveis deve, obrigatoriamente, ser objeto de anuência prévia da Anatel.

São considerados Bens Reversíveis os equipamentos, infraestrutura, logiciários ou qualquer outro bem, móvel ou imóvel, inclusive Bens de Massa ou direito, integrantes do patrimônio da Prestadora, de sua controladora, controlada ou coligada, indispensáveis à continuidade e atualidade da prestação do serviço no regime público.

Att.
Assessoria de Imprensa Anatel" 
(...)


Haja contradição!!! Ou, então, o que será que aconteceu?
 
Eu tenho a minha versão. Quando a PROTESTE ajuizou a ação civil pública, bastante divulgada pela rede Bandeirantes, provocou duas reações: a primeira do Ministério Público Federal, que representado pelo Procurador Marcus Marcellus,  encampou a luta pela defesa dos bens reversíveis. A segunda reação, a do juiz federal da causa – Dr. João Luiz de Souza que, apesar de ter indeferido o pedido de liminar da PROTESTE, assim se pronunciou:
 
“Por fim, caso as concessionárias ‘estejam se apropriando de bens públicos’, conforme afirmação de fls. 10, deverão ser responsabilizadas civil e criminalmente por esse ato”.
 
Ora, considerando-se, ainda, que a superintendência de fiscalização da ANATEL, sob a chefia de Edilson Ribeiro dos Santos, demitido no final do ano passado (por que será?), realizou em 2007 fiscalizações e respectivos relatórios dando conta de volumosa e milionária alienação de bens públicos (só consegui ter acesso aos extensos e espantosos relatórios por meio da ação civil pública que a PROTESTE ajuizou), sem que de lá prá cá a ANATEL tenha feito algo para efetivamente brecar as ilegalidades, é claro que a responsabilização pela apropriação indébita sobraria para agência também.

Para mim está claro que, diante das conclusões dos relatórios de fiscalização, ainda em 2008, a ANATEL resolveu “acabar com a visão patrimonialista”, a fim de viabilizar uma transferência de patrimônio Público bilionário para a iniciativa privada e livrar a cara dos envolvidos, plano este levado adiante tanto pelo Embaixador Sardemberg (entrevista a Revista Teletime em ago 2009), quanto pelo atual Presidente da agência – João Rezende (entrevista João Rezende em fev 2012), entre outros (des)servidores públicos que trabalham na ANATEL.

Depois, quando a PROTESTE levantou a lebre das improbidades administrativas relacionadas aos bens reversíveis e que o Ministério Público e o Poder Judiciário passaram a olhar de perto o problema, assim como o TCU, a ANATEL agora voltou atrás, como se pode concluir pelas respostas que a assessoria da agência enviou à jornalista Mariana Mazza.

Mas nós da PROTESTE vamos continuar cumprindo a promessa que fizemos ainda em 2009 (matéria transcrita abaixo): estamos de olho e buscando o quanto for possível, agora com os olhos do Ministério Público e parte da mídia também, proteger os interesses públicos e a democratização dos serviços de telecomunicações.

Flávia Lefèvre Guimarães

---------------------------------------------------------

TELETIME NEWS
[03/06/09]   Anatel inclui, finalmente, cláusula da reversibilidade nos contratos das teles - por Mariana Mazza

A Anatel conseguiu, enfim, convencer as concessionárias a assinar um novo termo aditivo ao contrato de concessão incluindo expressamente a cláusula de reversibilidade do backhaul, incluído como meta de universalização no ano passado.

A reinclusão da cláusula deverá ser sacramentada nesta quinta-feira, 4, com a publicação no Diário Oficial da União dos novos termos aditivos. A agência conseguiu as assinaturas das empresas no dia 15 de maio, mas o encaminhamento à Imprensa Nacional dos documentos só foi realizado nesta quarta-feira, 3.

A cláusula terceira havia sido retirada ad referendum pela Anatel na época da troca das metas, alegando que a citação sobre o retorno desta nova rede à União era supérflua, uma vez que a infraestrutura seria um componente natural da rede de telefonia fixa. A decisão, no entanto, gerou muitos problemas para a Anatel, pois a Justiça entendeu que a existência da citação era necessária para evitar dúvidas futuras sobre a reversibilidade.

Tudo certo

Com a inclusão da cláusula, a Anatel atende as recomendações da 6ª Vara de Justiça Federal do DF e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que se pronunciaram pela necessidade de esclarecimento por parte da agência sobre a reversibilidade do backhaul em
ação movida pela entidade de defesa do consumidor Pro Teste em abril de 2008.

A ausência da cláusula foi peça-chave para que a Pro Teste conseguisse, em novembro do ano passado, uma liminar impedindo a expansão do backhaul como meta de universalização. A Anatel iniciou em janeiro deste ano uma negociação com as concessionárias para colocar expressamente a reversibilidade nos contratos. Mesmo com as críticas feitas pelos desembargadores do TRF1 com relação à retirada da cláusula, a agência negou que a iniciativa estivesse pautada na disputa judicial travada com a Pro Teste. O argumento usado na época era que a autarquia teria analisado a "conveniência e oportunidade" da reinclusão da cláusula.

Apesar disso, a edição de um contrato mais claro passou a ser tratada como fundamental para a derrubada da liminar. O impedimento legal para a implantação do backhaul, no entanto, acabou sendo retirado em abril deste ano, com a aceitação pelo TRF1 de um recurso apresentado pelas concessionárias Oi, Brasil Telecom e Telefônica. Só que a decisão por anular a liminar não tratou da questão da reversibilidade, o que gerou interpretações jurídicas da procuradoria da Anatel que o esclarecimento deste aspecto continuava sendo imprescindível para o setor. Daí a decisão por insistir na reinclusão da cláusula.

Louros

Para a advogada da Pro Teste, Flávia Lefèvre, responsável pela ação civil pública, a reinserção da cláusula já é uma vitória mesmo que o ponto principal do processo não seja aceito: o fim da política de planos de metas de universalização. "Dos males o menor. Pelo menos a gente vai garantir que o backhaul será regulado no regime público e fará parte da lista de bens da União. Isso é muito importante porque estamos falando de uma meta de universalização que poderá usar recursos do Fust e da suada tarifa da assinatura básica.
Então, é justo que essa rede seja nossa, da sociedade", afirmou. Flávia também ressaltou que a Pro Teste continuará acompanhando outras movimentações da Anatel relacionadas com a reversibilidade dos bens, como o projeto de mudança do regulamento específico sobre o assunto e os novos contratos de concessão, que vigoram a partir de 2011. "Vamos acompanhar atentamente a reformulação do regulamento e dos contratos para que fique garantido que não só os bens essenciais sejam reversíveis, mas também todos aqueles que sejam implantados no contexto do cumprimento de metas de universalização."

Mariana Mazza


WirelessBrasil