FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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Setembro 2012 Índice Geral
02/09/12
• O "Valor de Uso da Rede Móvel" (VU-M) e a CPI
Diante do atual cenário de falta de
transparência e da sensação que um novo plano está sendo urdido, sem a devida
participação da sociedade, acho importante retomar alguns temas.
Considerando o requerimento de CPI para tratar dos preços da telefonia móvel,
gostaria de divulgar um parecer que fiz para a "Hoje Telecom" a respeito da
interconexão e a LGT.
Abaixo está a transcrição e o documento original pode ser obtido aqui: arquivo .doc
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Flávia Lefèvre Guimarães
PARECER
Consultou-nos a Hoje Telecom a respeito da abrangência das disposições
estabelecidas pelo art. 152, da Lei Geral de Telecomunicações, sob os aspectos
da obrigatoriedade da interconexão das redes de suporte aos serviços de
telecomunicações, no que tange aos seus impactos econômicos, especialmente
quanto aos preceitos que determinam sua disponibilização em termos não
discriminatórios, a preços isonômicos e justos, atrelados aos custos desta
atividade, bem como da atuação da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL,
quanto à garantia do cumprimento das finalidades sociais de máximo
aproveitamento das infraestruturas do setor, com foco na garantia de acesso aos
consumidores e ambiente competitivo.
I - INTRODUÇÃO
1. Procurou-nos a Hoje Telecom, operadora de telefonia fixa Autorizada pela
ANATEL desde 2007, atuando em São Paulo, Rio de Janeiro e Manaus, relatando as
dificuldades que tem encontrado para contratar a interconexão de suas redes com
as redes das principais operadoras móveis – TIM, VIVO, CLARO e OI, especialmente
no que diz respeito ao acesso em condições não discriminatórias, a preços
isonômicos e justos, que estejam atrelados ao custo desta atividade.
2. Foi-nos relatado que as quatro principais empresas que operam o Serviço Móvel
Pessoal (SMP) juntas dominam mais de 80% deste mercado (tanto no que diz
respeito à infraestrutura, quanto market share) e que atuam de forma conjunta,
praticando price squeeze, em afronta aos princípios da livre concorrência, pois
cobram de seus consumidores, especialmente no mercado corporativo, valor muito
inferior ao que cobram dos concorrentes para a interconexão às suas redes; a
diferença entre o preço ofertado ao público e no atacado supera o percentual de
1000%.
3. Recebemos diversos documentos demonstrando que a Consulente tem sido obrigada
a recorrer ao Poder Judiciário para poder exercer o direito de acesso à
interconexão de suas redes as redes das principais operadoras do SMP, em
condições justas, não discriminatórias, isonômicas e com os valores atrelados
aos custos incorridos.
4. Isto porque a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) tem atuado
reiteradamente de forma omissa quanto à sua importante atribuição de promover a
regulação econômica do setor de telecomunicações, com vistas a garantir o
princípio da livre concorrência, pois vem desrespeitando sua obrigação, definida
pela Lei Geral de Telecomunicações (LGT), pelo Decreto Presidencial 4.733∕2003 e
por outras normas editadas por ela própria, de adotar as medidas necessárias
para a implantação de modelo de custos, que já deveria estar em vigor desde
janeiro de 2006.
5. Pesquisando sobre o tema, tivemos acesso à Nota Técnica exarada pela
Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, de março de 2010, em
Representação promovida pela Global Village Telecom Ltda., Intelig
Telecomunicações fLtda., Transit do Brasil Ltda. e Easytone Telecomunicações
Ltda., da qual se extrai alto grau de conflito entre as empresas entrantes no
mercado de telecomunicações e as empresas com Poder de Mercado Significativo
(PMS).
6. O conflito se dá por conta de abuso de direito por parte das principais
operadoras do SMP, conforme conclusão da Secretaria de Direito Econômico, a
ponto de este documento ter servido de base para a recomendação ao Conselho
Administrativo de Direito Econômico (CADE) de julgamento e condenação dessas
empresas pela prática de infração à ordem econômica, tendo em vista “possível
conluio entre concorrentes e criação de dificuldades para a fixação conjunta do
valor do VU-M” (1).
(1) VU-M =
Valor de Uso da Rede Móvel
7. A despeito do ambiente conflituoso e da situação constatada pela Secretaria
de Direito Econômico (SDE), a ANATEL tem se mostrado resistente em adotar
medidas efetivas para pacificar a relação entre as empresas prestadoras de
serviços, em razão do que as demandas da consulente, assim como de outras
empresas entrantes, estão judicializadas e indefinidas.
8. Nesse cenário de tratamento privilegiado às empresas com PMS e insegurança
jurídica, as operadoras com Poder de Mercado Significativo (PMS), têm se valido
de procedimentos administrativos para, com o respaldo da ANATEL, interromperem a
interconexão das redes da Consulente às suas redes, alegando falta de pagamento,
ignorando decisão judicial que a autorizou a depositar o VU-M em juízo, tendo
como referência o preço ofertado ao público, no patamar de R$ 0,03 (três
centavos de reais).
9. Como resultado dos procedimentos administrativos em curso, a consulente foi
notificada no último mês de abril da seguinte decisão da ANATEL:
(...) oficio, a alínea
"c" do Despacho n° 6.409/2011/PBCPD/PBPC/SPB, de 12 de agosto de 2011, a fim de
que seja estabelecido o prazo de até 120 (cento e vinte) dias, a partir da
notificação da presente decisão, para que a HOJE pague à VIVO S/A. CNPJ/MF n°
02.449.992/0001-64, o montante devido a título de remuneração de redes, com base
nos termos do item a" ou do item "b" do referido Despacho, referente ao período
compreendido entre maio de 2010 até a presente data; d) manter as demais
determinações contidas no Despacho n° 6.409/2011/PBCPD/PBCP/SPB; e) determinar
que a HOJE não aumente o número total de assinantes constante de sua base de
clientes, tendo como referência a data da notificação da decisão do Conselho
Diretor em sede de recurso administrativo nos autos do processo n°
53500.005088/2011, até que a empresa cumpra a determinação contida na alínea "c"
do Despacho n° 6.409/2011/PBCPD/PBPC/SPB, reformada nos termos da alínea "c"
deste Despacho; f) determinar que a SPB finalize a presente Reclamação
Administrativa com recomendação de instauração de Procedimento de Apuração de
Descumprimento de Obrigações (PADO) em desfavor da HOJE; e, g) determinar que a
SPB, em conjunto com a SPV, avalie as provas documentais trazidas aos autos,
quanto à denúncia da HOJE sobre possível prática anticoncorrencial para que
sejam adotadas, com a urgência que o caso requer, as providências cabíveis, nos
termos e fundamentos constantes de Análise n° 140/2012 — GCJV, de 16 de
fevereiro de 2012.
JOÃO BATISTA DE REZENDE
Presdente (...)
10. A decisão da ANATEL tem como fundamento interpretação questionável do que
dispõe o art. 152, da LGT, que, de acordo com nosso entendimento, está
desconforme com o que dispõem a Constituição Federal e princípios e orientações
da Lei Geral de Telecomunicações, como veremos a seguir.
II – O CARÁTER PÚBLICO DOS SERVIÇOS E REDES DE TELECOMUNICAÇÃO
O INC. XI, DO ART. 21, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
11. Até julho de 1998, os serviços de telecomunicações eram prestados por
empresas controladas pela holding Telebrás, que por sua vez tinha o controle
acionário titularizado pela União Federal. Esta empresa atuava integrada com
suas subsidiárias regionais e uma subsidiária que operava os troncos a nível
nacional, como concessionária geral dos serviços de telecomunicações: a
telefonia fixa, a telefonia móvel e a comunicação de dados e, portanto,
detentora do poder de gestão sobre toda a infraestrutura das telecomunicações.
12. Ocorreu que, a partir dos anos 1990, iniciou-se a construção de um novo
marco regulatório com o objetivo de promover a reforma do Estado. Foi nesse
contexto que surgiu o Programa Nacional de Desestatização instituído por meio da
Lei 8.031, de 12 de abril de 1990, alterada posteriormente pela Lei 9.491, de 9
de setembro de 1997, a fim de implementar as medidas necessárias para a retirada
do Estado do setor produtivo, o que se deu, dentre outras formas, pela
transferência do controle acionário de empresas prestadoras de serviços públicos
para grupos econômicos privados.
13. Foi desse cenário que se originou a Emenda Constitucional nº 8 de 1995, que,
modificando a redação do inc. XI, do art. 21, da Constituição Federal, manteve a
União na condição de titular dos serviços de telecomunicações, mas viabilizou a
concessão, autorização ou permissão da exploração a empresas privadas:
Art. 21. Compete à União:
XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que
disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e
outros aspectos institucionais;
14. É esse mesmo dispositivo que nos permite afirmar que os serviços de
telecomunicações são atribuições exclusivas da União; tanto os serviços
prestados em regime público delegados por concessão, quanto os serviços
prestados em regime privado delegados por meio de autorizações.
15. E assim se dá uma vez que os serviços de telecomunicações e suas
correspondentes infraestruturas têm importância estratégica para o
desenvolvimento econômico e social e para a segurança do país, constituindo-se
como meio essencial para a concretização de outros direitos elevados ao patamar
de garantias individuais constitucionais e direitos sociais, quais sejam: a
informação e a comunicação, nos termos dos arts. 5º, incs. IX e XIV, e 220, da
Constituição Federal.
16. Sendo assim, o tema ora em tela deve ser analisado de acordo com a premissa
de que estamos falando de serviços com inequívoca natureza pública, aspecto este
preponderante para o trabalho interpretativo de qualquer dispositivo da Lei
Geral das Telecomunicações.
O ART. 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
17. É certo que estamos tratando da interconexão das redes de empresas que
operam serviços prestados em regime privado, tendo em vista o que estabelece o
parágrafo único, do art. 64, da LGT, de acordo com o qual somente a telefonia
fixa, contratada por meio de concessões, é prestada em regime público.
18. A LGT estabeleceu que os serviços de interesse coletivo e que sejam
essenciais (art. 65) devem ser prestados em regime público, com obrigações de
universalização, continuidade e no regime de reversibilidade dos bens afetados à
prestação. Mas estabeleceu também que os serviços poderiam ser prestados
concomitantemente em regime privado.
19. O estabelecimento dos dois regimes se deu com vistas à garantia de ampliação
do acesso aos serviços de telecomunicações, com o estímulo à competição no
setor, já que as operadoras passaram a ser empresas privadas, que têm como
objetivo principal a obtenção de lucro e não a universalização e modicidade
tarifária e de preços.
20. A reestruturação do setor se deu com a celebração de contratos de concessão
que tinham como objeto a telefonia fixa e a telefonia móvel. E as empresas
concessionárias passaram a exercer a posse das redes necessárias para a
prestação dos serviços.
21. A telefonia fixa continua contratada por meio de concessões com prazo de
encerramento em 2025. A telefonia móvel, entretanto, passou por processo
distinto, em virtude do que ficou disposto no art. 3º, do Decreto n.º 2.534, de
2 de abril de 1998, por meio do qual foi aprovado o Plano Geral de Outorgas (PGO)
do Serviço de Telecomunicações prestados no regime público.
22. De acordo com o PGO (art. 1º c/c 3º)
(2)
, ficou estabelecido que a telefonia móvel celular seria prestada no regime
privado, nos termos do Livro III, Título III, da LGT.
(2)
“Art. 3° Aos demais serviços de telecomunicações, não mencionados no art. 1°,
aplica-se o regime jurídico previsto no Livro III, Título III, da Lei n° 9.472,
de 1997.”
23. Foi nesse contexto legal que, a partir de 2003, se deu a adaptação dos
contratos de concessão do Serviço Móvel Celular (SMC) às Autorizações do Serviço
Móvel Pessoal (SMP), de modo que o serviço passou a ser prestado no regime
privado.
24. A leitura atenta do título III da LGT permite verificar que um dos
principais objetivos do legislador foi a promoção da competição. E assim se pode
concluir, tendo em vista o que ficou estabelecido pelo art. 130, da LGT:
Art. 130. A prestadora de serviço em regime privado não
terá direito adquirido à permanência das condições vigentes quando da
expedição da autorização ou do início das atividades, devendo observar os novos
condicionamentos impostos por lei e pela regulamentação.
25. Ou seja, se por um lado as empresas antes concessionárias, com a adaptação
ocorrida, libertaram-se de obrigações típicas do serviço prestado em regime
público, tais como universalização, continuidade, reversibilidade de bens
afetados aos serviços e controle tarifário (arts. 79 a 82, da LGT), por outro
lado passaram a perder garantias correspondentes àquele regime, tais como a
possibilidade de utilização de recurso público como o Fundo de Universalização
para os Serviços de Telecomunicações (FUST) para investimentos voltados para o
crescimento de infraestrutura e preservação das condições econômicas de
exploração do serviço contra alterações no cenário econômico do setor.
26. Destarte, as operadoras do SCM deixaram de estar sujeitas aos preceitos do
art. 175, e passaram a estar sujeitas aos fundamentos e princípios expressos no
art. 170, da Constituição Federal:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado
conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de
elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob
as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer
atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo
nos casos previstos em lei.
27. Por conseguinte, forçoso admitir que as operadoras de telefonia móvel, ainda
que prestem o serviço público SMP em regime privado, estão sujeitas a atuar de
modo a assumirem os riscos típicos da livre iniciativa, a conferirem aos bens de
sua propriedade finalidade social, a respeitarem as regras voltadas para a
preservação da competição dos mercados e à defesa dos consumidores e,
tratando-se de grandes grupos econômicos, admitirem o tratamento diferenciado
conferido pelo Poder Público às pequenas e médias empresas, nos termos do inc.
IX, do art. 170.
28. Aliás, é o que ficou expresso nos Termos de Autorização que firmaram com a
União:
Cláusula 3.2 - A AUTORIZADA prestará o serviço objeto
desta Autorização por sua conta e risco, dentro do regime de ampla e justa
competição estabelecido na LGT, sendo remunerada pelos preços cobrados, conforme
disposto neste Termo de Autorização.
§1º A AUTORIZADA não terá direito a qualquer espécie de exclusividade,
QUALQUER HIPÓTESE DE GARANTIA DE EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO, nem poderá
reclamar direito quanto à admissão de novas prestadoras do mesmo serviço.
§2º A AUTORIZADA não terá direito adquirido à permanência das condições vigentes
com a expedição desta Autorização ou do início das atividades, devendo observar
os novos condicionamentos impostos por lei e pela regulamentação.
§3º As normas concederão prazos suficientes para adaptação aos novos
condicionamentos.
A FINALIDADE SOCIAL DAS REDES DE SUPORTE AOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
29. Seguindo na linha interpretativa, que tem como premissas os arts. 21, inc.
XI e 170, da Constituição Federal, impõe-se a conclusão no sentido de que as
redes de suporte ao SMP devem estar sujeitas ao poder de soberania do Estado e
devem cumprir os princípios estabelecidos para a ordem econômica.
30. Esta afirmação está lastreada pelo que dispõe o art. 174, da Constituição
Federal, que reservou ao Estado o poder de regular a atividade econômica,
estabelecendo que o planejamento será determinante para o setor público,
como é o caso ora em análise.
Art. 174. Como agente normativo e regulador da
atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de
fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor
público e indicativo para o setor privado.
§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do
desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os
planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
31. Nessa direção, importante para o objeto principal deste trabalho levar em
conta o que dispõem os arts. 126 e 127, da LGT, verbis:
“Art. 126 A exploração de serviço de telecomunicações no
regime privado será baseada nos princípios constitucionais da atividade
econômica.
Art. 127 A disciplina da exploração dos serviços no regime privado terá por
objetivo viabilizar o cumprimento das leis, em especial das relativas às
telecomunicações, à ordem econômica e aos direitos dos consumidores,
destinando-se a garantir:
I - a diversidade de serviços, o incremento de sua oferta e sua qualidade;
II - a competição livre, ampla e justa;
III - o respeito aos direitos dos usuários;
IV - a convivência entre as modalidades de serviço e entre prestadoras em
regime privado e público, observada a prevalência do interesse público;
V - o equilíbrio das relações entre prestadoras e usuários dos serviços;
VI - a isonomia de tratamento às prestadoras;
VII - o uso eficiente do espectro de radiofrequências;
VIII - O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DO SERVIÇO DE INTERESSE COLETIVO, BEM
COMO DOS ENCARGOS DELA DECORRENTES;
IX - o desenvolvimento tecnológico e industrial do setor;
X - a permanente fiscalização.
32. O legislador não deixou qualquer margem de dúvidas quanto ao fato de que,
ainda que prestado em regime privado, os serviços de interesse coletivo, como é
o caso do SMP, devem cumprir função social, respeitando o uso eficiente dos
espectros e a isonomia de tratamento entre prestadoras.
33. Inequívoca, por conseguinte, a natureza pública das redes de
telecomunicações, ainda que sirvam de suporte para serviços prestados em regime
privado e integrem a massa patrimonial de empresa privada. Corrobora nossa
afirmação, a doutrina (3)
de Eduardo Augusto de Oliveira Ramires, nos
seguintes termos:
(3) Direito das
Telecomunicações – A Regulação para a Competição, Editora Fórum, Belo Horizonte,
2005, pág. 199 e seguintes.
“4.1. O regime legal das redes de
telecomunicações
O regime jurídico das redes de telecomunicações representa uma ‘pedra de toque’
no modelo setorial, tendo em vista a importância da organização econômica das
redes para o desenvolvimento desta atividade. Na verdade, a atividade de
prestação de serviços de telecomunicação se confunde, pelo menos historicamente,
com a implantação, operação e manutenção de redes de telecomunicações. É natural
associarmos a ideia de prestação de serviços de telecomunicação com as
atividades de instalação de cabos, etc. As peculiaridades econômicas das redes
de telecomunicação, seguramente, estão entre as razões determinantes para que
sua exploração fosse desenvolvida inicialmente em regime de monopólio em todo o
mundo.
Tratava-se do reconhecimento de um ‘monopólio natural’, um tipo de atividade
econômica em que o volume do investimento inicial mínimo exigido para a oferta
de serviços é tão elevado que a escala de vendas, necessária para a sua
amortização mínima, inviabiliza a entrada de um segundo fornecedor no mercado,
sob pena de que nenhum dos dois fornecedores consiga ressarcir seus
investimentos. O desenvolvimento tecnológico e a evolução do capitalismo
financeiro, entretanto, permitiram afastar, em alguma medida, as bases
econômicas desse raciocínio, fazendo surgir e se difundir a política econômica
liberalizadora da oferta de serviços de telecomunicações, em que se admite,
ainda que em condições controladas pelo Poder Público, a multiplicação de
operadores e a duplicação de redes de suporte aos serviços de telecomunicações.
(...)
Embora a duplicação de redes ainda seja uma imposição tecnológica e um
instrumento regulatório para o incentivo à competição, é inegável que a
convergência das plataformas tecnológicas das diversas modalidades de serviços e
sua aptidão para transportar volumes crescentes de informações digitalizadas
afirma a tendência ao incentivo do compartilhamento e otimização econômica das
redes existentes, com importantes reflexos para os preços finais dos serviços.
Os problemas de integração de redes duplicadas, de um lado e os problemas do
compartilhamento da mesma rede por diferentes serviços, de outro, compõem o
complexo cenário da regulação econômica das redes, ora dirigida a incentivar a
implantação de novas redes, ora dirigida a eliminar barreiras à otimização do
uso das redes já existentes.
4.1.1 Os princípios da LGT para o uso das redes de telecomunicações
Conforme já examinamos ao procurar distinguir os serviços de telecomunicações
das atividades que constituem seus insumos ou infra-estruturas, o regime
regulatório incidente sobre as redes de telecomunicação dirige-se aos operadores
de serviços de telecomunicação, estejam atuando em regime público ou privado,
sempre, todavia, no interesse coletivo.
(...)
As redes de telecomunicações representam bens de produção de grande valor não
apenas para a atividade econômica setorial, mas para o funcionamento da vida
econômica e social como um todo. Assim como as redes de suporte constituem o
principal insumo dos serviços de telecomunicações, esses, por sua vez,
representam um insumo fundamental para o desenvolvimento adequado de
praticamente todas as atividades da economia, além de viabilizar a comunicação
social e sua tarefa central à democracia da garantia da livre divulgação do
pensamento”.
34. Ainda com a intenção de deixar marcada a natureza pública das redes de
telecomunicações, imperioso trazermos as disposições dos arts. 145 e 146, da LGT,
insertos no Título IV – Das Redes de Telecomunicações, correspondentes aos
serviços prestados em regime privado:
Art. 145. A implantação e o funcionamento de redes de
telecomunicações destinadas a dar suporte à prestação de serviços de interesse
coletivo, no regime público ou privado, observarão o disposto neste
Título.
Parágrafo único. As redes de telecomunicações destinadas à prestação de serviço
em regime privado poderão ser dispensadas do disposto no caput, no todo ou em
parte, na forma da regulamentação expedida pela Agência.
Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de Livre Circulação,
nos termos seguintes:
I - é obrigatória a interconexão entre as redes, na forma da regulamentação;
II - deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional
e internacional;
III - o direito de propriedade sobre as redes é condicionado pelo dever de
cumprimento de sua função social.
Parágrafo único. Interconexão é a ligação entre redes de telecomunicações
funcionalmente compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes
possam comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela
disponíveis.
35. O respeito aos preceitos expressos nos dispositivos legais acima transcritos
é fundamental para a realização de direitos básicos que a LGT atribui aos
consumidores, “especialmente o direito à liberdade de escolha da prestadora do
serviço e o de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do
serviço (art. 3º, II e III,da LGT)”
(4).
(4) Disciplina
Jurídica da Concorrência e o Acesso às Redes de Telecomunicações, Alexandre
Ditzel Faraco, in Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico,
Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 3, ago-set-out 2005. (http:www.direitodoestado.com.br)
36. Ou seja, a interconexão entre redes de diversos prestadores está
compreendida no contexto da finalidade social que se deve garantir às redes de
telecomunicações.
III – A Interconexão e seus aspectos econômicos
37. Como já vimos acima, nos termos do parágrafo único do art. 146, da LGT:
“Interconexão é a ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente
compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam
comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela
disponíveis”.
38. Trata-se de uma das formas de condicionamento administrativo, estabelecido
nos termos do art. 128, da LGT, justamente para garantir de forma eficiente a
utilidade pública das redes de telecomunicações como vias integradas de livre
circulação. Vejamos o teor do art. 128:
Art. 128. Ao impor condicionamentos administrativos ao
direito de exploração das diversas modalidades de serviço no regime privado,
sejam eles limites, encargos ou sujeições,a Agência observará a exigência de
mínima intervenção na vida privada, assegurando que:
I - a liberdade será a regra, constituindo exceção as proibições, restrições e
interferências do Poder Público;
II - nenhuma autorização será negada, salvo por motivo relevante;
III - os condicionamentos deverão ter vínculos, tanto de necessidade como de
adequação, com finalidades públicas específicas e relevantes;
IV - o proveito coletivo gerado pelo condicionamento deverá ser proporcional à
privação que ele impuser;
V - haverá relação de equilíbrio entre os deveres impostos às prestadoras e os
direitos a elas reconhecidos.
39. Trata-se do fundamento legal para respaldar o direito∕dever do Poder Público
– no caso tanto o Poder Executivo quanto a ANATEL – de impor condicionamentos
voltados ao compartilhamento das redes de telecomunicações, a fim de lhes
conferir máxima e eficaz utilidade.
40. Voltamos à lição de Eduardo Augusto de Oliveira Ramires a respeito deste
aspecto (5):
(5) Ob. cit.,
pág. 206.
“O sentido dessa disciplina vem, então, expressado nos arts. 154 e 155 da LGT.
O primeiro dispositivo assegura a possibilidade de que as redes de
telecomunicações sejam utilizadas, secundariamente, para o suporte de serviços
prestados por terceiros, qualquer que seja o regime jurídico e o âmbito do
interesse da prestação, e o segundo impõe às prestadoras de serviços de
interesse coletivo o dever de ‘disponibilizar suas redes a outras prestadoras de
serviços de interesse coletivo, com vistas ao desenvolvimento da competição, nas
condições e hipóteses que vierem a ser reguladas pela agência. O cotejo dos
dois dispositivos revela que o compartilhamento de redes por diferentes
operadores pode assumir a forma de uma faculdade (art. 154) ou de um dever (art.
155), este último vinculador da agência reguladora à finalidade do
‘desenvolvimento da competição’ no desempenho da tarefa de constituição e
justificação dos condicionamentos aplicados”.
A LIVRE CONCORRÊNCIA COMO PRINCÍPIO INAFASTÁVEL
41. Evidente, portanto, que a organização do setor de
telecomunicações está condicionada ao fato de que, ainda que existam
infraestruturas próprias, públicas e privadas, de titularidade de diversas
prestadoras, a finalidade principal das telecomunicações transforma esse
contexto jurídico numa grande rede unificada de livre circulação, tendo como
última responsável por seu pleno funcionamento a União Federal.
42. Para tanto, conforme o entendimento de Alexandre Ditzel Faraco, expresso no
artigo já mencionado acima, a LGT impôs um dever para a ANATEL:
“O ART. 155 NÃO ATRIBUI À ANATEL UMA COMPETÊNCIA
DISCRICIONÁRIA, NO SENTIDO DE PODER DECIDIR SE IRÁ OU NÃO AGIR QUANDO O ACESSO
FOR FUNDAMENTAL AO DESENVOLVIMENTO DE CONDIÇÕES CONCORRENCIAIS. TRATA-SE AQUI
DE COMPETÊNCIA VINCULADA. EMBORA ISSO POSSA NÃO ESTAR EXPLÍCITO NO TEXTO DO
DISPOSITIVO CITADO, É A INTERPRETAÇÃO MAIS APROPRIADA DIANTE DO DEVER IMPOSTO AO
PODER PÚBLICO PELO ART. 2º, III, NOS TERMOS DO QUAL DEVEM SER ADOTADAS MEDIDAS
QUE PROMOVAM A COMPETIÇÃO E A DIVERSIDADE DE SERVIÇOS”.
43. E esse dever não se exaure apenas com a edição de normas pela agência, mas
também pelo seu trabalho de fiscalização e acompanhamento do desenvolvimento do
setor, adaptando as condutas e revendo normas, sempre que seja necessária a
reorientação de determinado segmento do mercado pelos efeitos que dinâmicas
comerciais possam gerar no equilíbrio do ambiente concorrencial.
44. No caso da interconexão, temos o Regulamento Geral de Interconexão, editado
por meio da Resolução 410, de 11 de julho de 2005, que estabelece nos arts. 7º e
8º:
Art. 7º. As condições para Interconexão de redes são
objeto de livre negociação entre os interessados observado o disposto na Lei n.º
9.472, de 1997, o presente Regulamento e a regulamentação própria de cada
modalidade de serviço.
Art. 8º. Nas negociações destinadas a estabelecer os contratos de
interconexão são coibidos os comportamentos prejudiciais à livre, ampla e justa
competição entre prestadoras de serviço, no regime público e privado, em
especial:
I – a prática de subsídios, para redução artificial de tarifas ou preços;
II – o uso não autorizado de informações obtidas de concorrentes, decorrentes de
contratos de interconexão;
III – a omissão de informações técnicas e comerciais relevantes à prestação de
serviço por outrem;
IV – a exigência de condições abusivas para a celebração do contrato de
interconexão;
V – a obstrução ou demora intencional das negociações;
VI – a coação visando à celebração do contrato de interconexão;
VII – a imposição de condições que impliquem uso ineficiente das redes ou
equipamentos interconectados.
45. Mais especificamente aplicável ao caso ora em análise, temos o Regulamento
de Remuneração pelo Uso de Redes de Prestadoras do Serviço Móvel Pessoal – SMP,
aprovado pela Resolução 438∕2006, por meio do qual a ANATEL estabelece sobre
aspectos relevantes para a garantia da competição em prol do aproveitamento
efetivo das redes de natureza pública, ainda que sejam de propriedade privada,
tais como as previstas nos arts. 11 e seguintes, que tratam sobre os critérios
para o estabelecimento do VU-M de prestadora de SMP pertencente a grupo
econômico com Poder de Mercado Significativo (PMS).
46. Ou seja, existem regras suficientes para garantir que a negociação a
respeito da remuneração pelo uso das redes das prestadoras do SMP, nos termos do
art. 153, da LGT, ocorra de forma equilibrada, até porque existe a previsão de
que, “não havendo acordo entre os interessados, a agência, por provocação de um
deles, arbitrará as condições para a interconexão” (§ 2º).
47. Frisamos, porque fundamental, o fato de que, de acordo com o art. 4º, da
Resolução 480, de 14 de agosto de 2007, editada pela própria ANATEL, a agência
há dois anos já deveria estar definindo o valor de uso da rede móvel, com base
em modelo de custos, quando se tratar de operadora com PMS. Oportuna a
transcrição do dispositivo:
Art. 4º Definir que, a partir de 2010, a Anatel
determinará, com base no modelo FAC, o valor de referência de VU-M (RVU-M) de
Prestadora de SMP pertencente a Grupo detentor de PMS na oferta de interconexão
em rede móvel.
48. Nesse sentido, veja-se o que dispõe o art. 14, da Resolução 438∕2006:
Art. 14. A partir da data estabelecida em Resolução,
a Anatel determinará, com base no modelo FAC, o valor de referência de VU-M (RVU-M)
de Prestadora de SMP pertencente a Grupo detentor de PMS na oferta de
interconexão em rede móvel, que será utilizado como referência quando da
resolução de conflitos relacionados à pactuação do VU-M mencionada no artigo 13,
considerando:
I - os custos correntes incorridos por uma prestadora hipotética
eficiente, apurados por modelo desenvolvido pela Anatel;
II - os custos históricos informados pelas prestadoras e aceitos pela Anatel,
nos termos da regulamentação.
Parágrafo único. A Anatel poderá, oportunamente, determinar o RVU-M com base no
modelo LRIC, conforme regulamentação específica.
Art. 15. A partir da data estabelecida na resolução mencionada no art. 14, o FAC
será recalculado a cada 3 (três) anos.
49. Ocorre que a ANATEL tem se omitido na tarefa que lhe foi imposta pelos
incisos, do art. 2º, da LGT:
Art. 2º O Poder Público tem o dever de:
I - garantir, a toda a população, o acesso às telecomunicações, a tarifas e
preços razoáveis, em condições adequadas;
II - estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos
serviços de interesse público em benefício da população brasileira;
III - adotar medidas que promovam a competição e a diversidade dos serviços,
incrementem sua oferta e propiciem padrões de qualidade compatíveis com a
exigência dos usuários;
IV - fortalecer o papel regulador do Estado;
V - criar oportunidades de investimento e estimular o desenvolvimento
tecnológico e industrial, em ambiente competitivo;
VI - criar condições para que o desenvolvimento do setor seja harmônico com as
metas de desenvolvimento social do País.
50. E assim podemos concluir, na medida em que o ambiente de insegurança
jurídica, conflitos entre as operadoras de serviços, desequilíbrios econômicos e
altos preços tanto os cobrados pela interconexão, quanto os preços cobrados do
público, demonstram que a regulação econômica com base em modelo de custos não
poderia estar sendo negligenciada pela ANATEL.
O DECRETO 4.733, DE 10 DE JUNHO DE 2003
51. Exemplo contundente que ilustra de forma inequívoca a afirmação acima é o
desrespeito reiterado do que dispõem os incs. I, V e VI, do art. 7º, do Decreto
4.733∕2003, que estabelece sobre a política de telecomunicações e dá outras
providências:
Art. 7º A implementação das políticas de que trata este
Decreto, quando da regulação dos serviços de telefonia fixa comutada, do
estabelecimento das metas de qualidade e da definição das cláusulas dos
contratos de concessão, a vigorarem a partir de 1º de janeiro de 2006, deverá
garantir, ainda, a aplicação, nos limites da lei, das seguintes diretrizes:
I - a definição das tarifas de interconexão e dos preços de disponibilização
de elementos de rede dar-se-á por meio da adoção de modelo de custo de longo
prazo, preservadas as condições econômicas necessárias para cumprimento e
manutenção das metas de universalização pelas concessionárias;
V - o acesso ao enlace local pelas empresas exploradoras concorrentes,
prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, será
garantido mediante a disponibilização de elementos de rede necessários à
adequada prestação do serviço;
VI - a revenda do serviço de telecomunicações das concessionárias deverá ser
garantida às empresas exploradoras concorrentes;
52. Vale destacar que a ANATEL está descumprindo não só as disposições do
Decreto ora em tela, mas também o que está estabelecido nos arts. 2º e 3º, do
Regulamento de Remuneração pelo Uso da Rede do SMP e na Resolução 480, de 14 de
agosto de 2007. Vejamos:
Art. 2º. Aplicam-se, para os fins deste regulamento, além
das definições previstas no Regulamento do Serviço Móvel Pessoal e demais
regulamentações, as seguintes:
VI – Modelo de Custos Incrementais de Longo Prazo (LRIC: Long Run Incremental
Costs): modelo de apuração de custos no qual todos os custos incrementais de
longo prazo atualizados a valores correntes relativos a prestação isolada de
determinado serviço, incluído o custo de capital, são distribuídos segundo
princípios de causalidade a todos os produtos oferecidos,considerando um
horizonte de longo prazo que permita considerar os custos fixos como variáveis,
conforme Regulamento de Separação e Alocação de Contas;
VII - Modelo de Custos Totalmente Alocados (FAC, Fully Allocated Costs): modelo
de apuração de custos no qual todos os custos contábeis da prestadora, inclusive
os custos de capital,são distribuídos segundo princípios de causalidade a todos
os produtos por ela oferecidos, conforme Regulamento de Separação e Alocação de
Contas;
VIII - Poder de Mercado Significativo (PMS): posição que possibilita influenciar
de forma significativa as condições do mercado relevante, assim considerada pela
Anatel;
XI – VALOR DE REFERÊNCIA DE VU-M (RVU-M): VALOR RESULTANTE DO PROCESSO DE
APURAÇÃO DOS CUSTOS ASSOCIADOS AO VU-M DE UMA DADA PRESTADORA, UTILIZADO
COMO REFERÊNCIA PELA ANATEL EM PROCESSO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITO ENTRE
PRESTADORAS DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÕES, NOS TERMOS DESTE REGULAMENTO;
53. O dispositivo acima em destaque demonstra que o preço cobrado pela
interconexão, quando se trate de operadoras do SMP pertencentes a grupos
econômicos com PMS, já deveria estar referenciado nos custos efetivos de
operação das redes. Todavia, a ANATEL, para justificar sua inércia, que reverte
em violação grave aos princípios da eficiência e impessoalidade, expressos no
art. 37, da Constituição Federal, afronta outro princípio constitucional – o da
moralidade administrativa, pois afirma que não o faz por não ter instituído
ainda o modelo de custos.
54. O descumprimento do dever de implementação dessas importantes ferramentas de
política de telecomunicações, voltadas para “garantir adequado atendimento na
prestação dos serviços de telecomunicações, estimular a geração de empregos e a
capacitação da mão-de-obra e a competição ampla, livre e justa entre as empresas
exploradoras de serviços de telecomunicações, com vistas a promover a
diversidade dos serviços com qualidade e a preços acessíveis à população” (art.
2º, da LGT), tem causado enorme prejuízo não só para as empresas competidoras,
mas também e especialmente para os consumidores brasileiros.
55. Isto porque, a inexistência do modelo de custos que, de acordo com o caput
do art. 7º, do Decreto 4.733∕2003, deveria estar em vigor desde janeiro de 2006,
tem impedido a regulação econômica de forma eficiente, o que tem implicado na
distorção do modelo definido pela LGT, para a exploração dos serviços de
telecomunicações, propiciando subsídios cruzados ilegais em favor das operadoras
de telecomunicações com PMS, desequilibrando o mercado, como se verá a seguir.
IV – UMA VISÃO DO CENÁRIO ATUAL DO MERCADO
56. A constatação das distorções e desequilíbrio do mercado descritos acima está
expressa no informe 398∕2009-pbcpa∕pbcp, elaborado pela superintendência de
Serviços Públicos, em novembro de 2009, para subsidiar a análise da proposta de
estabelecimento de critérios de reajuste tarifário das chamadas do STFC
envolvendo outros serviços de telecomunicações, sendo valiosa a transcrição de
alguns de seus trechos:
5.3.6.3. Para confirmar este fenômeno,
lembramos que, de 1999 até 2004, o tráfego Fixo-Móvel médio originado, por
exemplo, por terminal da Telemar caiu em torno de 15%. O tráfego Fixo-Móvel
terminado em cada terminal móvel caiu na casa de 70%, o que comprova que a
fruição de tal tráfego constitui prestação de serviço público em declínio e,
portanto, de importância e autossustentabilidade cada vez menor para as
prestadoras fixas e móveis.
5.3.6.4. Tal tendência não está alinhada com as obrigações legais da Anatel, em
especial as de propiciar o desenvolvimento e uso eficiente das redes, bem como
de garantir diversidade de opções para o usuário, pois, por um lado, a planta do
STFC deixa de cursar tráfego (o que representa perda de escala, de eficiência e
de oportunidade de redução de custo a médio-longo prazo) e, por outro lado, a
principal funcionalidade do SMP (a mobilidade) é desperdiçada em prol da fruição
de um tráfego que naturalmente poderia ser cursados pelas redes fixas.
5.3.6.5. Diante deste contexto, entendemos que, sob a perspectiva do
regime público, a tendência de substituição e declínio da fruição do tráfego
fixo-móvel, e agravamento das conseqüências sistêmicas negativas já comentadas,
deve ser revertida com uma estratégia tarifária, a ser iniciada o mais rápido o
possível, que propicie a redução dos VCs (STFC-SMP) para o usuário e melhora da
sua atratividade em relação aos VCs (SMP-SMP) hoje praticados
5.3.7. Convergência dos valores
5.3.7.1. É cediço que o STFC e o SMP são
efetivamente serviços que competem no mercado de voz. Cabe então à Anatel zelar
para que tal competição ocorra em um ambiente equilibrado, sem deformações que
favoreçam uma ou outra parte.
5.3.7.2. Neste diapasão, a impossibilidade da prestadora do ST FC praticar, na
chamada Fixo-Móvel, um preço comparável à chamada Móvel-Fixo afronta o bom
senso.
5.3.7.3. Tal impossibilidade está calcada nos elevados valores cobrados a titulo
de remuneração de redes (VU-M), valores estes que não são observados quando as
prestadoras do SMP definem seus preços de público.
5.3.11.13. Resumindo os números expostos
ao longo deste Informe verificamos que:
• a planta do STFC possuía 12.300.000 acessos em 1994 e tem hoje 41.000.000
acessos;
• o crescimento da planta foi obrigação imposta pelo Plano Geral de Metas de
Universalização;
• restringida pela regulamentação, a única evolução tecnológica do STFC
traduz-se pela digitalização da planta;
• em termos de interconexão, as TU-RL atuais das concessionárias tem os valores
nominais inferiores aos valores praticados em 1995;
• a planta do SMP possuía 755.000 acessos em 1994 e tem hoje 150.000.000
acessos;
• o serviço móvel, inicialmente implantado com o sistema AMPS, sofreu sucessivas
atualizações, migrando para TDMA, CDMA, GSM e tecnologia de 3ª geração;
• em termos de interconexão, os VU-M atuais representam mais do que o dobro dos
valores vigentes em 1994
5.3.11.14. As informações
resumidas no item anterior admitem diferentes interpretações (planta amortizada
versus planta renovada, ganhos de escala, ganhos de escopo, metas de
universalização, etc ) que podem nos levar a diferentes conclusões subjetivas.
Entendemos, contudo, que estabelecendo algumas remissas e considerando que já
temos as informações contábeis enviadas pelas prestadoras do SMP, podemos tratar
objetivamente a questão do valor de uso da rede de prestadora do SMP.
5.3.11.15. Mesmo não se constituindo objeto central deste Informe, oferecemos
uma visão das despesas relacionadas a VU-M com base em procedimentos de análise
dos dados dos DSAC relativos ao ano de 2007, apresentados pelas prestadoras do
SMP, conforme descrito no Anexo II, indicando total viabilidade e oportunidade
de redução de tais valores a exemplo do ocorrido com a TU-RL. Para trabalhar com
dados mais precisos e auditáveis efetuamos a análise considerando os custos
históricos, apresentados no Anexo.
5.3.11.10. Adicionalmente, apresentamos gráfico onde é possível visualizar a
participação de cada componente do VC-1 e sua evolução:
5.3.11.11. Os valores atuais dos
VIJ-M que são encontrados no Anexo I, variam de R$ 0,38077 a R$ 0,45410 e
representam de 71-82% do valor do VC-1
5.3 11.12. O peso do VU-M na composição do VC-1 nos leva a examinar, com
cuidado, os valores vigentes, considerando que, por principio, para preservar o
ambiente competitivo sem distorções, as tarifas de remuneração de uso de rede
têm que ser orientadas a custos e que qualquer desvio deste princípio tem que
ter amparo explícito na regulamentação.
5.3.11.13. Resumindo os números expostos ao longo deste Informe verificamos que:
• a planta do STFC possuía 12.300.000 acessos em 1994 e tem hoje 41.000.000
acessos;
• o crescimento da planta foi obrigação imposta pelo Plano Geral de Metas de
Universalização;
• restringida pela regulamentação, a única evolução tecnológica do STFC
traduz-se pela digitalização da planta;
• em termos de interconexão, as TU-RL atuais das concessionárias tem os valores
nominais inferiores aos valores praticados em 1995;
• a planta do SMP possuía 755.000 acessos em 1994 e tem hoje 150.000.000
acessos;
• o serviço móvel, inicialmente implantado com o sistema AMPS, sofreu sucessivas
atualizações, migrando para TDMA, CDMA, GSM e tecnologia de Sa geração;
•
em temos de interconexão, os VU-M atuais representam mais do que o dobro dos
valores vigentes em 1994.
57. A despeito da consistência e
robustez do documento transcrito acima, o Conselho Diretor da ANATEL não acatou
as recomendações da SPB, motivando sua decisão no falacioso e ilegal argumento
de que a cobrança do VU-M no patamar de R$ 0,40 tem garantido a possibilidade do
crescimento da base de consumidores que contratam o SMP no sistema de
pré-pagamento.
58. Do voto nº 448, de 30 de setembro de 2010, do Conselheiro Jarbas Valente,
emerge o reconhecimento inequívoco pela agência de dois fatos que, além de
expressarem ilegalidades gritantes, refletem injustiças sociais inadequadas à
natureza e finalidades dos serviços públicos, quais sejam:
a) apesar de a universalização da infraestrutura necessária para o STFC ter
ocorrido, os consumidores não conseguem ter acesso ao serviço de voz, em virtude
da ineficiência da agência em promover a modicidade tarifária deste serviço;
b) a telefonia móvel não é mais “um bem de luxo” e passou a ser “um bem
necessário para a sociedade”, mas apesar disto, a ANATEL e o Ministério das
Comunicações não adotam as providências previstas em lei para reparar essas
distorções do modelo; ao contrário, insistem na manutenção das condutas que
levaram às distorções, penalizando fortemente os consumidores brasileiros, que
pagam as tarifas móveis mais caras do planeta e aniquilam a competição, na
medida em que reforçam o PMS dos grandes grupos econômicos que atuam no setor,
garantindo-lhes subsídios artificiais vedados pela LGT.
59. Vejamos trechos do voto do Conselheiro Jarbas Valente:
7. Uma das
questões mais polêmicas atualmente no setor de telecomunicações brasileiro diz
respeito aos valores de remuneração de rede dos serviços, em especial da rede do
serviço móvel, que no caso do Brasil é chamado de VU-M — Valor de Uso de Rede
Móvel
8. A principal polêmica em relação a esse assunto refere-se ao fato de que ele
seria demasiadamente elevado, principalmente em comparação ao valor cobrado para
a terminação em redes fixas, a chamada TU-RL (Tarifa de Uso de Rede Local), que
seria cerca de 10 vezes menor.
9. O alegado valor elevado do VU-M é muitas vezes apontado como o responsável
pelo incremento da tarifa das chamadas fixo-móvel (o chamado VC1), bem como do
preço das chamadas móvel-móvel inter-redes.
70. Apesar de ter surgido como um serviço consumido principalmente pelas classes
mais altas da população, quando se observa uma base de mais de 187 milhões de
usuários com uma teledensidade superior a 96% (dados de julho de 2010), pode-se
concluir que ocorreu uma mudança no perfil de uso do serviço, que saiu de um bem
de luxo para um bem necessário para a sociedade
71. Tal massificação da
telefonia móvel, especialmente entre as pessoas de menor poder aquisitivo, não
se sustentaria sem um valor elevado de VU-M. Isto porque as classes de menor
poder aquisitivo utilizam principalmente telefones pré-pagos (82,36% do total da
base segundo dados de abril de 2010), que possuem característica de gerar
receita não apenas na originação de chamadas, mas principalmente no recebimento
em virtude da taxa de acesso Assim, observa-se que a oferta de modelos de
negócio atrativos para a classe de menor renda foi viabilizada pela manutenção
do patamar de VU-M atualmente praticado.
72. Para ilustrar esse fato, analisando os balanços patrimoniais das prestadoras
do SMP do ano de 2008, verifica-se que a receita média por usuário do serviço
pré-pago, apenas com originação de chamadas, é de cerca de R$ 8,00 (oito reais)
por mês. Observando que a despesa média por usuário, mapeada nos mesmos
balanços, indica um valor mensal de cerca de R$ 25,00, verifica-se também que,
se não houvesse uma receita adicional para as prestadoras, o serviço pré-pago
jamais poderia ser viabilizado. Agregando-se o valor das receitas de
interconexão, o valor da receita média por usuário pré-pago sobe para R$ 16,00
(dezesseis reais), o que mostra claramente que as empresas móveis utilizam-se da
interconexão como um negócio para viabilizai o modelo de prestação do serviço
pré-pago.
73. Como se vê, diversos fatures impactam diretamente no valor da VU-M. Além
destes, outros fatores também merecem especial atenção na presente análise.
89. Em Relação ao ARPU (Receita Média por Usuário), observa-se que os dados
consolidados das empresas para o ano de 2008 apresentaram o seguinte resultado:
90. Em relação às
despesas médias por usuário, que considera o custo operacional liquido sem
depreciação e amortização, consolidadas dos balanços das empresas Tim, Vivo e
Claro de 2008 verifica-se:
DESPESAS 2008.........................................308,46
DESPESA MENSAL................................... 25,70
91. Do ponto de vista de tráfego o gráfico seguinte apresenta a proporção do tráfego intra-redes em relação ao tráfego inter-redes no SMP:
92. A tabela a seguir apresenta mais alguns dados relativos ao assunto:
93. Observando os
dados acima, constata-se:
• Uma dependência ainda elevada das empresas móveis em relação à interconexão;
• Uma tendência crescente do tráfego intra-redes;
▪ Uma lucratividade abaixo do esperado das empresas móveis, ante as grande
obrigações de investimento impostas;
60. Merece destaque o reconhecimento expresso por parte do Conselheiro Jarbas
Valente de que o VU-M está subsidiando o segmento de consumidores que contratam
a telefonia móvel no sistema pré-pago, bem como a utilização deste fato como
premissa para o falacioso raciocínio de que tal prática tem garantido a
massificação do acesso ao serviço de voz.
61. São gritantes as ilegalidades que emergem do voto transcrito acima e que
prevaleceram na edição da norma. Também é surpreendente o fato de que tamanho
descumprimento do princípio da legalidade, com efeitos nefastos para o
desenvolvimento do mercado e para a democratização dos serviços de
telecomunicações, passe impune.
62. Ora, se as prestadoras do SMP estão sujeitas ao regime privado, que se
submete aos fundamentos e princípios dispostos no art. 170, da Constituição
Federal, direcionado à livre iniciativa, como, inclusive, está expresso nos
Termos de Autorização do SMP, qual base legal sustentaria a conduta da ANATEL de
afastar o risco da atividade econômica, em detrimento do tratamento especial que
deveria estar dispensando, para garantir a máxima utilização das redes e da
competição, em prol do interesse público?
63. Certamente não são bases fáticas, na medida em que, tanto o panorama
descrito no Informe 398∕2009 da SPB, quanto os dados levantados por consultorias
internacionais demonstram que os consumidores de baixa renda, camada onde se
concentra a maior parte das linhas contratadas no sistema pré-pago do SMP, são
os mais penalizados pela conduta omissa e resistente da ANATEL em não implantar
o modelo de custos, que já deveria estar em vigor desde janeiro de 2006.
64. Isto porque são os consumidores das classes C, D e E, que contratam o SMP no
sistema pré-pago, por não conseguirem ultrapassar a barreira tarifária do STFC
correspondente à assinatura básica, hoje no patamar de R$ 41,00 (R$ 28,50 sem
impostos), que ficam sujeitos aos preços por minuto mais caros do planeta,
conforme tabela abaixo.
65. O quadro de desequilíbrio descrito acima pelos documentos exarados pela
ANATEL tem implicado em alto grau de conflito entre as operadoras com PMS e as
competidoras, sendo que estas, diante da conduta omissa adotada pela ANATEL para
o enfrentamento do problema, passaram a buscar outras instâncias, como a
Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, para obter soluções.
66. A Global Village Telecom Ltda., Intelig Telecomunicações Ltda., Transit do
Brasil e Easytone Telecomunicações Ltda., em 2007, promoveram na SDE
representação em face de Americel S.A, Claro S.A., Tim Brasil Serviços e
Participações S.A., TNL PCS S.A. e VIVO S.A., tendo como objeto as práticas
anticompetitivas associadas à cobrança do VU-M, tendo o órgão se pronunciado nos
seguintes termos:
34. Assim, como os serviços não são completamente substitutos, eles não devem fazer parte do mesmo mercado relevante Entretanto, a análise dos dois mercados deve ser feita em conjunto, uma vez que os Grupos Econômicos com maior podei de mercado nos dois mercados têm outorga para os dois Serviços, além de se atentar para a manutenção de condições pata que a infraestrutura do STFC não se torne ociosa.
48. Dessa forma, a
redução ou aumento das taxas de interconexão serão provavelmente refletidas de
maneira contrária sobre os preços de público Assim, uma diminuição na taxa de
acesso (VU-M), muito provavelmente elevaria os preços das chamadas originadas ou
de algum outro serviço ou facilidade Esse efeito pode ser especialmente notado
caso os valores fixados estejam abaixo do custo, pois há um prejuízo para cada
chamada recebida, gerando um desincentivo para prestação do serviço Essa é uma
das razões pelas quais o desenvolvimento de modelo de custos é importante para
uma avaliação mais segura do impacto de alguma intervenção.
49. Desta forma, há que se observar se uma redução no VU-M irá beneficiar os
consumidores do SMP, em especial os de Planos de Serviço pré-pagos e dos outros
serviços, tendo em vista um possível aumento dos outros preços na originação de
chamadas.
50 Por outro lado, a recuperação de receitas pode vá em um incremento de preços
e receitas de novas possibilidades de serviço, como envio de SMS, comunicação de
dados, possibilidade que teve grande expansão nos últimos anos devido à entrada
no mercado das tecnologias "3G"
169. No mercado alvo, tão importante quanto a quantidade de chamadas originadas
de cada uma das redes dos competidores, é conhecer quão grande é cada uma das
redes. Isso porque quanto maior a rede de uma empresa, maior será o seu poder de
barganha na negociação com outra para a terminação de chamadas. Em número de
acessos, a participação de cada uma das redes, considerando-se o agregado dos
mercados geográficos nos quais atuam é de:
Vivo...........24 %
Tim............19 %
Oi..............27 %
Claro..........20 %
Telefonica....5 %
GVT ...........1%
Fonte de dados brutos (números de acessos): Teleco
171. No mercado de terminação de chamadas em telefones
móveis, conforme mostrado acima, iniciada uma chamada destinada a um número, não
se pode escolher a rede na qual ela será terminada. Assim, cada operadora é
monopolista na sua rede. Esse fato possibilita a conduta de cobrar taxas de VU-M
excessivamente altas.
180. Em 2006,
ficou estabelecido que, a partir de uma data posteriormente fixada, o valor do
VU-M cobrado por empresas que tenham poder de mercado substancial seria definida
pela ANATEL com base em um modelo de custos totalmente alocados. Em 2007,
definiu-se que esse modelo entraria em vigor a partir de 2010. No entanto, a
ANATEL ainda não concluiu a contratação da empresa de consultoria que irá
apoiá-la na implementação do modelo de custos para o cálculo do valor do VU-M.
De acordo com a publicação Tele.síntese (25), "a licitação internacional,
feita por intermédio da UIT, parece que finalmente vai ser concluída ainda neste
trimestre [primeiro trimestre de 2010]. Se essa projeção se confirmar, a
previsão mais otimista é de que os primeiros números dos custos das celulares
comecem a ser conhecidos em 2012" (grifos nossos).
182. Percebe-se, assim, que desde 2004, o preço do VU-M é livremente negociado
entre as operadoras e não reflete o custo do uso da rede, conforme manifestação
da própria ANATEL (fls. 3191 — verso). Ressalte-se que o único limite à fixação
do valor do VU-M é o valor do VC-1. Desde 2004, quando foi adotada a livre
pactuação, a tarifa foi aumentada apenas uma vez, em 4,5%, de modo que o VU-M
varia entre RS 0,3960 e R$ 0,4713 (parecer Tendências, Fls 4352).
11.3 Análise da
prática de estrangulamento das margens dos concorrentes
184. Conforme salientado na nota técnica de instauração do presente processo
administrativo, não se pretende aqui discutir qual é o valor adequado para o
VU-M, mas apurar se as empresas representadas engajaram-se em alguma prática
excludente, apta a elevar o custo dos rivais, utilizando-se do VU-M para tanto.
Se comprovada, essa conduta enquadra-se no art. 20, I, III e IV, c/c art. 21, V,
ambos da Lei n°8.884/94.
185. De acordo com a representação da GVT, as representadas praticam preços de
público para as chamadas intra-rede em valores bastante inferiores aos valores
cobrados pelo VU-M. Essa conduta dificultaria em sobremaneira a atuação no
mercado das autorizatárias do STFC, em especial aquelas sem braço móvel, que
precisam necessariamente realizar ligações fixo-móvel para oferecer o serviço de
telefonia fixa para os seus clientes.
186. Com vistas à análise dessa prática, cabe inicialmente discutir a
importância da interconexão para a competitividade das empresas no mercado
relevante de originação de chamada para a rede móvel.
209. Portanto,
entende-se que está comprovada a prática reiterada de preços de público com
valores bastante inferiores aos valores cobrados do VU-M por parte das
representadas Vivo Claro e Tim. Essa conduta eleva artificialmente o custo de
operação no mercado das autorizatárias de STFC, sem braço móvel, produzindo
efeitos deletérios sobre a livre concorrência no mercado. Vale ainda dizer que
essa prática aumenta os incentivos para que os usuários conectem-se às redes com
maior número de clientes, já que a realização de chamadas inter-redes é onerosa.
As economias de rede, que tomam difícil a contestação do poder de mercado de uma
empresa dominante, são ainda mais ressaltadas. Fica, assim, claro o caráter
excludente e de dominação do mercado da prática aqui investigada.
210. Cabe ressaltar que essa prática de estrangulamento de margens produz
efeitos típicos de uma prática predatória no mercado, com a grande diferença de
não implica perdas de curto prazo para as empresas que a praticam. Conforme já
discutido neste parecer, as empresas de telefonia atendem a dois grupos
distintos de consumidores. Em um lado, estão seus usuários finais. No outro, as
empresas que precisam terminar chamadas em sua rede e que não têm
alternativa a não ser pagar o preço determinado pela proprietária da rede. Cobrar preço equivalente a de um monopólio para o segundo grupo distorce a competição no mercado de telefonia, mas não resulta em perdas no curto prazo para quem cobra. Ao contrário, é provável que o preço cobrado seja resultado do exercício de maximização do lucro de cada firma.
67. Forçoso reconhecer, então, que estão reconhecidas por órgãos públicos
situações ilegais que decorrem de distorções no mercado, presentes há anos em
nosso país, sem que a ANATEL adote as medidas necessárias para reequilibrar a
relação entre os agentes econômicos e consumidores, insistindo em manter o
subsídio ilegal e inviabilizar a entrada de novas empresas competidoras, como
está bem ilustrado pela penalização que impôs a Hoje Telecom, no último mês de
abril.
V – O SUBSÍDIO CRUZADO PROIBIDO PELO ART. 103, § 2º DA LGT
68. A exposição de motivos da LGT dedicou muita atenção às distorções que o
subsídio cruzado, na modelagem instituída em 1997, pode causar para o setor de
telecomunicações, especialmente no que diz respeito à competição:
Com relação às regras básicas para assegurar que a
competição seja justa, elas podem ser resumidas nas seguintes:
- interconexão obrigatória das redes que prestam serviços destinados ao público
em geral;
- acesso não discriminatório dos clientes aos prestadores de serviços que
competem entre si;
- plano de numeração não discriminatório;
- possibilidade de acesso dos concorrentes às redes abertas em condições
adequadas;
- eliminação dos subsídios cruzados entre serviços;
- regulação tarifária dos operadores dominantes;
- direitos de passagem não discriminatórios;
- resolução dos conflitos entre operadores pelo órgão regulador.
(...)
Como já salientado anteriormente, é essencial que o mecanismo de
financiamento não crie vantagens nem desvantagens para nenhum dos operadores,
mas que distribua o ônus de forma eqüitativa sobre todos eles. Das cinco
alternativas de financiamento possíveis, apontadas a seguir, apenas a primeira e
a última atendem, entretanto, essa premissa:
a) subsídios governamentais diretos. Nessa hipótese, haveria recursos do
orçamento fiscal destinados a financiar o serviço universal na área de
telecomunicações. Embora do ponto de vista puramente econômico esta seja uma
opção perfeitamente defensável, pelos benefícios que o acesso aos serviços de
telecomunicações poderá trazer para a população, são evidentes as dificuldades
de natureza política para justificar a destinação de recursos a esse
setor em detrimento de outros de prioridade certamente maior do ponto de vista
social;
b) subsídios implícitos no preço de venda das empresas. Nesse caso, as
obrigações de atendimento seriam impostas às atuais empresas estatais e, no
momento de sua privatização, o comprador descontaria, do preço a ser por ele
pago, o correspondente ao déficit em que incorreria futuramente com o
cumprimento da obrigação. Além de difícil operacionalização, essa alternativa
certamente implicaria em problemas com os acionistas
minoritários;
c) subsídios cruzados internos à empresa. Nessa opção, a empresa com a
obrigação de prestar o serviço universal financiaria o déficit correspondente
através da maior rentabilidade obtida dos clientes mais atrativos
economicamente. Trata-se de uma alternativa insustentável num ambiente
competitivo;
d) subsídios cruzados externos (entre empresas). Nessa alternativa, as
empresas não incumbidas de prestar o serviço universal participariam de seu
financiamento pagando àquelas empresas que tivessem essa obrigação taxas de
interconexão maiores do que os custos efetivos da interconexão. Esse mecanismo
pode eventualmente funcionar, em condições bastante específicas e por prazos
pré-definidos. Entretanto, sua adoção estimula o bypass da rede da operadora com
obrigação de prestar o serviço, e poderá levar a distorções imprevisíveis no
mercado;
e) criação de um fundo específico. Nesse caso, todas as operadoras participariam
do financiamento das obrigações de serviço universal, através de uma
contribuição proporcional a suas respectivas receitas. O órgão regulador seria o
responsável por administrar esse fundo, definir o valor das contribuições e
escolher, de forma adequada, a empresa a ser incumbida da prestação do serviço
universal em cada situação específica. Por ser politicamente mais simples, essa
opção é a que parece ser a mais recomendável.
69. Está claro, porém, que a ANATEL vem agindo contra as orientações do
legislador, propiciando subsídios que afrontam o art. 103, § 2º, da LGT, que
deve ser interpretado no contexto da exposição de motivos transcrita acima:
Art. 103. Compete à Agência estabelecer a estrutura
tarifária para cada modalidade de serviço.
§ 2º São vedados os subsídios entre modalidades de serviços e segmentos de
usuários, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 81 desta Lei.
70. A situação fica ainda mais grave quando constatamos que as operadoras
dominantes de redes e detentoras de PMS, com relação aos serviços públicos e
privados, vêm passando por processos de incorporação societária e unindo suas
operações, como no caso mais recente do Grupo Telefonica – agora denominado no
Brasil de Vivo, que passou a integrar a operação de todos os serviços: STFC, SCM,
SMP e SeAC, o que foi possível com a alteração do art. 86, da LGT, ocorrida por
conta da Lei de Audiovisual nº 12.485, editada em 12 de setembro de 2011. Essa
dinâmica está ocorrendo com todas as principais operadoras, que já estão
providenciando a unificação de todas as empresas do grupo numa única empresa.
71. Esse cenário somado à ausência de modelo de custos tem implicado em
subsídios cruzados ofensivos à legislação do setor, como vimos acima, e com
efeitos perversos tanto para os direitos dos consumidores quanto para a
concorrência.
72. O Informe 427∕PBCPD∕PVCPC∕CMLCE∕PBCP∕PVCP∕CMLC∕SPB∕SPV∕SCM, de 5 de dezembro
de 2008, elaborado para instruir o procedimento de anuência prévia para a
aquisição pela Telemar - OI do controle acionário da Brasil Telecom, corrobora a
afirmação acima. Vejamos:
Entretanto, apesar do crescimento proporcionado pela privatização do setor, a expansão de redes backbone ocorreu de modo extremamente desigual no plano territorial: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte c Brasília, regiões com maior demanda por serviços de telecomunicações e que concentram a maior parte da renda do Brasil, receberam a maior parte dos investimentos Enquanto isso, a Região Norte do país, onde considerável parte da população é servida por enlaces de rádio digital, o que confere maiores problemas às (...)
Quanto aos
investimentos, pode-se depreender do gráfico abaixo que os investimentos no
serviço local tiveram seu pico no ano de 2001 e vêm mantendo um nível estável,
em torno de 2 bilhões de reais por ano (provavelmente para manter o nível de
operação).
A modalidade Longa Distância vem tendo investimentos decrescentes Além disso, o
gráfico evidencia um comportamento de tendência, no limite, a zero
Por outro lado, verificamos que os investimentos em Dados tiveram seu montante
mais expressivo no ano de 2005, o que evidencia uma expansão do serviço prestado
em regime privado nos últimos anos.
É possível, ainda, inferir,
a partir dos dados disponíveis abaixo, que o montante global de investimentos
realizados no serviço de Dados corresponde a um percentual de 80% do total de
investimentos realizados na Concessão Local, fato que indica que grande parte
dos resultados das empresas foi utilizada no "financiamento" de um serviço
prestado em regime privado.
Isto pode ser corroborado pela crescente número de acessos compartilhados ADSL
que, nas empresas envolvidas na operação, crescem a uma taxa media anual de
36,8% desde 2004.
73. Em resumo, podemos concluir que os fins expressos pela LGT, de aumentar a
eficiência do setor, com a introdução de múltiplos operadores, fomentando a
competição, a melhoria da qualidade, a redução de tarifas e preços e a ampliação
do acesso aos serviços aos cidadãos brasileiros, estão sendo contrariados, assim
como os fundamentos e princípios do art. 170, da Constituição Federal, em favor
da defesa de interesses privados, principalmente quando de trata da regulação
econômica dispensada à remuneração pelo uso das redes das operadoras de SMP com
PMS.
VI – O ART. 152, DA LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES
74. Diante do grau de ilegalidade que envolve hoje as condições de acesso à
interconexão e o nível de conflito claramente configurado, impõe-se a análise a
respeito da interpretação conferida pela ANATEL ao art. 152, da LGT, na medida
em que foi este o dispositivo legal que serviu de principal fundamento para os
pedidos administrativos e judiciais formulados pela Hoje Telecom, que causaram
reação das operadoras com PMS de SMP e a respectiva medida punitiva imposta pela
agência à Consulente, como já foi visto na parte introdutória. Vejamos o que
dispõe o referido dispositivo legal:
Art. 152. O provimento da interconexão será realizado em
termos não discriminatórios, sob condições técnicas adequadas, garantindo preços
isonômicos e justos, atendendo ao estritamente necessário à prestação do
serviço.
75. Tendo em vista a ação ajuizada pela Hoje Telecom, em junho de 2010, em face
das Operadoras Móveis, perante a Justiça Estadual do Amazonas, sendo
posteriormente remetida para Justiça Federal daquele Estado, por conta do
ingresso da ANATEL como litisconsorte passivo, que tem como objeto a fixação do
valor do VU-M em parâmetros isonômicos, não discriminatórios e justos, de modo a
atender “ao estritamente necessário à prestação do serviço”, a Procuradoria
Federal Especializada enviou Memorando a agência solicitando esclarecimentos a
respeito do entendimento sobre a viabilidade ou não de obtenção de lucro pelas
operadoras de SMP, por intermédio da remuneração recebida pela interconexão,
tendo em vista o teor do art. 152.
76. Em resposta à Procuradoria, a ANATEL afirma que aquela expressão tem
implicações exclusivamente técnicas e não econômicas. Vejamos:
4. Entretanto, a natureza do supracitado trecho do art. 152 da LGT não se refere ao conceito de que os preços de interconexão devem se ater ao estritamente necessário para a cobertura dos custos da operação de transporte da chamada na rede. O termo "atendendo ao estritamente necessário à prestação do serviço" tem estrito conteúdo relacionado à capacidade de rede ou estrutura da rede ou, ainda, componentes da rede, conforme se pode constatar na redação da Exposição de Motivos n° 231/MC que encaminhou o Projeto de Lei Geral das Telecomunicações Brasileiras, elaborada pelo Ministério das Comunicações, expedida em 10 de dezembro de 1996:
5. Dessa forma,
fica claro que o trecho "atendendo ao estritamente necessário à prestação do
serviço" foi introduzido pelo Legislador com o intuito de evitar que as
prestadoras que detenham poder de mercado no fornecimento de interconexão de
redes de telecomunicações impusessem de forma unilateral às prestadoras
solicitantes de interconexão, com o objetivo de onerá-las anticompetitivamente,
componentes de rede desnecessários a uma interconexão eficaz ou negar o
fornecimento, obrigando-as a construir redes próprias, gerando ineficiência
alocativa para o setor.
I:\ A_20 I 2_06C_Memos
Expedidos_SPV\MAC12_PRC_Resposta ao Men. nº 93-2012-PGF-PFE-Anatel_Hoje_VU-M.docx
77. A interpretação conferida pela ANATEL ao texto legal não se sustenta sequer
pelo aspecto gramatical. O art. 152 deve ser lido da seguinte forma:
O provimento da interconexão será realizado: a) em termos
não discriminatórios, b) sob condições técnicas adequadas, c) garantindo preços
isonômicos e justos QUE atendam ao estritamente necessário à prestação do
serviço.
78. É evidente que a expressão “atendam ao estritamente necessário à prestação
do serviço” está relacionada ao terceiro requisito, até porque as questões de
natureza técnica estão contempladas no segundo requisito.
79. Tanto é inconsistente a interpretação proposta pela ANATEL, que, de forma
claramente contraditória, no mesmo documento admite o seguinte:
16. Em
conformidade com o art. 14 do Regulamento de Remuneração pelo Uso de Redes de
Prestadoras do Serviço Móvel Pessoal — SMP, a Anatel publicou a Resolução n"
480, de 14 de agosto de 2007, que aprovou o prazo para apresentação, pelas
detentoras de PMS na oferta de interconesão em rede móvel, do Documento de
Separação e Alocação de Contas (DSAC). A Resolução n" 480 dispôs, em seu art.
4º:
Art. 4" Definir que, a
partir de 2010, a Anatal determinará, com base no modelo FAC. o valor de
referência de VU-A (RVU-M) de Prestadora de SMP pertencente ao Grupo detentor de
PMS na oferta de interconexão em rede móvel.
17. Desta forma, o valor de referência de VU-M (RVU-M) deverá, futuramente, ser
determinado, com base no modelo FAC.
18.3. Caso não
sejam apresentados à Anatel os novos instrumentos de pactuação da VU-M e da VU-T
(em função destes reajustes do VC-1, VC-2 e VC-3) em até 20 (vinte) dias
contados a partir da publicação do Ato de reajuste do VC-1, VC-2 e VC-3, o §6"
do art. 70 do Regulamento anexo à Resolução n° 576/2011 determina que a Anate)
fixe os novos valores de VU-M ou de VU-T, abatendo do valor atual, valor
equivalente à média ponderada das reduções dos VC-1, no horário normal,
considerando como ponderadores as quantidades de acessos em serviço dos
diferentes setores da concessionária no mês de dezembro do ano anterior.
80. As primeiras perplexidades e inconsistências que chamam a atenção na
manifestação da ANATEL é a afirmação de que “o valor de referência do VU-M (RVU-M),
deverá, futuramente, ser determinado, com base no modelo FAC”.
81. Isto porque esta manifestação é datada de 06 de maio de 2012, mas o prazo
estipulado pelo art. 4º, da Resolução 480 é 2010. Sendo assim, qual o
significado do vocábulo futuramente, se o prazo estabelecido pela agência
para ela mesma estabelecer o valor de referência do VU-M de acordo com modelo de
custos já se esgotou?
82. Ou seja, a ANATEL admite que existe toda uma sistemática normativa,
construída para atender a disposição constante do mesmo art. 152, qual seja:
“garantindo preços isonômicos e justos”, estabelecida sabiamente pelo legislador
para garantir um ambiente competitivo no setor, bem como a função social da qual
estão imbuídas as redes de telecomunicações, sejam públicas ou privadas, tendo
em vista a inequívoca natureza pública que possuem, como já vimos anteriormente.
83. Aduzimos, ainda, que interpretação do art. 152, da LGT, deve ser feita de
forma sistemática com o art. 127, da mesma lei, impondo que a disciplina dos
serviços prestados em regime privado deve garantir, vale repetir:
I - a diversidade de serviços, o incremento de sua oferta
e sua qualidade;
II - a competição livre, ampla e justa;
III - o respeito aos direitos dos usuários;
IV - a convivência entre as modalidades de serviço e entre prestadoras em
regime privado e público, observada a prevalência do interesse público;
V - o equilíbrio das relações entre prestadoras e usuários dos serviços;
VI - a isonomia de tratamento às prestadoras;
VII - o uso eficiente do espectro de radiofrequências;
VIII - O CUMPRIMENTO DA FUNÇÃO SOCIAL DO SERVIÇO DE INTERESSE COLETIVO, BEM
COMO DOS ENCARGOS DELA DECORRENTES;
IX - o desenvolvimento tecnológico e industrial do setor;
X - a permanente fiscalização.
84. Por conseguinte, o lucro legítimo a ser obtido pelas operadoras de SMP com
PMS deve se originar da exploração do serviço objeto dos respectivos Termos de
Autorização, pela exploração industrial do serviço ou pela revenda, mas não pela
cobrança para a realização de interconexão das redes de telecomunicações, posto
que, como está expresso no art. 146, e inc. I, da LGT, as redes devem ser
organizadas como “vias integradas de LIVRE CIRCULAÇÃO, SENDO OBRIGATÓRIA A
INTERCONEXÃO”.
85. Interpretação diversa implica em contrariar as finalidades de garantias ao
cumprimento da função social das redes de telecomunicações e de ambiente
competitivo expressas na LGT.
86. Tanto é assim que o Decreto 4.733∕2003, como vimos acima, estabelece, nos
incs. I, V e VI, do art. 7º, que preços e tarifas de interconexão serão
DETERMINADOS de acordo com O MODELO DE CUSTOS DE LONGO PRAZO, que já deveria
estar em vigor desde janeiro de 2006.
87. É certo que, em virtude de o Brasil ainda depender de fortes investimentos
em redes de suporte aos serviços móveis de telecomunicações, especialmente
porque o atual governo atribuiu à rede móvel 3G e 4G papel preponderante para a
inclusão digital, os termos dos contratos para a delegação dos serviços da União
para os entes privados têm-se dado de forma bastante vinculada à infraestrutura.
88. Todavia, essa circunstância não é suficiente para permitir a confusão entre
as disciplinas dispensadas à exploração dos serviços e a disciplina dispensada à
exploração da infraestrutura; ou seja, serviço e infraestrutura não se
confundem, ainda que estejam intimamente vinculados.
89. Portanto, a posição apresentada pela ANATEL, em maio de 2012, com a dinâmica
de incorporações societárias envolvendo a convergência de serviços sobre mesmas
plataformas por parte de 4 grandes grupos econômicos que detêm volume massivo e
preponderante de infraestrutura e market share, e estando a agência ilegalmente
omissa na sua atribuição de estabelecer o VU-M pelo custo, significa improbidade
administrativa, na medida em que sua interpretação do art. 152, da LGT, está
propiciando a apropriação de volumosos recursos de forma indevida pelos grupos
econômicos privados operadores do SMP com PMS, em detrimento do direito dos
cidadãos brasileiros e do ambiente competitivo.
90. Já há precedentes jurisprudenciais nesse sentido, como se pode verificar da
seguinte decisão proferida em ação promovida pela GVT:
Embora encerrem razoabilidade os argumentos da ANATEL, é
relevante considerar que a fundamentação levada a efeito pela Agravada (GVT)
demonstra, basicamente, que:
a) a norma inscrita no art. 152 da Lei Geral de Telecomunicações
(6)
(Lei 9.472/97) instituiu, com precisão e objetividade, critério para a fixação
do preço do Valor de Uso de Rede Móvel (VU-M), qual seja, VALOR ISONÔMICO E
JUSTO QUE ATENDA AO ESTRITAMENTE NECESSÁRIO PARA REMUNERAR A PRESTAÇÃO DO
SERVIÇO DE INTERCONEXÃO COM A REDE MÓVEL. Se a própria Anatel elegeu, no art. 14
da Resolução 396/2005 , o modelo de custos como referência para a resolução de
conflitos relacionados à pactuação do VU-M, parece lógico que o preço justo do
VU-M seria o que refletisse os custos de realização da operação de terminação da
chamada, sem gerar lucros para as operadoras de telefonia celular;
(6)
Art. 152. O provimento da interconexão será realizado em termos não
discriminatórios, sob condições técnicas adequadas, garantindo preços isonômicos
e justos, atendendo ao estritamente necessário à prestação do serviço.
b) se é certo que tais empresas devem receber como contraprestação pelo VU-M
apenas e tão somente a quantia que signifique a cobertura de seus custos
operacionais, também é verdade, de outro lado, que a realidade do mercado
nacional evidencia a concessão pelas empresas de Serviço Móvel Pessoal – SMP de
diferentes vantagens/promoções ao consumidor final em termos de redução
substancial de preços para os usuários de seus próprios serviços, o que denota o
auferimento de lucro, em ordem a justificar a redução no preço do VU-M, que hoje
é praticado em R$ 0,393 (trinta e nove vírgula três centavos), por minuto;
c) embora não se tenha como estabelecer, em decisão judicial, sem amparo em
perícia, de forma definida e conclusiva, a relação entre o Valor de Uso de Rede
Móvel (VU-M) e a Tarifa de Uso de Rede Local (TU-RL – preço alusivo à terminação
de chamadas para a rede fixa), certo é, porém, que se constata uma elevada
disparidade entre as respectivas tarifas, vale dizer, as operadoras de telefonia
fixa arcam com a tarifa de R$ 0,393 (trinta e nove vírgula três centavos) por
minuto, nas ligações efetuadas de rede fixa para celular, ao passo que as
operadoras de telefonia móvel suportam o preço de apenas R$ 0,03 (três centavos)
nas ligações originadas de usuários de rede de telefonia móvel para as redes de
telefonia fixa.
Dessa sorte, constatadas as distorções que se nos apresentam e que defluem do
quadro fático reinante nos autos, considero representar, no mínimo, pleito
revestido de razoabilidade o quanto deduzido pela Agravada, no que diz respeito
ao seu intento de continuar efetuando o depósito da diferença entre a quantia
apurada em perícia técnica pela empresa de consultoria Price Waterhouse Coopers
and Spectrum e que serviu de base para o Juízo de 1º grau, em primeiro plano,
acolher sua pretensão de pagar o valor, à guisa de tarifa de VU-M de R$ 0,2899
(vinte e oito vírgula noventa e nove centavos), por minuto de ligação VC-1,
procedendo, porém, ao depósito da diferença.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento da Anatel. É o meu
voto.
TRF1, AG 200701000528200: Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE DEUS; Órgão
julgador: QUINTA TURMA; Fonte: e-DJF1 DATA:17/04/2009 PAGINA:461).
91. Pelo exposto, concluímos no sentido de que a única interpretação jurídica,
razoável e adequada às finalidades da ordem econômica expressas na Constituição
Federal e ao regime imposto às redes de telecomunicações, por meio dos
dispositivos legais da LGT mencionados acima, que se pode dar à expressão
“atendendo ao estritamente necessário à prestação do serviço” é a de que ela vem
complementar e reforçar a expressão imediatamente anterior de que os preços
cobrados pela interconexão devem ser isonômicos e justos, e, portanto,
totalmente atrelados ao respectivo custo.
É o que nos parece, salvo melhor juízo.
Flávia Lefèvre Guimarães