FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
WirelessBrasil
Junho 2015 Índice Geral
18/06/15
• Bloqueio da conexão à Internet móvel: a opinião de Flávia Lefèvre
Fonte: Mobile Time
[18/06/15]
Bloqueio da conexão à Internet móvel: a opinião de Flávia Lefèvre
Flávia Lefèvre é advogada da Proteste
Em abril de 2014 foi editado o Marco Civil da Internet (MCI). A Lei 12.965
estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no
Brasil e determinou as diretrizes para atuação da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios em relação à matéria.
O MCI seguiu a linha do que já havia sido reconhecido pela Comissão de Direitos
Humanos da ONU há quase 5 anos e pelo Net Mundial, ocorrido em abril de 2014 no
Brasil, que reconheceram o caráter público da Internet e sua respectiva
infraestrutura, com vistas a preservar seu carácter global e aberto como motor
para acelerar o progresso rumo ao desenvolvimento.
Os mais relevantes fundamentos estabelecidos pela lei, na perspectiva dos
direitos dos usuários, são a liberdade de expressão, os direitos humanos, o
desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais, a
defesa do consumidor e o reconhecimento da finalidade social da rede.
Quanto aos princípios e objetivos, a preservação e garantia da neutralidade da
rede, o direito de acesso de todos à Internet, à informação e ao conhecimento,
também merecem destaque quando tratamos das relações contratuais que se
estabelecem entre empresas fornecedoras do serviço de conexão à Internet e os
usuários.
Sendo assim e com vistas a realizar os valores eleitos pelo legislador, a lei
atribuiu uma série de tarefas para União, Estados, Municípios e Distrito
Federal, no sentido de promover a racionalização da gestão e a expansão do uso
da Internet, estabelecendo que o Estado deve, periodicamente, formular e
fomentar estudos, bem como fixar metas, estratégias, planos e cronogramas,
referentes ao uso e desenvolvimento da Internet no País.
Não há dúvida, portanto, que a lei, como admite a Constituição Federal (§1º,
art. 9º), alçou o acesso à Internet ao patamar de serviço público essencial, com
relação ao qual o Poder Público ficou incumbido de assegurar, ainda que sua
prestação possa se dar por particulares.
E, como consequência da natureza de serviço essencial, vêm necessariamente três
princípios intrínsecos, quais sejam: a universalidade, continuidade e a
igualdade, mesmo quando se trata de atividades econômicas prestadas pela
iniciativa privada (serviços públicos não-privativos do Poder Público), como é
sabido nas mais básicas lições de direito administrativo.
Por conseguinte, o desafio para os Poderes Públicos é grande, na medida em que a
oferta de infraestrutura no país está muito aquém da crescente demanda por
capacidade de redes para atender a sociedade, que cada vez mais depende da
Internet, inclusive, para acessar outros serviços públicos que hoje só se
consegue através dela, tais como obtenção de certidões públicas, declaração de
imposto de renda, lavratura de boletim de ocorrência, inscrição em programas
sociais e educacionais como o FIES, por exemplo, entre outros.
Mas o desafio não envolve apenas o Estado, mas também as empresas que atuam no
setor, que devem adequar suas práticas às orientações da nova lei.
Nessa direção, é crucial o que determina o MCI quanto aos direitos e garantias
dos usuários, especialmente quando determina que o acesso à Internet é essencial
para o exercício da cidadania e assegura diversos direitos, especialmente os de
não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de
sua utilização.
É com base na interpretação das disposições legais mencionadas acima que temos
defendido o direito à manutenção do acesso à Internet durante todo o mês
contratado, desde que o consumidor esteja em dia com seus pagamentos.
Ou seja, entendemos que o bloqueio do acesso à Internet é ilegal, mesmo nos
casos em que o contrato estabeleça um volume de dados por mês, por meio de
planos franqueados.
E este entendimento encontra respaldo também em outra disposição do MCI, que
garante o direito à neutralidade da rede, de modo que os provedores estão
obrigados a tratar de forma isonômica quaisquer pacotes de dados, sem distinção
por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação; estando
igualmente proibido na provisão de conexão à Internet, onerosa ou gratuita, bem
como na transmissão, comutação ou roteamento o bloqueio dos pacotes de dados.
Assim, todos os tipos de planos ofertados no mercado têm de garantir que os
pacotes de dados recebam o mesmo tratamento, podendo variar apenas a velocidade
contratada.
E é assim que as empresas vinham contratando nos planos franqueados: finalizado
o volume de dados ajustado, a velocidade do provimento era reduzida. Milhões e
milhões de contratos foram celebrados neste modelo, inclusive aqueles com base
no plano de banda larga popular.
É certo que as franquias contratadas são pífias – e as mais generosas não
ultrapassam 500 MB por mês – e que não há limites para a redução da velocidade
do provimento, pois a Anatel tem aberto mão de sua tarefa de definir um patamar
mínimo que se possa considerar banda larga. Todavia, o certo é que, encerrada a
franquia, ainda que com velocidade muito reduzida, o consumidor continuava a ter
acesso à Internet.
Porém, a partir do início desse ano, muitas operadoras resolveram alterar os
contratos já em curso, passando a bloquear o acesso, em claro desrespeito ao
Código de Defesa do Consumidor, que proíbe alterações unilaterais do contrato. E
quanto aos contratos novos formulados no modelo de bloqueio ao final da
franquia, o desrespeito é ao MCI, que está vigente desde junho de 2014.
A PROTESTE – Associação de Consumidores ajuizou ação civil pública para garantir
a continuidade, que é uma das características dos serviços estabelecidos como
essenciais, como é o caso do acesso à Internet.
Admitir o bloqueio significa não só ignorar o caráter essencial e uma de suas
principais características – a continuidade (§1º, art. 9º e art. 175, da
Constituição Federal), mas também aceitar que teremos castas de consumidores:
aqueles com renda, com acesso ilimitado ao serviço essencial, e os de baixa
renda, que estarão sujeitos a uma navegação restrita, de forma absolutamente
incompatível com os fundamentos, princípios e objetivos estabelecidos pelo MCI.