FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
WirelessBrasil
Abril 2015 Índice Geral
23/04/15
• CARTA À PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF, O FACEBOOK E A
LIBERDADE DE EXPRESSÃO - por Flávia Lefèvre
No final desta página está transcrita a carta assinada por diversas entidades da
sociedade civil e cidadãos mobilizados na campanha MARCO CIVIL JÁ, entre elas a
PROTESTE - Associação de Consumidores.
Ficamos surpresos com o anúncio da Presidente a respeito de possível contrato a
ser celebrado entre o governo brasileiro e o Facebook.
Foi chocante ver a Presidente comparar os resultados do Facebook com a chegada
da energia elétrica para iluminar nossas vidas, vestida com a logomarca do
Facebook ao lado da bandeira do Brasil.
A surpresa se deveu também ao fato de que o Governo está em pleno processo de
consulta pública para regulamentação de dispositivos fundamentais do Marco Civil
da Internet, como é o caso da neutralidade, que será afetada fortemente com o
possível projeto internet.org.
Presidenta Dilma anuncia parceria do governo brasileiro com o Facebook » Blog do
Planalto
Pessoalmente, não consigo entender que a mesma Dilma Rousseff que reagiu à
vigilância arbitrária revelada por Edward Snowden, fazendo discurso contundente
na ONU e que teve papel decisivo para a aprovação do Marco Civil da Internet,
possa cogitar de cumprir o dever do Estado de promover a inclusão digital por
intermédio de um projeto desenhado a quatro mãos com o Facebook - um dos maiores
aspiradores de dados pessoais linkado diretamente com a Agência Nacional de
Segurança (NSA) dos EUA, sem ouvir a sociedade.
Imprensa
internacional destaca 'duro ataque' de Dilma à espionagem dos EUA - Política -
Estadão
Ao mesmo tempo do anúncio feito pela Presidente, veio à tona incidente
demonstrando que o Facebook desrespeitou a garantia de liberdade de expressão
assegurada pela Constituição Federal e pelo Marco Civil da Internet, como
revelou na semana passada o Ministro Juca Ferreira.
Ministério da Cultura aciona Facebook por censurar foto de casal indígena |
Agência Brasil
De acordo com o art. 19 do Marco Civil da Internet, conteúdos postados só podem
ser retirados por ordem judicial. A exceção a esta regra só vale nos casos de
violação da intimidade pela divulgação de cenas de nudez ou atos sexuais.
"Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a
censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser
responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no
âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado,
tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as
disposições legais em contrário".
"Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado
por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade
decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de
vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de
caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou
seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos
limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo".
Porém, o Facebook resolveu retirar uma foto postada pelo Ministério da Cultura
retratando uma índia de dorso nú. E, depois de ter sido notificado pelo MinC,
resistiu em restituir a postagem, o que motivou forte reação do Ministro Juca
Ferreira, que anunciou o ajuizamento de ação contra o Facebook.
Esperamos que a Presidente Dilma leia com cuidado nossa carta e abra uma
discussão transparente com a sociedade a respeito do acordo anunciado; inclusive
porque em países em que esse tipo de projeto foi implantado, tem havido
desrespeitos graves à direitos dos consumidores e concentração que inviabiliza a
concorrência e a inovação.
Dear Mark Zuckerberg, Facebook is not, and should not be the internet
An open letter to Mark Zuckerberg on Net neutrality
No Panamá, o acordo assinado entre o Governo e o Facebook foi coberto de
mistério e desrespeito ao direito concorrencial.
Conflictivo anuncio de Internet.org en Panamá para el mercado móvil
Não queremos perder as grandes e importantes conquistas introduzidas com o Marco
Civil da Internet.
Abraço
Flávia Lefèvre Guimarães
CARTA À PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF
São Paulo, 23 de Abril de 2015
À Exma.
Presidenta da República Federativa do Brasil
Sra. Dilma Rousseff
Att.: Carta à Presidenta Dilma Rousseff sobre o acordo com o Facebook
Exma. Sra. Presidente,
As organizações e indivíduos abaixo-assinados manifestam sua contribuição ao
debate com relação ao recente anúncio realizado por Vossa Excelência durante a
7ª Cúpula das Américas sobre o estabelecimento de uma parceria com o Facebook
para a implementação do projeto "Internet.org" no Brasil.
Embora estejamos de acordo com o diagnóstico de que há um grande déficit na
qualidade e na extensão do acesso à Internet fixa e móvel em países em
desenvolvimento como o Brasil, consideramos que este projeto, promovido pelo
Facebook em diversos países da América Latina, África e Ásia, pode colocar em
risco o futuro da sociedade da informação, da economia no meio digital e os
direitos dos usuários na rede, como a privacidade, a liberdade de expressão e a
neutralidade da rede.
Pelo que foi apurado sobre o projeto até o momento, acreditamos que ao prometer
acesso gratuito e exclusivo a determinados serviços e aplicativos o Facebook
está na verdade limitando o acesso à Internet aos demais serviços existentes na
rede e oferecendo aos que têm menos recursos econômicos o acesso à apenas uma
parte do que constitui a Internet, o que viola os fundamentos e princípios
basilares do Marco Civil da Internet (Lei nº 12965), da Declaração
Multissetorial do NETMundial e dos Princípios para a Governança e Uso da
Internet no Brasil do CGI.br (RES/2009/003/P), conforme elencamos a seguir:
• A lei nº 12965 institui como fundamento do uso da Internet a liberdade de
expressão, o reconhecimento da escala mundial da rede, a pluralidade e a
diversidade, a abertura e a colaboração, a livre iniciativa, a livre
concorrência e a defesa do consumidor (art.2º), assim como reconhece os
princípios da proteção à privacidade, a preservação e garantia da neutralidade
de rede e a garantia da preservação da natureza participativa da rede (art.3º).
Lembramos também que a referida lei estabelece como objetivo do uso da Internet
o direito de acesso a todos, o acesso à informação, ao conhecimento, à
participação na vida cultural e política, a inovação e a adesão a padrões
tecnológicos abertos(art.4º);
• O Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet (NETMundial)
reconheceu que a Internet é um recurso global que deve ser gerida pelo interesse
público e identificou um conjunto de princípios comuns e valores, dentre os
quais gostaríamos de ressaltar o caráter de espaço unificado e não fragmentado,
onde datagramas e informação fluam livremente de ponta a ponta independentemente
de seu conteúdo legal, a proteção e promoção da diversidade cultural e
linguística, a arquitetura aberta e distribuída, preservando o ambiente fértil e
inovador, a promoção de padrões abertos consistentes com
os direitos humanos e com o desenvolvimento e a inovação na rede, e a
preservação de um ambiente favorável à inovação sustentável e à criatividade,
reconhecendo o empreendedorismo e o investimento em infraestrutura como
condições para a inovação;
• Os Princípios para a Governança e Uso da Internet do Brasil aprovados pelo
CGI.br, o Comitê Multissetorial de Governança da Internet no Brasil, buscam
embasar e orientar ações e decisões com vistas à governança democrática e
colaborativa, preservando e estimulando o caráter de criação coletiva da
Internet, a universalidade, a diversidade, a inovação, a neutralidade e a
padronização e interoperabilidade da rede.
Enfatizamos ainda que essa estratégia do Facebook e de outras grandes empresas,
realizada em parceria com as operadoras de telecomunicações, representa uma
grave violação da regra da neutralidade quando promove "acesso para todos" sob a
máxima "internet grátis". Esta prática que permite que apenas alguns aplicativos
e serviços tenham privilégios na rede é conhecida internacionalmente como
zero-rating (taxa zero) e, mesmo que possibilite o uso dos serviços mais
populares, no longo prazo acaba gerando concentração da infraestrutura e
monopólio sobre o tráfego de dados na rede, reduzindo tanto a disponibilidade de
conteúdos, aplicativos e serviços na Internet, quanto a liberdade de escolha do
usuário. Com isso, cabe perguntarmos como se espera que o Brasil desenvolva o
setor de aplicativos, um dos mercados que mais cresce no mundo, se estes terão
limitado seu acesso a grande parte da população.
O modelo proposto pelo projeto Internet.org também traz efeitos desastrosos ao
desenvolvimento de culturas regionais, comprometendo o direito de acesso à
informação ao violar outro princípio fundamental do Marco Civil e da declaração
Multissetorial do NETMundial, que é a liberdade de expressão. Em geral,
plataformas como Facebook controlam por meio dos seus algoritmos e termos de uso
os conteúdos e dados que circulam na rede, determinando de maneira centralizada
e de acordo com critérios próprios e pouco transparentes os conteúdos mais
visualizados pelos usuários.
Tal cenário se agrava se lembrarmos que boa parcela da receita das empresas de
Internet e operadoras de telefonia são hoje provenientes da venda de aplicações
e conteúdos que acabam sendo fornecidos de forma imposta e verticalizada nos
pacotes de serviços. A formação de conglomerados econômicos, devido ao processo
de convergência dos meios de comunicação, tem feito com que as empresas que
prestam serviços de acesso à Internet sejam as mesmas que fornecem conteúdos,
gerando ainda mais concentração. Essa redução do número de serviços e
aplicativos disponíveis resulta no desrespeito ao direito de escolha dos
consumidores e à livre concorrência, na limitação da diversidade cultural e no
cerceamento do livre fluxo de informações na rede.
Não podemos esquecer ainda que a plataforma tecnológica do Facebook tem sido uma
das principais portas para a vigilância em massa, colocando em risco outro
importante princípio do Marco Civil e da declaração Multissetorial do NETMundial
que é a privacidade dos cidadãos. A ausência de uma lei de proteção de dados no
país agrava o problema e faz com que hoje os possíveis usuários dos serviços que
serão disponibilizados pelo Internet.org fiquem vulneráveis aos
interesses comerciais dessa plataforma e às pressões políticas que uma empresa
com sede nos Estados Unidos está sujeita.
É por considerar que a universalização do acesso à Internet se dá a partir de
políticas coerentes com a sua essencialidade, o que passa pela prestação do
serviço de telecomunicações que lhe dá suporte também em regime público e pelo
fortalecimento de políticas já existentes, tais como cidades digitais,
provedores comunitários integrados a telecentros, pontos de cultura, GESAC,
estações digitais e iniciativas de comunicação comunitária, que nos posicionamos
veementemente contra o acesso privilegiado ao mercado e aos dados dos
brasileiros que o Facebook pretende obter com seu projeto através do
Internet.org. Cabe também mencionar que existem excelentes alternativas
internacionais que poderiam ser aproveitadas, tais como o Plan Ceibal no
Uruguai, que busca
fomentar as redes livres, o GuifiNet, uma parceria entre sociedade, ONGs e
governos, OpenWRT, Commotion Wireless, entre outros.
Por último, vale lembrar que o Brasil possui um enorme contingente de
organizações e ativistas que vêm atuando na promoção da inclusão digital. Ainda
que nas políticas de acesso à banda larga o diálogo entre governo e sociedade
civil não tenha se estabelecido de maneira satisfatória como ocorreu no Marco
Civil, a aprovação da lei e seu processo de regulamentação são exemplares no
incentivo à participação social e na existência de um canal efetivo de
interlocução entre ambos os setores. A notícia de uma parceria com a empresa
Facebook sem qualquer conhecimento prévio da sociedade civil, no entanto,
diverge da postura democrática, transparente e inclusiva que tem sido adotada
nas decisões e discussões relacionadas ao Marco Civil da Internet.
Conforme o exposto acima, concluímos que é de extrema importância que se
preserve o desenvolvimento da economia digital e que se garantam os direitos
estabelecido pela Marco Civil da Internet assim como os princípios estabelecidos
no encontro multissetorial NETMundial. Assim, as entidades ora signatárias
requerem:
(i) Que não sejam firmados quaisquer acordos com a empresa Facebook no âmbito da
sua iniciativa Internet.org que tenham como objeto o provimento de acesso grátis
à Internet;
(ii) Que quaisquer acordos que venham a ser firmados com a empresa Facebook - ou
quaisquer outras empresas - respeitem os direitos positivados pelo Marco Civil,
em especial o da neutralidade de rede; e
(iii)Que se busque realizar amplo debate com a sociedade civil antes de fechar
acordos desse tipo.
Desde já nos colocamos à disposição para um encontro presencial com Vossa
Excelência para
debatermos melhor o assunto e certos de sua habitual atenção, subscrevemos.
Artigo19
Associação Brasileira de Centros de Inclusão Digital - ABCID
Associação Software Livre do Brasil - ASL
Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé
Co:Laboratório de Desenvolvimento e Participação – COLAB/USP
Coletivo Digital
Coletivo Soylocoporti
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação - FNDC
Frente Acorda Cultura
Hacklab Independência
Instituto Bem Estar Brasil
Instituto Beta Para Internet e Democracia - IBIDEM
Instituto de Defesa do Consumidor - Idec
Instituto Telecom
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Movimento Mega
PimentaLab – Unifesp
PROTESTE - Associação de Consumidores
Recursos Educacionais Abertos Brasil – REA-Br
Rede Livre
União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e Cultura -
ULEPICC-Br
Anahuac de Paula Gil
Augusto César Pereira da Silva
Bruno Freitas
Camila Agustini
Raphael Martins
Diego Viegas
Hilton Garcia Fernandes
Iuri Guilherme dos Santos Martins
Marco Gomes
Raphael Martins
Reinaldo Bispo
Thadeu Cascardo
Thiago Zoroastro