FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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Outubro 2012              Índice Geral


15/10/12

• Incoerência e irresponsabilidade - por Flávia Lefèvre

Tenho defendido há alguns anos que o modelo de contratação dos serviços de telecomunicações de 1997, definido pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT), já estava ultrapassado na origem, pois o interesse pelo serviço de comunicação de dados e a tendência de convergência de serviços prestados sobre mesma plataforma tecnológica já se mostrava naquela época.

Vale lembrar, aliás, que no Projeto de Lei da LGT a disposição a respeito das concessionárias vinha no art. 80, que trazia uma única restrição: que a empresa fosse constituída sob as leis brasileiras e tivesse sede e administração no Brasil. Ou seja, as empresas poderiam prestar múltiplos serviços. Nesse contexto o sistema Telebrás estava avaliado em R$ 40 bilhões.

O projeto sofreu emendas e terminou com o teor do art. 86, da LGT, que, até o ano passado - edição da Lei 12.495/2011, impedia que as concessionárias do Serviço de Telefonia Fixa Comutada prestassem qualquer outro serviço. E essa limitação já não fazia sentido naquela época e só trouxe prejuízos e atrasos para o país. Por exemplo, por causa desta modificação a avaliação para a privatização caiu para R$ 13,5 bilhões e o resultado do leilão foi a arrecadação de R$ 22 bilhões; ou seja, fomos tungados em quase R$ 20 bilhões e hoje as teles estão podendo prestar todos os serviços sem nenhuma contrapartida.

Em dezembro de 2005 – 7 anos após a privatização e depois de concluída a instalação da infraestrutura necessária para a telefonia fixa em todo o país – o Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU), os contratos de concessão foram prorrogados por mais 20 anos sem nenhuma alteração, fato este também criticado por esta que lhes escreve. A PROTESTE chegou a ajuizar ação civil pública para questionar os termos em que se prorrogavam as concessões, pois várias orientações previstas no Decreto 4.733/2003, que instituiu sobre as políticas de telecomunicações, como a implantação do modelo de custos e regras de compartilhamento de redes não tinham sido cumpridas pela ANATEL.


E naquela época o interesse pela banda larga e pelos serviços prestados de forma convergente, apesar das limitações impostas pelo art. 86, da LGT (antes da alteração introduzida pela Lei 12.495/2011), já era uma realidade notória e incontroversa.

Portanto, acredito que buscar novos caminhos LEGAIS para alterar o modo de contratação com as teles é necessário já há muitos anos. Mas, obviamente, qualquer novo caminho que se cogite deve estar no campo constitucional e trazer ganhos reais para a sociedade brasileira.

Discurso inconstitucional

Mas a ANATEL, para não fugir do script que tem seguido desde sua instalação, começa a falar da revisão do marco legal das telecomunicações pautando-se pelos interesses privados dos fortes grupos econômicos que atuam no setor.

O foco da ANATEL, por si só, já se revela ilegal. Primeiro porque caberia ao Ministério das Comunicações abrir os debates com a sociedade, a fim de definir novas políticas para o setor, como determinam os arts. 84 e 87 da Constituição Federal e art. 14, inc. III, da Lei 9.649/1998.

Segundo porque, além de estar extrapolando os poderes que possui, a agência está sempre agindo ou deixando de agir de modo a garantir que a iniciativa privada se aproprie de bens públicos, como fez quando celebrou os contratos de concessão da telefonia fixa sem relacionar os bens reversíveis e os essenciais para a prestação deste serviço.

O mais novo discurso é antecipar o fim das concessões de telefonia fixa e entregar para a iniciativa privada todo o acervo relacionado a este serviço junto com a preciosa rede, hoje 100% digitalizada, contando com grande parte de fibra ótica, instalada em todo o país, com papel fundamental também para os serviços de telefonia móvel e banda larga.

Aqueles que, como eu, se assustaram com a abrangência das privatizações promovidas no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso e viram o Partido dos Trabalhadores atacar o processo que denominaram de privataria, não poderiam imaginar que, quatorze anos depois, o governo petista iria muito mais longe.

A proposta divulgada recentemente pelo atual Presidente da ANATEL de não só acabar com o regime público, mas também abrir mão do poder de gerenciamento das redes necessárias para a prestação dos serviços é uma afronta ao fato de que é da União a atribuição de garantir o acesso e a continuidade dos serviços de telecomunicações e a modicidade tarifária.

Quais provas as empresas que atuam no mercado deram no sentido de se mostrarem comprometidas com estes princípios e justificar esta postura escandalosa e irresponsável?

As teles concentraram seus investimentos nos mercados com consumidores com capacidade financeira para contratar múltiplos serviços, deixaram de investir como deveriam e praticam as maiores tarifas do planeta, atropelando a modicidade tarifária e os direitos básicos dos consumidores.

Utilizam-se do artifício do ilegal subsídio cruzado (art. 103, § 2º, LGT) para levar os consumidores mais pobres a pagarem maiores tarifas, que financiam os investimentos para a implantação de infraestrutura no local onde moram os consumidores mais ricos, com a anuência expressa da ANATEL.

São empresas que, apesar de se beneficiarem dos empréstimos generosos e bilionários do BNDES, sempre investiram o mínimo possível. Tanto assim que desde 2008 estamos enfrentamos crises sistêmicas pela falta de infraestrutura capaz de responder à demanda da sociedade brasileira.

Além disso, há anos tratam mal os consumidores, como é incontestável pelos números de reclamações nos PROCONS e tribunais de todo o país.

Ou seja, a proposta anunciada pelo Presidente da ANATEL é inconstitucional, pois representa abrir mão do seu papel de titular e responsável última pelas telecomunicações que é da União, e absolutamente inadequada ao quadro de falta de qualidade na prestação dos serviços que nos é imposta hoje.

Cooptação

Esse discurso já foi lançado num balão de ensaio pela boca do Conselheiro Jarbas Valente, no início desse ano, cuja visão do setor sempre esteve bastante afinada com a visão das teles. Agora, temos o presidente da ANATEL – João Rezende, repetindo o mesmo discurso. E, é evidente, lançando novo balão de ensaio; e este com muito mais gás, dado que este conselheiro é compadre do Ministro das Comunicações Paulo Bernardo que, por sua vez, é casado com a Ministra da Casa Civil – Gleisi Hoffmann, que deve levar as versões sobre o setor bem fresquinhas para a Presidente Dilma.

Se antes a ANATEL estava cooptada pelo interesse privado das empresas, há alguns anos ela está também cooptada pelo interesse privado do Partido dos Trabalhadores. Lembremos que o atual presidente da agência, que passou a integrar o Conselho ainda em 2009, foi chefe de gabinete de Paulo Bernardo, enquanto Ministro do Planejamento e, também, foi organizador da campanha de Gleisi Hoffmann para a prefeitura de Curitiba e para o Senado.

Ou seja, autonomia da agência e independência na prática são ficção, pois o Ministro se vale de seu fiel escudeiro para introduzir as ideias que lhe valeram o prêmio do Homem do Ano das Telecomunicações, oferecido pela Telebrasil – Associação Brasileira de Telecomunicações – que reúne as operadoras dos serviços de telecom, pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) e pela Futurecom.

Aliás, significativo que quem tenha entregado o prêmio tenha sido o ex-presidente da ANATEL – Antonio Carlos Valente – hoje Presidente da Telefonica – VIVO e da Telebrasil. 

Desculpa esfarrapada

A desculpa esfarrapada para a proposta lançada sem nenhum suporte institucional pelo Presidente da ANATEL é que a telefonia fixa está morrendo e que não tem mais interesse para os consumidores, o que não justificaria a manutenção dos contratos de concessão do STFC.s.

Quem ainda engole essa desculpa esfarrapada? A tabela abaixo traz informações no sentido de que, mesmo nos países onde a banda larga tem forte penetração, a densidade da telefonia fixa é o dobro do que no Brasil.



Não podemos esquecer que os mais de 200 milhões de linhas móveis que operam no sistema pré-pago estão concentrados nas mãos dos cidadãos que não têm renda para contratar um telefone fixo, que pagam a maior tarifa do planeta pelo minuto, em razão o tráfego de voz da telefonia móvel no Brasil ocupa o penúltimo lugar no ranking mundial.

Outro fato que derruba a desculpa esfarrapada do Presidente da ANATEL é o de que todo mês o Congresso Nacional recebe milhares de e-mails e telefonemas pedindo para acabarem com a assinatura básica.

Sou obrigada a lembrar, ainda, que a meta inicial de 1998 para telefones públicos era de 8,0/1000 habitantes; meta esta que veio sendo reduzida paulatinamente pelo governo e que chegou, pelas mão do governo petista em 2011 a 4,0/1000 habitantes.

Esse mesmo governo petista que resolveu dar aos pobres a inclusão digital pelo serviço móvel pessoal, como está previsto nos Termos de Compromisso do PNBL popular, assinados em julho de 2011, com condições vergonhosas e indignas de qualidade. Não se abre uma página de internet por meio desse serviço, pois os investimentos em 3G estão longe dos patamares necessários para atender a demanda.

A relevância do regime público para a infraestrutura de suporte aos serviços essenciais

Toda conjuntura das telecomunicações hoje, como demonstram as pesquisas promovidas pelo IBGE, CETIC do CGI.br, entre outras, mostram que apenas os cidadãos com mais renda têm tido condições de ter acesso a serviços de telecomunicações com qualidade razoável.

E assim se dá, pois nem o Ministério das Comunicações e nem a ANATEL estão muito preocupados com garantir a democratização do acesso a estes serviços. Parece que a cenoura posta na frente dos políticos e servidores da ANATEL são as eleições presidenciais de 2014 e os empregos que podem conseguir nas empresas reguladas, posto que nem mesmo a lei tem sido considerada pelos responsáveis pelo setor.

De acordo com a LGT, aqueles serviços de interesse público e considerados essenciais devem ser prestados pelo menos do regime público, na medida em que é ele que permite a imposição de metas de universalização, cobrança por tarifa e reversibilidade dos bens necessários para a prestação do serviço, permitindo a segurança de que o Poder Público, diante do fim dos contratos ou de qualquer contingência com as operadoras privadas, poderá assegurar a continuidade.

E a lei assim dispõe justamente para materializar os direitos expressos nos arts. 21, inc. XI e art. 175, da Constituição Federal, que estabelecem que a União é a titular dos serviços de telecomunicações e que incumbe ao Poder Público a prestação dos serviços públicos, ainda que prestados por concessão ou permissão.

Sendo assim, como poderá o Poder Público responder pela garantia do acesso e pela continuidade se abrir mão de todos os instrumentos legais e regulatórios que lhe permitem fixar metas de investimento, de destinação a ser atribuída à infraestrutura e de controle do valor das tarifas?

O plano entreguista que teve como porta voz o Presidente da ANATEL, mas que na realidade tem por trás o Ministro Paulo Bernardo, é inconstitucional e não se coaduna com o que tem dito a Presidente Dilma Rousseff, conforme declaração dada na edição de 20 de maio deste ano ao jornal Brasil Econômico, no sentido de que o Brasil vive um momento de ruptura com a prática de delegar a condução do crescimento exclusivamente às forças de autorregulação do mercado, excluindo o interesse da sociedade nas decisões econômicas, .... Segundo a presidente, o país vive uma benigna transformação de subordinação da lógica econômica à agenda dos valores indissociáveis da democracia e da inclusão social.

Ora, se é assim, como compatibilizar a fala do testa de ferro do Ministro Paulo Bernardo com a seguinte realidade revelada por pesquisa da Fundação Getúlio Vargas publicada no site da Convergência Digital, em 16 de maio deste ano?

“Dez anos depois de apresentar seu Mapa da Exclusão Digital, a Fundação Getúlio Vargas divulgou nesta quarta-feira, 16/5, um novo Mapa da Inclusão Digital – elaborado em parceria com a Fundação Telefônica. Ele demonstra que a 6ª maior economia do planeta, o 5º maior mercado de celulares e o 3º de computadores continua com um imenso fosso digital.

Nos termos da pesquisa apresentada pelo economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, Marcelo Neri, vale dizer que 90% das residências da classe A têm computador e conexão, realidade presente apenas em 2,5% das casas da classe E. A concentração é enorme. De cada 10 lares com computador e acesso, 7 acomodam os brasileiros mais ricos.

"A brecha digital preocupa não apenas porque a distância de oportunidades e de resultados entre providos e desprovidos de acesso à Tecnologia de Informação e Comunicação tende a aumentar numa época de forte inovação tecnológica, mas pela oportunidade de diminuir esta mesma desigualdade através de ações que melhorem a distribuição da quantidade e a qualidade do acesso digital", sustenta o estudo.

Não surpreende, portanto, que desigualdade semelhante seja verificada entre os estados da federação. “Se dividirmos os rankings de acesso em duas partes, na primeira, antes da 11a posição, enxergamos todos os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Na segunda parte deste mesmo ranking, encontramos os estados do Norte e Nordeste”.

A análise com base em municípios persegue a mesma lógica. São Caetano, em São Paulo, é a cidade com maior índice de acesso 74%, seguida por Vitória-ES, Santos-SP, Florianópolis-SC, e Niterói-RJ, “que estão incluídos não por coincidência entre as cinco cidades mais classe AB do país”, diz o Mapa da Inclusão Digital”
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[De cada 100 brasileiros, 65 desconhecem a Internet]

Ou seja, acabar com o regime público não só é inconstitucional, mas também é uma maldade, como aponta Mariana Mazza em sua coluna no portal da Band, publicada em 10 de outubro último. [12 anos antes, governo quer acabar com as concessões]

E, ainda, trata-se de mais um ponto no qual o PT, quando oposição, apresentava um discurso, que hoje no governo, na prática, tem sido bem diferente, para aprofundar o sentimento de traição que muitos de nós nutrimos.

Ora, se o PT até ajuizou ação direta de inconstitucionalidade questionando a LGT e a privatização, como pode, agora, querer acabar com o regime de concessões e entregar o acervo de bens e infraestruturas públicas para a iniciativa privada?

Este é um tema a ser tratado de perto e com muito empenho pelo Ministério Público Federal, pois estamos diante de uma proposta lesa pátria.

Nossa proposta

É incontestável que o modelo precisa ser revisto, mas mantendo a linha do que dispõem a Constituição Federal e o Decreto 7.175, de 12 de maio de 2010, por meio do qual se instituiu o Programa Nacional de Banda Larga, atribuindo a Telebrás o papel de gerenciadora das redes públicas.

Nossa proposta, que tem como base este Decreto, foi apresentada em 23 de agosto deste ano no Conselho Consultivo da ANATEL e parte da premissa de que o regime público, especificamente para os serviços só se imporá em regiões pobres de infraestrutura ou que não despertem o interesse econômico das operadoras. Todavia, não abrimos mão do regime público para as redes de telecomunicações.

Nossa proposta pode ser resumida da seguinte forma:

1. No atual quadro da LGT
- Cumprimento do par. 1º, do art. 65, LGT: regime público para o serviço de comunicação de dados;
- Cumprimento do papel da Telebrás, nos termos do Decreto 7.175, de maio de 2010.

2. Revisão do Marco Legal
- Concessão para implantação de infraestrutura – SEPARAÇÃO ENTRE INFRAESTRUTURA E SERVIÇO;
- Telebrás operando no modelo open reach;
- Serviços prestados em regime misto:
a) regime público, pelo menos, em regiões de pouco interesse econômico e com baixo grau de penetração de infraestrutura;
b) regime privado onde a oferta de infraestrutura já esteja em estado avançado.

E essa proposta não é só da PROTESTE. Outras entidades que integram a Campanha Banda Larga é um Direito defendem o mesmo.

Escuta

Esperemos que a Presidente Dilma ponha em prática o que disse em maio deste ano ao Brasil Econômico.

Que, além de ouvir a porta voz do Ministro premiado pelas teles – sua esposa a Ministra e pré-candidata ao governo do Paraná Gleisi Hoffmann, ouça também a sociedade que vem clamando por espaço de participação cerrado a sete chaves pelo atual governo.

Este governo só tem tido ouvidos para as teles, cujo maior interesse tem sido incorporações, fazer caixa para pagamento de dívidas, como é o caso da OI e remessa de dólares para as filiais estrangeiras poderem se livrar dos efeitos da crise econômica internacional, no mais moderno estilo do colonialismo neoliberal.

O gráfico abaixo, de um artigo do portal Carta Capital,  mostra o crescimento da remessa para o exterior feitas pelas empresa de telecomunicações, nos últimos anos [Caixa forte, sinal fraco]:

Caso contrário, o que nos restará é o Congresso Nacional – que muito poucas alegrias nos tem oferecido – e reza brava ..... muita reza!!!!

Abraço a todos!

Flávia Lefèvre Guimarães

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Transcrição das matérias citadas no texto:

Fonte: Convergência Digital
[16/05/12]  De cada 100 brasileiros, 65 desconhecem a Internet - por Luís Osvaldo Grossmann

Um terço dos domicílios brasileiros tem acesso à Internet, um avanço considerável frente aos 10% medidos há uma década. Mas usar a rede ainda é algo essencialmente restrito aos mais prósperos e de maior escolaridade. Afinal, de cada 100 brasileiros com mais de 10 anos de idade, 65 desconhecem a Internet.

Dez anos depois de apresentar seu Mapa da Exclusão Digital, a Fundação Getúlio Vargas divulgou nesta quarta-feira, 16/5, um novo Mapa da Inclusão Digital – elaborado em parceria com a Fundação Telefônica. Ele demonstra que a 6ª maior economia do planeta, o 5ºo maior mercado de celulares e o 3º de computadores continua com um imenso fosso digital.

Nos termos da pesquisa apresentada pelo economista-chefe do Centro de Políticas Sociais da FGV, Marcelo Neri, vale dizer que 90% das residências da classe A têm computador e conexão, realidade presente apenas em 2,5% das casas da classe E. A concentração é enorme. De cada 10 lares com computador e acesso, 7 acomodam os brasileiros mais ricos.

"A brecha digital preocupa não apenas porque a distância de oportunidades e de resultados entre providos e desprovidos de acesso à Tecnologia de Informação e Comunicação tende a aumentar numa época de forte inovação tecnológica, mas pela oportunidade de diminuir esta mesma desigualdade através de ações que melhorem a distribuição da quantidade e a qualidade do acesso digital", sustenta o estudo.

Não surpreende, portanto, que desigualdade semelhante seja verificada entre os estados da federação. “Se dividirmos os rankings de acesso em duas partes, na primeira, antes da 11a posição, enxergamos todos os estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Na segunda parte deste mesmo ranking, encontramos os estados do Norte e Nordeste”.

A análise com base em municípios persegue a mesma lógica. São Caetano, em São Paulo, é a cidade com maior índice de acesso 74%, seguida por Vitória-ES, Santos-SP, Florianópolis-SC, e Niterói-RJ, “que estão incluídos não por coincidência entre as cinco cidades mais classe AB do país”, diz o Mapa da Inclusão Digital.

Ou ainda: Vitória (80,6%) é a líder das capitais por acesso domiciliar por banda larga, seguida de Florianópolis (77%). Elas são as capitais com maior proporção de classes A e classes AB seguindo o ranking da FGV. Em Boa Vista e Macapá, onde o acesso por banda larga é de desprezíveis 0,36% e 1,69%, lideram o acesso domiciliar discado com 35,4% e 22%,

Desconexão e desinteresse

É quase certo que parte das conclusões do estudo serão usados como álibi pelas operadoras de telecomunicações do país: de que o custo não é o maior impeditivo ao acesso, mas sim o desinteresse, demonstrado por 33,1% dos sem Internet. Em seguida, 31,4% dos excluídos não utilizam porque não sabem. O custo do computador seria o fator excludente em apenas 1,76% dos casos – e o custo da utilização da conexão menos ainda, 0,40%.

O próprio estudo destaca, no entanto, que os números podem levar a uma conclusão apressada sobre o efeito custo no impacto geral. “Interessante é notar que, embora tenhamos constatado que o preço não é o principal impeditivo para o acesso à Internet, justamente a renda estadual parece ditar as posições do ranking estadual e municipal de uso”.

De acordo com o Mapa da Inclusão Digital, "seria possível que, ao possuir baixa renda, o indivíduo não enxergue a importância de ter a Internet como uma alavanca para suas outras habilidades, o que aumentaria a sua produtividade e consequentemente sua renda".

E, ainda, que "se a pessoa não tem acesso a microcomputador, não seria porque ela não tem renda, na maior parte dos casos? Portanto, antes de ela não ter acesso a microcomputador ela não imagina que o custo é elevado demais para que ela possa ter tal acesso?" Conclusão: "A metodologia da pesquisa força a pessoa a tratar as alternativas como independentes, mas o fato é que elas podem se apresentar por demais dependentes".

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Leia na Fonte: Portal da Band / Colunas
[09/10/12]  12 anos antes, governo quer acabar com as concessões - por Mariana Mazza

Existem momentos na vida em que a gente prefere estar enganado mas, infelizmente, não está. Nesta terça-feira, após ler várias matérias sobre a apresentação do presidente da Anatel na Futurecom o maior evento de telecomunicações do país fui obrigada a encarar essa realidade. No dia 28 de setembro escrevi sobre os riscos do processo de verticalização completa do setor de telecomunicações, inaugurado pela unificação de CPNJ das empresas do grupo paranaense Sercomtel. Conclui o texto lembrando de uma conversa que tive com um executivo das teles, anos atrás, sobre os planos das empresas de devolver as concessões bem antes da data final do contrato, em 2025. E que todo esse movimento associado ao CNPJ único podia ser o primeiro passo para que esse plano fosse levado a cabo. Pois saibam que é isto mesmo que está acontecendo.

Como as teles sequer precisam mais se dar ao trabalho de expor suas ideias já que elas e o governo têm tido um alinhamento ideológico impressionante , a notícia foi dada por João Rezende. O presidente da Anatel defendeu que o governo comece a partir do ano que vem uma reforma no modelo das telecomunicações, eliminando as concessões públicas e, com isso, enterrando para sempre temas importantes para a sociedade como os bens reversíveis e a universalização dos serviços públicos. Rezende admitiu que a Anatel não tem nada a ver com isso afinal, uma mudança de marco legal só pode ser feita pelo Congresso Nacional -, mas ainda assim passou o recado.

Na visão da Anatel, o mundo será bem melhor sem um serviço público. Pode uma coisa dessas? Usando a tática de sempre, o presidente da agência usou a falta de ação do governo para justificar a nova maldade. Segundo Rezende, os acessos de telefonia fixa têm caído até 10% ao ano. Esse desinteresse da população teria o poder de desvalorizar a rede usada para a prestação do serviço. E, ai, seguindo a lógica peculiar da Anatel, naturalmente a telefonia fixa deveria morrer como um serviço universal e os bens reversíveis, extintos. Aceitaria o argumento se ele tivesse saído da boca de um executivo, mas de um agente regulador, jamais.

Realmente a telefonia fixa está minguando a cada ano. O motivo é muito simples: quem vai pagar uma assinatura básica de R$ 45, em média, se pode ter um celular pré-pago? Da parte das empresas, é compreensível não querer investir nesse serviço. Mas vamos falar francamente. Sem o devido estímulo, as empresas sempre investirão o mínimo em um serviço público. A meta de uma empresa privada é lucrar e não investir. Se para aumentar o lucro, os aportes precisam ser cortados, sob pena de prejudicar a qualidade do serviço, nenhum conselho de administração se furtará em aprovar a tesourada. Vide a baixíssima qualidade da telefonia móvel serviço que vai muito bem, na visão da Anatel, apesar de a própria agência admitir que a prestação é péssima. Mas a telefonia móvel não tem tarifa, metas de universalização ou briga por bens reversíveis, que tanto infernizam a Anatel. Não importa tirar a única garantia de comunicação prevista na lei para o consumidor. Se for pra tornar a vida da Anatel mais fácil, vamos matar a telefonia fixa.

É inacreditável que a agência reguladora use a queda no tráfego da telefonia como álibi para que as concessionárias parem de investir na rede. Basta lembrar que uma parte considerável dessa infraestrutura fixa é usada para carregar os dados que circulam na oferta de Internet. Mesmo que a banda larga não existisse, as concessionárias assinaram contratos onde se comprometeram a manter essa rede atualizada. E não me lembro de nenhum artigo dizendo que, se ninguém usar o telefone fixo, elas podem sucatear a rede.

O argumento de Rezende não é uma justificativa, mas sim um aval. Não é um eventual sucateamento da rede que justifica o fim dos contratos e dos bens reversíveis, porque os contratos não permitem que as empresas façam isso. É a insistente postura do governo em eliminar o serviço público que permite às empresas não investir. No fim elas sabem que tudo será resolvido em uma canetada.

Se a Anatel está vislumbrando uma queda no investimento das empresas na rede fixa, por que a agência reguladora não pune as concessionárias? Isso é quebra de contrato e, sendo a agência a gestora da concessão, nada mais normal do que processar as companhias que estiverem descumprindo o que foi acordado. Se as pessoas estão deixando de ter um telefone fixo em casa, por que a agência reguladora não toma medidas para tornar esse serviço mais atrativo? Tem muita gente comprando banda larga por ai que, na prática, tem conexão semelhante a de uma linha discada. Se é pra navegar no dial up, vamos dar o direito ao brasileiro de pagar uma conta só, a do telefone fixo.

É óbvio que sou favorável a que todos os brasileiros tenham acesso à banda larga barata, veloz e de qualidade. Mas também é desejável que os consumidores que quiserem a comodidade de ter um telefone fixo em casa possam pagar por esta linha. Tudo tem que caber no bolso e não só os serviços que a Anatel elegeu como os bons.

O conceito de serviço público é uma das coisas mais nobres incluídas na Lei Geral de Telecomunicação (LGT). Mais do que meras palavras, a ideia de um serviço público inclui princípios muito importantes para a sociedade, como a continuidade (a oferta não pode ser interrompida), a modicidade (a procura pela menor tarifa) e a universalização (todos devem ter acesso ao serviço). Se o plano externado por Rezende for levado adiante, a população pode dar adeus a essas garantias. As metas de universalização serão trocadas por compromissos de abrangência, onde a companhia assume a responsabilidade de cobrir uma certa área geográfica ou atender a um número específico de pessoas, mas nada de todo mundo ter o direito ao serviço. Se a oferta for interrompida, as penas são mais leves, afinal, não há como cobrar da companhias a prestação ininterrupta no mercado privado. Por fim, a modicidade tarifária deixa de existir pelo simples fato de que não haverá mais tarifa e sim preço, acertado livremente pela empresa privada. Aos agentes públicos só restará coibir abusos extremos, como o dumping.

É difícil aceitar que um agente público pior, um agente regulador defenda o fim do serviço público sem substituí-lo por nada e com argumentos tão superficiais.

A coincidência entre os planos do governo e os interesses das empresas tem sido efusivamente comemorada pelos executivos das teles. Enquanto o presidente da Anatel falava sobre seus planos para o setor, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, ganhava o prêmio de Homem do Ano das Telecomunicações. Obviamente, o prêmio foi entregue pelas grandes empresas representadas na associação das teles, a Telebrasil, na Abinee e na organização da Futurecom. O presidente da Telebrasil que também preside a Telefônica elogiou a coragem de Bernardo ao entregar o prêmio. O senhor tem tido a coragem e o discernimento para tratar de questões que são sensíveis e delicadas. E não tem se furtado a levar essa discussão à sociedade brasileira, sempre com muita transparência, afirmou Antônio Carlos Valente. Realmente é preciso de muita coragem para apoiar reformas que irão soterrar os pilares que ainda protegem, mesmo que fragilmente, a sociedade brasileira no setor de telecomunicações. E não custa lembrar que, quando Bernardo assumiu o Ministério das Comunicações uma de suas primeiras declarações foi de que ele seria o ministro das teles.

Apesar da perspectiva sombria que as palavras do presidente da Anatel apontam, ainda é possível vislumbrar um efeito positivo disso tudo. Se o governo completar essa reforma legal, talvez os parlamentares percebam que a Anatel não terá utilidade alguma neste novo cenário de liberalismo total.

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Fonte: Carta Capital
[30/07/12] Caixa forte, sinal fraco

Confronto. Após as punições, a Anatel e as empresas discutem um novo plano de investimentos. Foto: Olga Vlahou

Como bem sabem os usuários, os investimentos das empresas de telefonia não têm acompanhado o aumento expressivo da venda de linhas. Os números do setor sugerem que não é por falta de caixa: a remessa de lucros das empresas de telecomunicação para fora do País cresce a cifras parrudas. No ano passado, 2,45 bilhões de dólares foram enviados ao exterior pelas companhias de telefonia móvel, fixa, de tevê por assinatura e de internet, valor 130% maior que em 2010.

Ainda que não haja informações específicas sobre o caixa de TIM, Oi e Claro, recentemente punidas pela Anatel, os números indicam que o setor vive um bom momento, a despeito das dificuldades para usar o celular em várias regiões do País. Foi o segundo ano consecutivo de crescimento no envio de recursos, como havia ocorrido em 2008, quando a crise econômica estourou no mundo desenvolvido. De lá para cá, a receita do setor cresceu 22% e chegou a 182 bilhões de reais.

“O movimento de remessas registrado em 2008 foi uma resposta à crise. E agora está ocorrendo de novo”, diz a advogada Flávia Lefrève, conselheira da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) e ex-integrante do conselho consultivo da Anatel. A prática denunciaria, diz a advogada, uma versão moderna de colonialismo: “Paga-se uma tarifa alta para ter um serviço ruim, para o consumidor ser maltratado e a participação das subsidiárias segurar os lucros das holdings”. A analista Elia San Miguel, da consultoria Gartner, concorda que a prática segue a lógica do mercado: “As vacas gordas ajudam as magras”.

Os números oficiais indicam também que parte dos investimentos saiu do papel. As empresas de telecomunicação investiram 21,7 bilhões de reais no Brasil em 2011, valor 20,5% maior que em 2010. Os aportes não têm revertido, porém, o elevado índice de reclamações com foco em cobranças abusivas, desrespeito a contrato e falhas no serviço, desempenho que colocou as teles no topo do ranking do Procon no ano passado, ao lado dos bancos. Foram as queixas de clientes, por sinal, que levaram a Anatel a suspender as vendas de chips das companhias TIM, Oi e Claro desde a segunda-feira 23, exigindo que estas apresentem um plano de melhora dos serviços.

Foram suspensas as operadoras com mais reclamações, o que afetou a TIM em 19 estados, seguida da Oi em cinco e da Claro em três. Todas entregaram seus planos de ação à agência e aguardam avaliação. “Estamos trabalhando para fechar indicadores com performance e vamos fazer averiguações periódicas para verificar se os objetivos estão sendo atingidos”, diz Bruno Ramos, superintendente da Anatel, que tem se reunido com os grupos de técnicos das empresas.

A medida surpreendeu as operadoras. “A metodologia utilizada pela Anatel para a suspensão não tinha sido definida antes”, diz Carlos Zenteno, presidente da Claro. A companhia informa que pretende investir 3,5 bilhões neste ano em infraestrutura, além de melhorar o sistema de call center, o seu principal problema. “Estamos expandindo o atendimento, mas realmente tivemos alguns problemas.”

A remessa de lucros cresceu com a crise, mas as operadoras reclamam dos ganhos no Brasil

A Anatel faz o acompanhamento de alguns índices de qualidade, como a taxa de queda de ligação, o estabelecimento de chamadas e a velocidade para atendimento das reclamações. A atuação da entidade, como se vê, deixa a desejar.

“As empresas atendem a praticamente todos os indicadores da Anatel por eles estarem defasados. O setor cresceu demais, a legislação não acompanhou. A telefonia móvel não é regulada como um serviço público e por isso não tem metas de universalização ou política de preço, como há na fixa”, diz Rodrigo Abdalla, consultor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Ramos, da Anatel, afirma que a regulação da telefonia móvel protege o usuário, além de exigir abrangência das operadoras. Acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) publicado na terça-feira 24, informa, porém, que a agência cumpriu apenas 27% das exigências feitas em 2006. Segundo o TCU, é preciso aprimorar o ranking de qualidade incorporando dados dos call centers das empresas e informações do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. “A suspensão da venda de chips pode ser eficaz no curto prazo, mas o problema é estrutural e precisa de mudanças na regulação”, avalia Abdalla.

A participação relativa dos investimentos do setor caiu na última década. Em 2001, a parcela era de 11%, e em 2011 foi de 2,7%. Os recursos aplicados pelo setor representavam 0,5% do PIB nacional no ano passado, mas em 2001 a fatia era de 1,9%.

Em defesa da atividade, o SindiTelebrasil, que representa as companhias, argumenta que as operadoras investiram 250 bilhões de reais no Brasil de 2000 a 2010, mesmo com uma relação entre lucro e receita, chamada margem líquida, baixa em comparação a outros setores. A margem no setor estaria em 2,5%, ante 5,6% nos transportes e 8,9% na energia elétrica. Sobre o resultado mais forte em 2001, quando o investimento foi de 24,5 bilhões de reais, Eduardo Levy, presidente do SindiTelebrasil, diz ter sido atípico. “As empresas anteciparam investimentos para poder entrar na disputa de longa distância.”

O crescimento da telefonia no mercado brasileiro tem sido puxado pelo serviço móvel. São vendidos 1 milhão de celulares ao mês, e hoje há 256 milhões de aparelhos conectados. Há dez anos, eram 35 milhões. Relacionar o aumento de usuários com o ritmo dos investimentos não é, porém, uma leitura fiel dos fatos, segundo Levy. Para ele, o avanço da tecnologia e o aprimoramento do serviço reduziram os custos do setor. Uma das provas é que o preço médio do minuto, incluídos os impostos, caiu de 40 centavos no começo de 2009 para 20 centavos no fim de 2011.

O assunto é controverso. Relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) identifica a tarifa de celular brasileira como uma das mais caras entre países em desenvolvimento. Enquanto o valor médio pago por minuto no Brasil foi de 11 centavos de dólar em 2010, os valores na China, na Rússia e na Índia não chegavam a 5 centavos. As companhias argumentam que essa comparação não leva em conta as promoções e os planos que reduzem as tarifas em ligações para fixo e entre as mesmas operadoras.

Na prática, o custo pesa no bolso dos brasileiros, e uma consequência é que aqui o usuário fala menos ao celular do que em países como Colômbia, México, Chile e Argentina.


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