FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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WirelessBrasil
Março 2014 Índice Geral
18/03/14
• Marco Civil da Internet – neutralidade,
privacidade, censura e a contra-informação
Não é só aqui que as teles se debatem contra o movimento mundial em defesa da
neutralidade que se opõe à gana de apropriação do espaço público que é a
internet, surgida da interconexão entre as redes mundiais de caráter público e
que se revela hoje como poderoso ambiente para comunicação social,
desenvolvimento da educação, cultura, informação e exercício de direitos
políticos.
O Parlamento Europeu, diante das investidas das operadoras de telecomunicações
de lotear a internet de acordo com interesses privados de grandes grupos
econômicos, já em 17 de novembro de 2011, editou resolução (P7_TA(2011)0511)
alertando para o risco de comportamento anti-concorrencial e discriminatório na
gestão do tráfego de dados, especialmente por empresas que operam múltiplos
serviços de modo a preservar a Internet aberta nos estados que integram a União
Européia.
Um outro exemplo, ocorrido recentemente em 2013, foi o recurso da Verison –
operadora de telecom – contra a Open Internet Order – regra baixada pelo Federal
Communications Commission (FCC) – órgão equivalente à ANATEL nos EUA –
instituída para garantir a neutralidade das redes.
O recurso da Verison foi provido. Mas não porque o tribunal tenha rechaçado a
neutralidade, mas porque entendeu que a FCC não tem atribuições legais para
regulamentar sobre este tema.
Poder regulamentar e ANATEL
E este último exemplo tem tudo a ver com os ataques infundados, numa clara
campanha de desinformação desleal promovida pelas teles, no sentido de que o
Marco Civil da Internet (MCI), ao estabelecer no art. 9º que a neutralidade será
regulamentada por Decreto, estaria introduzindo mecanismo de censura,
viabilizando que os governos criem filtros para o tráfego de dados na internet,
cerceando o direito dos internautas.
O primeiro ponto a ser esclarecido nesta discussão é quem possui atribuição
legal para editar regulamentos para a aplicação das leis.
E a resposta está nos arts. 84, inc. IV e 87, §1º, da Constituição Federal, que
atribuem este poder privativamente ao Presidente da República e Ministros de
Estado, que manifestam seus atos normativos por meio de Decretos.
Além disso, a neutralidade diz respeito à direito de acesso à internet e impede
o tratamento discriminatório dos internautas por razões comerciais, políticas,
religiosas etc..., temas estes que estão alçados ao patamar de políticas
públicas. Ocorre que as Agências Reguladoras são meras implementadoras de
políticas pré-definidas por lei ou por decretos regulamentadores.
Portanto e considerando que a neutralidade implica em questões de ordem técnica
para operação das redes, o art. 9º, do MCI necessariamente terá de ser objeto de
regulamentação, o que só pode ocorrer por meio de Decreto expedido pelo
Presidente da República ou Ministro das Comunicações e, só posteriormente, de
atuação da ANATEL para fazer cumprir o que ficar estabelecido, editando atos por
meio dos quais exercita o poder de regulação e fiscalização e não
regulamentação.
Ou seja, o texto do MCI só repete o que já está na Constituição Federal e não
implica na autorização para que governos implantem o vigilantismo e o
cerceamento dos direitos à livre manifestação do pensamento e à informação.
O uso que os governantes fazem de suas atribuições legais são questões de outra
ordem e que não se confundem com os objetivos do MCI.
Sendo assim, a Emenda Aglutinativa apresentada pelo Deputado Eduardo Cunha
(PMDB/RJ), neste mês de março, ao modificar o texto do art. 9º, para atribuir a
ANATEL o papel de regulamentar sobre a neutralidade, afronta as competências
estabelecidas pela Constituição Federal.
O marco civil é um projeto da sociedade brasileira
A campanha de contra-informação promovida pelas teles tem contado com um
representante poderoso – o Deputado Eduardo Cunha, que com muita habilidade tem
conseguido impedir, desde novembro de 2012, a votação do MCI.
Dentre os falaciosos e sorrateiros argumentos cochichados nos ouvidos de
parlamentares pouco esclarecidos a respeito do assunto, está o de que se trata
de um projeto do Partido dos Trabalhadores (PT) e que vai ser capitalizado neste
momento eleitoral. Este argumento não resiste à seguinte reflexão: é justamente
o PMDB, que faz parte da base aliada do PT, que está impedindo a votação. Por
outro lado, partidos como o PSOL, que faz oposição ao governo, estão defendendo
ardentemente a aprovação do MCI.
Na verdade, trata-se de projeto construído de forma multiparticipativa. Basta
acessar o blog do Cultura Digital, no site do Ministério da Justiça, e constatar
que o texto conta com centenas de contribuições de inúmeros setores da
sociedade.
Além disso, o mundo inteiro hoje está preocupado com a regulamentação da
internet e sua governança. Seria ingênuo, se não estivesse clara a intenção
daqueles que agem numa campanha de desinformação reprovável à serviço do poder
econômico das teles, acreditar que um espaço fundamental e abrangente como é a
internet pudesse ficar à margem de normas que impeçam a sua apropriação pelos
mais poderosos.
A internet é um espaço que implica em direitos difusos. Podemos fazer o paralelo
com as florestas. Imaginem o que restaria da Floresta Amazônica hoje se não
fosse o Código Florestal?
Portanto, o discurso das teles é pernicioso, pois promove a confusão entre
interesse público – a necessidade que as sociedades têm hoje de um marco legal
para a internet – e interesses privados - dos partidos, das empresas, dos
governos. Tuitando no último dia 17 de março o Deputado Eduardo Cunha disse o
seguinte: “Estamos defendendo a internet livre, sem regulação. Essa foi a
decisão da bancada”.
Para os incautos que caem neste discurso, sugiro uma reflexão: as leis não são
de ninguém e ao mesmo tempo é de todos e qualquer um de nós, inclusive os
políticos precisam de ferramentas institucionais capazes de assegurar a
democracia. A ausência de regras para a internet só tem utilidade para
interesses privados que veem neste espaço um grande ambiente de negócios e para
a proliferação de interesses escusos.
Vigilantismo e censura
Outro argumento usado pelo exército de retrógrados arregimentado pelas teles
para tentar impedir a aprovação do MCI é o de que ele viabilizaria o
vigilantismo e a censura. Mas a censura só ocorrerá caso não tenhamos regras
claras de neutralidade e convivência de conteúdos na internet.
Aliás, o que vem ocorrendo com a NSA nos EUA, investigando governos,
governantes, empresas e cidadãos, como nos contou Edward Snowden, só reforça a
necessidade de que se estabeleçam regras para a governança e uso da internet.
Ou também com a ação movida por Aécio Neves contra o Google, com o objetivo de
retirar do acesso ao público as informações que, embora verdadeiras, lhes sejam
desfavoráveis.
A campanha de contra-informação é rasa. Os lobbystas contratados para realizar
interferências em grupos de discussão e posts em defesa do MCI apresentam
discurso errático e superficial.
Quem visitar a página do Facebook do Deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) e acessar um
post de 12 de março em defesa do MCI pode constatar o grande interesse que o
tema desperta – foram mais de 3.300 compartilhamentos e mais de 300 comentários,
alguns feitos por esta que vos escreve em resposta a manifestações bizarras de
quem tem a coragem de comparar internet com pipoca, pasmem!
Os que promovem a desinformação, tentam passar por cima do fato incontestável de
que o acesso à banda larga é um direito fundamental já declarado pela ONU, tendo
em vista seu papel estratégico para a atuação dos estados e para a sociedade
civil.
E nesse cenário o MCI é fundamental. Primeiro porque deixa expresso o caráter
público e a finalidade social das redes e depois e consequentemente, porque
introduz mecanismos institucionais de proteção aos usuários e consumidores, tais
como garantias de acesso, privacidade, liberdade, transparência na contratação
de serviços e cobranças e equidade no tratamento.
Então, não se deixem enganar por quem diz que defende a internet livre, mas está
financiado por empresas que querem fazer da internet uma versão moderna das
capitanias hereditárias.